As Crianças Testemunhas de Jeová e as Transfusões de Sangue

Introdução

As Testemunhas de Jeová têm permissão para a maioria das formas de tratamento médico, mas sob nenhuma circunstância devem receber uma transfusão de sangue. Isso inclui recusar uma transfusão de sangue para seus filhos, mesmo que fazer isso resulte na morte da criança.

Embora existam alternativas às transfusões de sangue para a maioria dos procedimentos médicos, elas nem sempre estão disponíveis ou são adequadas, como por exemplo em situações de emergência, durante perda súbita de sangue ou para certos procedimentos cirúrgicos. O tratamento de crianças é ainda mais arriscado devido ao menor volume de sangue.

A liderança das Testemunhas admite que sua postura contra as transfusões de sangue levou à morte de Testemunhas de Jeová, exibindo até mesmo imagens de 26 crianças Testemunhas de Jeová que morreram ao recusar sangue.

“As testemunhas de Jeová não argúem que as transfusões de sangue não tenham mantido vivos certos pacientes que, de outro modo, possìvelmente morressem.” – Folheto O Sangue, a Medicina e a Lei de Deus, pág. 40.

“No passado, milhares de jovens morreram porque colocaram Deus em primeiro lugar. Ainda há jovens assim, só que hoje o drama acontece em hospitais e tribunais, tendo como questão as transfusões de sangue.” –  Revista Despertai! de 22 de maio de 1994, pág. 2

[Capa da revista Despertai! de 22/05/1994]

Eles pregam que as tentativas de salvar vidas por meio de uma transfusão de sangue, mesmo de uma criança, põem em risco a vida eterna:

“Suponhamos que os médicos digam que ele morrerá se não receber uma transfusão de sangue… Não queremos morrer. Mas, se tentássemos salvar a nossa vida atual desobedecendo à lei de Deus, correríamos o risco de perder a vida eterna.” – Livro O Que a Bíblia Realmente Ensina? (2005), págs. 130, 131.

“Como testemunhas cristãs de Jeová, os pais dela, Darrell e Rhoda Labrenz, consideravam corretamente a transfusão de sangue uma violação da lei de Deus e, assim, puseram-se a ela. Estavam preocupados com o bem-estar eterno de seu bebê, pois a vida eterna é a perspectiva apenas dos que aderem às leis de Deus.” –  Anuário das Testemunhas de Jeová de 1976, pág. 224.

“Mas, suponhamos que a esposa ou o filho da pessoa esteja à morte. Dar sangue, não importa quem a pessoa amada seja, ainda constituiria violação da lei de Deus. Só porque alguém está à morte, não concede liberdade para se violarem as ordens de Deus. Quando se está à morte, não é a ocasião para se perverter ou violar a lei de Deus, mas é a ocasião de se chegar tão perto como possível a Deus, por permanecer fiel. A recompensa pela fidelidade é a vida eterna. Quão tolo seria arriscar-se a perder a perspectiva de vida eterna pela promessa muito incerta duma cura por meio duma transfusão de sangue!” – Revista A Sentinela de 15 de outubro de 1970, pág. 633.

Os Direitos das Crianças

Quando os pais Testemunhas de Jeová recusam uma transfusão de sangue para seu filho em uma situação de vida ou morte, é comum que os tribunais decidam contra os pais e permitam que profissionais médicos administrem uma transfusão de sangue.

Os pais têm o dever de cuidar de seus filhos e espera-se que as autoridades governamentais retirem uma criança de um dos pais que os esteja maltratando ou colocando em perigo. Esta é uma questão particularmente sensível quando as crenças religiosas afetam os cuidados que os pais fornecem. Uma publicação das Testemunhas de Jeová concorda que o Estado deve proteger as crianças, mas alega que a recusa da transfusão de sangue não deve ser considerada como negligência:

“É evidente que o Estado pode e deve intervir para proteger o menor abandonado. Ainda assim, é fácil ver quão diferente é quando um genitor que se importa com o filho solicita um tratamento médico de alta qualidade, isento de sangue.” – Brochura Como Pode o Sangue Salvar Sua Vida?, pág. 21.

Permitir que uma criança morra por ideais religiosos não é mais justificado do que qualquer outra forma de negligência. A maioria das Testemunhas de Jeová concordaria que é errado quando as crianças morrem devido às ideologias médicas equivocadas de outros grupos religiosos, como a Ciência Cristã e a Cientologia, mas deixam de compreender que suas ações em relação às transfusões de sangue são igualmente culpáveis.

