Está Cristo presente desde o ano de 1914?

O que a liderança das Testemunhas de Jeová ensina

Conforme foi visto em outro artigo publicado neste site, a doutrina central da religião das Testemunhas de Jeová é o ensino de que Cristo tornou-se invisivelmente “presente” em 1914.1 No artigo mencionado, foi mostrado que a Bíblia não ensina que a vinda de Cristo será uma presença invisível (e figurativa). Em vez disso, Cristo retornará pessoal e visivelmente ao mundo para trazer salvação ao seu povo e julgamento aos impenitentes. Neste artigo, examinaremos o sistema cronológico da liderança das Testemunhas de Jeová, pelo qual elas interpretam a Bíblia com o objetivo de ensinar que o governo de Cristo como rei sobre toda a terra começou em 1914.

A pedra angular da doutrina de 1914 é o ensino deles sobre os “tempos determinados das nações.” (Lucas 21:24, TNM), mais comumente conhecidos como os “tempos dos gentios”. Segundo as Testemunhas de Jeová, este foi um período de domínio incontestável por governos ímpios que começou em 607 AC e terminou em 1914 DC, quando Jesus Cristo se tornou rei.2 Este novo status como rei sobre todas as pessoas é o significado da “presença” invisível de Cristo (em vez da crença cristã ortodoxa de que Cristo haveria de vir pessoalmente à terra). Essa presença culminará na destruição dos ímpios no Armagedom:

Assim, em 1914 ele ‘veio’ para iniciar a sua presença como Rei entronizado… No Armagedom, ele ‘virá’ para executar o julgamento sobre os inimigos de Jeová.3

A organização ensina que estamos agora nos “últimos dias”, um período marcado por guerras mundiais, fomes, terremotos e outras calamidades, e que o Armagedom acontecerá “em breve”, “no futuro próximo”:

Podemos confiar que a destruição da religião falsa e a batalha do Armagedom acontecerão em breve. Deus revelou esses detalhes com antecedência.4

Miguel é outro nome para nosso Rei, Cristo Jesus. Ele “está de pé a favor” do povo de Deus desde 1914, ano em que seu Reino começou nos céus. Em breve, Miguel “se levantará”, ou seja, destruirá todos os seus inimigos na guerra do Armagedom. .5

Os pontos-chave da doutrina atual das Testemunhas de Jeová sobre 1914 podem ser resumidos da seguinte forma:

  • Os “tempos determinados das nações” (Lucas 21:24, TNM), mais comumente conhecidos como os “tempos dos gentios”, foram um período de domínio incontestável por governos ímpios que começou em 607 AC e terminou em 1914 DC.
  • A função de Cristo como governante do reino de Deus sobre a terra começou em 1914.
  • Este período da nova função de Cristo como rei sobre a terra desde o céu, que começou em 1914, constitui sua “presença” invisível.
  • Fenômenos mundiais, incluindo guerras, fomes e terremotos, confirmam que estamos nos “últimos dias” desde 1914.
  • Os últimos dias terminarão “em breve” com o Armagedom, no qual Cristo liderará um exército celestial para conquistar o mundo e destruir os ímpios.

Entendendo a cronologia profética da organização

A liderança das Testemunhas de Jeová tem uma argumentação extremamente elaborada para seu ensino sobre 1914. Será necessário resumir essa argumentação antes de oferecermos uma resposta bíblica.

O fundamento do argumento é a interpretação deles de Daniel 4. Daniel 4 fala sobre um sonho que Nabucodonosor, rei da Babilônia, teve sobre uma grande árvore que foi cortada e impedida de crescer por “sete tempos” (Dan. 4:9-17). Daniel explicou que esse sonho era um aviso de Deus de que Nabucodonosor sofreria uma demência que o impediria de governar por sete anos, após os quais ele seria restaurado (Dan. 4:20-27). O trecho continua falando sobre o cumprimento literal do sonho, quando Nabucodonosor realmente enlouqueceu e ficou incapaz de governar por sete anos (Dan. 4:28-37). O ponto principal que Daniel disse que a experiência deveria ensinar, e que Nabucodonosor confessou depois que o período de demência terminou, foi que “o Altíssimo” é o verdadeiro “Rei dos céus”, que faz o que Ele quiser (Dan. 4:25, 32, 34-37).

Daniel 4 nada diz sobre Cristo, sua futura vinda, o estabelecimento do reino de Deus no fim dos tempos, ou 1914. Porém, de acordo com os líderes das Testemunhas de Jeová, “A profecia em Daniel capítulo 4 mostra que o Reino de Deus começou a governar em 1914… Na profecia, a árvore é o governo de Deus.” Assim, os “sete tempos” durante os quais Nabucodonosor não governou referiam-se profeticamente ao período de tempo durante o qual o Reino de Deus não governaria a terra. Esses sete tempos foram sete anos para Nabucodonosor, mas para o significado profético maior cada dia desses sete anos – que eles calculam como 7 multiplicado por 360 dias, totalizando 2.520 dias – representa ele próprio um ano completo, porque “na profecia cada dia vale um ano” (Núm. 14:34; Eze. 4:6).6 Assim, afirma-se que os “sete tempos” representam um período de 2.520 anos.

O que resta a ser determinado é quando esse período começou. Aqui, os líderes das Testemunhas fazem uma referência cruzada com a declaração de Jesus de que “Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se cumpram” (Lucas 21:24). Colocando esta declaração junto com sua interpretação de Daniel 4, eles concluem que os “tempos dos gentios” (ou “tempos determinados das nações”, TNM) começaram quando os babilônios começaram a “pisar” Jerusalém ao destruírem a cidade. O Corpo Governante das Testemunhas de Jeová afirma que a destruição babilônica de Jerusalém ocorreu em 607 AC. De 607 AC a 1914 DC são 2.520 anos; portanto, os tempos dos gentios foram profetizados para terminar em 1914.7

Por fim, os líderes das Testemunhas argumentam que as duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), a primeira das quais tendo começado em 1914, juntamente com ocorrências como terremotos e fomes, confirmam que estamos nos últimos dias desde 1914. Em apoio, as Testemunhas de Jeová citam os avisos de Jesus no Sermão do Monte das Oliveiras sobre guerras, terremotos e fomes (Mateus 24:7; Marcos 13:8; Lucas 21:10-11). Elas também afirmam que sua própria “obra de pregação” cumpre a profecia de Jesus de que o “evangelho do reino” deveria “ser proclamado em todo o mundo em testemunho a todas as nações” (Mat. 24:14).8

A resposta bíblica

Praticamente cada passo do argumento acima para 1914 como a data em que Cristo se tornaria “presente” como rei é falho.

No artigo É a Volta de Cristo de Maneira Invisível? já foi refutada a afirmação principal da doutrina da organização sobre 1914, a saber, que a segunda vinda de Cristo é realmente uma presença invisível que começou há mais de um século. O foco deste artigo será nos argumentos proféticos dos líderes das Testemunhas de Jeová para identificar o ano de 1914 como a data em que a “presença” de Cristo deveria começar.

Os “sete tempos” de Daniel 4

Primeiro, conforme já observamos, Daniel 4 nada diz sobre Cristo ou a cronometragem de seu reino. Daniel interpreta os “sete tempos” como se referindo ao período da loucura de Nabucodonosor. Embora uma grande árvore possa ser usada como uma imagem simbólica do reino de Deus, em Daniel 4 ela representa o reino de Nabucodonosor.

Além do mais, para se dizer o mínimo, é estranho interpretar o período durante o qual o rei gentio Nabucodonosor não estava governando como simbólico de um período durante o qual os gentios teriam permissão para governar. Pior ainda é afirmar que isso representa um período durante o qual o reino de Deus estaria ausente da terra. De fato, essa interpretação é essencialmente o oposto do que diz Daniel 4: “…passar-se-ão sete tempos sobre ti, até que conheças que o Altíssimo domina sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer.” (Dan. 4:25, 32). “Mas ao fim daqueles dias eu, Nabucodonosor, levantei os meus olhos ao céu, e tornou-me a vir o entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, e louvei e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é um domínio sempiterno, e cujo reino é de geração em geração.” (Dan. 4:34).

Em segundo lugar, absolutamente não há qualquer justificativa para interpretar os sete tempos como um período de 2.520 anos. A maioria dos eruditos bíblicos concorda que os “sete tempos” representam simplesmente sete anos. Este também era o antigo entendimento dominante do texto, conforme se vê na antiga tradução grega do trecho (comumente chamada de Septuaginta), na referência do historiador judeu Josefo ao trecho em Antiguidades Judaicas (10.10.6), no comentário do pai da igreja Jerônimo sobre Daniel e nas tradições rabínicas.9

Outras referências de contagem de tempo em Daniel são consistentes com o entendimento dos sete tempos como sete anos. A profecia de Daniel sobre setenta semanas (Dan. 9:24-27) é interpretada de maneira mais natural e plausível como se referindo a setenta períodos de sete anos (não setenta períodos de 2.520 anos!). As referências de Daniel a “um tempo, tempos e metade de um tempo” (Dan. 7:25; 12:7) referem-se a um período de três anos e meio. O livro do Apocalipse reflete esse entendimento, pois faz referência a “quarenta e dois meses” e “1.260 dias” (Apo. 11:2-3), e depois faz nova referência a “1.260 dias” e “um tempo, e tempos, e meio tempo” (Apo. 12:6, 14), usando as mesmas palavras de Daniel 7:25 e 12:7. A referência a 42 meses parece resolver a questão de que todas essas referências dizem respeito a um período de três anos e meio.

O princípio “dia-ano”

Os textos bíblicos que a liderança das Testemunhas de Jeová cita como base para interpretar um dia como um ano não ensinam esse conceito. O Senhor disse aos israelitas no deserto que se rebelaram contra ele que seriam punidos por quarenta anos. “Segundo o número dos dias em que espiastes a terra, quarenta dias, cada dia representando um ano, levareis sobre vós as vossas iniquidades quarenta anos e tereis experiência do meu desagrado.” (Num 14:34). Aqui Deus disse aos israelitas que eles seriam punidos “cada dia” em que tinham espionado a terra “representando um ano”. Esta declaração não estava estabelecendo um código para interpretar profecia. Os “quarenta dias” não eram um código profético para quarenta anos; em vez disso, eles eram simplesmente a base fatual sobre a qual a duração da punição deles foi estabelecida.

No livro de Ezequiel, o Senhor fez Ezequiel representar uma ilustração visual dos “anos de sua punição” sobre os reinos de Israel e Judá. Ele deveria se deitar do lado esquerdo (de frente para o reino de Israel, ao norte) e depois do lado direito (de frente para o reino de Judá, ao sul) por um certo número de dias, “um dia para cada ano” da punição deles (Eze. 4: 4-6). Aqui, novamente, não encontramos alguma espécie de código para interpretação de profecia. Assim como em Números, o texto explica especificamente de que modo um dia representava um ano. O Livro de Daniel não contém essa explicação – e nem mesmo usa a palavra “dias” em Daniel 4.

Já demos um exemplo dos absurdos a que esse suposto princípio “dia-ano” levaria se fosse aplicado de forma consistente. A profecia de Daniel de setenta semanas (Dan. 9:24-27) refere-se claramente a um total de 490 anos; isso não pode ser convertido em uma profecia de 176.400 anos (490 anos multiplicados pelos 360 dias de cada ano)! Da mesma forma, a profecia de Jeremias de servidão ao rei da Babilônia por “setenta anos” (Jer. 25:11-12; 29:10) não se refere a um período de 25.200 anos. O princípio dia-ano deve ser abandonado como inútil para interpretar a profecia bíblica.

Erros e inconsistências matemáticas

A doutrina de 1914 das Testemunhas de Jeová originou-se com base em algumas suposições matemáticas questionáveis e até mesmo num simples erro de contagem.

Em primeiro lugar, o número de 2.520 anos para os tempos dos gentios presume que um ano na profecia bíblica tem 360 dias de duração (doze meses de 30 dias cada), em vez de um ano solar verdadeiro (que tem aproximadamente 365,24 dias). Todavia, o período de 2.520 anos é então calculado usando anos solares, porque de 607 AC a 1914 DC são 2.520 anos solares. Se os líderes das Testemunhas de Jeová fossem consistentes em usar anos de 360 dias, então 2.520 anos de 360 dias cada seriam equivalentes a 2.484 anos solares, o que é 36 anos a menos do que eles calculam para os tempos dos gentios. Por outro lado, se eles usassem consistentemente anos solares em seus cálculos, os tempos dos gentios teriam durado cerca de 2.557 anos (7 multiplicado por 365,24).

Em segundo lugar, a liderança da organização originalmente afirmava que os tempos dos gentios começaram em 606 AC e terminaram em 1914 DC. Isto é, na verdade, um período de 2.519 anos, porque não há ano zero entre 1 AC e 1 DC. Russell mais ou menos reconheceu o problema em um artigo que ele publicou em 1912, embora parecesse incerto se um ano zero deveria ser contado.10 A liderança da organização não resolveu completamente o problema até 1943, quando explicou que, embora Jerusalém tenha sido destruída em 606 AC, o antigo ano civil em que esse evento ocorreu começou em nosso ano 607 AC. Com base nisso, eles afirmaram que os 2.520 anos deveriam realmente começar em 607 AC.11 Por fim, essa distinção (que parece uma manobra) foi abandonada e eles afirmaram que Jerusalém foi realmente destruída em 607 AC.12

A data da destruição babilônica de Jerusalém

Uma premissa-chave da data de 1914 é a afirmação de que os babilônios destruíram Jerusalém, incluindo seu templo, em 607 AC. No entanto, como a liderança das Testemunhas de Jeová já reconheceu, essencialmente todos os historiadores concordam que este evento ocorreu uns vinte anos depois, em 587/586 AC. O Corpo Governante afirma que esses estudiosos “confiam principalmente em informações seculares para a cronologia do período”, enquanto que ‘nós’ [Testemunhas de Jeová] “estamos dispostos a ser guiados principalmente pela Palavra de Deus, em vez de por uma cronologia que se baseia primariamente em evidência secular ou que discorda das Escrituras.”13 Eles argumentam que a data de 607 AC é exigida pela profecia de Jeremias de que a desolação da terra duraria “setenta anos” (Jer. 25:11, 12; 29:10). Uma vez que Ciro decretou em 539 AC que os judeus deveriam ser autorizados a retornar à sua terra, e uma vez que (conforme argumenta a organização) a primeira onda de reassentamento judaico teria ocorrido em 537 AC, a profecia de Jeremias exige que aceitemos 607 AC como o início desses setenta anos.

Muito tem sido escrito sobre este aspecto da doutrina das Testemunhas de Jeová. Aqui só abordaremos dois breves pontos. O primeiro é que a data de 539 AC para o decreto de Ciro baseia-se na mesma “evidência secular” que a data de 587/586 para a destruição de Jerusalém. Especificamente, a evidência para a data de 539 AC vem de textos astronômicos babilônicos e outros registros babilônicos. Esta data é consistente com a Bíblia, mas não deriva diretamente da Bíblia, que não fornece dados astronômicos que possam ser usados para fixar datas absolutas para o período babilônico. Todavia, de maneira inconsistente, a liderança das Testemunhas de Jeová aceita a data de 539 AC para o decreto de Ciro, mas rejeita a data de 605 AC para a primeira incursão de Nabucodonosor em Judá, quase vinte anos antes de ele destruir a cidade, embora estas duas datas derivam dos mesmos registros babilônicos.14

Em segundo lugar, o argumento da liderança das Testemunhas presume que só existe um modo de interpretar as referências de Jeremias a “setenta anos”. O Antigo Testamento faz várias referências a esses “setenta anos”, e eles parecem dar descrições um tanto variadas (embora não contraditórias) de seu significado preciso (2 Crônicas 36:21; Jer. 25:11, 12; 29:10; Dan. 9:2; Zac 1:12; 7:5). É bem plausível interpretar os setenta anos como um número redondo referente ao período de dominação babilônica sobre a terra, que durou quase setenta anos com base nas datas geralmente aceitas (605-539 AC).15 Alternativamente, é possível tomar a declaração de Jeremias de que “estas nações servirão ao rei da Babilônia setenta anos” (Jer. 29:11) para indicar que os setenta anos abrangem todo o período do Império Babilônico de 609 AC, quando suplantou o Império Assírio, até 539 AC, quando Babilônia foi conquistada pelos persas.16 Assim, não é necessário contestar a verdade ou a precisão da profecia de Jeremias para conciliá-la com a evidência externa das datas dos eventos relevantes.

Note-se que, para que a data de 1914 das Testemunhas de Jeová seja válida, a destruição de Jerusalém por Babilônia deve ser datada de 607 AC. Mesmo admitindo-se um desvio de um ano, essa posição é simplesmente insustentável. A data deles não está atrasada em um ou mesmo dois anos, e sim em vinte anos. Este único ponto deve ser suficiente para rejeitar a doutrina de 1914 dos líderes das Testemunhas de Jeová.

