“Esta geração não passará” – Que geração?

Introdução

Um movimento religioso apocalíptico precisa reforçar constantemente a sensação de desgraça iminente para garantir seu crescimento e manter vivo o interesse e o entusiasmo de seus seguidores. Como se sabe, o ano de 1914 tem até hoje um papel fundamental na mensagem das Testemunhas de Jeová. Uma ampla quantidade de interpretações de profecias bíblicas foi vinculada a esse ano, como o estabelecimento do Reino de Deus no céu e o início do “fim dos tempos” para o mundo. Durante décadas, elas anunciaram ao mundo que a geração que estava viva em 1914 ‘de modo algum passaria’ antes que chegasse o fim, uma profecia que foi frequentemente apresentada em manchetes em negrito nas publicações da organização.

Por vários anos, por exemplo, cada edição da revista Despertai! trazia uma manchete na página 2 explicando “Por que se edita Despertai!, onde se dizia:

“Importantíssimo é que esta revista gera confiança na promessa do Criador sobre uma nova ordem pacífica e segura antes que a geração que viu os acontecimentos de 1914 EC desapareça.”

Quanto tempo dura uma geração?

Em 1994, 80 anos haviam se passado desde 1914, mas ainda não tínhamos visto uma “nova ordem pacífica e segura” no mundo. Portanto, a seguinte pergunta já era apropriada: Quanto tempo durava uma geração nos tempos bíblicos? Será que uma geração poderia realmente durar 80 anos ou mais?

Tanto para os judeus como para os gregos, uma geração (grego: geneá) era um período de 30 a 40 anos. O historiador grego da antiguidade, Heródoto, por exemplo, em sua História (livro 2:142), conta três gerações em um século. Isto era o mesmo que uma linha familiar, ou seja, o período desde o nascimento de uma pessoa até que ela cresça e tenha seus próprios filhos. Em um artigo publicado na revista alemã Historia, o historiador Victor Parker confirma que esse era o conceito predominante na antiguidade: “Uma geração, de acordo com as concepções antigas, poderia significar um período de trinta a quarenta anos”. (Vol. 42, 1993, págs. 398, 416, 417) De acordo com essa definição, a geração de 1914 só poderia ter durado até aproximadamente 1954. Portanto, não foi por acaso que, pouco antes disso a liderança das Testemunhas de Jeová subitamente ampliou sua definição de geração e começou a equipará-la a “média do tempo de vida do homem”. (A Sentinela de 1° de novembro de 1953, págs. 175, 176) Em apoio a essa definição, eles citaram muitas vezes as palavras de Moisés no Salmo 90:10: “Os dias dos nossos anos são em si mesmos setenta anos; E se por motivo de potência especial são oitenta anos…” (Tradução do Novo Mundo) Mas, mesmo esse texto não pode mais ser usado como qualquer tipo de “prova” para a interpretação deles.

Raymond Franz explicou em seu livro Crise de Consciência (capítulo 10) que a questão da geração de 1914 foi repetidamente levantada dentro do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová já no final da década de 1970. Mesmo assim, era um problema crescente. No tempo que se passou depois disso, ficou cada vez mais difícil sustentar a ideia da “geração de 1914”. A sensação de que a interpretação tinha caducado ficou cada vez mais difundida entre as Testemunhas de Jeová, e a liderança precisou fazer alguma coisa para resolver o problema. Admitir abertamente que profetizaram falsamente estava fora de cogitação. Para manter sua credibilidade junto às Testemunhas de Jeová, o grupo dirigente precisava, de alguma maneira, apresentar uma reviravolta na questão como sendo “nova luz de Jeová por meio de seu canal na Terra”.