A Doutrinação das Crianças

Quando uma criança nasce, ela não tem “crenças”, estas são impostas à criança por seus pais. No caso das Testemunhas de Jeová, estima-se que dois terços acabem deixando a religião. Será que é aceitável que um pai coloque a vida de seu filho em risco por uma crença com a qual é estatisticamente improvável que a criança continuará concordando na idade adulta?

A liderança da organização, porém, já há muito tempo incentiva os pais a ensinar seus filhos que as transfusões de sangue são erradas:

É Importante Ter Firme Convicção: Deve-se dar séria consideração a quão firmes são suas próprias convicções quanto à lei de Deus sobre o sangue. Estão instruindo seus filhos a obedecer a Jeová nessa questão, assim como os instruem na Sua lei sobre a honestidade, a moralidade, a neutralidade e outros aspectos da vida?… O médico talvez alegue que o sangue ‘contribuirá para a recuperação’ de seu filho que está doente, mas, antes que surja uma emergência, os pais precisam estar firmemente decididos a recusar o sangue para si mesmos e para seus filhos, prezando sua relação com Jeová mais do que qualquer alegado prolongamento da vida que envolva a transgressão da lei divina. Estão envolvidos o favor de Deus agora e a vida eterna no futuro! – Periódico Nosso Ministério do Reino de setembro de 1992, pág. 3.

A organização até compara uma transfusão de sangue imposta pelo tribunal com um estupro:

“Portanto, uma vez que as cristãs resistiriam ao estupro — a um aviltante ataque sexual — os cristãos também resistiriam a transfusões de sangue ordenadas por um tribunal — que também é uma forma de ataque contra o corpo.” – Revista A Sentinela de 15 de setembro de 1980, pág. 27.

“Você poderia responder:

• “Se eu fosse forçado, de uma forma ou de outra, a tomar sangue, isto seria, para mim, o mesmo que ser estuprado. Eu sofreria pelo resto da vida as conseqüências emocionais e espirituais desse ataque indesejado à minha pessoa. Resistiria com todas as minhas forças a tal violação do meu corpo sem consentimento. Faria tudo ao meu alcance para processar meus agressores, assim como faria em caso de estupro.”” – Periódico Nosso Ministério do Reino, fevereiro de 1991, pág. 6.

Esta não é uma analogia válida. O estupro é geralmente violento e traumático, com repercussões emocionais de longo prazo. Uma transfusão de sangue não é mais traumática do que o resto de uma operação, excluindo-se a culpa religiosamente imposta pela liderança das Testemunhas de Jeová de que tal procedimento médico afetaria a chance de vida eterna da pessoa.

Até os filhos das Testemunhas de Jeová são treinados para dizer que uma transfusão de sangue imposta pelo tribunal é semelhante a um estupro:

O juiz escreveu: “D. P. [uma menor] afirmou que resistiria a uma transfusão de sangue de todas as maneiras que pudesse. Ela considerava a transfusão como violação de seu corpo e comparou-a ao estupro. Pediu ao Tribunal que respeitasse a sua escolha e que lhe permitisse continuar no [hospital] sem receber transfusões de sangue impostas judicialmente.” A instrução cristã que ela recebera socorreu-a nessa ocasião difícil. — Veja quadro.

Uma mocinha de 12 anos estava sendo tratada de leucemia. Uma agência de proteção ao menor levou o caso ao tribunal, para que se lhe impusesse sangue. O juiz concluiu: “L. disse a este tribunal, e de maneira clara e conclusiva, que, se for feita uma tentativa de lhe transfundir sangue, ela lutará contra essa transfusão com todas as forças que puder reunir. Ela disse, e eu creio nela, que gritará e lutará, e que arrancará o mecanismo injetor de seu braço e tentará destruir o sangue no recipiente acima de sua cama. Recuso-me a dar uma ordem que faria essa criança passar por tal provação… No caso desta paciente, o tratamento proposto pelo hospital atende à doença apenas em sentido físico. Deixa de atender às necessidades emocionais e às crenças religiosas da jovem.” – Revista A Sentinela de 15 de junho de  1991, pág. 17.

