Os Líderes das Testemunhas de Jeová e a Especulação Cronológica – Parte 1
As crenças originais sobre cronologia
A organização Torre de Vigia afirma que, apesar das muitas predições fracassadas, ela não é um falso profeta. Por exemplo, a revista A Sentinela de 15 de março de 1986 disse na página 19:
Por fim, poderíamos considerar o que a Sociedade publicou no passado sobre a cronologia. Alguns opositores [Veja o encaixe] afirmam que as Testemunhas de Jeová são falsos profetas. Esses opositores dizem que se fixaram datas, mas que nada aconteceu… Sim, o povo de Jeová, de vez em quando, teve de revisar expectativas… Mas, demonstramos nossa fé na Palavra de Deus e nas suas promessas seguras por proclamar a sua mensagem a outros. Além disso, a necessidade de revisarmos um pouco nosso entendimento não nos torna falsos profetas,… Quão tolo é adotar a atitude de que as expectativas que precisam dum ajuste lancem dúvida sobre todo o conjunto da verdade! É clara a evidência de que Jeová tem usado e continua a usar a sua única organização, com o “escravo fiel e discreto” tomando a dianteira.
“Alguns opositores”?
Via de regra as publicações da organização desencorajam fortemente que as Testemunhas de Jeová examinem e analisem por si mesmas os questionamentos originários de pessoas que foram dessa religião no passado. Esse desencorajamento chega praticamente ao nível duma proibição. Os “opositores” (com frequência chamados de “apóstatas”) são sempre retratados nos piores termos, qualquer escrito proveniente deles deve ser prontamente descartado ou destruído pelas Testemunhas e qualquer discussão desses assuntos é terminantemente cerceada entre elas. Todavia, a maneira como as publicações da organização fazem referências a esses questionamentos (como o da cronologia e muitos outros), mostra que as pessoas que redigiram estas publicações estão realmente a par do que os dissidentes publicam. Quando abordam isso, o que eles fazem em muitos casos é apresentar à comunidade das Testemunhas apenas fragmentos de informação (geralmente introduzidos por frases vagas, tais como ‘alguns opositores afirmam isso ou aquilo…’). Além de esses questionadores jamais serem identificados (pelo menos não enquanto estão vivos), os questionamentos deles são apresentados fora do contexto e as “respostas” da organização são cuidadosamente embaladas em contra-argumentação tendenciosa, que nunca responde ao que foi realmente questionado. Esse rígido controle da informação torna muito difícil que as Testemunhas de Jeová conheçam os fatos sobre a história e a doutrina de sua própria organização.
A pergunta para este parágrafo 15 era:
Em vez de as Testemunhas de Jeová serem falsos profetas, o que prova que elas têm fé na Palavra de Deus e nas promessas seguras dela?
A única resposta admitida e aceita neste estudo de A Sentinela é que as Testemunhas de Jeová não são falsos profetas porque proclamam a mensagem de Deus para outros, e há evidência clara de que Jeová está apoiando a Torre de Vigia. Mas essa evidência não foi apresentada e, com relação à importância de declarar a mensagem de Deus para outros, deve-se ter em mente o que diz Deuteronômio 18:20-22. Em termos simples, o parágrafo não respondeu à acusação de que os líderes das Testemunhas de Jeová são falsos profetas.
O livro Raciocínios à Base das Escrituras (1989) disse na página 160:
Os apóstolos e outros primitivos discípulos cristãos tinham certas expectativas erradas, mas a Bíblia não os classifica como “falsos profetas”. — Veja Lucas 19:11; João 21:22, 23; Atos 1:6, 7.
Esta afirmação é certamente verdadeira, mas os textos a que se fez referência mostram que essas expectativas foram mal-entendidos que Jesus tratou de esclarecer imediatamente. Além disso, os discípulos que tiveram essas idéias jamais obrigaram outros a acreditar em suas expectativas por expulsar da comunidade qualquer um dos seus irmãos que não compartilhasse essas expectativas erradas.
Pesquisando Sem Temor
A matéria deste artigo foi compilada de acordo com o princípio estabelecido num dos livros da Torre de Vigia:
Precisamos examinar não só o que nós mesmos cremos, mas também o que é ensinado pela organização religiosa com que talvez nos associemos. Estão os seus ensinos em plena harmonia com a Palavra de Deus ou baseiam-se em tradições de homens? Se amarmos a verdade, não precisamos temer tal exame. Cada um de nós deve ter o desejo sincero de aprender a vontade de Deus para nós e depois fazê-la. (A Verdade Que Conduz à Vida Eterna, pág. 13, Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Nova Iorque, Inc., Brooklyn, Nova Iorque, revisão de 1981.)
Se alguém realmente acredita nestas palavras, não deveria ter medo de examinar ideias que podem entrar em conflito com o que a Torre de Vigia diz sobre determinados assuntos. Essa pessoa jamais iria querer estar entre aqueles descritos por Jean-Paul Sartre como os que “uma vez que têm medo de raciocinar… querem adotar um modo de vida em que o raciocínio e a pesquisa só desempenham um papel secundário, no qual o indivíduo não procura nada além do que já encontrou.” (Existencialismo, Religião e Morte: Treze Ensaios, Walter Kaufman, New American Library, Nova Iorque, 1976.)
No mesmo espírito, a contracapa da revista Despertai! de 8 de julho de 1991 disse, ao fazer uma propaganda do livro O Homem em Busca de Deus:
A maioria das pessoas só conhece a religião de seus pais, e isso, muitas vezes, apenas superficialmente. Deveria a sua religião ser simplesmente aquela em que nasceu? Ou deveria fazer uma escolha inteligente, por comparar a sua religião com outras?
Aqui as pessoas são claramente incentivadas a que ‘comparem sua religião com outras’ e não presumam que sua religião é automaticamente verdadeira só pelo fato de terem nascido nela.
