A Organização Torre de Vigia e a Autoridade Espiritual

A Doutrina do “Escravo Fiel e Discreto” à Luz da História dos Estudantes da Bíblia e das Testemunhas de Jeová

Este tratado foi escrito em 1981. Fizeram-se algumas alterações para tornar a linguagem mais compreensível para as pessoas que não estão familiarizadas com a história ou a teologia das Testemunhas de Jeová. No mais, o texto está essencialmente como foi escrito originalmente. – Ronald E. Frye, 2006.

Nota dos editores do Mentes Bereanas: após a revisão de 2015 da “Tradução do Novo Mundo”, a terminologia foi alterada para “Escravo Fiel e Prudente”.

Introdução

A Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Nova Iorque, é uma das organizações religiosas mais autoritárias do mundo. A lealdade fervorosa das Testemunhas de Jeová em todo o mundo para com ela baseia-se na convicção de que ela representa o canal de comunicação de Deus para os homens na terra — sua organização terrestre visível. O que isto significa é que o Deus Todo-Poderoso, Jeová, comunica-se com os homens unicamente por meio desta organização. Só ela possui o Espírito Santo de Deus que transmite os pensamentos de Deus aos demais na Terra. Qualquer pessoa que tiver dificuldade em aceitar tudo o que a liderança da organização ensina, ou dúvidas e questionamentos sobre alguma coisa que eles ensinem, ou que de alguma maneira mostrar uma atitude crítica em relação a qualquer um de seus ensinamentos é considerada como estando errada, uma pessoa que não tem apreço ou gratidão por todas as coisas que Deus está provendo espiritualmente por meio da Torre de Vigia. Ilustrando este ponto, o artigo “Precisamos de Ajuda Para Entender a Bíblia?”, em A Sentinela de 15 de agosto de 1981 disse na página 18:

Como devemos encarar o alimento espiritual provido pelo “escravo fiel e discreto”? Deve ser encarado com crítica: ‘Ora, talvez seja verdade, mas, por outro lado, talvez não seja, e por isso temos de examiná-lo criticamente’? Pelo visto, alguns pensavam assim. Para apoiar seu modo de pensar, citavam Atos 17:11, que diz a respeito de recém-interessados em Beréia: “Ora, estes últimos eram de mentalidade mais nobre do que os de Tessalônica, pois recebiam a palavra com o maior anelo mental, examinando cuidadosamente as Escrituras, cada dia, quanto a se estas coisas eram assim.” Mas significa isso que aqueles bereanos procuravam falhas na mensagem que ouviam, ou que a sua atitude era de dúvida? Estabelece isso um precedente para encararmos de modo crítico as publicações produzidas pelo “escravo fiel e discreto”, com o objetivo de achar falta nelas? De modo algum!

Os próximos parágrafos do mesmo artigo explicam que os bereanos estavam ansiosos para acreditar no que lhes estava sendo ensinado. Eles queriam acreditar! Daí, na página 19, debaixo do subtítulo “Nosso Conceito Sobre o ‘Escravo”, a revista A Sentinela prossegue dizendo:

Podemos tirar proveito desta consideração. Uma vez que verificamos qual o instrumento que Deus usa como seu “escravo” para distribuir o alimento espiritual ao seu povo, Jeová certamente não se agradará se recebermos este alimento como se pudesse conter algo prejudicial. Devemos ter confiança no instrumento que Deus usa. Na sede de Brooklyn, donde emanam as publicações bíblicas das Testemunhas de Jeová, há mais anciãos cristãos maduros, tanto do “restante” como das “outras ovelhas”, do que em qualquer outra parte da terra.

É verdade que os irmãos que preparam essas publicações não são infalíveis. Seus escritos não são inspirados assim como eram os de Paulo e dos outros escritores bíblicos. (2 Tim. 3:16) E assim, às vezes, tornou-se necessário corrigir conceitos, conforme o entendimento se tornou mais claro. (Pro. 4:18) No entanto, isto tem resultado no constante refinamento do conjunto de verdades baseadas na Bíblia, aceitas pelas Testemunhas de Jeová. No decorrer dos anos, ao passo que se fizeram ajustes neste conjunto de verdades, ele se tornou cada vez mais maravilhoso e aplicável na nossa vida, nestes “últimos dias”. — A Sentinela de 15 de agosto de 1981, página 19

O Surgimento do Escravo Fiel e Discreto: O Pentecostes de 33

Esse estilo de apresentação das matérias como um “conjunto de verdades baseadas na Bíblia” tende a intimidar bastante aqueles dentre as Testemunhas de Jeová que começam a ter sérias dúvidas ou mesmo questionamentos sobre os ensinos da Torre de Vigia. Se eles forem críticos em qualquer grau, a liderança os descreverá como tendo uma “má atitude”. Por meio de sua literatura e de seus porta-vozes, a liderança afirma constantemente que os dirigentes são representantes de seu “escravo fiel e discreto”, que é o “canal” de comunicação de Deus com seu povo. Assim, cada pronunciamento que aparece nas publicações da Torre de Vigia é tido como vindo indiretamente do próprio Deus. Por isso, é apropriado examinar a base da alegação de que os que dirigem a Torre de Vigia representam o chamado “escravo fiel e discreto”.

O texto usado como base para esta afirmação encontra-se em Mateus 24:45-47:

“Quem é realmente o escravo fiel e discreto a quem o seu amo designou sobre os seus domésticos, para dar-lhes o seu alimento no tempo apropriado? Feliz aquele escravo, se o seu amo, ao chegar, o achar fazendo assim! Deveras, eu vos digo: Ele o designará sobre todos os seus bens. (Tradução do Novo Mundo)

A revista A Sentinela de 1º de setembro de 1981 apresenta a interpretação oficial da Torre de Vigia destas palavras de Jesus:

As Testemunhas de Jeová crêem que esta parábola se refere à única congregação verdadeira dos seguidores ungidos de Jesus Cristo. A partir de Pentecostes de 33 E.C. e continuando durante os 19 séculos desde então, esta congregação semelhante a um escravo tem alimentado espiritualmente os seus membros, fazendo isso com fidelidade e discrição. A identidade deste “escravo” tornou-se clara especialmente por ocasião do retorno ou da presença de Cristo. O “escravo” é identificável pela sua vigilância e pelo fato de que provê fiel e discretamente alimento espiritual conforme é necessitado por todos na congregação cristã. De fato, este “escravo”, ou a congregação ungida com o espírito, é o instrumento aprovado que representa o reino de Deus na terra no “tempo do fim”. (Dan. 12:4) As Testemunhas de Jeová entendem que o “escravo” é composto por todos os cristãos ungidos como grupo na terra em qualquer tempo determinado durante os 19 séculos desde Pentecostes. Por conseguinte, os “domésticos” são esses seguidores de Cristo como indivíduos. — A Sentinela de 1º de setembro de 1981, página 24. (os itálicos não estão no original).

Então, de acordo com esse ensino, este “escravo” composto teve existência contínua e ininterrupta desde o seu início em 33 EC até o presente momento. Que sempre haveria cristãos genuínos da terra, desde o primeiro século até o fim do mundo é mostrado claramente na parábola ou ilustração de Jesus sobre o trigo e o joio, encontrada em Mateus 13. O trigo – representando os verdadeiros filhos de Deus – foi semeado num campo que é o mundo. O joio – os cristãos de imitação ou falsos – foram semeados depois pelo Diabo. Jesus explicou que estas duas plantações cresceriam juntas até o fim do mundo e, em seguida, no “período de colheita”, os anjos separariam o joio do trigo. O joio seria ajuntado em maços e queimado, o trigo, por sua vez, seria colhido e armazenado. Os cristãos de imitação começaram a se fazer presentes logo depois que a congregação cristã veio a existir. Porém, segundo o ensino da Torre de Vigia, eles nunca conseguiram controlar a classe do “escravo fiel e discreto” – o trigo, que é a verdadeira congregação de Deus na terra.

Ao tratar desse assunto no número de 15 de agosto de 1975, A Sentinela disse:

Notamos que Jesus não disse que o “escravo fiel e discreto” se tornaria desleal. Mas, quanto aos membros individuais desta classe do “escravo”, Jesus apenas indicou a possibilidade de nem todos permanecerem leais, assim como um dos doze, Judas, depois dum começo correto, passou a ser mau… Cristo não permitiria que quaisquer desleais exercessem domínio sobre sua congregação ou a desfizessem, parando a obra que ela faz. Antes, ao fazer uma inspeção, Cristo ‘cortaria abaixo’ a tais, decepando tais pessoas da classe do “escravo fiel e discreto”. — A Sentinela de 15 de agosto de 1975, página 494 (os itálicos não estão no original).

Outra revista A Sentinela disse:

Embora o “joio” dominasse o cenário religioso do mundo durante séculos, um pouco do “trigo” estava ativo, e providenciava-se alimento espiritual para os “domésticos”. — A Sentinela de 1º de setembro de 1981, página 26 (os itálicos não estão no original).

Deve-se ter em mente que, segundo a interpretação da Torre de Vigia, o trigo significa o “escravo fiel e discreto” existindo continuamente como um grupo — a congregação cristã — todos os fiéis cristãos ungidos pelo espírito na Terra em qualquer momento ao longo da Era Cristã, e não os cristãos dispersos pelo mundo.

Outra revista A Sentinela, num artigo intitulado “Como São os Cristãos Alimentados Espiritualmente?” diz:

Jesus dissera: “Eis que estou convosco todos os dias, até à terminação do sistema de coisas.” (Mat. 28:20) Jesus Cristo é Cabeça da congregação, seu escravo, e suas palavras mostram que ele os fortaleceria para alimentarem seus “domésticos” durante todos os séculos. Evidentemente, uma geração da classe do “escravo” alimentava a geração seguinte, além de continuar a alimentar a si mesma. – A Sentinela de 15 de julho de 1975, páginas 429-431 (os itálicos não estão no original).

De novo argumenta-se claramente que estes cristãos não foram alimentados como indivíduos isolados, independentes, e sim como um corpo coletivo: uma congregação. Resumindo o argumento, o mesmo artigo diz na página 431:

Vemos assim que o próprio Jesus Cristo trouxe à atenção este método de alimentar seu povo — não como pessoas isoladas e independentes, mas como grupo muito unido de cristãos, que têm verdadeiro amor e cuidado de uns para com os outros.

A argumentação apresentada acima insiste que houve este programa de alimentação coletiva desde o princípio, e o “escravo fiel e discreto” teve uma existência contínua e ininterrupta desde Pentecostes de 33 A.D. até o presente momento. A mesma ideia é apresentada em outra revista A Sentinela:

Através dos anos, a congregação cristã semelhante a um escravo tem alimentado os seus verdadeiros membros de maneira fiel e discreta. Desde Pentecostes do ano 33 E.C., e até o momento presente, tal ação tem sido feita amorosa e cuidadosamente. Sim, e os “domésticos” foram alimentados com sustento espiritual progressivo que os manteve em dia com a ‘luz brilhante que se torna cada vez mais clara até o dia ser firmemente estabelecido.’ (Prov. 4:18, NM) — A Sentinela de 15 de janeiro de 1961, pág. 51 (itálicos acrescentados)

Segundo esta última citação, o “escravo” não foi só nutrido de alguma maneira, e sim sempre foi nutrido com sustento espiritual progressivo. Não regrediu, nem permaneceu estático, mas sempre avançou espiritualmente com a luz crescente da verdade. Esta é, então, a premissa cuidadosamente construída que está por trás do ensino da Torre de Vigia sobre a ilustração de Jesus do “escravo fiel” de Mateus 24. Segundo esta premissa, a classe do “escravo” passou a existir no dia de Pentecostes de 33 EC, e teve uma história contínua e ininterrupta através dos séculos até o fim do mundo, inclusive. Ao longo dos séculos, ela nutriu progressivamente seus membros com alimento espiritual, tornando-os cada vez mais iluminados, com a passagem do tempo. A pergunta a ser respondida, então, é: Até que ponto este ensinamento ou doutrina se harmoniza com a história da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados? Se examinarmos as conseqüências da interpretação que esta organização faz de Mateus 24:45-47, o que encontramos? Para que esta interpretação seja demonstrada como verdadeira, ela deve se coadunar com a história da organização. Se, ao contrário, a doutrina da Torre de Vigia sobre o “escravo fiel e discreto” não se coaduna com sua própria história, então a doutrina é comprovadamente falsa. Com estes pensamentos em mente, examinemos a história da organização Torre de Vigia, conforme exposta em suas próprias publicações.

As Origens da Religião da Torre de Vigia: 1870

A Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados foi fundada em 1884 por Charles Taze Russell, conhecido por muitos anos como o “Pastor” Russell. Russell nasceu em Allegheny, Pensilvânia, em 1852. Embora tenha sido criado como cristão, na época em que ele tinha dezesseis anos estava perturbado em sentido religioso. Uma das histórias oficiais da Torre de Vigia, As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino, faz as seguintes observações, nas próprias palavras de Russell:

Criado como presbiteriano, doutrinado no Catecismo e tendo naturalmente uma mente inquiridora, caí como presa fácil da lógica da infidelidade, logo que comecei a pensar por mim mesmo. Mas o que a princípio ameaçava ser o naufrágio absoluto da fé em Deus e na Bíblia foi, sob a providência de Deus, sobrepujado por uma boa coisa e só destruiu a minha confiança em credos humanos e sistemas de interpretações equivocadas da Bíblia.

Durante os próximos poucos meses, Russell continuou a refletir sobre o assunto da religião, incapaz de aceitá-la, e ao mesmo tempo incapaz de deixar isso para lá. Daí, Russell diz:

Aparentemente por acaso, certa noitinha entrei num salão poeirento, sombrio, em Allegheny, Pa., onde eu soube que se realizavam ofícios religiosos, para ver se o punhado de pessoas que se reunia ali tinha algo mais sensato a oferecer do que as crenças das grandes igrejas. Ali, pela primeira vez, ouvi algo sobre os conceitos do Segundo Adventismo, de Jonas Wendell… Embora a exposição das Escrituras dele não fosse inteiramente clara e embora estivesse muito longe daquilo pelo qual nos regozijamos agora, ela bastou, sob a direção de Deus, para restabelecer minha abalada fé na inspiração divina da Bíblia e para mostrar que os registros dos Apóstolos e dos Profetas estavam indissoluvelmente vinculados. — As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino, 1959, pág. 14 em inglês.

Um antigo associado de Russell, chamado A. H. Macmillan, um canadense que passou muitos anos servindo na sede da Torre de Vigia, acrescentou o seguinte a respeito do início do ministério de Russell em 1870, em seu livro A Fé em Marcha:

A determinação renovada de continuar sua busca pela verdade abriu um novo capítulo na vida deste jovem. Pegando sua já bem desgastada Bíblia, ele começou um estudo cuidadoso e sistemático da própria Bíblia. Conforme lia, ele refletia, e quanto mais ponderava mais convencido ficava de que estava se aproximando o tempo para os vigilantes sábios dentre os filhos do Senhor obterem uma imagem clara dos propósitos de Deus.

Imbuído agora com verdadeiro entusiasmo, ele se aproximou de vários homens jovens com quem ele tinha associação, do tipo comercial com alguns e socialmente com outros. Ele lhes contou sobre seu interesse renovado, seu propósito de continuar o seu estudo direto da Bíblia, sem dar qualquer consideração aos credos estabelecidos. Reconhecendo imediatamente as possibilidades, eles disseram, ‘Bem, suponhamos que nos juntássemos e estudássemos de maneira sistemática durante algumas horas por semana.’

Foi assim que começou. Este jovem, que aos dezoito anos de idade organizou esta pequena classe de estudo bíblico, viria a se tornar um dos mais conhecidos estudantes da Bíblia de sua geração. Ele se tornou um dos mais amados e mais odiados — um dos homens mais elogiados e mais caluniados na história religiosa moderna.

Esse foi Charles Taze Russell, mais tarde conhecido mundialmente como o Pastor Russell. — A. H. Macmillan, A Fé em Marcha (Prentice-Hall, Inc., 1957), págs. 19, 20 em inglês (itálicos acrescentados).

Segundo o registro acima, fornecido por fontes das Testemunhas de Jeová, em 1870 Charles Taze Russell se afastou de todas as associações cristãs existentes e usando apenas a Bíblia começou um estudo sistemático por si mesmo. Comentando sobre os frutos deste estudo independente, a organização Torre de Vigia diz:

“Ele não fundou uma nova religião, e nunca afirmou ter feito isso. Restabeleceu as grandes verdades ensinadas por Jesus e pelos Apóstolos, e voltou a luz do século vinte sobre estes ensinos. Não alegou ter revelação especial de Deus, mas sustentou que era o tempo devido de Deus para a Bíblia ser entendida e que, estando ele plenamente consagrado ao Senhor e ao Seu serviço, teve permissão de entendê-la.” — As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino c, página 17; veja também Estudos das Escrituras, Volume 1, “Biografia”, página 2, Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia, edição de 1927 (os itálicos não estão no original).

Estas foram, portanto, as raízes da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, o seu princípio, conforme explicado em suas próprias palavras. Elas refutam completamente a doutrina cuidadosamente construída sobre a chamada classe do “escravo fiel e discreto”. Por volta do ano de 1870, quando o jovem Charles Russell começou seu estudo independente da Bíblia, o “escravo fiel e discreto” já teria mais de 1800 anos de existência! Surge a seguinte questão: Onde estava esse “escravo fiel e discreto”?

Como poderia Russell “restabelecer as grandes verdades ensinadas por Cristo e pelos apóstolos”, independentemente do “canal” de comunicação de Deus — sua organização terrestre? Se, como a Torre de Vigia insiste, o “escravo fiel” estivera se alimentando progressivamente ao longo dos séculos, “uma geração alimentando a geração seguinte”, por que as grandes verdades ensinadas por Jesus e pelos apóstolos precisaram ser restabelecidas?

Não haveria qualquer necessidade disso se a premissa sobre a classe do “escravo fiel e discreto” fosse verdadeira. Claramente, a história das Testemunhas de Jeová contradiz categoricamente o ensino da Torre de Vigia sobre a chamada “classe do escravo fiel e discreto”.

É claro que, com o fim de justificar o seu sistema de autoridade hierárquica, eles são obrigados a argumentar que Jeová está usando uma organização — um “canal” terrestre ao qual todos devem se submeter e aceitar. Todavia, para serem coerentes, no processo de insistir que funciona assim hoje, eles se vêem obrigados a também argumentar que este foi o caso desde o início da igreja cristã em 33 EC. Entretanto, permanece o fato de que Russell não recorreu a qualquer organização terrestre. Ele agiu de forma totalmente independente, por conta própria.

Hoje, bem mais de cem anos depois do início das atividades de Russell, as Testemunhas de Jeová são fortemente doutrinadas na ideia de uma organização. Sua organização sempre vem em primeiro lugar. Em A Sentinela de 1º de setembro de 1979, no artigo “Fé na Organização Vitoriosa de Jeová”, a expressão “organização teocrática” aparece quinze vezes nos onze primeiros parágrafos. Este tipo de repetição hipnótica é constantemente usado pela organização Torre de Vigia para condicionar as Testemunhas de Jeová a pensarem que é errado questionar qualquer coisa que a Torre de Vigia esteja publicando como “Verdade”. Em contraste com esta atitude em relação à organização, Russell e seus primeiros associados eram realmente anti-organizacionais. Consideremos o que disse a revista A Torre de Vigia de Sião de fevereiro de 1884 (pág. 2 em inglês) em relação ao conceito de Russell sobre organizações terrestres:

O Conceito de Charles T. Russell Sobre Organização

“Não pertencemos a NENHUMA organização terrena; portanto, se se mencionasse toda a lista de seitas, responderíamos: Não, a cada uma e a todas. Aderimos apenas àquela organização celestial — ‘cujos nomes estão escritos no céu’. (Heb. 12:23; Luc. 10:20.) Todos os santos que agora vivem ou que já viveram durante esta era pertencem à ORGANIZAÇÃO DE NOSSA IGREJA: todos constituem UMA só Igreja, e não há NENHUMA OUTRA reconhecida pelo Senhor.

Portanto, qualquer organização terrena, que interfira, por pouco que seja, nesta união de santos é contrária aos ensinos das Escrituras e oposta à vontade do Senhor — ‘para que sejam UM’. (João 17:11.)”

Esta mesma citação foi reimpressa no número de A Sentinela de 1º de setembro de 1979, página 16 (os grifos estão no original).

Russell acreditava numa igreja invisível. Ele não acreditava numa igreja ou organização terrestre de existência contínua. Na verdade, ele era hostil à religião organizada, e o antagonismo que ele sentia em relação às organizações terrestres é compreensível. Afinal, ele era um dissidente religioso. Seu pequeno grupo de seguidores (em 1884) não tinha qualquer história organizacional. Eles procuravam minimizar essa falta de histórico organizacional por argumentar que Deus não tinha uma organização terrestre contínua — uma congregação cristã monolítica; esse não era o modo de Deus agir. Desta forma, os seguidores de Russell, ou Estudantes da Bíblia como vieram a ser chamados, podiam ter em pouca conta as religiões que tinham uma longa história como organização, e podiam ao mesmo tempo explicar sua própria falta de uma organização. É altamente evidente que Russell não acreditava que Deus tinha um “escravo fiel e discreto” de 1800 anos de idade, ou uma organização que funcionasse como exclusivo canal de comunicação de Deus na terra nos dias dele. Ele não encontrou esse canal, nem foi encontrado por ele. Russell e seus associados não tinham comunhão com qualquer organização existente e eles eram, de fato, desdenhosos para com todas as outras associações religiosas organizadas. Eles rejeitavam resolutamente a ideia de que havia uma organização terrestre visível, existente desde o Pentecostes, com a qual as pessoas teriam obrigação de se associar para poderem servir a Deus.

Hoje, porém, mais de 100 anos depois, as Testemunhas de Jeová, que são provenientes dos Estudantes da Bíblia, defendem uma posição que está em oposição direta à que era defendida por seus antecessores espirituais imediatos. Elas afirmam agora que é necessário olhar para uma organização terrestre visível, a saber, a que opera por meio da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Mas esta não era a posição no começo. Ao longo dos anos, os seguidores de Russell que permaneceram em associação com a Torre de Vigia mudaram sua postura. Antes eles argumentavam contra a ideia de uma organização religiosa terrestre com tanta convicção como agora argumentam a favor disso.

Assim como o conceito de seus predecessores de mais de um século atrás era muito diferente do conceito delas hoje, o conceito das Testemunhas de Jeová da atualidade sobre Russell é também muito diferente do conceito que os Estudantes da Bíblia tinham sobre este homem na época em que ele estava vivo. Tirando algumas referências breves e ocasionais a ele nas publicações atuais da Torre de Vigia, Russell é praticamente desconhecido para as Testemunhas de Jeová de hoje. Os escritos dele nunca são recomendados para a leitura, e os livros que ele escreveu deixaram de ser publicados há muitos anos pela editora que ele fundou e construiu com o dinheiro dele. Mesmo assim, as Testemunhas de Jeová ainda argumentam que Russell foi um homem a quem Deus usou para restabelecer os grandes ensinamentos de Jesus e dos apóstolos. Por que, então, elas não estudam hoje os livros dele em suas congregações, ainda que só dum ponto de vista histórico? A resposta é óbvia: Porque grande parte do que ele escreveu seria considerado heresia hoje.