Uma declaração assim é emocionalmente convincente quando feita por uma criança, mas um menor que passou uma vida de doutrinação contra transfusões de sangue não está em posição de tomar uma decisão informada sobre um assunto tão complexo. A criança já deve ter ouvido muitas vezes que as transfusões de sangue são perigosas e ofensivas a Jeová, até mesmo encenando com os pais como lidar com emergências que requerem sangue, como descrito em um e-mail que recebi de um leitor:

“Eu estava tão doutrinado que meu pai costumava encenar durante os estudos bíblicos em família, eu deitado no chão fingindo que sofri um acidente de carro e ele fazendo o papel de médico e nós praticávamos o que eu diria na situação de estar sendo pressionado a fazer uma transfusão de sangue. Eu sei que meu pai acharia que fez a coisa certa, mas estou tão contente por ter acordado e aprendido quão tolo era esse medo ao longo da vida, e quão antibíblico realmente é quando você olha para o que Jesus ensinou sobre a vida ser mais importante do que a lei.”

A Duplicidade da Postura dos Líderes das Testemunhas de Jeová

A morte desnecessária de crianças é ainda mais trágica quando se descobre a postura hipócrita dos líderes da organização. Ao discutir sua posição em um fórum público, eles concordam em não lutar contra o salvamento de crianças com uma transfusão de sangue. A organização admitiu ao parlamento australiano que aceita “a lei” para tirar crianças Testemunhas de Jeová de seus pais em tais situações.

Senador SCHACHT – Entendo. Só quero voltar agora ao caso bem documentado do seu ponto de vista sobre crianças e a reclamação de que temos leis na Austrália em todos os estados que dão aos médicos o direito de se sobrepor aos pais.

Sr. Toole [representante das Testemunhas de Jeová] – Não estamos dizendo em nossa recomendação que a lei não deveria existir. O que dissemos é que pode haver circunstâncias em que isso se torne uma questão absoluta de vida ou morte. Dissemos que, nessas circunstâncias, é assim que a lei deve ser enquadrada. Em sua forma atual, a lei não é enquadrada dessa forma e permite uma invasão da família e uma anulação dos princípios dessa família em circunstâncias que realmente não exigem isso.” (COMMONWEALTH OF AUSTRALIA, Official Committee Hansard, COMITÊ CONJUNTO DE ASSUNTOS EXTERNOS, DEFESA E COMÉRCIO, Referência: Esforços da Austrália para promover e proteger a liberdade de religião e crença SEXTA-FEIRA, 15 DE OUTUBRO DE 1999 conforme mostrado em aph.gov.au em 27 de maio de 2006).

Da mesma forma, em 1999, um representante da organização declarou:

“Não se pede aos pais para consentir com o uso de sangue, mas eles são encorajados a reconhecer a situação na lei.” (Malyon, Tratamento isento de sangue para Testemunhas de Jeová: respeitando os direitos de autonomia do paciente, Journal of Medical Ethics, 1998; 24:302-307)

Crianças Mártires

Não é possível perguntar às crianças que se sacrificaram por sua religião como se sentem por morrer como mártires. Porém, é possível saber como se sentem as crianças que sobreviveram a uma transfusão de sangue ordenada pelo tribunal. Este é o caso de Carolynn Ivey, nascida prematuramente de pais Testemunhas de Jeová em 31 de agosto de 1975, pesando apenas 2 quilos. Foi determinado que uma transfusão de sangue era necessária para salvar sua vida. A história recomeça três décadas depois:

“O advogado de Pensacola, Joel Cohen, estava apenas folheando seu e-mail quando uma frase saltou aos olhos dele: “Você salvou minha vida quando eu era bebê.”… “Isso arrepiou os cabelos do meu pescoço”, disse ele.

O e-mail era de Carolynn Ivey Evans, uma mulher de 36 anos de Ohio que poderia ter morrido quando criança sem os esforços legais de Cohen.

Para Carolynn Ivey Evans – ela está casada agora, e mora em Ohio, EUA – o e-mail para Cohen foi parte de uma busca por identidade.

“Tenho 36 anos agora e sou mãe de quatro filhos”, escreveu ela em um e-mail para o Pensacola News Journal para esta história. “Durante anos me perguntei o que havia acontecido comigo e com minha irmã gêmea. Comecei minha busca na internet há seis meses e fiquei muito surpresa com o tamanho da história. … Então entrei em contato com o Sr. Cohen (para agradecê-lo) por salvar minha vida. Se não fosse pelo Sr. Cohen lutando por mim, eu não estaria aqui hoje! Isso me levou às lágrimas por ele ter se esforçado tanto.” – content.usatoday.com, 27 de março de 2012

É trágico pensar nas crianças que não tiveram essa chance e foram sacrificadas por causa da fé equivocada de seus pais. Isso não é para desmerecer a situação terrivelmente traumática que esses pais Testemunhas de Jeová enfrentaram, sua força e seu sofrimento, mas independentemente de quão sinceros eles foram, é difícil não fazer uma comparação com o sacrifício de crianças condenado na Bíblia.