O fato de algumas das interpretações associadas ao ano de 1914 começarem a ser desafiadas foi demonstrado por duas palestras sobre o capítulo 24 de Mateus dadas em convenções das Testemunhas de Jeová em 1993. As palestras foram publicadas na edição de 15 de fevereiro de 1994 da revista A Sentinela. Algumas das interpretações da profecia de Jesus que até então haviam sido aplicadas ao período após 1914 foram adiadas. Os sinais celestiais mencionados no versículo 29 (o escurecimento do sol e da lua, etc.), que antes haviam sido interpretados como sondas espaciais, foguetes, raios cósmicos, manchas solares e outros “fenômenos celestiais” semelhantes que haviam “aparecido” no século 20, eram agora explicados como eventos aterrorizantes que ainda não haviam aparecido, mas que aparecerão após a “grande tribulação”, ou seja, a grande crise final que, de acordo com a mensagem da organização, ocorrerá em breve. Ao mesmo tempo, o “sinal do Filho do Homem” no versículo 30 foi declarado como sendo algum tipo de demonstração sobrenatural da autoridade do Filho do Homem. Por fim, o ajuntamento dos “salvos” descrito no versículo 31, que anteriormente havia sido aplicado à pregação das Testemunhas de Jeová a partir de 1919, também foi adiado para depois da “grande tribulação”. Essas mudanças pareceram indicar que reinterpretações ainda mais abrangentes estavam a caminho.

Revisão histórica das interpretações sobre a ‘última geração’

Quando Jesus declarou em sua profecia sobre a destruição de Jerusalém e seu retorno que “esta geração (grego: he geneà haúte) certamente não passará até que todas essas coisas (pánta tauta) ocorram” (Mat. 24:34), estava ele pensando numa geração que não apareceria por mais de 1900 anos? Como as palavras de Jesus foram entendidas na comunidade cristã primitiva? Como outros cristãos ao longo dos tempos entenderam as palavras de Jesus? E como a liderança das Testemunhas de Jeová chegou à sua interpretação particular desse texto?

Uma breve visão histórica da interpretação das palavras de Jesus sobre a geração (Mateus 24:34; Marcos 13:30; Lucas 21:32) é dada pelo exegeta Martin Künzi no livro Das Naherwartungs-logion Markus 9,1 par (Tübingen 1977), págs. 213-24. Ele mostra que o conceito mais antigo na igreja primitiva era que Jesus, com a expressão “esta geração” (Mt 24:34), se referia à geração viva naquela época, e que “todas essas coisas (pánta tauta)” que ocorreriam antes que aquela geração tivesse morrido se referiam à guerra judaica e à destruição do templo de Jerusalém em 66-70 D.C., ou seja, eventos que precederiam a vinda ou parusia de Jesus.

Todavia, de acordo com o versículo anterior (versículo 33), “todas essas coisas (pánta tauta)” também indicariam que “ele [o Filho do Homem] está próximo e às portas”. Separar completamente a geração da parusia em si, portanto, não parecia razoável. Como a era pós-apostólica continuou a acreditar na vinda de Jesus como um evento futuro, isso teve consequências para a interpretação da geração. A palavra grega (geneá) também pode significar “descendência, descendente” ou “família”. Os Pais da Igreja gregos e latinos (Eusébio, Crisóstomo, Procópio de Gaza, Hilário, Jerônimo, etc.), portanto, geralmente consideravam que a palavra se referia à família da Igreja ou dos fiéis, à família judaica ou até mesmo a toda a raça humana até o fim do mundo. Os eventos que ocorreriam antes que essa “geração” passasse incluíam, de acordo com essas interpretações, não só o que precederia e anunciaria a vinda de Cristo, mas também a própria vinda. (Künzi, págs. 214, 215).

Após a Reforma, tornou-se comum novamente, principalmente entre os exegetas protestantes, aplicar o texto à guerra judaica e a eventos relacionados. Uma geração era entendida como um período de até 40 anos ou uma vida humana de até 100 anos. Uma versão mais crítica dessa interpretação, do ponto de vista bíblico, foi apresentada no século 18 pelo erudito alemão Reimarus. Ele concordou que a geração se referia aos contemporâneos de Jesus, mas sustentava que “todas essas coisas” incluíam a parusia e que a profecia estava, portanto, errada, já que a vinda de Jesus não ocorreu dentro daquela geração (Künzi, págs. 216-218).

No século 19, havia representantes de todas essas interpretações tradicionais. A opinião de Reimarus de que a profecia falhou foi cada vez mais favorecida por um grupo crescente de críticos bíblicos. Em contrapartida, vários outros exegetas sugeriram que a profecia de Jesus cumpriu-se na destruição de Jerusalém como um modelo da parusia (mais distante) e do fim do mundo, e que o período que antecedeu a destruição de Jerusalém foi um modelo dos últimos dias. Assim, a profecia de Jesus teria um duplo cumprimento (Künzi, pág. 219).

A maioria dos eruditos bíblicos protestantes do século 20 interpretou “esta geração” em Mat. 24:34 como os contemporâneos de Jesus, considerando que a expressão “todas essas coisas” se refere aos eventos que precederiam o fim, incluindo a vinda de Jesus, que originalmente se esperava que ocorresse em conjunto com esses eventos. Os exegetas católicos geralmente aplicam o texto à guerra judaica e à destruição de Jerusalém (Künzi, págs. 221-223). Há, é claro, importantes exceções a esses conceitos generalizados.

A “geração” nas profecias cronológicas

Uma interpretação especial da geração, que Künzi não mencionou em sua revisão geral, surgiu dentro da tradição de intérpretes que tentaram determinar a época do retorno de Jesus com a ajuda do chamado “princípio ano-dia”. De acordo com o “princípio ano-dia”, a expressão “dias” nas profecias bíblicas deve ser interpretada como anos. Por exemplo, quando lemos que a “besta” em Apo. 13:4-7 foi autorizada a exercer seu poder por 42 meses ou 1.260 dias (Apo. 11:2, 3; 12:6, 14), alguns intérpretes cristãos do final do século 12 em diante começaram a converter esse período em 1.260 anos. A “besta” acabou sendo interpretada como o papado. Os 1.260 anos se tornaram então o período do poder papal. A Revolução Francesa (1789-1799) levou muitos a acreditar que os “últimos dias” ou o “fim dos tempos” haviam começado. Muitos intérpretes do final do século 18 em diante começaram a datar o papado a partir de 533, 537 ou 538 D.C., quando o imperador Justiniano libertou a Itália do domínio dos ostrogodos arianos e estabeleceu um império cristão ortodoxo. Assim, os intérpretes puderam finalizar os 1.260 anos da Revolução Francesa em 1792, 1797 ou 1798 D.C.

Daniel 12:11, 12 fala também de períodos de 1.290 e 1.335 dias, que, de acordo com o método mencionado acima, foram convertidos em um equivalente número de anos. Ao contar esses períodos a partir do mesmo ponto em que os 1.260 anos foram iniciados, muitos intérpretes concluíram que o “tempo do fim” era um período de 75 anos. Essa era a “última geração”, a geração que veria o retorno de Jesus. Os que contaram os períodos a partir de 533 D.C. conseguiram completar os 1.260 anos em 1792 e os 1.335 anos em 1867. Vários intérpretes ingleses bem conhecidos aderiram a essa interpretação, incluindo William Cuninghame, James Hatley Frere e Edward Irving. (Ver L. E. Froom, The Prophetic Faith of Our Fathers [A Fé Profética de Nossos Pais], Vol. 3, 1946, págs. 369-70, 388, 522).

Quando Napoleão Bonaparte depôs o Papa em 1798 e o levou para o exílio, parecia que o papado havia sofrido um duro golpe. A maioria dos intérpretes, portanto, começou a contar os 1.260 anos de reinado do papado, de 538 a 1798 D.C. O “tempo do fim” de 75 anos terminaria com o retorno de Cristo em 1873. Um dos que aderiram a essa interpretação foi F. W. Farrar, o Deão de Canterbury. Em um artigo na revista inglesa The Rainbow [O Arco-Íris] de novembro de 1865, ele escreveu:

“Contemos, então, 1.335 anos a partir dessa data [538 D.C.] e chegaremos ao ano de 1.873 de nossa época memorável. Desse último período, 1260 anos devem ser atribuídos ao papado. 75 anos permanecem como a duração do tempo do fim. Suspeito que foi em referência a esse período de 75 anos que nosso Senhor declarou: ‘Não passará esta ou aquela geração sem que todas estas coisas se cumpram’ (Mat. 24:34).” (Página 497).

Vários outros intérpretes populares, como John Bacon (1799), Joseph Emerson (1818), Thomas Keyworth (1828), Alexander Campbell (1831) e E. B. Elliott (1862), contaram os 1.260 anos a partir de 606 D.C. e os finalizaram em 1866. O “tempo do fim” de 75 anos terminaria em 1941. (Froom, Vol. 3, págs. 552-54, 721-22, Vol. IV, págs. 73, 174).

William Miller, o criador do “movimento milerita” americano, assim como muitos outros autores, contou os 1.260 anos de 538 a 1798, mas contou os 1.335 anos a partir de 508 D.C. para finalizá-los em 1843, ou seja, ao mesmo tempo em que terminavam vários outros períodos de tempo no sistema cronológico dele. Nelson H. Barbour, o mestre de Charles Taze Russell no assunto de cronologia, mais tarde “corrigiu” o ponto de partida de Miller dos 1.335 anos para 538 e, assim, como muitos outros predecessores, chegou a 1873 como o ano do retorno de Jesus (Nelson H. Barbour, Evidences for the Coming of the Lord in 1873; or the Midnight Cry [Evidências da Vinda do Senhor em 1873; ou o Grito da Meia-Noite], 2ª edição, 1871, págs. 32-35). Quando o ano de 1873 chegou ao fim, Barbour adiou o retorno para o outono de 1874. Quando esse ano também terminou, Barbour e seus associados concluíram que Jesus tinha realmente voltado no outono de 1874, mas de maneira invisível. No mesmo ano (1875), Barbour publicou em sua revista Herald of the Morning [O Arauto da Manhã] o cálculo de que os “tempos dos gentios” (Lucas 21:24) terminariam em 1914, estendendo assim o período de tempo em 40 anos, interpretando esse período como a “tribulação” de Mateus 24:21, 29.

A “geração” nas profecias da liderança das Testemunhas de Jeová

Quando Charles Taze Russell se encontrou com Nelson H. Barbour na Filadélfia, em 1876, ele adotou todos os cálculos proféticos de tempo de Barbour, incluindo a ideia de que o “tempo do fim” e a última geração haviam começado no final do século 18.

Porém, mesmo que a geração fosse estendida para uma vida humana de 100 anos, a interpretação se tornava cada vez mais difícil de manter. Russell, portanto, acabou sugerindo que a geração deveria ser contada a partir de 1878 (quando se acreditava que Cristo havia assumido o poder como Rei no céu) até 1914. A geração abrangeria, então, 36 anos e meio – “aproximadamente o tempo médio de vida do homem em nosso tempo”, como Russell escreveu. (Studies in the Scriptures [Estudos nas Escrituras], Vol. 4, 1897; 4ª ed., pág. 330) No entanto, o “tempo do fim”, que também terminaria em 1914, ainda era contado a partir do final do século 18 (1799) e, dessa forma, tinha 115 anos de duração! (Estudos nas Escrituras, Vol. 3, 1891, pág. 15).

Apesar do início da Primeira Guerra Mundial em 1914, o fim profetizado não se concretizou. J. F. Rutherford, o sucessor de Russell como presidente da Sociedade Torre de Vigia, tentou por vários anos concentrar o interesse dos “Estudantes da Bíblia” em 1925, mas nem mesmo as expectativas associadas a esse ano se concretizaram. Era hora de começar tudo de novo. Na revista The Golden Age (a antecessora da atual Despertai!) de 20 de outubro de 1926, o ano do início da geração foi adiantado de 1878 para 1914 (pág. 51; conforme também a The Watch Tower [A Torre de Vigia] de 15 de março de 1943, pág. 93). Alguns anos depois, na década de 1930, o início do “tempo do fim” também foi adiantado de 1799 para 1914. O que antes era o ano final do “tempo do fim” e da “geração” foi, portanto, mudado para o ano inicial de ambos os períodos.

Com o passar do tempo, a duração da geração tornou-se novamente um problema crescente. Como já mostrado anteriormente, em 1953 a duração da geração foi aumentada de uma linha familiar de 30-40 anos para uma vida humana de 70-80 anos. No entanto, essa geração não incluía os nascidos em 1914. Como a revista A Sentinela de 15 de outubro de 1967 explicou na página 633, a geração deveria ter “idade suficiente para ver com entendimento estes eventos em 1914”. Qual seria a idade? A edição de 22 de abril de 1969 da revista Despertai! argumentou que “os jovens de quinze anos” que “teriam suficiente percepção mental para discernir a importância do que aconteceu em 1914” (pág. 13). Dez anos depois, ainda se defendia que “a “geração”, logicamente, não se aplicaria aos bebês nascidos durante a Primeira Guerra Mundial.” (A Sentinela de 15 de janeiro de 1979, pág. 32). Todavia, em 1981 eles estavam dispostos a incluir os que tinham dez anos de idade em 1914 como parte da geração. (A Sentinela de 15 de abril de 1981, pág. 31) E em 1984, 70 anos depois de 1914, foi decidido contar os nascidos em 1914 como parte da geração: “Se Jesus usou a palavra “geração” nesse sentido e se a aplicarmos a 1914, então os bebês daquela geração têm agora 70 anos ou mais”, apontou a revista A Sentinela de 15 de novembro de 1984, pág. 5.

1874: Era “um fato estabelecido”?

“Que vivemos na crise final, ou na última geração, é agora um fato estabelecido, algo que é provado por todos os cumprimentos das profecias, e do qual todas as classes, céticos e crentes, estão convencidos.” — Adventista I. C. Wellcome em History of the Second Advent Message (História da Mensagem do Segundo Advento), publicado em 1874, página 614.

1974: A Bíblia disse isso “claramente”?

“A Bíblia aponta com precisão para a geração viva em 1914 E.C. como aquela que ainda presenciará a introdução do governo do Reino, livre de interferência satânica. Portanto, muitos dos que hoje vivem terão a oportunidade de nunca morrer.” — Livro É Esta Vida Tudo o que Há?, publicado em 1974, página 165.

Para ganhar tempo adicional, às vezes foi apontado na literatura das Testemunhas de Jeová que as pessoas podem viver 100 anos ou mais. Mais recentemente as pessoas parecem ter percebido a irracionalidade de tentar expandir a geração dessa maneira. A enciclopédia bíblica Estudo Perspicaz nas Escrituras, (publicada originalmente em 1988), indicou que há “limites razoáveis” para a duração de uma geração em um determinado período, e que esses limites são “determinados pela duração da vida das pessoas da respectiva época ou população.”. Foi explicado ainda que a situação hoje é “bem similar ao que ocorria no tempo de Moisés”, o qual escreveu que “os dias dos nossos anos são em si mesmos setenta anos; e se por motivo de potência especial são oitenta anos…”. (Sal. 90:10) Que este é o “limite razoável” que se queria estabelecer para uma geração ficou evidente no comentário que veio logo em seguida:

“Uns poucos talvez vivam mais tempo, mas Moisés declarou a regra geral. O próprio Moisés, que viveu 120 anos, era exceção, assim como eram seu irmão Arão (123 anos), Josué (110 anos) e alguns outros, cuja força e vitalidade eram incomuns.” (Vol. 1, pág. 1051)

De acordo com essa definição, a geração que estava viva em 1914 não poderia ter se estendido além de 1994. A profecia de que a geração de 1914 veria o fim provou ser errada, até mesmo de acordo com a própria definição da palavra pela liderança das Testemunhas de Jeová.

“Esta geração” — qual é, afinal?

“Eu lhes asseguro que não passará esta geração até que todas essas coisas aconteçam.” — Mateus 24:34

Conforme já mostrado, a igreja primitiva tinha o conceito de que Jesus se referia à geração de pessoas que viviam na época, ou seja, os contemporâneos dele, e que ainda hoje esse é o conceito comum entre exegetas protestantes e católicos.

Que Jesus estava se referindo às pessoas que estavam vivas naquele momento está claro no texto básico. A palavra grega para “esta”, haúte, a forma feminina de hoútos, é um pronome demonstrativo que significa “isto aqui”. Geralmente significa algo próximo ou presente, em oposição a ekeíne, que significa alguma coisa ausente ou mais distante no tempo ou no espaço. Em português, as duas palavras são equivalentes a este/esta/isto e aquele/aquela/aquilo. Assim, Jesus disse literalmente: “Esta geração [de agora] não passará até que todas estas coisas aconteçam.” Jesus estava falando da geração que existia em sua própria época.

A liderança das Testemunhas de Jeová até concorda com isso, mas eles afirmam, assim como alguns outros intérpretes, que a profecia deve ter uma aplicação dupla. Admite-se que a profecia de Jesus se cumpriu durante a geração judaica que existia no período até a destruição de Jerusalém em 70 DC, mas só como modelo do que ocorreria durante a geração que vivenciou o início da Primeira Guerra Mundial em 1914. Existe alguma justificativa para essa interpretação?