Os tempos dos gentios (Lucas 21:24)

No relato de Lucas do Sermão do Monte das Oliveiras, Jesus profetiza a queda de Jerusalém para os exércitos romanos:

“Quando virem Jerusalém rodeada de exércitos, vocês saberão que a sua devastação está próxima… Haverá grande aflição na terra e ira contra este povo. Cairão pela espada e serão levados como prisioneiros para todas as nações. Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos deles se cumpram. (Lucas 21:20-24).

Jesus fez este discurso profético a seus discípulos por volta de 30 ou 33 DC, alguns dias antes de sua execução. Obviamente, ele os estava alertando sobre eventos relativos a Jerusalém que aconteceriam no futuro. Conforme todos concordam, esse aviso se referia ao cerco romano de Jerusalém que culminou na destruição do templo em 70 DC.

Nesse contexto, Jesus disse: “Jerusalém será pisada pelos gentios” (v. 24). A maneira natural de entender essa formulação, gramatical e contextualmente, é que o ‘pisoteio’ de Jerusalém começaria com essa futura conquista de Jerusalém pelos romanos. As Testemunhas de Jeová, porém, entendem que isso começou quase sete séculos antes (alegam elas) em 607 AC com a destruição do primeiro templo de Jerusalém pelos babilônios. Esta interpretação ignora não só o contexto de Lucas 21, como também os fatos históricos. Os judeus foram autorizados a retornar à sua terra pelos persas, reconstruíram Jerusalém e reconstruíram o templo. Depois de conquistados pelos gregos, os judeus se rebelaram no século II AC e estabeleceram a dinastia dos Hasmoneus, que governou a Judéia por aproximadamente um século (140-37 AC). Simplesmente não é verdade que as nações gentias pisotearam Jerusalém durante todo o período desde a conquista babilônica até o primeiro século DC.

Definitivamente, não parece haver qualquer maneira coerente de interpretar Lucas 21:24 como se referindo a um período que começa com a conquista babilônica de Jerusalém e termina em 1914.

Guerras, fomes, terremotos

Por fim, as Testemunhas de Jeová acreditam que Jesus previu as guerras mundiais e outras calamidades do século vinte como um “sinal” de que ele se tornou presente e começou a governar como rei em 1914. A seguinte é a declaração do Sermão do Monte das Oliveiras que os líderes das Testemunhas usam como seu texto de prova para esta afirmação:

““Porque nação se levantará contra nação e reino contra reino; haverá falta de alimentos e terremotos num lugar após outro.” (Mateus 24:7; Marcos 13:8; veja também Lucas 21:10).

O problema com essa interpretação é que, no contexto, Jesus estava dizendo explicitamente que essas ocorrências não eram o sinal de sua presença ou mesmo do tempo do fim. Vejamos o que Jesus disse imediatamente antes e imediatamente depois da declaração que o Corpo Governante cita:

“Vocês ouvirão falar de guerras e notícias de guerras. Cuidado para não ficar apavorados, pois essas coisas têm de acontecer, mas ainda não é o fim. Porque nação se levantará contra nação e reino contra reino; haverá falta de alimentos e terremotos num lugar após outro. Todas essas coisas são um começo das dores de aflição.” (Mat. 24:6-8; Mar. 13:7, 8).

Não só Cristo negou que essas guerras e desastres seriam o sinal do fim, como também ele não disse coisa alguma que indicasse que esses eventos seriam mais graves do que em épocas anteriores. Por exemplo, Jesus não disse que essas guerras seriam diferentes porque seriam de alcance mundial, ou que haveria um aumento significativo de fomes ou terremotos (ou de mortes decorrentes de tais eventos). As Testemunhas de Jeová foram ensinadas a ler essas ideias no texto, mas elas simplesmente não estão lá.

