O desenvolvimento histórico da interpretação dos “tempos determinados das nações” (607 AC – 1914)”

O espírito santo não revelou o entendimento dos “sete tempos” ao Pastor Russell. Esta ideia foi promovida ao longo do século 19 por outros escritores religiosos, tais como John Aquila Brown, William Miller, E. B. Elliott, Robert Seeley, Joseph Seiss e Nelson Barbour.

Introdução

Um equívoco comum entre as Testemunhas de Jeová é acreditar que a liderança original da organização delas foi guiada pelo espírito santo de Deus ao entendimento de que os últimos dias começariam em 1914. Isto ocorre porque as publicações da organização têm encorajado essa crença ao longo dos anos:

“… C. T. Russell escreveu um artigo intitulado “Tempos dos Gentios: Quando Terminam?” Foi publicado no Bible Examiner de outubro de 1876, e nele Russell disse: “Os sete tempos terminarão em 1914 A. D.” Vinculava corretamente os Tempos dos Gentios com os “sete tempos” mencionados no livro de Daniel. (Dan. 4:16, 23, 25, 32) Comprovando tais cálculos, 1914 deveras marcou o fim desses tempos e o nascimento do reino de Deus no céu, tendo a Cristo Jesus como rei. Pense só nisso! Jeová concedeu tal conhecimento a Seu povo cerca de quatro décadas antes de tais tempos expirarem.” (Anuário das Testemunhas de Jeová de 1976, pág. 37)

“Charles Taze Russell e seus companheiros estudantes da Bíblia deram-se conta, com décadas de antecedência, de que 1914 marcaria o fim dos Tempos dos Gentios, ou dos tempos designados das nações.” (Livro Revelação – Seu Grandioso Clímax Está Próximo!, 1988. Citado aqui da edição de 2012, quadro na pág. 105).

(Os grifos foram acrescentados nas duas citações.)

Nada mais longe da verdade. Esse entendimento sobre os “sete tempos” não foi uma ‘revelação divina’ e Russell e seus associados não ‘se deram conta’ disso por si mesmos. Na realidade, esta era uma ideia corriqueira entre os Segundo Adventistas, um movimento com o qual Russell se envolveu por volta de 1870.

Em 1823, John Aquila Brown publicou em The Even-Tide [O Anoitecer] que os “sete tempos” de Daniel 4 eram um período profético de 2.520 anos, a serem contados desde o início do reinado de Nabucodonosor em 604 A.C. até 1917 D.C. Ele não igualou isso com o fim dos Tempos dos Gentios.

Na década de 1830, um fazendeiro americano chamado William Miller alegou que várias profecias se concluiriam em 1843, e assim chegou à conclusão de que os “sete tempos” de Daniel 4 também haveria de terminar em 1843. Para tanto, ele afirmou que os sete tempos começaram quando Manassés foi levado cativo para Babilônia em 677 A.C. Isto significaria o ‘tempo do fim’, a destruição de Babilônia e o momento em que os mortos seriam ressuscitados. Apollos Hale e Sylvester Bliss corrigiram essa data removendo o ano zero que Miller havia usado no cálculo, adiantando o tempo do fim para o ano de 1844. Por sugestão de Miller, Samuel Snow calculou que o fim chegaria em 22 de outubro. Isto seria para corresponder com o décimo dia do sétimo mês judaico, o Dia da Expiação para o ano de 1844. Em vez de usar o calendário judaico atual, ele usou um calendário mais antigo inventado pelos judeus caraítas. As Testemunhas de Jeová ainda usam até hoje o calendário caraíta em seus cálculos, inclusive para a data da sua celebração anual da morte de Cristo.

Tabela profética de William Miller

(Clique nas imagens para ampliar)

Em 1840, John Dowling previu que a profecia de Miller para o ano de 1843 não se cumpriria. A seguinte citação do artigo de Dowling, An Exposition of the Prophecies, Supposed by William Miller to Predict the Second Coming of Christ, in 1843 [Uma Exposição das Profecias, que William Miller Supõe Predizer a Segunda Vinda de Cristo, em 1843], aplica-se igualmente à liderança das Testemunhas de Jeová:

“O Sr. Miller não é o primeiro expositor de profecias que tentou dogmaticamente decidir o próprio ano da vinda de Cristo. Não ocuparei estas páginas relatando as histórias individuais dos intérpretes sábios e positivos de tempos proféticos, que precederam o Sr. Miller na fixação do ano do Julgamento. As histórias deles foram todas semelhantes. Assim como o Sr. M., eles conseguiram despertar um certo grau de alarme nos corações de algumas pessoas simples, que esqueceram que Cristo disse “daquele dia e hora ninguém sabe” – o tempo passou – o ano passou, e o profeta e sua doutrina foram esquecidos”.

O leitor, ainda que parcialmente familiarizado com a história do mundo, e não apercebido da maneira como o Sr. M. continua a fazer seus cálculos para finalizarem todos no ano de 1843, pensa ao ler o livro que existem, para se dizer o mínimo, algumas coincidências muito impressionantes, e se sente consideravelmente atordoado, se não convencido.

Que o leitor examine este trecho e o capítulo (Daniel 4) do qual foi tirado, e então imagine, se puder, com que grau de criatividade o Sr. M. extrai dele uma prova da vinda de Cristo para julgamento em 1843. Daí ele examina sua cronologia bíblica e descobre que no ano 677 AC um dos reis de Judá, chamado Manassés, foi levado prisioneiro para a Babilônia. Aqui, então, diz o Sr. M., deve começar esta punição de sete tempos.”

Quando 1844 provou ser uma falsa profecia, isso foi reformulado pelos Segundo Adventistas, como Barbour. A data inicial foi movida para 606 A.C., baseando-se numa data incorreta para a destruição de Jerusalém, com o término previsto para 1914 D.C.

The Herald of the Morning [O Arauto da Manhã], editada por Barbour, Cogswell e Paton, declarou em 1875:

“Creio que, embora a dispensação do evangelho termine em 1878, os judeus só serão restaurados à Palestina em 1881; e que os “tempos dos gentios”, isto é, seus sete tempos proféticos, de 2520, ou duas vezes 1260 anos, que começaram onde Deus entregou tudo, nas mãos de Nabucodonosor, 606 A.C.; só terminarão em 1914 D.C.; ou daqui a 40 anos.” – O Arauto da Manhã, setembro de 1875.

Barbour escreveu que a medição da grande pirâmide confirmava que os tempos dos gentios terminariam em 1914.

“… essas 33 polegadas adicionadas à medida do piso da Grande Galeria 1881, fazem de 1914 a data do fim de “Os Tempos dos Gentios.” – O Arauto da Manhã, janeiro de 1876.

Russell conheceu Barbour em 1876 e juntou-se a ele na publicação de suas doutrinas. Foi de Barbour que Russell herdou a ideia de que Daniel 4 é uma profecia do fim dos tempos, sendo os tempos dos gentios esperados para anunciar a conclusão do Armagedom, e que as medidas da grande pirâmide poderiam ser usadas para calcular cumprimento de profecia, tudo apontando para 1914.

Estudos nas Escrituras – Volume 3 – Thy Kingdom Come [Venha o Teu Reino], edição de 1911, gravura que antecede a folha de rosto. (Clique na imagem acima para ampliar)

A página 342 desta edição dizia:

“… a Pirâmide dá testemunho de que o fim de 1914 será o início do tempo de tribulação…”

(Para mais informações sobre o conteúdo dos Estudos nas Escrituras sobre este assunto veja o Apêndice.)

O que a liderança das Testemunhas de Jeová predisse? 1914 ou 1874?

As publicações atuais das Testemunhas de Jeová não são transparentes sobre a história de sua interpretação referente a 1914. Russell e Rutherford acreditavam que a presença invisível de Jesus tinha começado em 1874. O fim dos tempos dos gentios em 1914 significaria o governo visível de Deus retornando à terra.

“Nosso Senhor, o Rei designado, está agora presente desde outubro de 1874 D.C., de acordo com o testemunho dos profetas, para aqueles que têm ouvidos para ouvir: e a inauguração formal de seu ofício real data de abril de 1878, D.C.” – Estudos nas Escrituras – Volume IV (1897) pág. 621.

“A prova bíblica é que a segunda presença do Senhor Jesus Cristo começou em 1874 D.C.” – Prophecy [Profecia], pág. 65.

“De 1874 em diante é o tempo da segunda presença do Senhor, conforme declarado acima sua evidência circunstancial cumprindo a profecia é o que constitui os fatos físicos, e é prova corroborativa da presença do Senhor desde 1874. … Sua presença começando em 1874, ele tem continuado seu trabalho de colheita de 1874 em diante” – Our Lord’s Return [O Retorno de Nosso Senhor], págs. 27, 33, 37.

Foi só na revista The Golden Age [A Idade de Ouro] de 1930, pág. 503 que Rutherford afirmou pela primeira vez que o retorno e a “presença” de Cristo tinham sido em 1914, em vez de 1874.

Sabendo disso, é revelador encontrar artigos da revista A Sentinela da atualidade afirmando desonestamente que a liderança da organização sempre entendeu que 1914 foi o ano em que começou a presença e o governo de Jesus.

“Por que, então, as nações não percebem e não aceitam a aproximação deste clímax de julgamento? É porque não deram atenção à proclamação mundial da volta de Cristo e de sua segunda Presença. Desde muito antes da Primeira Guerra Mundial, as Testemunhas de Jeová apontavam para 1914 como o momento para este grande evento ocorrer.” – A Sentinela de 15 de junho de 1954 (em inglês), pág. 370.

“… uma profecia fez providencialmente com que sinceros estudantes da Bíblia, no século 19, estivessem em expectativa. Por relacionarem os “sete tempos” de Daniel 4:25 com “os tempos dos gentios”, eles esperavam que Cristo recebesse o poder do Reino em 1914.” – A Sentinela de 15 de setembro de 1998, pág. 15.

O que todo esse revisionismo sugere sobre a honestidade e integridade da liderança das Testemunhas de Jeová? Se eles não hesitam em falsificar sua própria história, não deveria ser surpresa que também ignorem propositalmente os fatos sobre a data 607 AEC.

A expectativa original de que Jesus retornou invisivelmente em 1874 e que o fim dos tempos dos gentios em 1914 marcaria o retorno visível de seu reino era bem mais lógica do que o conceito atual de que o reino começou invisivelmente em 1914. Se a profecia dos sete tempos deveria significar o período da interrupção do governo visível de Deus, então também seria de se esperar que significaria o tempo em que o governo visível de Deus retornaria para substituir os reis da terra. Com a interpretação atual, não há como provar se o reino invisível de Deus começou a governar ou não.

Com o fracasso do fim do mundo em 1914, a maioria dos grupos adventistas veio a reconhecer que Daniel 4 não pretendia ter um segundo cumprimento profético e parou de fazer referência a isso.

Ao longo do último século, houve um acúmulo de evidências que provam, sem sombra de dúvida, que a destruição de Jerusalém ocorreu entre 586 e 587 A.C. Uma leitura objetiva da Bíblia e da história aceita isso sem problemas. A liderança das Testemunhas de Jeová tem forte interesse em 1914 e, portanto, em 607 A.C., e busca zelosamente descartar qualquer evidência contrária a essas datas.

Daniel capítulo 4 é o único texto bíblico usado pela liderança das Testemunhas de Jeová para apontar especificamente 1914 como o ano em que Jesus começou a governar. Visto que eles aplicam mal Daniel 4, não há qualquer razão para se pensar que os “últimos dias” começaram em 2 de outubro de 1914.