O próprio Jesus não disse que sua profecia teria dois cumprimentos, um menor e outro maior. Nada há no contexto que indique que com a expressão “esta geração” ele estivesse querendo dizer duas gerações diferentes separadas por milhares de anos. Quem quiser inserir esse duplo sentido na profecia de Jesus está, portanto, dando margem a especulações que carecem de fundamento no próprio texto bíblico.

É verdade que os profetas da Bíblia – até mesmo o próprio Jesus – muitas vezes emprestam sua linguagem, seus cenários, suas expressões e formulações de profecias anteriores, que talvez possam ser percebidas ou interpretadas como se essas profecias tivessem mais de um cumprimento. Nos casos em que a própria Bíblia aplica certos eventos ou profecias a uma nova situação e lhes dá um significado novo e mais profundo, é claro que não podemos levantar qualquer objeção a isso. Mas esses exemplos não nos dão autoridade para interpretar arbitrariamente duplos cumprimentos em qualquer lugar da Bíblia, principalmente onde o próprio texto não contém qualquer indicação disso.

A palavra grega geneá

A palavra grega geneá não significa só “geração”, mas também “nascimento, filhos, descendência, parentesco”. Alguns intérpretes, portanto, argumentaram que a geração contemporânea à que Jesus se referia não se limitava apenas a uma linhagem, mas pode ter se referido à “geração judaica” como uma nação ou mesmo como toda a “raça humana”. Ele, então, teria dito: “Esta raça judaica (ou ‘esta raça humana’) não perecerá até que todas essas coisas aconteçam.”

Mas qual seria o sentido de enfatizar que a raça humana não morreria até que os eventos referidos ocorressem? Uma vez que as pessoas estavam envolvidas nos eventos que Jesus havia predito, essa declaração seria completamente sem sentido.

Os que acreditam que a palavra se refere à raça ou povo judeu fazem referência ao fato de que Jesus aplicou várias vezes a expressão “esta geração má” aos judeus daquela época. Ele usou a mesma expressão que Moisés havia usado sobre a geração infiel de israelitas que morreriam durante os 40 anos no deserto. Jesus descreveu os judeus de sua época como “uma geração má e corrupta”. Ele os chamou de “esta geração incrédula e pecadora” e se dirigiu a eles diretamente com as palavras: “Ó geração incrédula e perversa.” (Mateus 12:39; 12:45; 16:14; 17:17; Marcos 8:38; compare com Deut. 1:35; 32:5) Os intérpretes mencionados enfatizam que Jesus frequentemente parece usar a palavra “família” em um sentido qualitativo e não cronológico. Ele então teria descrito toda a nação e não só uma linhagem limitada no tempo como má e infiel.

Mas o fato de a palavra geneá, “gênero”, no NT muitas vezes ter um significado qualitativo não elimina o significado temporal da palavra. O Dr. Timothy J. Geddert aponta que a geração má nos dias de Moisés ainda era uma geração de 40 anos. Deus a condenou a vagar no deserto por 40 anos até que se extinguisse. Eram as pessoas dentro de uma certa geração que eram más e infiéis, não as próprias pessoas como tal. (Watchwords, Sheffield 1989, pág. 241) O mesmo relacionamento prevalecia no tempo de Jesus.

Na introdução de sua predição do julgamento de Jerusalém e seu templo, Jesus se referiu a “todo o sangue justo” que foi derramado ao longo dos tempos, desde o tempo de Abel até o seu próprio tempo. Ele enfatizou aos líderes religiosos a quem se dirigiu nesta ocasião que eles continuariam nas pisadas de seus pais, matando os profetas e apóstolos que ele mesmo lhes enviaria. Visto que assim eles “ultrapassariam a medida”, o julgamento por toda essa matança injusta também viria em sua própria geração: “E sobre vós virá todo o sangue justo que é derramado na terra, … Em verdade vos digo , Tudo isso virá sobre esta geração.” (Mat. 23:29-36) Este julgamento não viria sobre toda a raça judaica como raça ou nação em qualquer tempo indeterminado na história. Jesus disse que viria “sobre vocês”, ou seja, sobre os escribas e fariseus com quem ele estava falando. As palavras “sobre vós”, que é um paralelo claro com a expressão “sobre esta geração” no versículo seguinte, mostram que Jesus estava se referindo à geração de judeus que vivia na época.

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