Da mesma forma, A Sentinela de 15 de junho de 1985, páginas 11, 12 dá bons conselhos para os cristãos de reflexão:
Provérbios 2:4, 5, diz: ‘Se continuares a buscar isso como a tesouros escondidos, acharás o próprio conhecimento de Deus.’ O contexto desta passagem fala sobre a necessidade de procurar as “declarações”, os “mandamentos”, a “sabedoria”, o “discernimento” e a “compreensão” da parte de Jeová. Buscar tesouros requer esforço e perseverança. Exige cavar fundo. O mesmo se dá quando se busca “o próprio conhecimento de Deus”, o “discernimento” e a “compreensão” das coisas. Também requer aprofundar-se bem, ou penetrar abaixo da superfície das coisas… Devemos ser realmente gratos pelo aprofundamento espiritual feito pela classe do “escravo” para tornar cada vez mais claros “os propósitos mais profundos e escondidos de Deus”…
Mas isso não isenta cada cristão individual da responsabilidade de se aprofundar na Palavra de Deus, com o fim de entender a plena profundeza dos pensamentos explicados. Isto envolve procurar os textos mencionados. Significa ler as notas ao pé das páginas, nos artigos da Sentinela, algumas das quais indicam ao leitor uma publicação mais antiga, que fornece uma explicação mais plena de certa passagem ou profecia. Isso requer maior aprofundamento, fazer esforço para localizar essa publicação mais antiga e depois estudar as páginas mencionadas. (Grifos acrescentados).
Num contexto diferente, a revista A Sentinela de 15 de fevereiro de 1973 fez uma pergunta relevante na página 121:
‘Conheço plenamente a história do povo de Deus?’
Esta série de artigos examina as publicações da Torre de Vigia e sua história em busca da verdade. Isto é apropriado porque 1 João 4:1 diz:
Amados, não acrediteis em toda expressão inspirada, mas provai as expressões inspiradas para ver se se originam de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo afora. (Grifo acrescentado).
Por isso, é obrigação de cada cristão testar expressões que afirmam ser inspiradas.
Este material foi escrito no espírito de pesquisar profundamente nas publicações da Torre de Vigia, com o objetivo de entender como esta organização pode alegar não ser um falso profeta, apesar de suas muitas previsões que falharam.
Identificando Um Falso Profeta
Primeiramente, é preciso definir os termos. Segundo a enciclopédia Estudo Perspicaz das Escrituras, Volume 3, pág. 332, a “profecia” é uma
Mensagem inspirada; revelação da vontade e do propósito divinos, ou a proclamação destes. A profecia pode ser um ensinamento moral inspirado, a expressão duma ordem ou dum julgamento divino, ou a declaração de algo por vir. Conforme mostrado sob PROFETA, predição ou prenúncio não é a ideia básica transmitida pelas raízes verbais nas línguas … contudo, constitui um aspecto notável das profecias bíblicas… contudo, constitui um aspecto notável das profecias bíblicas… A Fonte de toda profecia verdadeira é Jeová Deus.
Um “profeta”, segundo este mesmo Volume 3, pág. 336, é
Alguém por meio de quem se dá a conhecer a vontade e o propósito divinos.
E um profeta verdadeiro pode ser distinguido dum falso da seguinte maneira (pág. 338):
Os três elementos essenciais para se confirmar as credenciais do profeta verdadeiro, conforme fornecidos por Moisés, eram: o profeta verdadeiro falaria em nome de Jeová; as coisas preditas ocorreriam (De 18:20-22); e seu profetizar tinha de promover a adoração verdadeira, estando em harmonia com a palavra e os mandamentos revelados de Deus (Deu 13:1-4).
Portanto, há três padrões que um profeta deve satisfazer; o fracasso em satisfazer qualquer um deles faz dessa pessoa um falso profeta. De modo que um falso profeta pode ser uma pessoa que preencha os seguintes critérios:
1) Primeiro ela alega ser um profeta;
2) Em seguida, ela fala em nome de Deus e faz previsões;
3) Por fim, essas previsões falham.
Deuteronômio 18:20-22 contém a definição divina de um falso profeta e como as pessoas deveriam encarar a tal:
‘No entanto, o profeta que presumir de falar em meu nome alguma palavra que não lhe mandei falar ou que falar em nome de outros deuses, tal profeta terá de morrer. E caso digas no teu coração: “Como saberemos qual a palavra que Jeová não falou?” quando o profeta falar em nome de Jeová e a palavra não suceder nem se cumprir, esta é a palavra que Jeová não falou. O profeta proferiu-a presunçosamente. Não deves ficar amedrontado por causa dele.’ (Grifo acrescentado).
A revista A Torre de Vigia de 15 de maio de 1930, páginas 153-155 (em inglês), descreveu um profeta verdadeiro e um falso:
Um profeta é uma pessoa que professa proclamar uma mensagem de Jeová Deus. A Bíblia revela o fato de que há tanto profetas verdadeiros como falsos. O profeta verdadeiro é aquele que sempre fala como porta-voz de Deus. Sua mensagem é a verdade, e é destinada a ser uma bênção para seus ouvintes. Ele nunca é arrogante, e sempre dá o crédito a Deus pela mensagem que proclama e, portanto, sempre tem a aprovação divina. Um falso profeta é uma pessoa que alega ser um representante de Jeová para falar em seu nome e anunciar sua mensagem, mas é na verdade o porta-voz de Satanás. Um falso profeta não tem a aprovação de Jeová, e sua mensagem tem sempre a intenção de enganar as pessoas e atraí-las para longe de Deus e do estudo de sua Palavra.
Um falso profeta fala aquilo que é contrário à vontade de Deus; ele zomba, contradiz e nega a mensagem dos verdadeiros profetas de Deus. Não importa se ele proclama sua mensagem de maneira deliberada, intencional e maliciosa, com o objetivo de enganar, ou se ele é um joguete cego e iludido de Satanás e, portanto, usado por ele de modo involuntário. Em todo caso, ele é um falso profeta …
Uma vez que a Bíblia foi completada e a “inspiração” não é mais necessária, um profeta verdadeiro é aquele que está proclamando fielmente o que está escrito na Bíblia… Mas, pode-se perguntar: Como vamos saber se a pessoa é um verdadeiro ou um falso profeta? Há pelo menos três maneiras pelas quais podemos decidir terminantemente: (1) Se ele for um profeta verdadeiro, sua mensagem irá se cumprir exatamente como foi profetizada. Se ele for um falso profeta, sua profecia vai deixar de ocorrer… A diferença entre um profeta verdadeiro e um falso é que um deles está declarando a palavra do Senhor e o outro está declarando seus próprios sonhos e palpites… O profeta verdadeiro de Deus hoje vai antecipar o que a Bíblia ensina, e as coisas que a Bíblia nos diz que em breve ocorrerão. Ele não proclamará teorias feitas pelo homem ou suposições, sejam as suas ou as de outros …. No Novo Testamento, e em nossos dias, a palavra “profeta” tem um sentido semelhante ao da nossa palavra “instrutor”, significando um expositor público. Assim, quando a expressão “falso profeta” é utilizada, teremos o pensamento correto, se tivermos em mente um falso instrutor.
