Foi a Primeira Guerra Mundial predita?

A liderança das Testemunhas de Jeová afirma ser o “profeta” moderno de Deus, com a capacidade de prever eventos futuros. No artigo ‘Saberão que houve um profeta no seu meio’, publicado na revista A Sentinela de 1º de outubro de 1972, fez-se a pergunta:

“… tem Deus algum profeta para ajudá-las [as pessoas], para adverti-las dos perigos e para declarar-lhes coisas futuras?” A revista responde: “A estas perguntas pode-se responder na afirmativa. Quem é este profeta?… Este “profeta” não era um só homem, mas um grupo de homens e mulheres. Era o grupo pequeno dos seguidores das pisadas de Jesus Cristo, conhecidos naquele tempo como Estudantes Internacionais da Bíblia. Hoje são conhecidos como testemunhas cristãs de Jeová.” (Pág. 581)

Então será que esse “profeta” fez realmente alguma previsão que se tornou realidade? Entre outras coisas, ele afirma ter previsto o irrompimento da Primeira Guerra Mundial com décadas de antecedência, em 1914. A Sentinela de 1º de fevereiro de 1972 afirmou:

As testemunhas de Jeová, à base da cronologia bíblica, já em 1877 apontavam para o ano de 1914 como sendo de grande significado…

Veio então o ano momentoso de 1914 e com ele a Primeira Guerra Mundial, o transtorno mais amplo da história até aquele tempo. Trouxe consigo matança, fome, pestilência e quedas de governos, sem precedentes. O mundo não esperava eventos tão horríveis como ocorreram. Mas as testemunhas de Jeová esperavam tais coisas, e outros reconheceram que as esperavam…

Como podiam as testemunhas de Jeová saber com tanta antecedência o que nem os próprios líderes do mundo sabiam? Apenas por meio do espírito santo de Deus, que lhes dava a conhecer tais verdades proféticas. É verdade que alguns afirmam hoje que tais acontecimentos não eram tão difíceis de predizer, visto que a humanidade por muito tempo tem conhecido diversas tribulações. Mas, se aqueles acontecimentos não eram tão difíceis de predizer, por que não o fizeram todos os políticos, líderes religiosos e peritos de economia? Por que diziam ao povo o contrário? (Págs. 84, 85)

É verdade isso? Será que foram só as Testemunhas de Jeová que apontaram para um tempo de grandes dificuldades? Todos os demais “diziam ao povo o contrário”? Na verdade, o quadro que as publicações da organização apresentam do período pré-1914 é uma falsificação da história da pior espécie! Em primeiro lugar, pode-se procurar em vão na literatura da Torre de Vigia anterior a 1914, por previsões de que a Primeira Guerra Mundial iria irromper em 1914. Que, mais cedo ou mais tarde, uma grande guerra viria na Europa, por outro lado, tanto líderes religiosos como políticos estavam completamente conscientes décadas antes de 1914. Já em 1871, Otto von Bismarck, o primeiro Chanceler do Império Alemão, declarou que a “Grande Guerra” um dia viria. Os jornais diários e semanais estavam constantemente ocupados com esse tema. Como um exemplo entre muitos, podemos citar uma edição do respeitado semanário inglês Black and White de janeiro de 1892, onde o editor introduziu uma série de ficção sobre a vindoura Grande Guerra Europeia com as seguintes palavras:

“O ar está cheio de rumores de Guerra. As nações europeias estão plenamente armadas e preparadas para a mobilização imediata. As autoridades concordam que uma GRANDE GUERRA deve irromper no futuro imediato, e que esta Guerra será travada sob condições novas e surpreendentes. Todos os fatos parecem indicar que o vindouro conflito será o mais sangrento da história e envolverá consequências marcantes para o mundo inteiro. O incidente que precipitará o desastre pode ocorrer a qualquer momento.” – (A citação foi retirada de I. F. Clarke, Voices Prophesying War 1763-1984 [Vozes Profetizando Guerra 1763-1984], Londres 1966, págs. 66, 67.)

Clarke prossegue descrevendo o grau com que a ficção contemporânea estava preocupada com a guerra que se aproximava, escrevendo:

“De 1871 em diante, as principais potências europeias preparavam-se para a grande guerra que Bismarck tinha dito que viria um dia. E por cerca de meio século, enquanto os gabinetes gerais dos ministérios discutiam sobre armas, estimativas e táticas, a história da guerra por vir era um tema dominante no campo da ficção especulativa…. O período desde a década de 1880 até o longamente esperado irrompimento da guerra seguinte em 1914 viu o surgimento do maior número destas histórias sobre conflitos vindouros que já havia aparecido na ficção europeia.” (Págs. 59, 68)

As pessoas daquela época não podiam evitar ser expostas a constantes predições sobre uma futura guerra na Europa. A questão não era se a Grande Guerra irromperia, e sim quando. Neste particular havia lugar para especulações e muitos contos e novelas fictícias sugeriram datas diferentes. Às vezes datas específicas eram indicadas até nos próprios títulos dos livros, como por exemplo, Europa in Flammen. Der deutsche Zukunftskrieg 1909 [A Europa em Chamas. A Vindoura Guerra Alemã de 1909], de Michael Wagebald (publicado em 1908), e The Invasion of 1910 [A Invasão de 1910], de W. LeQueux, publicado em 1906.

