É Deus injusto em sua “justiça divina”?

Eu gostaria de uma resposta para a seguinte pergunta: Como Deus pode ser justo se prejudica inocentes enquanto aplica a justiça divina aos que merecem punição? Exemplos: Os primogênitos do Faraó no Egito, os animais que não entraram na arca durante o Dilúvio e o filho de Davi ainda na barriga da mãe.

Resposta

Como provavelmente sabe, alguns ateus e céticos costumam dar ênfase a estes fatos e outros semelhantes relatados na Bíblia, usando isso como uma das desculpas para rejeitá-la, bem como a seu Autor. À base dum escrito anterior de sua autoria, acreditamos que este não é o seu caso. Se está perguntando isso, é porque deseja realmente entender.

Reconhecemos que à primeira vista estes relatos geram sérias dúvidas sobre a justiça divina. Grifamos “à primeira vista”, porque em todos os casos uma consideração mais atenta – e principalmente contextualizada – sempre acaba nos convencendo do contrário, a saber, que tais ações de Deus não só são coerentes como ainda enfatizam a justiça perfeita dele, dando-nos garantia de que Ele sempre agirá da maneira mais justa no caso de todos nós, para nosso bem-estar eterno.

Analisaremos dois dos 3 exemplos que você citou especificamente, os que envolveram seres humanos (o caso dos animais que não entraram na arca pode ser parcialmente entendido no artigo sobre o Dilúvio, que está publicado em nossa seção sobre Astronomia e Arqueologia. Temos razões para crer que no Dilúvio não ocorreu um extermínio planetário da vida animal, e sim local, afetando, quando muito, apenas os animais terrestres da região do mundo onde Noé vivia.)

Queira notar que um elemento comum a todos os casos em que Deus tomou uma ação direta que resultou no fim da vida de seres humanos, é que sempre houve um aviso prévio, dado de maneira clara. Assim foi no caso do Dilúvio e também no caso de outras intervenções punitivas divinas. E foi claramente assim no episódio da morte dos primogênitos dos egípcios. Ter Deus trazido a morte ou não para as pessoas e para seus filhos, dependeu, sobretudo, da reação ao aviso, por parte dos envolvidos.

No relato sobre o Dilúvio, a Bíblia dá indicação de que as pessoas da época estavam avisadas de que ele ocorreria (veja Mateus 24:36-39). E Deus cumpriu o que disse que ia fazer. No caso do Faraó, idem (Êxodo 11:1-9). Inversamente, os habitantes da grande cidade de Nínive, seus filhos e seus animais domésticos foram todos poupados da destruição porque o povo recuou imediatamente de seu mau caminho, após ser avisado pelo profeta Jonas (conforme relatado no livro bíblico que leva o nome dele. O próprio Jonas, na estreiteza do pensamento humano, ficou muito indignado por Deus ter mudado de ideia e, se fosse por ele, a cidade teria sido destruída mesmo, mas a misericórdia de Deus determinou outra coisa e usando lógica magistral Ele chamou o profeta de volta à razão. [Jonas 4])

A justiça divina e a morte de crianças

Geralmente os relatos que mais mexem com nossa sensibilidade envolvem a morte de crianças pequenas, que logicamente não têm responsabilidade alguma pelos erros dos pais. De modo que sua referência ao filho de Davi é compreensível. Porém, mesmo neste episódio, o exame mais atento enfatiza a coerência e a justiça do Deus que adoramos.

Conforme deve saber, a Lei Mosaica determinava que os casos de adultério fossem punidos com a morte. Tanto o homem como a mulher que fizessem isso deveriam ser apedrejados, e esta lei tinha aplicação imediata. (Deuteronômio 22:22-27) Já que a lei era muito clara nesse ponto, e aplicável a qualquer pessoa, fosse essa pessoa rei ou escravo, Deus poderia ter simplesmente aplicado essa punição aos dois, sem quaisquer outras considerações. Desse modo, o rei Davi, Beth-Sabah e o filho que ela esperava morreriam. Deus não os isentou da punição, mas, como Autor da lei, Ele decidiu sentenciá-los de uma maneira diferente: determinou que o rei e a mulher sofressem todas as consequências do erro em vida. Toda a punição aplicada ao rei, que foi o responsável primário pelo erro, é esboçada em vários capítulos do livro de 2 Samuel e o que o profeta disse se cumpriu até o último detalhe, e isso diante dos olhos de toda a nação.