A revista Despertai! de 22 de abril de 1969, página 23, ao falar sobre a alegação da Torre de Vigia de que a Bíblia indica que estamos vivendo nos “últimos dias” desde 1914, declarou:
Ainda assim, algumas pessoas talvez digam: “Como podem estar seguros disso? Talvez já seja mais tarde do que muitas pessoas imaginam. Mas talvez não seja tão tarde quanto algumas pessoas afirmam ser. As pessoas se enganaram quanto a essas profecias antes?” … É verdade, houve aqueles que, em tempos passados, predisseram um ‘fim do mundo’, até mesmo anunciando uma data específica. Alguns ajuntaram grupos de pessoas a eles e fugiram para as colinas ou se retiraram para suas casas, aguardando o fim. (Veja o encaixe). Todavia, nada aconteceu. O ‘fim’ não veio. Eram culpados de profetizar falsamente. Por quê? O que estava faltando?
“Alguns…”?
O Anuário das Testemunhas de Jeová de 1983, página 120, contém o seguinte trecho: “Durante a Primeira Guerra Mundial, o pequeno grupo de irmãos italianos passou por um período de provas e purificação semelhante ao que ocorreu em outras partes do mundo. Em 1914 alguns Estudantes da Bíblia, como eram então chamadas as Testemunhas de Jeová, esperavam ser “arrebatados em nuvens, para encontrar o Senhor no ar”, e criam que seu trabalho terreno de pregação havia chegado ao fim. (1 Tes. 4:17) Um relato ainda existente diz: “Um dia, alguns deles foram para um lugar isolado a fim de esperar o evento ocorrer. Entretanto, quando nada aconteceu, foram obrigados a voltar novamente para casa num estado mental bem deprimido. Como resultado, muitos destes caíram da fé.” (Grifos acrescentados). É verdade que nem todos os Estudantes da Bíblia que viviam na época chegaram a esse extremo de se retirarem para um lugar isolado, como fizeram esses italianos, mas está errada a afirmação (presente em diversas publicações da Torre de Vigia) de que eram apenas “alguns Estudantes da Bíblia” que aguardavam o fim do mundo em 1914. Ao falar dos eventos relacionados com o início da Grande Guerra na Europa naquele ano, o Anuário de 1975 (que contém a história das Testemunhas de Jeová na Alemanha) disse na página 78: “O irmão Grabenkamp, de Lübbecke, dissera aos filhos: “Bem, meus meninos, chegou a hora!” e seus irmãos em todo o mundo pensaram e falaram palavras similares. Aguardavam estes eventos, sim, não só isso, haviam recebido a ordem de Jeová de anunciá-los a outros. Sabiam que estas coisas seriam simples precursores de indescritíveis bênçãos de Jeová para a humanidade.”
Compare estas declarações com as declarações acima, da revista A Torre de Vigia de 15 de maio de 1930, e com o que a organização afirmou que iria ocorrer em 1914 e 1925 (que será considerado à frente neste artigo). A revista Despertai de 1969, citada aqui, continuava dizendo:
Faltava a plena medida de evidência exigida em cumprimento da profecia bíblica. O que tais pessoas não tinham eram as verdades de Deus e a evidencia de que Ele as guiava e usava.
O livro O Paraíso Restabelecido Para a Humanidade – Pela Teocracia! (lançado em português em 1974), páginas 354, 355, disse:
Jeová, o Deus dos verdadeiros profetas, envergonhará todos os falsos profetas quer por não cumprir a predição falsa de tais pretensos profetas, quer por cumprir Suas próprias profecias de modo oposto ao que os falsos profetas predisseram. Os falsos profetas procurarão ocultar seus motivos de sentir vergonha por negar quem realmente são. (Grifo acrescentado).
As Predições Originais: A Cronologia de Russell
Quais eram as crenças dos Estudantes da Bíblia sobre a cronologia no início?
As publicações mais antigas dos Estudantes da Bíblia enfatizavam a urgência dos tempos, afirmando que Cristo voltou em 1874 e que em 1914 ele destruiria todos os reinos do mundo. O livro de 1877, escrito por N. H. Barbour e financiado por C. T. Russell, intitulado Os Três Mundos e a Colheita Deste Mundo, continha a base para a cronologia posterior de Russell e para muitas de suas doutrinas. Observemos estes trechos:
O FIM DESTE MUNDO, ou seja, o fim do evangelho e o começo da era milenar está mais próximo do que a maioria dos homens supõe; na verdade já entramos no período de transição, que deverá ser um “tempo de tribulação, tal como nunca houve, desde que existe nação” (Daniel 12:1)… [Pág. 17].
No mundo por vir, a primeira era, ou a milenar, será uma de 1000 anos, e é introduzida pelo “tempo de tribulação”, mencionado tantas vezes nas Escrituras. Há uma evidência muito conclusiva de que este tempo de tribulação deve continuar por 40 anos; e já começou; e que “os corações dos homens estão [já no começo] ficando desalentados de temor e na expectativa das coisas que estão vindo sobre a terra”. [Pág. 18]
A organização do capital contra o trabalho, o aumento das pessoas se defendendo, a derrocada da lei e da ordem, a derrubada dos “tronos” e dos governos, e “um tempo de tribulação, tal como nunca houve, desde que existe nação”; são todos preditos claramente nas Escrituras como eventos que antecedem a era milenar de glória. E os sinais da proximidade de grandes eventos são tão evidentes que todos estão impressionados com a sombra escura da tribulação por vir.
As nações estão perplexas, e estão se preparando para uma luta terrível; enormes engenhos de guerra estão sendo multiplicados pela terra e pelo mar; milhões de homens estão em armas, e ainda assim, seus números estão aumentando, enquanto as pessoas estão ficando desesperadas e assustadas.
Quando a luta começar, como logo deverá, uma bola será posta em movimento antes que “todos os reinos do mundo, que estão sobre a face da terra, sejam derrubados”; e, segundo as Escrituras, um cenário selvagem de desolação e de terror resultará…
Que o milênio deverá ser introduzido, ou precedido pelas mais terríveis e desoladoras guerras que o mundo já testemunhou, é tão claramente revelado, que não existe a menor margem para o crente na Bíblia questionar. Muitos textos podem ser citados como prova, mas alguns serão suficientes: “Porque são espíritos de demônios, que fazem prodígios; os quais vão ao encontro dos reis da terra e de todo o mundo, para os congregar para a batalha, naquele grande dia do Deus Todo-Poderoso.” (Rev. 16:14). [Pág. 19]
No presente momento os reinos deste mundo pertencem aos gentios por um direito concedido por Deus, e eles não se tornam “os reinos de nosso Senhor e do seu Cristo”, até que os “tempos dos gentios se completem”; nem a guerra e a opressão cessam até então, pois Cristo diz: “Jerusalém será pisada pelos gentios, até que o tempo dos gentios se cumpram” (Lucas 21:24). [Pág. 20].
O reino de Deus deve ser estabelecido antes que terminem os dias dos gentios, pois “nos dias desses reis, o Deus do céu estabelecerá um reino, e ele esmiuçará e consumirá todos estes reinos” (Dan. 2:44). E este esmagamento, juntamente com a batalha do grande dia, são alguns dos eventos destes 40 anos de tribulação [iniciados em 1874]. [Pág. 26]
Embora não haja qualquer evidência direta de que ao final de seis mil anos desde a criação de Adão, o “segundo” Adão deva começar a nova criação, ou restituição de todas as coisas; ainda há muita evidência indireta…
O conjunto de evidências que sincroniza com o fato de que os seis mil anos já terminaram [em 1873], é absolutamente surpreendente, para quem se der ao trabalho de investigar. [Págs. 67, 76]
Note-se como esta linguagem é similar à que a Torre de Vigia usa hoje para descrever “o tempo do fim” e as condições atuais. Note-se também a semelhança do raciocínio sobre o fim dos 6.000 anos desde Adão com o que a Torre de Vigia publicou no começo de 1966, com relação a 1975. É fácil ver, no material que segue, como as opiniões expressas em Os Três Mundos foram transferidas para a revista A Torre de Vigia de Sião, que C. T. Russell começou a publicar em 1879.
Logo na primeira edição de A Torre de Vigia de Sião, de julho de 1879, declarou-se na página 1 o objetivo de sua publicação:
Que estamos vivendo “nos últimos dias” – “os dias do Senhor” – “o fim” da era do Evangelho e, conseqüentemente, no alvorecer da “nova” era, são fatos perceptíveis não só pelo estudante sério da Palavra, guiado pelo espírito, mas os sinais exteriores reconhecíveis pelo mundo dão o mesmo testemunho.
A edição de A Torre de Vigia de agosto de 1879, páginas 2, 3 descreveu seu conceito da “presença” (parousia) de Cristo:
Cremos que as Escrituras ensinam que, no momento de sua vinda e por um tempo depois que vier, Ele permanecerá invisível; manifestando-se ou mostrando-se depois disso em julgamentos e de várias formas, de modo que… “todo olho O verá.” Achamos que temos boas e sólidas razões para crer… que estamos agora “nos dias do Filho”; que “o dia do Senhor” veio, e Jesus, um corpo espiritual, está presente, efetuando a colheita da era do Evangelho.
Quando foi que a “presença” de Cristo teve início? A edição de A Torre de Vigia de outubro de 1879 afirmou na página 4:
Cristo veio na condição de um noivo em 1874… no início da colheita do Evangelho.
A Torre de Vigia de abril de 1880 disse na página 2, com relação à parábola das dez virgens de Mateus 25:
“Eis que estou à porta e bato…” … A presença e a batida começaram no outono de 1874.
O número de agosto de 1880 de A Torre de Vigia disse na página 2 sobre a “presença” de Cristo:
Levou 1841 1/2 anos do início de nossa era do Evangelho no dia de Pentecostes (33 A.D.), até o início da nossa “colheita”, no outono de 1874, quando a nossa “palavra profética assegurada” o anuncia como novamente presente, mas agora no plano superior, um corpo espiritual invisível, segando ou colhendo a casa espiritual.
Daí, este número da revista, evidentemente falando do rompimento de Russell com J. H. Paton, descreveu na página 3 o que aconteceria com aqueles que não concordassem com a versão de Russell da “luz” sobre a “presença” de Cristo:
Estes que antes se regozijavam na luz da “palavra profética assegurada” que nos mostra a presença de nosso Senhor como o “Noivo”, “Segador” e “Rei”, que nos prova que os “tempos da restituição de todas as coisas começou em 1874”, e que, portanto, “os céus” que deveriam recebê-lo até essa época, agora não mais o recebem, mas que ele está presente, e que em breve, quando a separação do joio e do trigo estiver completa, “seremos mudados para Sua gloriosa semelhança e o veremos como Ele é.” Tudo, toda essa luz eles perderam, e agora ficaram na condição da escuridão lá fora, a condição de escuridão quanto ao assunto da presença do Senhor, na qual o mundo e uma igreja mundana sempre ocupou.
O número de julho de 1880 de A Torre de Vigia descreveu nas páginas 1 e 3 algo sobre o que estava para ocorrer durante o “tempo de angústia”, e quando ele deveria ser:
A maioria de nossos leitores talvez esteja ciente de que nosso entendimento da palavra nos leva à conclusão de que “O tempo de tribulação” ou “Dia da ira”, que abrange os 40 anos de 1874 a 1914 é dividido em duas partes ou é de dois tipos: primeiro um tempo de tribulação sobre a igreja durante o qual ela (a igreja nominal) cairá de sua atual posição de influência e respeito perante o mundo, e muitos vão cair da verdade e da fé. Esta tribulação sobre a igreja e também o fato de que estaremos nela, porém protegidos e seguros é mostrado pelo Salmo xci… A tribulação que vem sobre o mundo virá depois da tribulação sobre a igreja como uma consequência natural e é a segunda parte da tribulação do “Dia da ira”. Será que os santos estarão aqui durante a continuação da tribulação sobre o mundo? Não, lembremo-nos de que Jesus disse: “Vigiai, pois, em todo o tempo, orando, para que possais escapar de todas estas coisas que hão de acontecer, e estar em pé na presença do Filho do homem.” Esta é uma gloriosa expectativa, de que nos ajuntemos ao nosso Cabeça vivo – Cristo, e entremos em Seu reino antes do derramamento das taças da ira sobre o mundo…
Concluímos que o dia da ira está incluído na colheita do Evangelho, e, consequentemente, que a era e a colheita se estende até 1914, cobrindo um intervalo de 40 anos a partir da primavera [setentrional] de 1875…
Reescrevendo a História
A organização Torre de Vigia diz que nenhuma outra organização foi bem-sucedida em prever 1914 como um ano decisivo na profecia bíblica e na história humana. O livro Do Paraíso Perdido ao Paraíso Recuperado disse na página 170:
“A matéria para leitura, publicada pelas testemunhas, era diferente da de todas as outras religiões. Por quê? Porque as testemunhas diziam que o ano de 1914 seria de importância mundial. No número de março de 1880 da revista “A Sentinela” em inglês disseram: “Os Tempos dos Gentios estendem-se até 1914, e o reino celestial não dominará plenamente até então.” Dentre tôdas as pessoas, apenas as testemunhas apontavam para 1914 como o ano em que o reino de Deus seria plenamente estabelecido no céu.”