Apêndice: A mudança do ano do início da “grande tribulação” com base nas medições da Grande Pirâmide do Egito

Ao abordar o assunto da “grande tribulação” as primeiras edições da Aurora do Milênio (que depois tiveram o nome mudado para Estudos nas Escrituras) apontavam para o ano de 1874. Apresenta-se aqui uma cópia do que dizia a primeira edição do Volume 3 da série:

(Clique na imagem para ampliar)

Tradução:

“Então, se medirmos para trás a “Primeira Passagem Ascendente” até sua junção com a “Passagem da Entrada”, teremos uma data fixa para marcar na passagem descendente. Esta medida é de 1542 polegadas e indica o ano de 1542 A.C., como a data naquele ponto. Daí, medindo a “Passagem da Entrada” para baixo a partir desse ponto, para encontrar a distância até a entrada do “Poço”, representando a grande tribulação e destruição com a qual esta era terminará, quando o mal será derrubado do poder, descobrimos que são 3416 polegadas, simbolizando 3416 anos a partir da data acima, 1542 A.C. Este cálculo mostra 1874 D.C. como o início do período de tribulação; pois 1.542 anos A.C. mais 1.874 D.C. é igual a 3.416 anos. Assim, a Pirâmide dá testemunho de que o fim de 1874 será o início cronológico do tempo de tribulação, tal como nunca ocorreu desde que veio a haver nação – não, nem tampouco ocorrerá de novo. E assim será notado que esta “Testemunha” confirma plenamente o testemunho da Bíblia sobre este assunto…” – Aurora do Milênio – Volume 3 – Venha o Teu Reino – Edição de 1891 (grifo e sublinhado acrescentados).

A partir da edição de 1910, porém, isto foi mudado sem qualquer explicação:

(Clique nas imagens para ampliar)

Tradução:

“Então, se medirmos para trás a “Primeira Passagem Ascendente” até sua junção com a “Passagem da Entrada”, teremos uma data fixa para marcar na passagem descendente. Esta medida é de 1542 polegadas e indica o ano de 1542 A.C., como a data naquele ponto. Daí, medindo a “Passagem da Entrada” para baixo a partir desse ponto, para encontrar a distância até a entrada do “Poço”, representando a grande tribulação e destruição com a qual esta era terminará, quando o mal será derrubado do poder, descobrimos que são 3457 polegadas, simbolizando 3457 anos a partir da data acima, 1542 A.C. Este cálculo mostra 1915 D.C. como o início do período de tribulação; pois 1.542 anos A.C. mais 1.915 anos D.C. é igual a 3.457 anos. Assim, a Pirâmide dá testemunho de que o fim de 1914 será o início do tempo de tribulação, tal como nunca ocorreu desde que veio a haver nação – não, nem tampouco ocorrerá de novo. E assim será notado que esta “Testemunha” confirma plenamente o testemunho da Bíblia sobre este assunto…” – Estudos nas Escrituras – Volume III – Venha o Teu Reino – Edição de 1910 (grifo e sublinhado acrescentados).

Note-se que, curiosamente o mesmo trecho da Grande Pirâmide que havia sido originalmente usado para estabelecer “biblicamente” 1874 como o ano do “início cronológico do tempo de tribulação” estava sendo usado novamente para estabelecer outra data. Com uma simples alteração arbitrária da medida em polegadas (feita quietamente em 1910, com 1914 se aproximando), Charles Russell fez a Grande Pirâmide do Egito ‘confirmar plenamente o testemunho da Bíblia’ sobre o ano de 1914!

PARA SABER MAIS

Uma discussão mais abrangente deste assunto pode ser encontrada no artigo A História de Uma Interpretação.

Imagem em destaque: Da esquerda para a direita, William Miller (1782-1849), Nelson Horatio Barbour (1824-1905) e Joseph Augustus Seiss (1823-1904).

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