Nesta variação da aplicação da lei, a morte do filho depois do nascimento foi apenas o início da série de desgraças que se abateram sobre a família de Davi, em resultado do erro. O que enfatizamos é que, se Deus tivesse aplicado a lei “ao pé da letra”, essa criança não teria sequer nascido. Ter Ele permitido a passagem de algum tempo até o bebê nascer serviu a pelo menos três propósitos: expressar o seu perdão devido ao arrependimento sincero de Davi, satisfazer o princípio universal de “vida por vida” (lembramos aqui que o marido da adúltera, o oficial Urias, havia sido morto pela trama do rei Davi, e o sangue inocente derramado dele exigia restituição) e deu a esta criança a condição de ser incluída entre todos aqueles que serão ressuscitados “no último dia”.

Em outras palavras, não só Deus se manteve fiel aos seus próprios princípios de justiça e misericórdia, como também a maneira como Ele procedeu resultou ser a melhor opção para todos os envolvidos. Embora a Bíblia não dê muitos detalhes sobre qual foi a causa imediata da morte do filho, é razoável crermos que não houve sofrimento para a própria criança (que tinha ‘acabado de nascer’ [2 Samuel 12:13, 14]). Todo o sofrimento posterior, decorrente do erro, foi para a mãe adúltera e para o pai, este um adúltero e assassino.

O pecado de Adão e Eva e a punição que sofremos

Tomando como base essa história do filho de Davi, esta análise pode ser levada mais longe. Do ponto de vista bíblico todos nós estamos neste exato momento sofrendo a penalidade divina pelo pecado. Embora nenhum de nós possa dizer que é “inocente” (devido ao fato de todos estarmos apartados da glória de Deus e no final das contas sermos merecedores da morte) é também uma verdade que não somos primariamente os responsáveis pelo erro de nossos primeiros pais. O erro foi todo deles, mas, como nos transmitiram uma herança de pecado, todos, sem exceção, estamos sujeitos a muito sofrimento e à morte inescapável no final. Poderíamos apontar isso como uma grande “injustiça” da parte de Deus (e algumas pessoas fazem isso realmente). O fato, porém, é que Ele não tinha obrigação alguma de esperar até que Adão e Eva gerassem filhos. Ele poderia ter aplicado a lei “ao pé da letra”, eliminando-os imediatamente como punição pela desobediência.

As consequências do pecado de Adão e Eva e a justiça divina.
O Pecado Original e a Expulsão do Paraíso, Michelangelo (Capela Sistina)

Mas, em bondosa consideração aos futuros descendentes que poderiam ser fiéis, Deus permitiu que eles gerassem a humanidade, e ainda proveu um meio de livramento final para os fiéis na pessoa de Jesus Cristo (permitir que o seu próprio Primogênito amado fosse morto em favor duma humanidade pecadora era algo que Deus também não tinha obrigação alguma de fazer, principalmente sabendo Ele que muitos nessa humanidade não dariam o menor valor a esse sacrifício). Da mesma maneira que ocorreu no caso de Davi e Beth-Sabah, Deus não só se manteve absolutamente fiel aos seus princípios de justiça, como ainda mostrou sua misericórdia para com os descendentes de Adão, que não tinham culpa pelo que ele fez.

É verdade que o sofrimento e a morte, aos quais a humanidade está sujeita já por milênios, são penalidades terríveis. Mas, quando analisamos profundamente toda essa questão, o eventual questionamento inicial em nossa mente quanto à justiça de Deus, dá lugar a uma profunda apreciação pelo respeito que Ele tem aos seus próprios princípios, ao profundo amor dele pela sua criação, e ao desejo de levá-la a uma condição de harmonia universal, como sempre foi o propósito dele.

Esperamos ter contribuído com algumas ideias para sua reflexão. E elogiamos o seu evidente interesse por assuntos bíblicos. Qualquer colaboração futura que desejar dar para o nosso trabalho será muito apreciada.

Imagem: Cena do filme David and Bathsheba (20th Century Studios, Inc.), 1951.

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