Jeremias 19:4 “… encheram este lugar com o sangue dos inocentes.”

Igualmente dolorosas são as experiências de pais que perdem não apenas um filho, mas toda a família por causa da questão do sangue. A filha de Lawrence Hughes, Bethany, morreu após recusar uma transfusão de sangue. Durante essa provação, Lawrence percebeu que a posição da liderança das Testemunhas de Jeová sobre o sangue não é aceitável. A essa altura era tarde demais para sua filha ser salva. Ele não só perdeu Bethany, mas sua esposa e outros filhos cessaram todo contato com ele depois que ele admitiu que não podia mais concordar com os ensinamentos da religião ou continuar sendo uma das Testemunhas de Jeová.

Recebi uma experiência semelhante por e-mail:

“Eu tenho uma tia em Queensland. Ela era uma Testemunha de Jeová até que sua filha mais velha se feriu em um acidente de trânsito. Ela morreu devido a uma maciça perda de sangue. Eles não a transfundiram. Isso acabou com seu casamento, ela acabou deixando a organização e perdeu suas outras duas filhas por rejeição.”

Como pai, não consigo pensar em nenhuma tragédia pessoal maior.

Este tópico levanta questões importantes. Em primeiro lugar, se deve ser permitido que um pai imponha suas crenças a uma criança, se isso resultar em risco de morte para a criança. Em segundo lugar, se o ensino da organização religiosa de que as transfusões de sangue violam os princípios bíblicos é correto.

O artigo O Sangue e a Vida, a Lei e o Amor mostra em grande detalhe como a posição da liderança das Testemunhas de Jeová contra as transfusões de sangue não é apoiada pelas Escrituras. Pior ainda, as Testemunhas de Jeová são proibidas de doar sangue, mas podem se beneficiar de doações de sangue de outros, aceitando frações de sangue.

Não há acusação maior contra os líderes da organização do que a imposição de mortes desnecessárias aos seguidores por um ensino que não só é incorreto, como também demonstra a maior hipocrisia.


Imagem em destaque: Crianças que faleceram por recusar sangue, na capa da revista Despertai! de 22/05/1994

2 thoughts on “As Crianças Testemunhas de Jeová e as Transfusões de Sangue

  • agosto 17, 2023 em 6:36 pm
    Permalink

    A “minha família” viveu uma tragédia causada por minha mãe Testemunha de Jeová. Ela tentou impor sua crença as filhas e ao marido incessante e aborrecidamente ao ponto do seu casamento ser destruído. Ela é fria, distante, soberba, não possui humanidade nem para com as filhas. Diz que sua família são os irmãos TJs. Nós filhas somos todas brigadas (com incentivo da nossa mãe) e rejeitadas por ela. Não sei se isso pode ser chamada de mãe, pois eu sim sou mãe e morreria por meu filho e jamais o rejeitaria ou abandonaria. Amo meu bebê. O nosso pai ela não visitou nem no leito de morte. Morreu sozinho como se fosse o pior homem do mundo. Seita demoníaca, pessoas sem amor pela família, pais sem amor aos filhos. Um câncer na sociedade.

    Resposta
  • março 7, 2024 em 11:35 pm
    Permalink

    Lamentamos muito saber dessas coisas que relatou. Tenha em mente a seguinte verdade: Sua mãe é, no final das contas, mais uma vítima do “exclusivismo religioso” (e isso sim é realmente um “câncer”); o conceito de que “nós somos os salvos; vocês estão todos condenados”; “nós temos a verdade, vocês todos estão na mentira”; “nossa religião é a única verdadeira, as demais são falsas e do Diabo”, e assim por diante. Infelizmente os líderes, não só das Testemunhas de Jeová como também de muitas outras instituições pelo mundo afora são culpados de colocar essas ideias perniciosas na mente de seus seguidores, e é por acreditar nessas coisas que tanta gente age da maneira que você disse que sua mãe agiu.

    Embora saibamos que isso seja difícil, incentivamos de coração a que perdoe sua mãe e evite tanto quanto possível alimentar sentimentos negativos para com ela. Pode ter certeza de que no final será de você e de suas irmãs que ela vai precisar; a instituição religiosa que ela tanto defendeu na vida nada fará por ela.

    MB

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *