ArtigosEnsinos e História das Testemunhas de Jeová

Deus Desaprova Aniversários Natalícios?

O que a Iiderança das Testemunhas de Jeová ensina sobre aniversários

As Testemunhas de Jeová são provavelmente mais conhecidas não pelo que acreditam, ou mesmo pelo que fazem (além do proselitismo de rua), e sim pelo que não fazem. A liderança delas, por meio de suas publicações, proíbe que elas façam ou recebam transfusões de sangue;1 portem ou de alguma forma usem a cruz como símbolo religioso;2 participem de assuntos governamentais ou cívicos, sirvam nas forças armadas, filiem-se a um partido político, ocupem um cargo político, usem uma bandeira ou até mesmo votem; ou observem uma longa lista de feriados ou celebrações, como aniversários, Natal, Páscoa, Dia das Mães, véspera ou dia de Ano Novo, Dia dos Namorados ou qualquer feriado estadual ou nacional (como o Dia da Independência).3

A liderança admitiu que a observância desses feriados pode parecer relativamente sem importância em comparação com outros assuntos, como amar os outros, aprender a palavra de Deus na Bíblia e assim por diante. Entretanto, ela adverte que “o povo de Jeová não pode desconsiderar as coisas aparentemente pequenas. Estas também precisam ser tomadas a sério.”4 Em seguida, explica o que são algumas dessas coisas:

Inclui-se nelas manter-se livre de todos os costumes que são direta ou indiretamente condenados nas Escrituras, por estarem arraigados na religião falsa ou por fazerem parte do sistema de coisas de Satanás, tais como a celebração de feriados, políticos e religiosos. Embora não celebrar a tais pode parecer a alguns ser coisa pequena, isto não o torna menos importante aos olhos de Deus, e os cristãos maduros sabem avaliar este fato.5

Neste artigo, examinaremos os argumentos deles contra aniversários, a celebração secular que eles tem criticado com mais frequência em suas publicações. As questões que surgem em relação aos aniversários são muitas vezes as mesmas que se aplicam a outras celebrações seculares. Em um artigo posterior, consideraremos as objeções das Testemunhas de Jeová a celebrações especificamente cristãs, principalmente o Natal e a Páscoa.

A liderança das Testemunhas de Jeová define o termo aniversário como “dia correspondente ao do nascimento da pessoa ou aniversário desse dia. Em alguns lugares, o aniversário do nascimento da pessoa, especialmente de uma criança, é celebrado com festa e presentes.”. Em seguida, comenta: “Não é uma prática bíblica.“6 As Testemunhas de Jeová apresentam três razões principais para considerar as comemorações de aniversário inaceitáveis para Deus. A primeira é que as comemorações de aniversário têm suas raízes na antiga religião pagã: “Embora hoje as comemorações de aniversários sejam consideradas um inocente costume secular, na realidade têm suas raízes no paganismo.”7 A liderança tem expressado repetidamente essa crítica de que as comemorações de aniversário têm raízes na religião pagã.8 Aparentemente, tudo o que está associado às comemorações de aniversário na cultura ocidental moderna, incluindo festas de aniversário, bolos, velas e presentes, tem “raízes pagãs”.

Em segundo lugar, eles argumentam que a Bíblia apresenta as celebrações de aniversário sob uma luz negativa porque ela só relata duas celebrações de aniversário, ambas em honra de reis pagãos, ambos os quais mandaram matar homens em seus aniversários. Um artigo duma publicação explicou o argumento da seguinte forma:

As únicas celebrações natalícias mencionadas na Bíblia foram as de dois regentes pagãos, e cada um destes eventos foi maculado por uma execução. A de Faraó foi maculada pela execução do seu principal padeiro, e a do Rei Herodes, pela execução de João Batista. (Gên. 40:20-22; Mar. 6:21-29)9

Esse argumento foi repetido inúmeras vezes. Comentando as referências aos aniversários de Faraó e Herodes, o livro Raciocínio à Base das Escrituras, de 1992, afirmou:

Tudo o que está na Bíblia tem uma razão de estar ali. (2 Tim. 3:16, 17) As Testemunhas de Jeová notam que a Palavra de Deus relata desfavoravelmente as celebrações de aniversários natalícios, de modo que as evitam.10

Esse argumento continua a ser usado até hoje, como em um livro publicado em 2015: “A Bíblia só fala de duas festas de aniversário. Eram de pessoas que não adoravam a Jeová. (Gênesis 40:20; Marcos 6:21)”11

Em terceiro lugar, as Testemunhas de Jeová apontam que “nem os antigos judeus nem os cristãos, no início da Era Comum, celebravam aniversários.”12 Elas apontam, por exemplo, que o teólogo cristão do terceiro século, Orígenes, considerava as comemorações de aniversários questionáveis. Orígenes citou os exemplos de Faraó e Herodes Antipas em apoio à sua objeção, da mesma maneira que as Testemunhas de Jeová fazem hoje.13

São as celebrações de aniversários pagãs, e isso importa?

A liderança da organização ensina as Testemunhas de Jeová a associar aniversários (bem como a maioria dos outros feriados ou celebrações anuais) ao paganismo. Uma pesquisa na Biblioteca Online da Torre de Vigia das palavras pagão e aniversário (e formas relacionadas) resultou em 127 artigos ou capítulos de livros dos últimos setenta anos com as duas palavras, geralmente no mesmo contexto imediato. Normalmente, eles fazem afirmações como a de que as celebrações de aniversário são “de origem pagã” ou que estão “enraizadas no paganismo”.

O principal problema com essa objeção às comemorações de aniversário é que ela comete a falácia genética. A falácia genética é um passo em falso no raciocínio, uma forma ilógica de argumento, em que se diz que algo é ruim ou errado por causa das circunstâncias de sua origem. Esse tipo de argumento é falacioso (ou seja, tem uma forma ilógica e não confiável) porque as origens de uma determinada crença ou prática não podem ser usadas para prever com qualquer confiabilidade se a crença é verdadeira ou se a prática é boa.

Edward Damer, em seu respeitado livro sobre lógica, fornece uma explicação sobre a falácia genética que é bem relevante aqui:

Aqueles que usam a falácia genética tentam reduzir o significado de uma ideia, pessoa, prática ou instituição meramente a um relato de sua origem ou gênese, negligenciando, assim, o desenvolvimento, a regressão ou a diferença que podem ser encontrados na situação atual. Quem comete essa falácia normalmente transfere a estima positiva ou negativa que tem pela coisa em seu contexto original ou forma anterior para a coisa em sua forma atual. A falácia genética às vezes é cometida por líderes religiosos e outros que proíbem determinadas práticas com base em suas supostas origens. Alguns grupos religiosos, por exemplo, argumentam que seus membros não devem dançar porque a dança era originalmente usada em cultos pagãos de mistério como uma forma de adorar deuses pagãos. Mesmo que essa fosse a forma como a dança se originou e se os pagãos costumavam continuar dançando dessa forma, é duvidoso que esse fato tenha qualquer relevância para o mérito de participar do baile de formatura do ensino médio hoje em dia.14

Várias vezes, ao longo dos anos, a liderança das Testemunhas de Jeová abordou um assunto que expõe sua inconsistência nessa questão de evitar práticas que têm origens pagãs. Como as Testemunhas de Jeová mais atenciosas perceberam – e aparentemente algumas tiveram a coragem de perguntar sobre isso – essa mesma crítica pode ser feita a certos costumes associados a casamentos, especialmente o uso de alianças de casamento. Em um artigo publicado em 1956, a liderança enfatizou que as alianças de casamento eram opcionais nas cerimônias de casamento e comentou que “alguns talvez tenham objeção de consciência contra dar uma aliança na cerimônia, tendo em mente a origem pagã da aliança costumeira na cristandade.”15 Aproximadamente uma década depois, eles deixaram o assunto ainda mais em aberto, declarando que “quanto à origem e ao significado da aliança de casamento; as alegações são muitas e os fatos confusos”. Concluiu que um casal Testemunha de Jeová era livre para fazer sua própria escolha sobre o assunto.16 Alguns anos depois, eles aprofundaram sua incerteza, citando quatro livros com quatro teorias diferentes sobre a origem das alianças de casamento. Aqui eles fizeram uma admissão fascinante e bastante importante:

Mesmo que de fato os pagãos tenham sido os primeiros a usar alianças de casamento, impede isso seu uso pelos cristãos? Não necessariamente. Muitas das atuais peças de vestuário e dos atuais aspectos da vida originaram-se em países pagãos. A atual divisão do tempo em horas, minutos e segundos baseia-se num primitivo sistema babilônico. No entanto, não há objeção a que o cristão use estas divisões do tempo, pois o seu uso não envolve a participação em práticas religiosas falsas.17

A relevância do princípio mencionado acima para a questão das comemorações de aniversários é óbvia. Mesmo que a prática ‘originou-se em países pagãos’, se fazê-la hoje “não envolve a participação em práticas religiosas falsas”, “não há objeção” ao fato de os cristãos se envolverem nessa prática. O mesmo argumento foi apresentado duas décadas depois em um artigo que tentava explicar por que as comemorações de aniversários eram proibidas, mas as alianças de casamento não. Eles afirmaram que, em assuntos como alianças de casamento, “o que geralmente conta é se atualmente o costume em questão está vinculado com a religião falsa.”. No entanto, logo na frase seguinte, eles enfatizaram de novo “os antecedentes supersticiosos e religiosos das celebrações de aniversários natalícios”, elaborando esse ponto ao longo de três parágrafos inteiros.18 No final, o artigo tenta salvar a objeção da “origem pagã” combinando-a com a suposta “luz desfavorável na qual” a Bíblia apresenta as celebrações de aniversários: “Devido à origem conhecida das celebrações de aniversários natalícios e, mais importante do que isto, à luz desfavorável na qual essas festividades são mencionadas na Bíblia, as Testemunhas de Jeová têm amplas razões para abster-se desse costume.”19 Em seguida, abordaremos a alegação de que a Bíblia coloca as celebrações de aniversários sob uma “luz desfavorável”, mas o ponto a ser entendido aqui é que o próprio raciocínio da liderança das Testemunhas de Jeová sobre as alianças de casamento ilustra por que o argumento da “origem pagã” é falacioso.

A Bíblia e as Celebrações de Aniversário

A única objeção da liderança das Testemunhas de Jeová à comemoração de aniversários que apela diretamente à Bíblia é que, nas duas referências explícitas a comemorações de aniversários, os homens que comemoravam seus aniversários eram reis malignos que mandaram executar alguém injustamente naquele dia. Se tentássemos expressar esse argumento formalmente, ele seria mais ou menos assim:

A Bíblia relata dois reis comemorando seus aniversários e mandando executar alguém.

A Bíblia não contém outros relatos de comemorações de aniversários.

Portanto, a Bíblia considera que as comemorações de aniversário são más.

Pode ser intuitivamente óbvio que algo está errado nesse argumento, mas o problema pode ser explicado objetivamente. A conclusão (a terceira afirmação acima) não decorre logicamente das premissas (as duas primeiras afirmações) nas quais ela supostamente se baseia. O argumento acima tira uma conclusão generalizada com base em apenas duas circunstâncias, o que não é suficiente para garantir essa conclusão. Além disso, o argumento apela para a falta de uma declaração explícita de aprovação de aniversários na Bíblia para apoiar a afirmação de que a Bíblia desaprova os aniversários. Há duas falácias ou erros de raciocínio aqui. A primeira é chamada de generalização precipitada e a segunda é chamada de argumento do silêncio. A combinação dessas duas falácias não torna o argumento mais forte.

A generalização precipitada é o erro de raciocinar que, pelo fato de algo ser o caso em algumas circunstâncias observadas, este sempre será o caso. Na linguagem popular, essa falácia é geralmente descrita como “tirar conclusões precipitadas”.20 A partir de dois relatos de comemorações de aniversários em que a pessoa homenageada cometeu um ato maligno, simplesmente não se pode concluir que as comemorações de aniversários são más em si mesmas.

O problema com os argumentos do silêncio geralmente é reconhecido com muita facilidade. Pelo fato de a Bíblia não ordenar a comemoração de aniversários nem expressar sua aprovação, não se pode concluir que a Bíblia ensina que as comemorações de aniversários são ruins. A falta de menção não significa falta de aprovação. Por exemplo, ocorre que a Bíblia nunca menciona gatos (embora haja muitas referências a leões). A falta de referências a gatos na Bíblia não nos diz nada de bom ou ruim sobre os gatos.

Na verdade, o erro do argumento da liderança das Testemunhas de Jeová é mais profundo do que essas falácias lógicas. O erro é um engano fundamental na maneira como se leem os textos (quaisquer textos, inclusive a Bíblia). O argumento deles pressupõe que Deus queria que as pessoas soubessem que ele desaprova aniversários, mas em vez de simplesmente ordenar a Moisés, Jesus ou Paulo que dissessem isso, ele enterrou essa instrução nas narrativas sobre Faraó e Herodes Antipas. Os trechos sobre esses homens não dizem nada de negativo sobre as comemorações de aniversários em si, mas só relatam algo extremamente negativo que aconteceu nesses aniversários. Nenhuma conclusão sobre o que devemos pensar das comemorações de aniversário pode ser legitimamente tirada desses relatos.

Se examinarmos os trechos mais de perto, veremos por que é um erro inferir que Deus desaprova as comemorações de aniversários em geral. Aqui está o relato sobre Faraó em Gênesis:

O terceiro dia era o aniversário de Faraó, e ele deu um banquete a todos os seus servos; ele trouxe para fora o chefe dos copeiros e o chefe dos padeiros, diante dos seus servos. E ele restituiu o chefe dos copeiros ao seu posto de copeiro, e ele continuou a servir o copo a Faraó. Mas Faraó pendurou o chefe dos padeiros num madeiro, assim como José havia interpretado. (Gênesis 40:20-22)

Nesse relato, Gênesis menciona brevemente que o dia “era o aniversário de Faraó” para explicar a ocasião da festa em que o copeiro-chefe foi restaurado à sua posição. Literalmente, o texto diz: “o dia do nascimento de Faraó”, o que significa, é claro, não o dia em que ele tinha nascido como um bebê, e sim (ao que parece) o dia de seu aniversário. Os leitores modernos podem achar isso surpreendente, mas é possível que o texto se refira à ascensão do Faraó como rei do Egito. Isso porque no Oriente Próximo da antiguidade, quando um homem se tornava rei, às vezes se dizia que ele havia “nascido” como filho do deus que representava.21 O egiptólogo James Hoffmeier argumentou que Gênesis está se referindo à celebração da ascensão do Faraó, e não ao seu aniversário literal.22 É difícil ter certeza sobre o assunto, já que os faraós e outros reis podem ter libertado prisioneiros tanto em seus aniversários literais como em seus dias de ascensão. Por esse motivo, os comentaristas modernos muitas vezes deixam em aberto a questão de que tipo de dia era esse, sendo que vários deles favorecem o conceito da ascensão.23

Essa informação confirma que a razão pela qual Gênesis menciona o dia especial do Faraó (seja um aniversário literal ou não) é porque esse era o tipo de ocasião em que o Faraó provavelmente perdoaria um prisioneiro como o padeiro-chefe. Portanto, podemos ter certeza de que a Bíblia não menciona o dia do Faraó aqui como uma dica ou sinal de que Deus desaprova todas as comemorações de aniversário. Gênesis também não diz nada pejorativo ou crítico sobre o fato de o Faraó ter feito um banquete. De fato, afirma que ele fez a festa “para todos os seus servos”, o que parece ser um ato louvável da parte dele. A propósito, nem mesmo sabemos se a execução do padeiro-chefe foi injusta. Tudo o que nos é dito é que ele e o copeiro-chefe haviam cometido pecados contra o Faraó suficientemente graves para que ele se irritasse com eles e os colocasse na prisão (Gênesis 40:1-3). É claro que sabemos que José era inocente de qualquer crime, apesar de ter sido preso. Talvez o padeiro-chefe tenha sido executado injustamente; não sabemos. De qualquer forma, a comemoração do “aniversário” é apenas a ocasião, não a causa ou a base para a execução do padeiro-chefe. O problema não é a comemoração em si, mas a execução, supondo-se que ela tenha sido injusta.

Temos dois relatos de Herodes Antipas (a quem os Evangelhos chamam simplesmente de “Herodes”), filho de Herodes, o Grande, e tetrarca da Galileia durante o ministério de Jesus (Mateus 14:1; Lucas 3:1, 19), ordenando a execução de João Batista no aniversário de Herodes. Tanto Mateus quanto Marcos mencionam que era o aniversário de Herodes, mas Marcos dá o detalhe de que “Herodes, no seu aniversário, ofereceu um banquete aos altos funcionários, aos comandantes militares e aos homens mais importantes da Galileia.” (Marcos 6:21; confira com Mateus 14:6). Nada mais é dito sobre o aniversário em si. Os fatos essenciais do que aconteceu no banquete são os mesmos em ambos os Evangelhos; aqui está o relato mais abreviado de Mateus:

Mas, no aniversário de Herodes, a filha de Herodias dançou diante dos convidados e agradou tanto a Herodes que ele prometeu com um juramento dar a ela tudo o que pedisse. Então, instigada pela mãe, ela disse: “Dê-me aqui numa bandeja a cabeça de João Batista.” O rei, embora triste, ordenou que a cabeça lhe fosse entregue, em respeito aos seus juramentos e aos que estavam comendo com ele. (Mateus 14:6-9)

Aqui, mais uma vez, Mateus e Marcos relatam que era o aniversário de Herodes e que ele tinha convidados (em um banquete, como Marcos deixa explícito) como contexto narrativo necessário para entender como Herodes ordenou a execução de João. Nenhum dos relatos implica qualquer crítica ou desaprovação da prática geral de realizar um banquete ou festa no aniversário de alguém. Há, é claro, uma forte desaprovação de Herodes Antipas e do que aconteceu em seu banquete de aniversário, mas essa desaprovação específica não pode ser generalizada em uma desaprovação de todas as celebrações de aniversário.

Saber algo sobre Herodes Antipas e sua família dá um pouco mais de cor aos relatos dos Evangelhos sobre esse evento. Harold Hoehner, autor de uma das mais importantes biografias acadêmicas de Herodes Antipas, explicou nesse estudo que os Herodes eram bastante notórios por suas extravagantes celebrações de aniversário. (Hoehner tratou o evento como o aniversário literal de Herodes, assim como a maioria dos comentaristas atuais, embora ele tenha observado que os estudiosos não são unânimes nesse ponto). Aparentemente, em meados do primeiro século D.C. (e, portanto, pouco antes ou durante o período em que os Evangelhos de Mateus e Marcos provavelmente foram escritos), os excessos dos Herodes em seus “aniversários” se tornaram tão conhecidos que o poeta romano Pérsio usou “dias de Herodes” como uma expressão proverbial referente a essas extravagâncias.24 Com esse contexto em mente, podemos muito bem ler um pouco nas entrelinhas dos relatos dos Evangelhos e ver alguma confirmação de que os escritores dos Evangelhos consideravam a comemoração do aniversário de Herodes Antipas excessiva e mundana de uma forma ímpia. Conforme a interpretação tradicional, a dança da filha de Herodias confirmaria essa impressão. Ao mesmo tempo, essas informações básicas nos ajudam a entender que o problema não era o simples fato de comemorar um aniversário, e sim a maneira ímpia e excessiva com que essa comemoração ocorreu.

Orígenes, o teólogo cristão do terceiro século que a liderança das Testemunhas de Jeová citou repetidamente em apoio à sua leitura dos relatos sobre Faraó e Herodes Antipas, era um estudioso brilhante. No entanto, com todo o respeito devido a Orígenes, seu uso desses relatos para fazer uma crítica generalizada de todas as celebrações de aniversários não tem fundamento. Em uma civilização que era predominantemente pagã e na qual as comemorações de aniversário eram quase que inteiramente realizadas em homenagem a poderosos governantes pagãos, é compreensível que Orígenes condenasse essas comemorações. As comemorações de aniversário modernas, em sua maioria, são eventos inocentes e humildes para famílias e amigos, principalmente para crianças, e não compartilham nenhum dos elementos desagradáveis das festividades que Orígenes estava condenando.

As diferenças culturais entre as antigas comemorações de aniversários e as comuns na sociedade moderna são tão grandes que generalizar sobre os méritos de todas essas comemorações é simplesmente insensato. Judeus e cristãos nos primeiros séculos da Era Comum não comemoravam seus aniversários, mas a maioria dos pagãos também não comemorava os deles. No mundo antigo, as comemorações de aniversários eram, em geral, exclusividade dos ricos e poderosos.

Conclusão: Que importância tem isso?

Em última análise, não é importante se as pessoas comemoram aniversários ou não. O fato de as Testemunhas de Jeová não comemorarem seus aniversários não é, por si só, uma coisa má. O que é preocupante é a fixação da liderança delas nessa questão e sua insistência em ditar às Testemunhas de Jeová o que elas podem ou não podem fazer em assuntos que a Bíblia deixa inteiramente a critério do indivíduo ou da família. Conforme documentado acima, as publicações das Testemunhas de Jeová criticaram a prática de comemorações de aniversários dezenas de vezes, o que dá alguma indicação da importância que a organização dá a essa questão.

A principal função da longa lista de tabus da liderança das Testemunhas mencionada no início deste artigo (sem transfusões de sangue, sem cruzes, sem bandeiras, sem votação, sem festas de aniversário e assim por diante) é separar as Testemunhas de Jeová do resto da sociedade de uma maneira bem artificial. Os cristãos devem ser diferentes da cultura geral, mas de maneiras claramente ensinadas nas Escrituras. Eles devem ser fiéis em seus casamentos, livres de fanatismo e ódio, sacrificiais em suas doações, amorosos com seus inimigos e preocupados mais em agradar a Deus do que a si mesmos. As Testemunhas de Jeová de fato afirmam esses valores, mas a identidade religiosa distinta delas é construída em grande parte por meio da imposição de regras arbitrárias que não têm base em valores éticos ou ensinamentos bíblicos. O resultado é uma espécie de orgulho religioso, em vez do cultivo de um caráter cristão saudável e humilde. A boa notícia é que a liberdade em relação a essas regras criadas pelo homem está disponível em um relacionamento sólido com Jesus Cristo (Colossenses 2:8-23).

Notas

1. Veja “Does God Forbid Blood Transfusions?” Answers to Jehovah’s Witnesses #22 [“Proíbe Deus as Transfusões de Sangue?” – Respostas às Testemunhas de Jeová nº 22], Robert M. Bowman Jr. (Cedar Springs, MI: Instituto de Pesquisa Religiosa, 2020).

2. Sobre a questão da cruz (sua forma histórica, bem como seu uso como símbolo cristão), veja “Is the Cross a Pagan Symbol?” Answers to Jehovah’s Witnesses #13 [“É a Cruz um Símbolo Pagão?” – Respostas às Testemunhas de Jeová nº 13], Robert M. Bowman Jr. (Cedar Springs, MI: Instituto de Pesquisa Religiosa, 2020).

3. Veja especialmente Raciocínios à Base das Escrituras (Sociedade Torre de Vigia, 1989), págs. 37-39, 167-174, 260-267, 343-348.

4. “A Seriedade Disso”, A Sentinela de 15 de março de 1969, pág. 184.

5. “A Seriedade Disso”, pág. 184, 185.

6. “Aniversário”, em Raciocínios à Base das Escrituras, pág. 37, ênfase no original.

7. As Testemunhas de Jeová e a Educação (Sociedade Torre de Vigia, 1995, 2002, 2015; impressão de 2019), pág. 15.

8. Por exemplo, “Perguntas dos Leitores”, A Sentinela de 1º de janeiro de 1962, pág. 31; Despertai! de 8 de novembro de 1976, págs. 26-28; A Verdade que Conduz à Vida Eterna, edição revisada. (Sociedade Torre de Vigia, 1981), capítulo 16; O Que a Bíblia Realmente Ensina? (Sociedade Torre de Vigia, 2005, 2014), pág. 157.

9. “A Seriedade Disso”, pág. 185.

10. “Aniversário”, em Raciocínios à Base das Escrituras, pág. 37.

11. Você Pode Entender a Bíblia! (Sociedade Torre de Vigia, 2015), pág. 166.

12. “Que dizer de comemorar aniversários?” Despertai! de 8 de novembro de 1976, pág. 27.

13. Origen, Commentary on the Gospel of Matthew [Comentário ao Evangelho de Mateus, Orígenes] 10.22 (sobre Mateus 14:6-7), traduzido por John Patrick, em Os Pais Antenicenos, Vol. 9, editado por Allan Menzies (Buffalo, NY: Christian Literature Publishing Co., 1896), rev. e ed. Kevin Knight, www.newadvent.org; e Origen, Homilies on Leviticus 1–16 [Homilias a Levítico 1 a 16, Orígenes] 8.3.2 [sobre Lev. 12:2], trad. por Gary Wayne Barkley, Fathers of the Church [Os Pais da Igreja] 83 (Washington, DC: Catholic University of America Press, 1990), pag. 156. Para citações de Orígenes nas publicações das Testemunhas de Jeová, veja “A Seriedade Disso”, pág. 185; “O que dizer de comemorar aniversários”, pág. 27; Estudo Perspicaz das Escrituras, Volume 1, pág. 141; A Escola e as Testemunhas de Jeová (1983), pág. 18; “Comemorações natalícias — como começaram?”, Despertai! de 22 de junho de 1982, pág. 12; “É o Natal o seu presente de Deus?”, Despertai! de 8 de dezembro de 1986, pág. 22.

14. Attacking Faulty Reasoning: A Practical Guide to Fallacy-Free Arguments [Atacando Raciocínios Defeituosos: Um Guia Prático para Argumentos Livres de Falácias], T. Edward Damer,, 6ª ed. (Belmont, CA: Wadsworth Cengage Learning, 2009), pág. 93.

15. “A cerimônia do casamento e os requisitos”, A Sentinela de 1º de julho de 1957, pág. 140.

16. “Casamentos cristãos devem refletir razoabilidade”, A Sentinela de 15 de julho de 1969, págs. 443

17. “Perguntas dos Leitores”, A Sentinela de 1º de setembro de 1972, pág. 543. Veja também “Perguntas dos Leitores”, A Sentinela de 1º de janeiro de 1962, pág. 31

18. “Perguntas dos Leitores”, A Sentinela de 1.º de setembro de 1992, págs. 30, 31.

19. “Perguntas dos Leitores”, A Sentinela de 1.º de setembro de 1992, pág. 31.

20. Practical Argument: A Text and Anthology [Argumento Prático: Um Texto e Antologia], Laurie G. Kirszner e Stephen R. Mandell (Boston: Bedford/St. Martin’s, 2011), págs. 115, 116; Attacking Faulty Reasoning [Atacando o Raciocínio Defeituoso], Damer, págs. 172–174.

21. Este uso cultural está provavelmente por trás da famosa declaração do Salmo 2:7, citada no Novo Testamento em referência à exaltação de Jesus Cristo ao trono de Deus no céu (Atos 13:33; Hebreus 1:5; 5:5).

22. James K. Hoffmeier, Israel in Egypt: The Evidence for the Authenticity of the Exodus Tradition [Israel no Egito: A Evidência da Autenticidade da Tradição do Êxodo] (Nova York: Oxford University Press, 1996), págs. 89–91.

23. Gênesis 16–50, Word Biblical Commentary 2 (Dallas: Word, 1994), J. Gordon Wenham, pág. 384; Genesis: A Commentary [Gênesis: Um Comentário], Bruce K. Waltke, com Cathi J. Fredricks (Grand Rapids: Zondervan, 2001), pág. 527; Gênesis 11:27–50:26, New American Commentary [Novo Comentário Americano] 1B, Kenneth A. Mathews (Nashville: Broadman & Holman, 2005), págs. 751, 752.

24. Herod Antipas: A Contemporary of Jesus Christ [Herodes Antipas: Um Contemporâneo de Jesus Cristo], Harold W. Hoehner, Society for New Testament Studies Monograph Series 17 (Cambridge: Cambridge University Press, 1972), reimpressão, Contemporary Evangelical Perspectives (Grand Rapids: Zondervan, 1980), págs. 160, 161.

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