Na esfera religiosa, eram especialmente os “milenaristas” que apresentavam predições da proximidade do fim do mundo. Este movimento incluía milhões de cristãos de diferentes quadrantes, batistas, pentecostais, e assim por diante. O Pastor Russell e seus seguidores, os “Estudantes da Bíblia,” eram apenas um pequeno ramo deste amplo movimento. Um fator comum a todos eles era sua visão pessimista do futuro. Em seu livro Armageddon Now! [Armagedom Agora!], Dwight Wilson descreve a reação deles quando irrompeu a Grande Guerra em 1914:

“A guerra [de 1914] não foi um choque para estes oponentes do otimismo pós-milênio; eles não só esperavam o apogeu da era no Armagedom, como também antecipavam ‘guerras e rumores de guerras’ como sinais da proximidade do fim.” (Págs. 36, 37)

Daí, Wilson prossegue citando um deles, R. A. Torrey, deão do Instituto Bíblico de Los Angeles que, em 1913, um ano antes do início da guerra, escreveu em seu livro The Return of the Lord Jesus [A Volta do Senhor Jesus]: “Falamos de desarmamento, mas todos nós sabemos que ele não virá. Todos os nossos atuais planos de paz acabarão na mais terrível das guerras e conflitos que este velho mundo já viu!””

As especulações do Pastor Russell sobre a vindoura grande guerra na Europa não diferiam consideravelmente das feitas pelos escritores de novelas e expositores milenaristas contemporâneos. Na Zion’s Watch Tower [A Torre de Vigia de Sião] de fevereiro de 1885, ele escreveu: “Nuvens tempestuosas estão ficando espessas sobre o velho mundo. Isto faz parecer que uma grande guerra europeia é uma das possibilidades do futuro próximo.”

E na edição de fevereiro de 1887, ele acreditava que a guerra irromperia no ano seguinte: ““Tudo isto parece indicar que no próximo verão estará em andamento uma guerra que poderá envolver todas as nações da Europa.”(Pág. 2) E na edição de 15 de janeiro de 1892, ele adiou a guerra para “por volta de 1905”, frisando ao mesmo tempo que esta Grande Guerra nada tinha que ver com 1914 e com as expectativas ligadas a essa data. Em 1914 ele esperava — não uma guerra europeia geral — e sim o clímax da “batalha do Armagedom” (que ele achava que tinha começado em 1874), quando todas as nações da terra seriam esmagadas e substituídas pelo reino de Deus. Ele escreveu:

“Os jornais diários, os semanários e os mensários religiosos e seculares, estão continuamente discutindo as perspectivas da guerra na Europa. Eles notam as queixas e ambições das várias nações e predizem que a guerra é inevitável num dia não muito distante, que ela pode começar a qualquer momento entre as grandes potências, e que as perspectivas são de que ela por fim envolverá a todas… Mas, apesar destas predições e dos bons motivos que muitos veem para fazê-las, não compartilhamos delas. Ou seja, não achamos que as perspectivas de uma guerra europeia geral sejam tão manifestas como geralmente se supõe… Mesmo que uma guerra ou revolução irrompesse na Europa antes de 1905, nós não a consideramos como parte das severas tribulações preditas. . . . [A] nuvem da guerra, escura como nunca, vai se precipitar com toda a sua fúria destrutiva. Porém, considerando-se o intervalo aproximado que se exige para os eventos preditos, não esperamos esta culminação antes de 1905… (Págs. 19-25).

A amplamente esperada Grande Guerra finalmente veio em 1914. Mas provavelmente ninguém tinha predito que ela viria naquele ano. Mesmo que alguém tenha feito isso, tal pessoa não foi Charles Taze Russell ou algum dos seguidores dele. Eventos de um tipo completamente diferente do que Russell e seus “Estudantes da Bíblia” associaram com aquele ano foram os que ocorreram. Fazer-se passar, retrospectivamente, por um “profeta” que – ao contrário de todos os demais – previu com a ajuda do espírito de Deus o irrompimento da guerra em 1914 é, portanto, não só uma grosseira falsificação da história, como também uma farsa religiosa da pior espécie. A razão para recorrer a essas falsificações é óbvia: quem finge ser algo que não é não pode apoiar sua afirmação com fatos e provas concretas. Ele é simplesmente forçado a fabricar as “evidências” que faltam. Infelizmente, isto é o que a liderança das Testemunhas de Jeová tem feito.

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