Conclusão: Uma teoria extremamente problemática

Embora ainda mais problemas com a doutrina da liderança das Testemunhas de Jeová sobre 1914 poderiam ser considerados, encontramos motivos mais do que suficientes para rejeitar essa doutrina. Eis aqui uma lista rápida dos principais pontos que estabelecemos:

  • A doutrina de 1914 pressupõe uma “presença” invisível e espiritual de Cristo em vez de um retorno pessoal e visível de Cristo à terra.
  • Os “sete tempos” de Daniel 4 se cumpriram nos sete anos de demência de Nabucodonosor e não contêm uma revelação oculta de maior duração de significado profético.
  • Não existe algo como um princípio “dia-ano” para interpretar os dias nas profecias bíblicas como sendo referências codificadas aos anos.
  • Os cálculos para se chegar a 1914 como o fim dos 2.520 anos são matematicamente falhos e inconsistentes.
  • Os babilônios destruíram Jerusalém em 587/586 AC, não em 607 ou 606 AC.
  • Os “tempos dos gentios” em Lucas 21:24 começaram com a destruição romana de Jerusalém em 70 DC, e não com a destruição de Jerusalém por Babilônia séculos antes.
  • Jesus falou sobre guerras, fomes e terremotos, mas para deixar claro que essas coisas não eram o sinal de sua vinda (Mat. 24:6-8; Mar. 13:7, 8).

Para vindicar a data de 1914 da organização das Testemunhas de Jeová, todas estas sete objeções precisariam ser refutadas. Se mesmo uma destas objeções for válida, então a data de 1914 cai por terra.

Deve-se mencionar mais um problema com a doutrina de 1914: ela interpreta mal o evangelho bíblico, ou as boas novas do reino. Jesus não esperou até 1914 para começar a governar como rei sobre toda a terra desde o céu. Ele começou a fazer isso em 33 DC., quando venceu o pecado e a morte na cruz, ressuscitou corporalmente dos mortos, sentou-se no trono de Deus à destra do Pai e começou a trabalhar por meio de seus discípulos para trazer pessoas de todas as nações a Ele para salvação. Estas são as boas novas do reino segundo o Novo Testamento (Mat. 28:16-20; Atos 2:30-38; 13:26-39; Rom 1:1-4, 16-17; 14:17 ; 1 Coríntios 15:3-5; Efésios 2:4-10; Hebreus 1:3-5). Ao interpretar tão mal a mensagem da Bíblia – e deturpar sua própria história – a liderança das Testemunhas de Jeová demonstra que não fala pelo Deus da verdade.

Notas

1 – Veja o artigo É a Volta de Cristo de Maneira Invisível? (Robert M. Bowman Jr.)

2 – A Adoração Pura de Jeová É Restaurada! (Sociedade Torre de Vigia, 2019), pág. 89; Raciocínios à Base das Escrituras (Sociedade Torre de Vigia, 1989), págs. 110-112.

3 – “‘O escravo fiel’ passa pela prova!”, A Sentinela de 1º de março de 2004, quadro na página 16.

4 – “Jeová revela o que ‘tem de ocorrer em breve’”, A Sentinela de 15 de junho de 2012, pág. 18.

5 – “Quem é “o rei do norte” hoje?”, A Sentinela (Edição de Estudo), maio de 2020, pág. 16.

6 – Você Pode Entender a Bíblia! (Sociedade Torre de Vigia, 2016), págs. 219, 220.

7 – Ibid.

8 – Raciocínios à Base das Escrituras, pág. 97.

9 – Stephen R. Miller, Daniel, New American Commentary 18 [Novo Comentário Americano] (Nashville: Broadman & Holman, 1994), págs. 134, 35.

10 – O Fim dos Tempos dos Gentios”, A Torre de Vigia de Sião (em inglês), 1º de dezembro de 1912, págs. 377, 378.

11 – A Verdade Vos Tornará Livres (Sociedade Torre de Vigia, 1943), págs. 240-242.

12 – Por exemplo, “Venha o Teu Reino” (Sociedade Torre de Vigia, 1981), pág. 190.

13 – Venha o Teu Reino”, pág. 190.

14 – A obra que refuta definitivamente os argumentos da liderança das Testemunhas de Jeová sobre esta questão é o livro Os Tempos dos Gentios Reconsiderados – A Cronologia e a Volta de Cristo, de Carl Olof Jonsson, (4ª Edição – Revisada e Ampliada, 2008. Veja especialmente os capítulos 2 a 4). Jonsson é uma ex-Testemunha de Jeová.

15 – Por exemplo, Miller, Daniel, págs. 241, 42; John A. Thompson, 1, 2 Crônicas, NAC 9 (Nashville: Broadman & Holman, 1994), págs. 391, 392.

16 – Veja Jonsson, Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, Capítulo 5, que cita vários estudos acadêmicos que apoiam esta interpretação.

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Imagem em destaque: Cena do filme Daniel: Uma história de fé — Parte 1 (Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania, 2021).

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