No entanto, esta é uma citação incompleta, como o seguinte trecho mostra. O número de março de 1880 de A Torre de Vigia de Sião, havia dito na página 2:
“Os Tempos dos Gentios estendem-se até 1914, e o reino celestial não dominará plenamente até então, mas como uma “Pedra” o reino de Deus é estabelecido “nos dias desses reis (os 10 reis gentios)”, e ao consumi-los torna-se um reino universal – um “grande monte que enche a terra inteira.”
É evidente que o resto da citação prova que Russell não predisse que o Reino de Deus seria estabelecido no céu, em 1914, e sim que seria estabelecido na terra, por volta de 1914, e que em 1914 tudo estaria completamente finalizado. A matéria citada abaixo mostra que não é possível que Russell acreditasse que o Reino de Deus seria estabelecido no céu em 1914, porque ele acreditava que o Reino já havia sido estabelecido no céu em 1878. Isto é mostrado adicionalmente pela declaração no livro O Tempo Está Próximo, 1889, página 77, referente a 1914:
… nessa data o Reino de Deus, pelo qual o Senhor nos ensinou a orar, dizendo: “Venha o Teu Reino”, terá obtido controle total, universal, e daí ele será então “firmado” ou firmemente estabelecido, na terra.
Para confirmar ainda mais que este era o conceito de Russell, a edição de julho de 1880 de A Torre de Vigia, na página 4, foi bem inflexível na afirmação de que em 1914 o “dia da ira” estaria terminado:
Será que alguns cujas lâmpadas brilham fortemente com a luz da verdade sobre os Tempos dos Gentios, e o tempo de tribulação ou o dia da vingança com o qual terminam estes tempos, afirmariam que o dia da ira se estende além de 1914? Afirmar isso é ignorar o paralelismo entre os dois dias da ira, ou admitir que Cristo recebe sua coroa antes da subjugação das nações neste dia da ira.
O número de agosto de 1880 de A Torre de Vigia, na página 2, também disse que praticamente tudo estaria terminado até 1914. Haveria um período de 33 anos de tribulação – formando com os 7 anos anteriores um período de 40 anos de tribulação ou o “Dia da ira” terminando com os tempos dos gentios, em 1914, quando o reino de Deus [que logo seria estabelecido ou elevado ao poder] destroçaria e consumiria todos os reinos da terra.
A edição destacou também a urgência dos tempos, dizendo que as igrejas muito em breve seriam destruídas, na página 3, em um artigo intitulado “E Se Apressa Muitíssimo”:
Na edição de outubro (1879) de A Torre de Vigia no artigo intitulado “O Dia do Senhor” – e na edição de novembro, no artigo intitulado “Babilônia Caiu”, expressamos o nosso conceito do “tempo de tribulação” e nos esforçamos a provar biblicamente que ele começou com a igreja e primeiro resultará na derrocada completa da igreja nominal, protestante e católica, por infidelidade e espiritualismo, e depois, atingirá e derrubará governos nacionais. Muitos estavam inclinados a fazer pouco de nossas declarações, etc., e expressaram sua crença de que a tribulação sobre as nações era a única coisa que deveríamos esperar. Nossos conceitos expressos então, são confirmados em nós diariamente, e estamos mais do que nunca convencidos da veracidade deles …. Nós incluímos os trechos seguintes para mostrar aos nossos leitores que a tormenta já começou, e que outros estão observando o cumprimento que nunca notou as profecias: –
Alistam-se então várias citações para mostrar que as igrejas já estavam experimentando sérios problemas.
A revista A Torre de Vigia de novembro de 1880 disse na página 1 que havia “prova conclusiva” para o conceito de Russell sobre a presença de Cristo. Fazendo uma consideração sobre partes do Apocalipse, a revista disse:
Não precisamos repetir aqui as evidências de que a “sétima trombeta” começou a ser soada em 1840 A.D. e vai continuar até o fim do tempo de tribulação, e o fim dos “tempos dos gentios”, 1914 A.D., e essa é a tribulação deste “Grande dia”, que é aqui simbolicamente chamado de voz do arcanjo, quando ele começa a libertação de Israel carnal. “E naquele tempo se levantará Miguel, o grande príncipe [Arcanjo], que se levanta a favor dos filhos do teu povo, e haverá um tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação.” Dan. xii. 1. Nem vamos aqui apresentar novamente a prova bíblica conclusiva de que nosso Senhor veio para sua Noiva, em 1874, e tem um trabalho invisível como Ceifeiro dos primeiros frutos desta Era do Evangelho.
A edição de maio de 1881 de A Torre de Vigia de Sião, página 5, considerou as crenças daquele momento sobre o que poderia acontecer no outono de 1881, e resumiu as crenças sobre as profecias cronológicas:
Cremos que todas as profecias relacionadas a tempo (referentes à vinda de Jesus) terminaram por volta e antes do outono de 1874, e que Ele veio lá, e o segundo advento está em andamento agora e vai prosseguir por toda a era milenial. Acreditamos que a presença dele será revelada aos olhos dos homens de entendimento gradualmente durante este “Dia do Senhor” (quarenta anos – de 1874 a 1914), assim como está sendo agora para os nossos; com a diferença que nós discernimos isso por meio da palavra da profecia revelada pelo Espírito, e eles reconhecerão a sua presença por meio do seu julgamento sobre a Sião nominal, e o Mundo.
A edição de janeiro de 1886 de A Torre de Vigia enfatizou a urgência dos tempos:
A perspectiva no começo do Ano Novo tem algumas particularidades muito encorajadoras. As evidências externas são de que a marcha das hostes para a batalha do grande dia do Deus Todo-Poderoso está em andamento, enquanto as escaramuças estão começando…
O tempo chegou para o Messias assumir o domínio da terra e derrubar os opressores e arruinadores da terra (Apocalipse 19:15 e 11:17,18) preparando o estabelecimento da paz eterna sobre o único alicerce firme da justiça e da verdade.
A maior parte das Testemunhas de Jeová entende que os cálculos que levam a 1914 como o fim dos “Tempos dos Gentios”, e como o ano em que Cristo estabeleceu invisivelmente seu reino nos céus são exclusividade da organização Torre de Vigia. Na guarda interna de sua capa, o livro As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino, de 1959, contém estas declarações:
1870 – Charles Taze Russell começa seu estudo da Bíblia com um pequeno grupo de associados.
