O Fim Definitivo dos Maus

INTRODUÇÃO

Atualmente, conforme atesta um crescente número de eruditos evangélicos (e outros), a evidência em favor da destruição total final dos ímpios (em lugar do conceito tradicional da tortura consciente sem fim, que derivou das teorias platônicas pagãs de almas imortais e indestrutíveis) está finalmente conseguindo parte da atenção que exige. Visto que quase todos nós temos contornado completamente o material relevante sobre este assunto por muito tempo, eu gostaria de apresentar um resumo conciso da argumentação contra o tormento infindável consciente do tradicionalismo e, ao mesmo tempo, a argumentação favorável à total, definitiva e eterna extinção dos maus. A “segunda morte” envolve um cemitério eterno em torno do qual não podemos mais assobiar alegremente.

Certa vez Jesus disse sobre algumas pessoas: “Eles irão para a punição eterna, mas os justos para a vida eterna.” Quem o honra como Filho de Deus e nosso Salvador deve receber seus ensinamentos como sendo de Deus. As palavras de Jesus nunca passarão (Mat. 24:35); eles nos julgarão no último dia (João 12:48).

Portanto, a questão em jogo não é se os ímpios sofrerão a “punição eterna”. Antes, é em que consiste essa punição. Será que é, como muitos pregadores cristãos desde o terceiro século presumiram, tortura consciente sem fim de corpo e/ou da alma? Ou será que é, para usar as palavras de Paulo, “destruição eterna” – no sentido mais comum dessas palavras (2Tes. 1:9)? Assim como a maioria dos leitores da Revista da Sociedade Teológica Evangélica [sigla em inglês: JETS], eu sempre presumi a primeira opção, até que um projeto de pesquisa de um ano me obrigou a mudar de ideia. Aqui vou simplesmente resumir algumas das evidências pertinentes que o estudo revelou, as quais apresento para a consideração do leitor.

I – A POSIÇÃO TRADICIONAL

A posição tradicional do tormento infindável consciente é fácil de resumir e talvez seja mais bem expressa nos últimos anos por Harry Buis.1 A doutrina tradicional baseia-se em três argumentos: (1) que o AT é, em geral, silencioso sobre o assunto; (2) que a doutrina do tormento infindável consciente se desenvolveu durante os anos intertestamentários e veio a ser, na época de Jesus, “a visão judaica comumente aceita” (diz-se, portanto, que devemos ler Jesus e os escritores do NT partindo da premissa de que todos eles e seus ouvintes originais sustentavam a doutrina do tormento infindável consciente); (3) que a linguagem do NT sobre o assunto exige que concluamos que Deus tornará os ímpios imortais com o propósito de torturá-los vivos para sempre.

Se estes três pontos fossem verdadeiros, o tradicionalista teria de fato um argumento sólido. A multiplicidade de evidências disponíveis hoje (tanto bíblicas como históricas, apresentadas detalhadamente em The Fire That Consumes [O Fogo Que Consome]2) não nos permite supor isso facilmente. Todas as três premissas tradicionais se provam falsas. A doutrina tradicional revela-se, após investigação histórica, ser uma contaminação do paganismo por meio dos apologistas e seus seguidores e de modo algum o ensino claro das Escrituras. Segue-se um resumo dessa evidência.

II – O ANTIGO TESTAMENTO FALA

É o AT silencioso sobre o destino final dos ímpios? Na verdade, não. Ele afirma esmagadoramente sua destruição total. Jamais afirma ou mesmo sugere algo que se assemelhe a um tormento consciente e infindável. O AT usa cerca de 50 verbos hebraicos diferentes para descrever esse destino e cerca de 70 figuras de linguagem. Sem exceção eles retratam destruição, extinção ou extermínio. Nenhum dos verbos ou quadros verbais remotamente sugere a doutrina tradicional.

Os ímpios se tornarão como um vaso quebrado (Sal 2:9), cinzas pisadas (Mal 4:3), fumaça que desaparece (Sal 37:20), palha levada pelo vento (1:4), uma lesma que derrete (58:8), palha que se queima (Isa 1:31), espinhos e restolho no fogo (33:12), cera que derrete (Sal 68:2) ou um sonho que desaparece (73:20). O conceito tradicionalista tem de negar que os ímpios algum dia se tornarão como qualquer uma dessas coisas e afirmar que eles realmente serão o que nenhuma dessas imagens retrata: um espetáculo eterno de matéria indestrutível em um fogo infindável.

Os Salmos dizem repetidamente que os ímpios morrerão, sua memória perecerá e eles serão como se nunca tivessem existido. Os justos, por outro lado, serão resgatados por Deus da morte e daí desfrutarão dele para sempre (Sal. 9; 21:4-10; 36:9-12; 49:8-20; 52:5-9; 59; 73; 92). Provérbios também avisa que os ímpios passarão, serão derrubados, serão cortados, não existirão mais, sua lâmpada se apagará (Pro 2:21-22; 10:25; 12:7; 24:15-20). Certamente não vemos isso acontecendo nesta vida.

Os livros históricos nos mostram exemplos reais dos julgamentos de Deus contra o pecado. Quando o primeiro mundo se tornou ímpio demais para continuar, Deus varreu toda criatura viva fora da arca da face da terra (Gen. 6:7; 7:4). Este é um modelo, dizem as Escrituras, para o julgamento de fogo que aguarda os perdidos no eschaton (2 Ped. 2:5; 3:3-7; Mat. 24:38-39). Quando Sodoma se tornou pecaminosa demais para permanecer, Deus fez chover fogo e enxofre (ardente) do céu, eliminando toda a população ímpia e até mesmo a vegetação, em um momento tão terrível que o resto da Bíblia lembra isso como um exemplo e protótipo do julgamento divino dentro da história e também no fim do mundo (Gen. 19:24-29; Deu. 29:23; Isa. 1:9; 13:19-22; Jer. 49:18; 50:40; Lam. 4:6; Amós 4:11; Sof. 2:9; Luc. 17:28-33; 2 Ped. 2:6; Jud. 7, 23).

Os profetas também falam da ira de Deus contra os pecadores. Detalhes de julgamentos reais contra cidades e nações mais tarde se tornaram símbolos para a visitação divina final. Estes cenários proféticos fornecem muito do vocabulário posterior de julgamento: fogo e tormento, tempestade e escuridão, ira e cadáveres e vermes (Sof. 1:14-18; Isa. 66:16-24; Eze. 39:9-22; Dan. 12:2). Algumas dessas cenas descrevem o julgamento final dos condenados no fim do mundo. Lá encontramos desprezo absoluto, vermes e fogo, cobrando seu último tributo. Nada permanece nestas imagens dos ímpios senão cinzas: Os justos os pisam com seus pés (Mal. 4:3) ou visualizam sua abominável corrupção em andamento (Dan. 12:2; Isa. 66:24). Os ímpios tornam-se, em suma, como se nunca tivessem existido (Oba. 16).

Não, o AT não silencia sobre o fim dos ímpios. Só parece silencioso para o tradicionalista porque não diz nada que ele esperaria encontrar. É silencioso, porém, sobre a tortura consciente infindável. Mas fala muito sobre aquela penalidade que foi ameaçada pela primeira vez no Jardim do Éden: aqueles que pecarem “certamente morrerão” (Gen. 3:3; Eze. 18:4).

III – ENTRE OS TESTAMENTOS

O tradicionalista está certo em afirmar que sua doutrina se desenvolveu durante o período intertestamental, mas a pesquisa moderna destrói totalmente sua pressuposição de que o tormento eterno consciente era “a” visão judaica mantida pelos primeiros leitores e escritores do NT bíblico. Não podemos ser duros em culpar os intérpretes anteriores por errarem neste ponto, pois foi só no século 20 que os leitores de língua inglesa tiveram acesso a grande parte da literatura pertinente envolvida.3 Todavia, é indesculpável que os escritores modernos repitam aquele erro anterior à luz do material agora prontamente disponível. Nos parágrafos seguintes, apresento um simples resumo da diversidade de conceitos judaicos que a literatura revela sobre este assunto.4

Os livros apócrifos de 1 Esdras, 3 Macabeus, 1 Baruque, Epístola de Jeremias, Oração de Manassés e as adições a Daniel e Ester são omissos sobre este assunto. Os livros de Tobias, Siraque, Baruque, 1 e 2 Macabeus e a Sabedoria de Salomão concordam completamente com o AT, pois antecipam a destruição total dos ímpios.

A primeira aparição de tormento eterno consciente em algo que se assemelhe à literatura bíblica vem no livro apócrifo de Judite (16:17). Lá a heroína judaica adverte: “Ai das nações que se insurgirem contra o meu povo! No dia do juízo as punirá o Senhor Todo-poderoso: entregará as suas carnes aos vermes e ao fogo e hão de chorar eterna dor.”

As palavras “vermes” e “fogo” aqui vêm de Isa. 66:24, mas Judite muda completamente o cenário de Isaías. O profeta fala em cadáveres insepultos; Judite fala em torturar pessoas conscientemente. O fogo e os vermes de Isaías destroem; o de Judite simplesmente atormenta. Em Isaías o fogo e os vermes são agentes externos que consomem suas vítimas mortas; em Judite eles são agonias internas torturando perpetuamente por dentro. Em Isaías (e em todo o AT) as vítimas são destruídas; em Judite elas “hão de chorar eterna dor”. Este é claramente o quadro tradicionalista do inferno. Porém, isso jamais aparece uma vez sequer no AT. E esta é a primeira vez que aparece até mesmo nos apócrifos.

O testemunho dos pseudoepigráficos (uma lista crescente de obras editadas por judeus e às vezes por cristãos, c. 200 AC – 100 DC) é ainda mais confuso. Algumas dessas obras dizem que os ímpios passarão totalmente (Oráculos Sibilinos, fragmentos de um trabalho zadoquita, Salmos de Salomão, 4 Esdras). Este é também o testemunho consistente do QL por toda parte, até onde já foi traduzido.

Outras obras pseudoepigráficas são ambíguas neste ponto (Assunção de Moisés, Testamentos dos Doze Patriarcas, Vida de Adão e Eva). Outros são inconsistentes (Jubileus, 1 Enoque, 2 Baruque). E alguns anteveem a dor interminável consciente do conceito tradicionalista (2 Enoque, 4 Macabeus), embora alguns eruditos modernos nem mesmo admitam tanto assim.

IV – NA ÉPOCA DE JESUS

A literatura intertestamentária nos oferece uma rica variedade de expectativas judaicas em relação ao fim dos pecadores. Claramente não existe tal coisa como “a” visão judaica sobre este assunto. O tormento eterno consciente tem seus defensores, embora estatisticamente a evidência seja muito mais forte do lado da extinção final. Às vezes encara-se essa destruição como realizada pelo fogo e às vezes ela é precedida por um período de angústia e sofrimento conscientes antes de ser consumada na extinção eterna.

Devido a essa inquestionável gama de opiniões judaicas, não podemos continuar a presumir uma única atitude entre os judeus do primeiro século sobre este assunto. Não podemos continuar lendo as palavras de Jesus, ou dos escritores do NT, com pressupostos baseados em um suposto “conceito judaico uniforme”. Devemos negar categoricamente a noção comum (que os autores tradicionalistas repetem constantemente) de que todos os ouvintes de Jesus se apegavam a um tormento consciente infindável e teriam ouvido os pronunciamentos enigmáticos dele com essa única pressuposição. Devemos fazer o que os autores tradicionalistas jamais fizeram – estudar a linguagem do NT pelo valor de face, determinando seu significado de acordo com os métodos e disciplinas comumente aceitos da exegese bíblica adequada.

V – A LINGUAGEM DO NT SOBRE O ASSUNTO

Será que o ensino de Jesus e dos escritores do NT exige que esperemos o tormento consciente e interminável dos ímpios? Não, a menos que ignoremos todo o pano de fundo do AT para o vocabulário do NT envolvido, e então passemos a dar à linguagem do NT definições posteriores importadas da filosofia platônica pagã durante os séculos que se seguiram.

Esta foi uma das partes mais irritantes do meu ano de pesquisa. Repetidas vezes fiquei surpreso ao ver como os escritores tradicionalistas tiravam as palavras e frases do NT de seu contexto – como se elas não tivessem nenhum fundo histórico do AT – e depois lhes impunham um significado que não se encontra em parte alguma das Escrituras. Este hábito de eisegese começou no final do século II e geralmente continuou incontestado até hoje. Alguns exemplos serão suficientes.

1. Fogo inextinguível. Os tradicionalistas assumem que “fogo inextinguível” significa “tormento consciente sem fim”. Eles não reconhecem que esta expressão vem do AT, onde tem o sentido frequente e regular de “destruição a que não se pode resistir”. “Extinguir” significa “eliminar” ou “apagar” um incêndio. O salmista, por exemplo, diz que apagará o fogo de seus inimigos (Sal. 118:12), e Heb. 11:34 menciona heróis da fé que foram capazes de “apagar o poder do fogo”. Mas o fogo do castigo de Deus não pode ser apagado ou terminado, e assim ele adverte cidades e nações em muitos lugares (Isa. 1:31; 34:10-11; Jer. 4:4; 7:20; 17:27; 21:12; Eze. 20:47-48; Amós 5:5-6).

Jesus adverte o mesmo em Marcos 9:43, 48 quando fala do lugar horrível de punição onde “o fogo não se apaga”. E o que o fogo faz com suas vítimas se não for extinto? Ele as queima – exatamente como João Batista anunciou sobre a condenação dos pecadores em sua declaração sobre a ira escatológica de Jesus: “Ele limpará sua eira queimando a palha com fogo inextinguível” (Mat. 3:12).

2. Vermes que não morrem. E quanto ao “verme que não morre” (Marcos 9:48)? Durante séculos, intérpretes tradicionalistas ignoraram o fundo bíblico dessa frase e fizeram com que ela significasse tudo, desde uma consciência atormentadora até um parasita eterno. A própria Bíblia, porém, fornece uma ampla definição. A expressão de nosso Senhor vem diretamente de Isa. 66:24, que pode ser o trecho bíblico mais ignorado sobre a punição final, embora sua linguagem possa ser usada com mais frequência.

A linguagem de Isaías 66 é simbolismo profético figurativo. Deus executa o julgamento “com fogo e com sua espada” (v. 16). Quando a visitação terminar, “muitos serão os mortos pelo Senhor” (v. 16b). Os ímpios “encontrarão o seu fim juntos” (v. 17). Os justos, por outro lado, “permanecem” (v. 22). “Todo tipo de homem” vem adorar a Deus, os ímpios não existem mais (v. 23). Este é o cenário do v. 24 crucial: “Sairão e verão os cadáveres dos que se rebelaram contra mim; o seu verme não morrerá, e o seu fogo não se apagará, e causarão repugnância a toda a humanidade.” Observe que os justos “saem e veem” os cadáveres dos ímpios. Esta imagem simbólica do futuro pode refletir um incidente real que Isaías testemunhou, quando Deus derrotou o exército da Assíria em resposta à oração de Ezequias (2 Reis 18:17-19:36; Isa. 36-37). Naquela noite, o próprio Isaías relata, “o anjo do Senhor saiu e matou cento e oitenta e cinco mil homens no acampamento assírio. Quando o povo se levantou na manhã seguinte, só havia cadáveres!” (Isa. 37:36).

Agora Isaías diz que a mesma cena será reproduzida em uma escala maior no final dos tempos. No evento histórico dos dias do profeta (37:36) e no quadro profético do futuro (66:24), os justos olham com satisfação os “corpos mortos” ou “cadáveres” dos ímpios. Estes são corpos mortos (hebraico pegarim), não pessoas vivas ou zumbis imperecíveis. Os justos vêem sua destruição, não sua miséria. O protótipo dessa visão de inimigos que pereceram veio no Mar Vermelho (Exo. 14:30), e cenas semelhantes são retratadas em todo o AT (Sal. 58:10; 91:8; Eze. 39:9-22; Mal. 4:1-3). Tanto os vermes (grego skokex) quanto o fogo falam de extinção total. Ambos os termos tornam esta imagem repulsiva ou repugnante – eles descrevem nojo, não pena. O quadro é de vergonha, não de dor (a mesma palavra hebraica para “repugnante” em Isa. 66:24 aparece também em Dan. 12:2, onde a NVI diz “desprezo”).

Os tradicionalistas ignoraram a imagem de Isaías e depois interpretaram Jesus como se a linguagem dele não tivesse precedente bíblico. Livres das definições bíblicas, o “fogo” e os “vermes” (como em Judite nos Apócrifos) se tornaram algo jamais encontrado na Bíblia. O quadro bíblico de destruição total foi substituído na explicação tradicional pelo conceito pagão de tortura consciente sem fim.

3. Ranger de dentes. A frase “ranger de dentes” aparece muitas vezes no AT (veja Jó 16:9; Sal. 35:16; 37:12; Lam. 2:16), e sempre retrata alguém tão zangado com outro que range os dentes em raiva, como um animal louco retesando a coleira. Vemos o mesmo uso no NT, onde os inimigos de Estêvão “rangeram seus dentes contra ele” (Atos 7:54).

A interpretação tradicionalista ignorou o uso bíblico dessa frase e, em vez disso, pregou sobre almas que rangem os dentes eternamente em dor excruciante. Na Bíblia, porém, os dentes rangem de raiva, não particularmente de dor, embora possa haver tempo para isso ao longo do caminho. O Salmo 112:10 é instrutivo a respeito do fim dos ímpios neste respeito. Os versículos imediatamente anteriores descrevem a glória final do povo de Deus. O versículo 10 então diz: “O ímpio o vê e fica irado, range os dentes e definha. O desejo dos ímpios se frustrará.”. Por mais que ranja os dentes, a ira do homem mau não lhe faz bem no final. Mesmo que ranja seus dentes, isso em nada resulta (a ACR diz “se consumirá”). Os tradicionalistas transformam o “ranger de dentes” em um tormento consciente sem fim. A Bíblia retrata isso como uma raiva terrível — raiva que é frustrada pela destruição inexorável do próprio ímpio.

4. Fumaça que ascende. A “fumaça” que “ascende para todo o sempre” (Apo. 14:11) também merece ser definida pelo uso bíblico anterior. Esta imagem vem da destruição de Sodoma. O Senhor “fez chover enxofre ardente sobre Sodoma e Gomorra” (Gen. 19:24) até que nem mesmo a vegetação sobreviveu. Na manhã seguinte, Abraão olhou para o local “e viu uma densa fumaça subindo da terra, como fumaça de uma fornalha” (19:28).

Isto é muito parecido com a nossa imagem da nuvem em forma de cogumelo após uma explosão atômica. A fumaça visível é uma certificação de destruição consumada. Não há mais gritos em Sodoma quando Abraão vê a fumaça ascendente. Tudo está quieto. Os pecadores foram todos destruídos. A fumaça crescente atesta sua completa extinção.

A mesma figura reaparece em Isa. 34:10 que fala da destruição de Edom. Deus vem contra a terra com “enxofre queimando” e “piche ardente” (v. 9). O fogo “não se apagará dia e noite” (v. 10) – é irresistível e, portanto, destrói completamente (veja o mesmo cenário em Apo. 14:11). Isaías diz que “sua fumaça subirá para sempre”, dizendo-nos que a destruição de Edom é não só certa (não extinta) e completa (fumaça subindo), como também irreversível. A desolação será infindável. Os versículos seguintes descrevem uma terra vazia de pessoas, o refúgio de criaturas do deserto. A dor consciente terminou aí, mas “sua fumaça subirá para sempre” — a extinção é perpétua.

Encontramos o mesmo símbolo em Apocalipse 18-19 a respeito da destruição de “Babilônia”. A cidade está “caída” (Apo. 18:2), “consumida pelo fogo” (18:8), e os que observam “vêem a fumaça” (18:9). Como a antiga Sodoma, “Babilônia” foi totalmente destruída. A fumaça ascendente atesta essa destruição. Como Edom da antiguidade, sua destruição nunca será revertida ou desfeita, pois “a fumaça dela sobe para todo o sempre” (19:3).

5. Sem descanso dia e noite. Apocalipse 14:1-5 apresenta a João uma gloriosa visão do Cordeiro e 144.000 de seu povo, as primícias redimidas da terra. Três anjos anunciam o julgamento em linguagem cada vez mais forte. O terceiro anjo clama com alta voz: “Se alguém adorar a besta e a sua imagem e receber a sua marca na testa ou na mão, também beberá do vinho do furor de Deus que foi derramado sem mistura no cálice da sua ira. Será ainda atormentado com enxofre ardente na presença dos santos anjos e do Cordeiro,… Para todos os que adoram a besta e a sua imagem, e para quem recebe a marca do seu nome, não há descanso, dia e noite”. (14:9-11). Já vimos o significado bíblico de fogo e enxofre (ardente) como uma cifra para a destruição total em Sodoma e Gomorra e depois (Gen. 19:23, 28; Deu. 29:23; Jó 18:15-17; Isa. 30:27-33; 34:9-11; Eze. 38:22 e seguintes.). Aqui a destruição ocorre sem trégua ou alívio para suas vítimas até que termine. Eles ‘não têm descanso nem de dia nem de noite’ até que tudo termine. As vítimas não podem antecipar qualquer trégua de dia ou de noite. Seu sofrimento não é exclusivamente “diurno”, nem exclusivamente “noturno”. Não há interrupção no sofrimento enquanto ele continua. Mas, todas as outras três figuras nesta cena sugerem que ele finalmente cessará, quando a destruição estiver completa e nada sobrar. Então, apenas a fumaça ascendente testificará a penalidade eterna que foi imposta.

6. O cálice da ira de Deus. Este símbolo, na cena de Apocalipse 14:9-11, é uma figura comum para a punição divina tanto no AT como no NT (veja Jó 21:20; Sal. 60:3; 75:8; Isa. 51:17, 22; Jer. 25:27-28; Oba. 16; Mat. 26:39). Visto que Deus prepara a bebida, Ele também determina sua potência. Para alguns, pode representar um golpe que os deixa cambaleando, mas do qual eles se recuperam (Sal. 60:3; Isa. 51:22). Para outros, pode significar extinção total e irreversível. Os profetas usam uma linguagem assim: “Beberão até o fim, e serão como se nunca tivessem existido.” (Oba. 16); “…Bebam, embriaguem-se, vomitem, caiam e não mais se levantem,…” (Jer. 25:27). As figuras se combinam neste trecho para a imagem mais forte possível da punição. A destruição é total (enxofre flamejante), sem trégua até consumada (sem descanso dia e noite), consumada (fumaça subindo) sem esperança de recuperação (fumaça subindo para sempre). Nem todos os comentaristas entendem que este trecho se refere ao fim definitivo dos pecadores, é claro, e de qualquer modo não discutiremos esse ponto. Seja qual for o caso, os símbolos são claros à luz do uso bíblico anterior. Num uso regular, nenhum deles se refere ao interminável tormento consciente, e não há razão para pensar que algum se refira a isso aqui. Todos eles, por outro lado, têm um significado profético regular em muitos trechos das Escrituras, e os significados de todos eles convergem para esta descrição de uma destruição e extinção completa e irreversível, efetuada para sempre.

7. O lago de fogo. O lago de fogo é a última descrição bíblica da punição final, e é mencionado quatro vezes (Apo. 19:20; 20:10, 15; 21:8). É o lago de fogo que queima com enxofre, o lago de fogo e enxofre. A expressão exata “lago de fogo (e enxofre/que queima com enxofre)” não aparece em qualquer outro lugar nas Escrituras. A maioria parece concordar, porém, que representa o mesmo destino final que comumente chamamos de “inferno”, que por sua vez representa a palavra “Geena”, tomando o nome do literal “Vale de Hinom” (hebraico gè’ hinnöm) fora de Jerusalém. Nem sempre se nota que a “Geena” é usada para o destino dos ímpios pelo nome só nos Evangelhos do NT, uma vez que não seria familiar para leitores gentios ou não-palestinos que não visitaram nem ouviram falar do local real e sua importância ao longo da história.

O paralelo mais próximo do AT ao lago de fogo aparece no sonho de Daniel dos quatro animais (Dan. 7:9-12). Lá o Ancião dos Dias (cuja aparência é parcialmente atribuída a Jesus em Apocalipse 1) toma seu assento em um trono em chamas com fogo (v. 9). Um “rio de fogo” sai de sua presença (v. 10). O terrível quarto animal é “morto e seu corpo destruído e lançado no fogo ardente” (v. 11). Isso está em contraste específico com os outros animais; que são despojados da autoridade, mas têm permissão para viver por um período de tempo (v. 12).

A menos que esta visão lance luz sobre o lago de fogo em Apocalipse, não se obtém qualquer outra luz do AT. Se o trecho em Daniel está no contexto aqui, essa luz revela uma destruição por fogo que expressamente não é um despojamento de autoridade com a permanência da vida.

As quatro ocorrências do lago de fogo no Apocalipse são também instrutivas. A besta e o falso profeta são os primeiros a ir para lá. Alguns intérpretes os encaram como representativos de pessoas reais que ainda estão por vir. Outros os consideram simbólicos da perseguição do governo civil e da religião falsa. Neste último caso, o lago de fogo representa claramente sua aniquilação total, sumária e absoluta. No primeiro caso, a questão ainda deve ser decidida em outra base.

Apocalipse 20:7-10 baseia-se nos cenários de Ezequiel 38-39, conforme as hordas de Satanás cercam o acampamento do povo de Deus, mas, como nos dias de Elias (2 Reis 1), são destruídas pelo fogo do céu. Satanás, no entanto, é “lançado no lago de fogo que arde com enxofre, onde já haviam sido lançados a besta e o falso profeta. Eles serão atormentados dia e noite, para todo o sempre.” De novo, se a besta e o falso profeta são personificações dos poderes civil e religioso que se opõem a Cristo, uma interpretação literal da dor infindável consciente seria impossível. Se o esquema profético de alguém os encara como pessoas reais ainda por vir, notamos apenas que o texto nada diz sobre seres humanos “atormentados dia e noite para todo o sempre”. Este é o texto mais problemático da Bíblia inteira para a extinção de todo ímpio, embora não especifique seres humanos. Em vista da massa esmagadora de material encontrado em toda a Escritura, no entanto, deve-se lembrar a regra hermenêutica geral que exige interpretar o incomum à luz do comum e o obscuro à luz do mais claramente revelado.

À medida que a visão continua, porém, “a morte e o Hades” são “lançados no lago de fogo” (v. 14). Mais de 700 anos antes, Isaías havia predito um tempo em que Deus “destruirá o véu que envolve todos os povos, a cortina que cobre todas as nações”, quando “destruirá a morte para sempre” (Isa. 25:7-8). Paulo escreveu: “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Cor. 15:26) e falou do tempo em que se cumprirá a declaração de que “a morte foi destruída pela vitória” (v. 54). Esta é a consumação da vitória de Deus sobre seu ultimo inimigo. Morte e Hades são certamente abstrações, não pessoas, e o lago de fogo aqui significa sua aniquilação. A morte não existirá mais – para sempre.

Só agora encontramos pecadores incluídos neste destino terrível. “Se o nome de alguém não foi encontrado no livro da vida, este foi lançado no lago de fogo.” (v. 15). O “livro da vida” é um símbolo baseado no registro de cidadãos vivos da cidade antiga. Quem não está listado entre os vivos está “no lago de fogo”. João deixa clara a identificação: “O lago de fogo é a segunda morte” (v. 14).

O capítulo seguinte do Apocalipse repete o fato com elaboração. Os vencedores herdarão os novos céus e a nova terra, mas para todas as classes de pecadores “o lugar deles será no lago de fogo que arde com enxofre”, que novamente, João acrescenta, “é a segunda morte” (21:8). Não há qualquer boa razão para não aceitar a explicação de João exatamente como ela está, ou para introduzir definições platônicas alheias de “morte” como “separação” na discussão aqui. O sentido natural deve ser preferido, e aqui dificilmente ele poderia ser mais claro do que é. As opções finais são “vida” ou “morte”. Tudo o mais que encontramos nas Escrituras também está de acordo com isso.

8. As frases favoritas de Paulo. Além de toda a linguagem que pesquisamos até agora, as frases mais comuns de Paulo sobre o assunto retratam a extinção total dos pecadores no fim. Os ímpios, avisa ele, morrerão (Rom. 6:21, 23), perecerão (2:12), serão destruídos (Gal. 6:8; 1Cor. 3:17; 2Tes. 1:9; Fil. 1:28; 3:19; veja também Judas 10). Nem jamais voltarão, pois essa destruição deverá ser “eterna” (2Tes. 1:9).

Se ignorarmos o próprio uso que a Bíblia faz de sua linguagem, podemos fazer com que esses termos signifiquem o que quisermos. Mas, se deixarmos a Bíblia interpretar a si mesma, teremos muito menos escolha. Pois toda a linguagem das Escrituras sobre este assunto nos leva repetidas vezes à mesma conclusão: Os ímpios finalmente perecerão por completo e para sempre no inferno. Nenhuma linguagem da Bíblia sugere tormento consciente interminável para seres humanos.

VI. MAS, É ESTA PUNIÇÃO “ETERNA”?

Mas, pode essa extinção irreversível ser apropriadamente chamada de “punição eterna”, como Jesus diz em Mateus 25:46? A pergunta é legítima e a resposta é fácil de encontrar. Das 70 ocorrências do adjetivo “eterno” no NT, seis vezes a palavra qualifica substantivos que significam atos ou processos em vez de pessoas ou coisas. Os seis atos ou eventos “eternos” são salvação (Heb. 5:9), julgamento (6:2), redenção (9:12), pecado (Mar. 3:29), punição (Mat. 25:46) e destruição (2Tes. 1:9).

Em quatro dos seis atos, “eterno” refere-se aos resultados da ação e não à ação em si. O “julgamento eterno” não significa que o julgamento durará para sempre, mas seu resultado sim. A “redenção eterna” não significa que o processo continue sem fim – pois a obra redentora foi feita de uma vez por todas – e sim que seu efeito não terá fim para sempre. A “salvação eterna” é o resultado; não buscamos um ato eterno de “salvar”. E o pecado “eterno” é chamado assim porque sua culpa nunca será perdoada, e não porque o pecado continue por toda a eternidade.

Considerando-se esse uso regular de “eterno” para descrever os resultados de uma ação ou processo, sugerimos que é perfeitamente adequado entender os dois usos em questão aqui dessa mesma maneira comum. A “destruição eterna” (2Tes. 1:9) dos ímpios não significa que Cristo estará para sempre no processo de destruí-los, e sim que a destruição deles, uma vez consumada, será para sempre. Os ímpios nunca reaparecerão. A frase de Paulo “destruição eterna” é de fato uma imagem mais clara do termo genérico de Jesus “castigo eterno” em Mateus 25:46. Esta destruição não é acidental, nem auto-infligida. Ela é o resultado penal do julgamento de Deus. É a punição, neste caso, a pena capital. E, diferentemente da pena capital que o homem pode infligir, é uma pena capital irreversível. É, verdadeiramente, punição “perpétua” ou “eterna”, “destruição eterna”, a segunda morte da qual não há ressurreição ou retorno para sempre. É o próprio destino que encontramos repetidas vezes ao longo da Bíblia. A destruição dos ímpios será tão duradoura quanto a vida dos salvos. Apresentamos o dualismo absoluto, de acordo com o uso regular da palavra “eterno” com substantivos de ação e à luz da declaração clara de Jesus em Mateus 25:46 colocando “vida eterna” e “punição eterna” lado a lado. Nunca, para sempre, por toda a eternidade, os ímpios existirão.

CONCLUSÃO

Gostaria de concluir com os parágrafos finais de O Fogo que Consome, que encerram adequadamente este resumo, assim como a discussão detalhada contida no livro:

Ou o tormento eterno consciente é verdadeiro ou não é. A Palavra de Deus dá a única resposta autorizada. Desejamos receber humildemente o que quer que ela diga – sobre este ou qualquer assunto – e depois proclamar fielmente como convém aos mordomos de Deus… Fomos criados no conceito tradicionalista – aceitamos isso porque foi dito que se baseia na Bíblia. Um estudo mais cuidadoso mostrou que estávamos enganados nessa suposição. Tanto o AT quanto o NT ensinam claramente a ressurreição dos ímpios para o julgamento divino, a terrível antecipação de um fogo consumidor, a expulsão irrevogável da presença de Deus para um lugar onde haverá choro e ranger de dentes, sofrimento consciente individual como a justiça divina requer e, finalmente, a extinção total e eterna dos ímpios sem esperança de ressurreição, restauração ou recuperação. Agora estamos firmes nisto, na autoridade da Palavra de Deus.

Mudamos uma vez e não nos importamos de mudar novamente, mas evidentemente erramos uma vez por falta de estudo cuidadoso e não queremos repetir o mesmo erro. Meras afirmações e denúncias não refutarão as provas apresentadas… nem uma mera recitação da tradição eclesiástica.

Este caso repousa definitivamente nas Escrituras. Só as Escrituras podem provar que isso está errado.

NOTAS

1 – H. Buis, The Doctrine of Eternal Punishment [A Doutrina da Punição Eterna] (Presbyterian and Reformed, 1957).

2 – E. Fudge, The Fire That Consumes: A Biblical and Historical Study of Final Punishment [O Fogo Que Consome: Um Estudo Bíblico e Histórico da Punição Final (Providential Press, 1982).

3 – Veja especialmente APOT [The Apocrifal and Pseudepigrapha of the Old Testament]; QL [Questions Liturgiques].

4 – Confira Fudge, O Fogo Que Consome, págs. 119-154.


(Tradução do artigo publicado originalmente em Journal of the Evangelical Theological Society [Revista da Sociedade Teológica Evangélica], EUA, 27/3, setembro de 1984, págs. 325-334).

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