1877 – O livro “Os Três Mundos” é publicado, identificando a data de 1914 como o fim dos “Tempos dos Gentios”.
A impressão que se dá aqui, bem como na maior parte das outras publicações da Torre de Vigia, é que o livro Os Três Mundos (que foi escrito por N. H. Barbour e Russell apenas financiou) foi a primeira publicação a conter esse ensino sobre 1914.
Mas isso não é verdade. Em 1823, John Aquila Brown publicou uma explicação praticamente idêntica à que acabou sendo adotada pela Torre de Vigia, exceto que Brown disse que os 2.520 anos iam de 604 AC a 1917 DC. Ele predisse que, em seguida, “a plena glória do reino de Israel seria aperfeiçoada”, mas ele não aplicou os “tempos dos gentios” aos 2.520 anos. Ele ensinou também que os 2.300 dias de Daniel capítulo 12 terminariam em 1844. Uma forma deste ensinamento foi adotada por William Miller e seus seguidores, que predisseram o fim do mundo em 1843-1844, e que iniciaram o movimento do Segundo Advento.
Depois do fracasso das expectativas para 1844, o movimento de Miller se dividiu em várias seitas, uma das quais por fim se formou em torno de N. H. Barbour. Barbour refez os cálculos de Brown e apresentou o período de 606 AC a 1914 DC (na verdade, isto era um erro de cálculo, pois este período é de apenas 2.519 anos. A Torre de Vigia usou esse cálculo até 1943, quando 606 foi alterado para 607 no livro A Verdade Vos Tornará Livres, páginas 238 e 239, usando uma explicação incorreta e dissimulada.) Barbour publicou pela primeira vez a data de 1914 em sua revista Arauto da Manhã, em setembro de 1875.
Na edição de 15 de julho de 1906 de A Torre de Vigia, C. T. Russell relatou como Barbour e outros convenceram-no em 1876 de seus ensinamentos sobre 1914. Russell tornou-se editor-assistente do Arauto da Manhã até julho de 1878. Esta revista, e depois a revista de Russell, A Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo, publicaram também que o ano 1873 foi o fim de 6.000 anos da história humana e 1874 foi o início da presença invisível de Cristo. Entre os grupos adventistas relacionados, a doutrina da presença invisível surgiu na verdade como decorrência do fracasso da predição do retorno de Cristo em 1874, feita por Barbour e outros, conforme será mostrado a seguir. A doutrina permitiu-lhes dizer, assim como William Miller já havia feito antes, que eles tinham esperado “a coisa errada na hora certa”. Esta explicação foi depois adotada pela organização Torre de Vigia para explicar o fracasso de suas previsões originais para 1914.
A Torre de Vigia gostaria que seus seguidores pensassem que C. T. Russell e alguns outros acreditavam desde cerca de 1870 que Cristo voltaria de forma invisível. Por exemplo, o livro As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino, baseando suas afirmações no artigo da mencionada edição de A Torre de Vigia de 15 de julho de 1906 (que foi reproduzida no número de 1º de junho de 1916) disse nas páginas 14, 15:
MARIA: Não é verdade, porém, que, enquanto a maioria dos que esperavam a segunda presença de Cristo esperavam um retorno físico, havia alguns que acreditavam que Cristo não estaria visível nesta segunda presença?
JOÃO: Sim. Por exemplo, havia George Storrs, de Brooklyn, que publicava uma revista chamada “O Examinador da Bíblia” e que olhava para a data de 1870; H. B. Rice, que publicava A Última Trombeta, também olhando para 1870, e um terceiro grupo, desta vez de desapontados segundo adventistas, olhando para 1873 ou 1874. Este grupo era liderado por N. H. Barbour, de Rochester, Nova Iorque, editor de O Arauto da Manhã…
Além deste ponto na narrativa, nada se fala sobre segunda presença invisível de Cristo até o relato seguinte sobre a formação das crenças de Russell:
Assim se passaram os anos de 1868 a 1872. Os anos seguintes, até 1876, foram anos de crescimento contínuo na graça e no conhecimento, por parte de um punhado de estudantes da Bíblia com quem eu me reunia em Allegheny. Nós progredimos de nossas primeiras idéias imaturas e indefinidas sobre a Restituição a um entendimento mais claro dos detalhes; mas o tempo devido de Deus para a luz clarear ainda não tinha chegado.
Conforme o relato mostra, foi durante essa época que estes estudantes da Bíblia passaram a reconhecer a diferença entre o Senhor como “o homem que se entregou”, e o Senhor que viria novamente como criatura espiritual. Eles aprenderam que as criaturas espirituais podem estar presentes e ainda assim invisíveis para os homens. Como resultado deste entendimento avançado –
Sentimo-nos grandemente pesarosos pelo erro dos Segundo Adventistas, que aguardavam Cristo na carne e pelo ensino de que o mundo e tudo nele, exceto os Segundo Adventistas seria queimado em 1873 ou 1874, e cuja cronologia, desapontamentos e idéias toscas em geral quanto ao objetivo e à maneira de sua vinda trouxeram mais ou menos vitupério sobre nós e sobre todos que ansiavam e proclamavam seu vindouro Reino.
Estes conceitos errados, mantidos de forma tão generalizada, tanto sobre o objetivo como sobre a maneira do Segundo Advento de Cristo, levaram-me a escrever um panfleto: “O Objetivo e a Maneira da Volta do Senhor”, do qual cerca de 50.000 cópias foram publicadas.
Note-se que estas citações não indicam com precisão quando, entre 1872 e 1876, Russell chegou ao seu entendimento da presença invisível de Cristo. A evidência é boa, embora inconclusiva, de que este novo entendimento só passou a existir depois do fracasso das predições dos Segundo Adventistas para 1874, das quais Russell estava bem ciente.
Para mostrar isso, note-se primeiramente que a edição de outubro / novembro de 1881 de A Torre de Vigia de Sião, página 3, descreveu como foi que, usando a parábola das dez virgens, N. H. Barbour tinha discernido que Cristo deveria retornar visivelmente como o “Noivo” em 1874, e a revista descreve o resultado quando isso não ocorreu:
Cremos que um irmão, Barbour, de Rochester, foi o vaso escolhido de Deus por meio de quem o “Grito da Meia-Noite”, destinado às virgens adormecidas de Cristo,… provando que a noite da parábola durou trinta anos, e que a manhã foi em 1873, e o Noivo devendo aparecer nessa manhã em 1874… O irmão Barbour começou a pregar a mensagem, e logo iniciou um jornal, que ele apropriadamente chamadou de “O Grito da Meia-Noite” [em inglês]…
Quando 1874 chegou e não havia qualquer sinal externo de Jesus nas nuvens literais e de forma carnal, houve um reexame geral de todos os argumentos sobre os quais o jornal “O Grito da Meia-Noite” se baseava. E quando não se encontrou qualquer erro ou falha, isso levou ao exame crítico das Escrituras que pareciam falar sobre a maneira da vinda de Cristo, e logo se descobriu que a expectativa de Jesus na carne, no segundo advento era o erro… Logo, também, um exame crítico de Mateus 24:37 e Lucas 17:26, 30 revelou que eles ensinam positivamente que “na presença” de Cristo, “em seus dias”, o mundo ignoraria o fato, e estaria enfronhando em seus afazeres, como de costume…
Portanto, ficou evidente que, embora a maneira como eles esperavam Jesus estava errada, ainda assim o tempo, conforme indicado pelo “O Grito da Meia-Noite”, estava correto, e o noivo chegou no outono [setentrional] de 1874, e ele apareceu para os olhos da fé – visto pela luz da lâmpada – a Palavra.
Assim, há evidência clara de que o grupo liderado por N. H. Barbour não esperava que Cristo viesse invisivelmente em 1874, e sim na carne.
Tentaremos agora descobrir quando foi que Russell começou a acreditar que o retorno de Cristo deveria ser invisível. O livro As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino, página 18, dá a impressão de que isso ocorreu algum tempo antes do fracasso das expectativas de Barbour para 1874:
Você lembrará que o grupo de estudo de Russell tinha vindo a perceber que quando Cristo voltou, não seria na carne, como os Segundo Adventistas usualmente acreditavam e ensinavam. O Pastor Russell tinha aprendido que quando Jesus viesse, ele seria tão invisível como se um anjo tivesse vindo.
Note-se que isto não quer dizer rigorosamente quando foi que Russell veio a acreditar que o retorno de Cristo seria invisível. Isto porque não existem documentos disponíveis para mostrar isso. A Torre de Vigia diz que O Objetivo e a Maneira da Vinda de Nosso Senhor foi publicado em 1873, mas há uma questão real quanto à verdadeira data da publicação. Nenhuma edição de A Torre de Vigia de Sião fornece a data. Não existem cópias que apresentem uma data de publicação anterior a 1877, quando uma edição foi publicada pelo Arauto da Manhã, editado por N. H. Barbour. Além disso, segundo P. S. L. Johnson, que foi o líder de um grupo que se separou em 1918, o próprio Russell afirmou que veio a aceitar a doutrina da presença invisível de Cristo em outubro de 1874. Era por volta de outubro de 1874 que Barbour e outros grupos estavam esperando o retorno de Cristo, e Russell estava muito bem ciente de alguns destes, tendo estado intimamente associado com vários grupos do Segundo Advento, como os de George Storrs e Jonas Wendell. Ele também estava apercebido de que as expectativas tinham fracassado.
Uma peça adicional de evidência pode ser vista numa declaração contida na própria publicação Objetivo e Maneira, o que indica fortemente que ela não foi escrita depois de Russell e Barbour terem se encontrado em 1876, momento em que Russell aceitou praticamente toda a cronologia de Barbour. Na página 62, a publicação diz:
Mas não é meu objetivo neste panfleto chamar sua atenção de forma mais indivisa para o tempo do segundo advento do que eu fiz acima, ao responder a algumas das principais objeções à investigação do mesmo. (Aos interessados em conhecer as evidências quanto ao tempo, gostaria de fazer referência ao Dr. N. H. Barbour, editor do “Arauto da Manhã”, Rochester, Nova Iorque). Eu acrescento simplesmente que estou profundamente impressionado, e acho, com boa evidência bíblica, que o Mestre veio e está agora inspecionando os convidados para o casamento. (Mat. 22:11) Que a colheita está em progresso, a separação (mental) entre o trigo e o joio agora em curso, e que os dois no campo, no moinho e celeiro podem ser separados fisicamente a qualquer momento, as virgens sábias irem para o casamento, e a porta para o chamado ser fechada para sempre.
Uma vez que esta edição de 1877 de Objetivo e Maneira não está rotulada nem como revisão, nem como reimpressão, e foi publicado pelo “Escritório do Arauto da Manhã”, Rochester, N. I., parece provável que Russell não tinha publicado qualquer versão anterior dela. Outra evidência de que Objetivo e Maneira foi impresso pela primeira vez bem depois de 1873 é que Russell fez referência nele ao Arauto da Manhã, de Barbour. O Arauto da Manhã só começou a ser publicado em junho de 1875, e seu antecessor, O Grito da Meia-Noite e Arauto da Manhã deixou de ser publicado em outubro de 1874. Porém, a mais forte evidência de que Russell não o publicou antes de outubro de 1874 é que ele disse que “o Mestre veio e… a colheita está avançando”, o que só poderia ter sido dito depois do começo da colheita, “em outubro de 1874”. Se Objetivo e Maneira tivesse sido publicado em 1873, Russell teria dito “o Mestre está prestes a vir e… a colheita está para começar.”
Na verdade havia muitos, tanto na Grã-Bretanha como nos Estados Unidos da América que acreditavam em doutrinas como a chamada “vinda em dois estágios”, a ideia da presença invisível de Cristo antes de sua revelação no fim do mundo atual, e o ensino de um arrebatamento invisível dos santos durante a sua presença ou parousia – todas estas sendo idéias apresentadas em Objetivo e Maneira. Na verdade, esses conceitos foram originados em 1828 por Henry Drummond, um evangélico britânico que, com Edward Irving, foi co-fundador da Igreja Católica Apostólica ou os Irvingitas. Mais tarde, muitas idéias de Drummond foram popularizadas e se espalharam pela Grã-Bretanha e Estados Unidos por John Nelson Darby da Irmandade de Plymouth, e por vários outros pregadores. Os vários grupos que defendiam essas idéias vieram a ser conhecidos como dispensacionalistas. Alguns nomes bem famosos na religião americana estão associados com eles: J. B. Rotherham, um tradutor da Bíblia; o bem conhecido comentarista bíblico W. E. Vine; e o comentarista C. I. Scofield, da famosa Bíblia de Referência Scofield. Os conceitos dispensacionalistas deles são claramente evidentes em suas obras. Veja As Raízes do Fundamentalismo: O Milenarismo Britânico e Americano 1800 – 1930, de Ernest R. Sandeen, Editora da Universidade de Chicago, 1970.
O livro TJPD prossegue dizendo na página 18:
Daí, em 1876, enquanto o Pastor Russell estava na Filadélfia, numa viagem de negócios, ele adquiriu uma cópia do jornal O Arauto da Manhã, o qual, como você deve lembrar, estava sendo publicado por N. H. Barbour, de Rochester, N. I. Ele ficou surpreso e satisfeito que aqui estava outro grupo que esperava a volta de Cristo de maneira invisível e, por causa da similaridade de seus conceitos, ele leu mais essa publicação, embora ele a tenha reconhecido como um periódico adventista, muito embora até aquele momento ele havia tido pouca consideração pelas doutrinas deles. Mas Russell estava interessado em aprender em qualquer lugar, o que quer que Deus tivesse para ensinar. Ele ficou interessado na cronologia estabelecida no jornal e entrou imediatamente em contato com Barbour para marcar uma reunião à custa de Russell, para considerar este assunto.
Parece que uma pessoa do grupo de Barbour havia adquirido uma tradução Diaglott do “Novo Testamento”, de Benjamin Wilson. Ele notou, em Mateus 24:27, 37, 39, que a palavra traduzida como “vinda” na Versão Rei Jaime é traduzida como “presença” na Diaglott. Esta foi a pista que levou o grupo de Barbour a defender, além de seus cálculos de tempo, uma presença invisível de Cristo.
Note-se que o leitor não é informado que esta ‘revelação’ só ocorreu depois do fracasso da predição original de Barbour. Na verdade, o leitor não é informado em parte alguma que a previsão de Barbour tinha fracassado.
Russell tinha estado primeiramente interessado no objetivo do retorno de Cristo. Sua percepção de que ele seria invisível o levava agora a considerar seriamente as características cronológicas. Ele ficou satisfeito com as evidências apresentadas por Barbour.
Compare a descrição acima, com o relato do próprio Russell sobre como o grupo de Barbour decidiu que o retorno de Cristo tinha sido invisível, como mostrado acima em A Torre de Vigia de outubro/novembro de 1881. Note também a descrição em A Torre de Vigia de 1º de junho de 1916, págs. 170, 171, que o livro TJPD só citou. A mesma informação apareceu em A Torre de Vigia de Sião de 15 de julho de 1906, págs. 229-31:
Ansioso por aprender, de qualquer fonte, o que quer que Deus tivesse a ensinar, escrevi imediatamente ao Sr. Barbour, informando-o sobre minha concordância com outros pontos e desejando saber especificamente por que e com base em que evidências bíblicas ele sustentava que a presença de Cristo e a colheita da era do Evangelho datava a partir do outono [setentrional] de 1874. A resposta mostrou que minha suposição estivera correta, ou seja, que os argumentos referentes ao tempo, cronologia, etc., eram os mesmos que os usados pelos Segundo Adventistas em 1873, e explicou que o Sr. Barbour e o Sr. J. H. Paton, de Michigan, um colaborador dele, haviam sido Segundo Adventistas ativos até aquela época; e que, com a passagem da data de 1874 sem que o mundo fosse queimado e sem que eles vissem Cristo na carne, ficaram por algum tempo aturdidos. Eles tinham examinado as profecias referentes ao tempo que tinham aparentemente deixado de se cumprir e não conseguiram achar qualquer falha, e começaram a se indagar se o tempo estava certo mas suas expectativas erradas, — se os conceitos da restituição e bênção para o mundo, que eu mesmo e outros estávamos ensinando, não poderiam ser as coisas a se esperar. Parece que, não muito tempo depois do desapontamento deles quanto a 1874, um leitor do Arauto da Manhã, que tinha uma cópia da Diaglott, notou algo nela que lhe pareceu peculiar…
Depois disso, o relato apresentado em As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino começa a corresponder ao de Russell novamente.
Há certas peculiaridades na descrição de Russell dos eventos. Ele não descreve como foi que veio pela primeira vez a adotar a ideia do retorno de Jesus como sendo uma “presença” em vez de uma “vinda”. Em vez disso, ele relata como um dos associados Barbour encontrou um trecho adequado de Mateus na Emphatic Diaglott.
Assim, com base em todas as informações disponíveis, não está claro se Russell defendia a ideia da presença invisível de Cristo, antes ou depois do fracasso da previsão dos Segundo Adventistas para outubro de 1874. Está bem claro, porém, que mais tarde Russell acreditava que a presença de Cristo começou em 1874, e, desta maneira, ele não esperava que Cristo voltaria invisivelmente em 1914. Pelo contrário, ele esperava que Cristo se manifestaria ao mundo em 1914, como o material que segue mostra.
A organização Torre de Vigia manteve a data de 1874 para o início da presença de Cristo pelo menos até o ano de 1929, quando a última menção oficial parece ter sido feita no livro Profecia, página 65. Em 1930 a organização parecia incerta sobre o tempo de 1874 em diante, dizendo no livro Luz I, páginas 333, 334:
De por volta de 1875 até a vinda do Senhor ao templo de Deus [em 1918] foi um período de tempo em que Cristo, o mensageiro estava preparando o caminho diante de Jeová para a edificação de Sião. Daí ele, o grande Juiz, veio repentinamente ou diretamente ao seu templo para julgamento.
Em algum momento entre 1931 e 1943, sem qualquer palavra de explicação (com base nas publicações da Torre de Vigia não está claro qual era o ensino oficial), a organização começou a ensinar que a presença de Cristo começou em 1914. A Torre de Vigia ensinava que Cristo começou oficialmente o seu governo do Reino em 1878 até o congresso de Cedar Point, Ohio, em 1922. Nessa ocasião, a data foi mudada para 1914. A Torre de Vigia ensinou também até 1929, que os “últimos dias” começaram em 1799. Antes de 1914, ensinava-se que a ressurreição dos cristãos ungidos tinha ocorrido em 1881, que a grande obra da “colheita” seria efetuada de 1874 a 1914, e que em 1914 ocorreria a destruição de todas as instituições humanas. Ensinava-se também que a queda de “Babilônia, a Grande” ocorreu em 1878, com sua completa destruição a ocorrer em 1914 ou 1918.
O que foi responsável pela mudança em todos estes importantes ensinamentos proféticas? Foi a mesma coisa que no caso de William Miller e das dezenas de outros especuladores proféticos como ele – o fracasso no cumprimento de suas expectativas publicadas.
Será que tudo o que foi declarado acima não passa de meras afirmações? Continuemos nossa verificação nas publicações antigas da Torre de Vigia para ver o que mais elas dizem.