Russell foi um escritor prolífico — um homem notável em muitos sentidos. Ele elaborou o Estatuto da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados; era o editor e principal escritor da revista A Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo desde o seu início, em 1879, até sua morte, em 1916. Ele compôs centenas de artigos, muitos folhetos e tratados e seus sermões foram impressos em centenas de jornais nos Estados Unidos. Produziu também os seis volumes de Estudos das Escrituras (que eram conhecidos originalmente como a Série Aurora do Milênio). Estes volumes representavam as crenças definitivas dos Estudantes da Bíblia. Com efeito, eles eram considerados como a própria “Verdade” por eles. Relacionado com isso, é interessante notar como Russell e os Estudantes da Bíblia encaravam os seus Estudos das Escrituras. Obtemos um vislumbre disso examinando algo que foi publicado em 1910:

Se os seis volumes de ESTUDOS DAS ESCRITURAS são praticamente a Bíblia organizada por tópicos, sendo os textos bíblicos apresentados como prova, não seria impróprio chamá-los de Bíblia em forma organizada. Isto quer dizer que eles não são simplesmente comentários sobre a Bíblia, e sim praticamente a própria Bíblia, já que não temos qualquer desejo de edificar alguma doutrina ou ideia baseada em alguma preferência individual ou sabedoria individual, mas apresentar todo assunto de acordo com a Palavra de Deus. Desta forma, achamos seguro acompanhar este tipo de leitura, este tipo de instrução, este tipo de estudo bíblico. Ademais, não só descobrimos que a pessoa não consegue entender o plano divino estudando apenas a Bíblia por si mesma, como também descobrimos que se alguém deixa de lado os ESTUDOS DAS ESCRITURAS, mesmo depois de usá-los e de ter se familiarizado com eles, após tê-los lido durante dez anos – se deixá-los de lado e ignorá-los, usando apenas a Bíblia, embora ele tenha entendido a Bíblia por dez anos, nossa experiência mostra que dentro de dois anos essa pessoa ficará nas trevas. Por outro lado, se ela tivesse simplesmente lido os ESTUDOS DAS ESCRITURAS com suas referências, sem ler uma página da Bíblia propriamente dita, ela estaria na luz ao fim dos dois anos, porque teria a luz das Escrituras. — Revista A Torre de Vigia de Sião de 15 de setembro de 1910, página 298 (os grifos estão no original).

Isto significa que o conceito tinha mudado dramaticamente ao longo dos anos. Quando Russell se voltou para a Bíblia, ele foi capaz de entendê-la, mesmo sem ser inspirado. Mas agora, depois de publicar seus seis volumes dos Estudos das Escrituras, ninguém mais poderia se voltar para a Bíblia por si mesmo e aprender a “Verdade”. Agora a “Verdade” só poderia ser encontrada em seus livros que explicavam a Bíblia. De fato eles eram a própria “Verdade”, e se alguém não concordasse com eles, essa pessoa seria considerada como estando na escuridão espiritual. Hoje, porém, a maior parte do que foi ensinado naqueles seis volumes é rejeitado pelas Testemunhas de Jeová. Porém, nos dias de Russell as pessoas deveriam acreditar neles para estarem na luz da “verdade”.

Assim, a atitude autoritária mostrada pela organização Torre de Vigia hoje não é nova. Isso foi uma característica desde os dias iniciais, na época de seu primeiro presidente. Russell e os Estudantes da Bíblia eram, sem dúvida, sinceros e tementes a Deus; homens e mulheres que realmente acreditavam que estavam sendo iluminados por Deus e usados de uma maneira especial. Mas os fatos mostram que esta convicção se baseava principalmente na auto-ilusão, e essa auto-ilusão os motivou a falar de maneira autoritária para condenar todos os que não concordassem com eles. Ao presumirem que eram especiais, tornaram-se muito presunçosos em sua apresentação de assuntos bíblicos.

Charles T. Russell Como o “Escravo Fiel e Discreto”

Muita, se não toda essa presunção religiosa resultou da atitude dos Estudantes da Bíblia para com Russell e seus escritos. A organização Torre de Vigia admite hoje que muitos Estudantes da Bíblia ou “russelitas”, como eram chamados muitas vezes, foram culpados de promover o que equivalia a uma “adoração de criaturas” por seu pastor. Esta adoração era uma conseqüência natural do que lhes tinha sido ensinado a respeito dele. Ele chegou a ser identificado com o “escravo” ou “servo” fiel de Mateus 24:45-47. A. H. Macmillan disse em seu livro:

“Sempre que outros lhe perguntavam: “Quem é o servo fiel e prudente?”, o irmão Russell costumava responder: “Alguns dizem que sou eu; enquanto outros dizem que é a Sociedade.” Ambas as declarações são verdadeiras; pois o irmão Russell era, de fato, a Sociedade (no sentido mais absoluto), por ele determinar as diretrizes e o rumo da Sociedade. Algumas vezes ele buscava conselho de outras pessoas ligadas à Sociedade, ouvia suas sugestões, e então decidia de acordo com seu melhor julgamento do que ele acreditava que o Senhor queria que ele fizesse.” – A Fé em Marcha, págs. 126, 127 (itálicos acrescentados)

Que Russell era encarado dessa maneira foi reconhecido no livro As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino:

“O conceito geralmente mantido de que o Pastor Russell era o “servo fiel e sábio” de Mateus 24:45-47 causou considerável dificuldade durante alguns anos. A insistência de que Russell tinha sido “aquele servo” levou muitos a considerar Russell num nível que equivalia realmente a uma adoração de criatura. Eles acreditavam que toda a verdade que Deus tinha de revelar a seu povo tinha sido revelada a Russell, e agora nada mais poderia ser acrescentado porque ‘aquele servo’ estava morto.” — As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino, 1959, pág. 69 (itálicos acrescentados).

É importante lembrar aqui que essa atitude em relação a Russell não era só uma opinião que umas poucas pessoas fanáticas haviam formado por si mesmas; isso tinha sido ensinado oficialmente pela Torre de Vigia, como a seguinte citação torna claro:

“Houve alguma resistência por parte daqueles que não eram progressivos e que não tinham uma visão do trabalho que estava por vir. Alguns insistiam em viver no passado, no tempo do Pastor Russell, quando os irmãos em geral o encaravam como o único canal de esclarecimento bíblico. Foi publicado e aceito até 1927, que ele era ‘aquele servo’ de Mateus 24:45.” — As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino, página 95 (itálicos acrescentados).

Note-se a declaração de que tinha sido ‘aceito e publicado’ que Russell era ‘aquele servo’ de Mateus 24:45 até 1927 – onze anos depois da morte dele! 1Em A Torre de Vigia de Sião de 15 de fevereiro de 1927, num artigo intitulado “O Servo – Bom e Mau”, o segundo presidente da Torre de Vigia começou a ensinar que a igreja inteira, o “corpo de Cristo” e, desse modo, a inteira comunidade dos Estudantes da Bíblia em associação com a Torre de Vigia era o “escravo”, não Russell. Mas, havia mais. Ele foi também identificado com o “homem com o tinteiro de secretário” de Ezequiel capítulo 9 e como o “sétimo mensageiro” de Apocalipse 1:20. Neste último versículo mencionado, o glorificado Jesus Cristo é retratado como tendo sete estrelas em sua mão direita o que representava sete “anjos” ou “mensageiros”. Russell era encarado como sendo uma dessas estrelas, a sétima. Argumentou-se que as sete estrelas representavam sete períodos ou épocas durante a era do Evangelho. Em cada um destes períodos, Deus providenciou um mensageiro especial para a igreja terrestre. Russell veio a ser conhecido como o “sétimo mensageiro”. O artigo principal em A Torre de Vigia de Sião de 1º de novembro de 1917, publicado um ano depois da morte de Russell foi intitulado “Um Tributo ao Sétimo Mensageiro”. O artigo disse na página 324:

“O grande drama da era do Evangelho começa com o Apóstolo Paulo como o principal mensageiro, ou anjo da igreja. Ele termina com o Pastor Russell como o sétimo, e último mensageiro da igreja militante. As outras cinco épocas da igreja do Senhor produziram mensageiros nesta ordem: João, Ário, Waldo, Wycliffe e Lutero. Cada um por sua vez forneceu a mensagem que deveria ser entendida durante a época que ele representava. Os dois mensageiros mais proeminentes, porém, são o primeiro e o último: São Paulo e o Pastor Russell.” 2O conceito dos “sete mensageiros” é extraído de Apocalipse 1:20, que fala de sete anjos (mensageiros) enviados às sete igrejas mencionadas nos primeiros capítulos do Apocalipse. Os Estudantes da Bíblia ensinavam que cada “mensageiro” era uma pessoa especial enviada em determinados momentos para a igreja cristã durante a era do evangelho.

Ou seja, segundo esta declaração em A Torre de Vigia de Sião, o Pastor Russell foi mais proeminente até do que o apóstolo João, que recebeu a Revelação, a quem a revista reconhece como um dos doze apóstolos originais de Cristo.

É evidente que este conceito sobre Russell e seus escritos contradiz completamente o que se supunha ser o caráter do chamado “escravo fiel e discreto”. No entanto, este conceito sobre ele foi ensinado pela Torre de Vigia e seus porta-vozes ao longo de quase quarenta anos. O conceito é rejeitado pelas Testemunhas de Jeová de hoje, mas foi considerado como a “Verdade” por muito tempo, e se qualquer Estudante da Bíblia questionasse isso, dizia-se que ele estava em “escuridão espiritual” e essa pessoa era considerada como não tendo a “atitude correta” para com o “canal de Deus”. E ainda se pede às pessoas de hoje que acreditem que Deus estava por trás de tudo isso.

Após a morte de Russell, a organização Torre de Vigia entrou em completa desordem. O “servo fiel e prudente” de Deus se fora. O ‘sétimo e último mensageiro’ para a igreja estava morto. Deve-se notar, também, que dois anos antes, em 1914, o há muito aguardado fim do mundo não havia se concretizado. Muitos Estudantes da Bíblia se afastaram da organização em resultado disso. E, como se não bastasse, uma acirrada luta pelo poder ocorreu na sede da Torre de Vigia. Certos membros da diretoria se opuseram a Rutherford como presidente. A tensão entre o Juiz e os diretores chegou ao auge em 17 de julho de 1917, quando Rutherford lançou para a família de Betel um “sétimo volume” intitulado O Mistério Consumado. Houve um acalorado debate que durou cinco horas, no qual os diretores contestaram se era apropriado a Sociedade produzir outro volume para ser acrescentado aos seis volumes já existentes, escritos pelo Pastor Russell. Rutherford tinha mandado produzir este livro sem consultar o corpo de diretores e eles estavam lívidos. Por fim, eles e os que compartilhavam dos conceitos deles deixaram a organização.

Afirma-se às Testemunhas de Jeová de hoje que esses homens que se opuseram a Rutherford eram iníquos e egocêntricos, sendo “escravos maus”. Do ponto de vista dos Estudantes da Bíblia em 1917, porém, o “servo fiel e prudente” de Mateus 24 estava morto. O “sétimo mensageiro”, o último mensageiro da igreja se fora. Assim, como eles poderiam ser acusados ​​de reagir como reagiram às ações de Rutherford quando da publicação de O Mistério Consumado, uma ação que pareceu extremamente presunçosa para eles? Como poderia algum homem acrescentar alguma coisa à mensagem que já tinha sido transmitida pelo “sétimo mensageiro”? A ira daqueles Estudantes da Bíblia foi gerada por sua lealdade ao “servo fiel e prudente” de Cristo, Charles Taze Russell, uma lealdade muito parecida com aquela que as Testemunhas de Jeová têm hoje para com sua corporação legal, a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Aqueles homens estavam só reagindo à situação de uma maneira coerente com suas convicções. Agirem de outra maneira naquelas circunstâncias teria sido incoerente e, do ponto de vista deles, infiel. Dizer o que as Testemunhas de Jeová dizem hoje, a saber, que aqueles homens foram removidos para “purificar a organização” não faz sentido. Ou Russell tinha sido usado conforme fora ensinado a eles, ou não. Ou ele era o verdadeiro canal ou era uma fraude. Eles acreditavam que ele não era uma fraude, e sim que ele realmente tinha sido o servo escolhido de Deus.

Por isso, eles optaram por deixar a sede da Torre de Vigia no Betel de Brooklyn (Nova Iorque), em vez de aceitarem a oferta de Rutherford de nomeá-los como “peregrinos” viajantes, uma posição que corresponde aproximadamente à dos “superintendentes viajantes” das Testemunhas de Jeová de hoje.

Por meio dum tecnicismo legal, Rutherford pôde demitir aqueles diretores da corporação da Pensilvânia e substituí-los por homens simpáticos a ele. Estes eventos são considerados nas páginas 70 e 71 do livro As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino.

Todo esse conflito interno na organização Torre de Vigia ocorreu no contexto da Primeira Guerra Mundial que começou na Europa em 1914. Foi um momento extremamente difícil, do ponto de vista organizacional, para os Estudantes da Bíblia. O “servo fiel e sábio” deles havia morrido. As profecias dele sobre o fim do mundo em 1914 tinham deixado de cumprir. Tanto a Sociedade Torre de Vigia como a comunidade dos Estudantes da Bíblia foram assolados por divisões referentes à administração da organização. Além disso, os Estudantes da Bíblia foram ridicularizados como falsos profetas e alguns de seus líderes – inclusive o próprio Rutherford – foram presos, nos termos da Lei de Espionagem dos EUA por se oporem ao esforço de guerra americano durante a Grande Guerra. Foi neste momento, no entanto, que se supõe que algo extraordinário ocorreu para esses Estudantes da Bíblia fiéis à Torre de Vigia.

O Retorno de Jesus Cristo é Mudado de 1874 para 1914

Segundo o ensino atual, Jesus Cristo veio invisivelmente em 1914 (o retorno invisível foi, dessa forma, adiantado para 40 anos depois de 1874), e depois de sua vinda iniciou um julgamento dos seus servos terrestres. A Torre de Vigia interpreta as palavras de Jesus em Mateus 24:46, 47 – “Feliz aquele escravo, se o seu amo, ao chegar, o achar fazendo assim! Deveras, eu vos digo: Ele o designará sobre todos os seus bens.” (Tradução do Novo Mundo) – como tendo se cumprido naquela época unicamente sobre a comunidade dos Estudantes da Bíblia leais. Segundo o cálculo da Torre de Vigia, esta ‘designação’ entrou em vigor na primavera de 1919. Nesse momento, confiou-se aos Estudantes da Bíblia todos os interesses terrestres do recém-estabelecido reino celestial de Deus. Esses ensinamentos são considerados detalhadamente nesta revista A Sentinela:

Rejeitados por Deus em 1914

No ano 1914 E. C., no fim dos “tempos designados das nações,” [antigamente chamados de “tempos dos gentios”] o Senhor Jesus Cristo foi empossado no reino messiânico celestial. Depois disso, empreendeu uma inspeção da classe do “escravo” ou “mordomo” na terra. (Mat. 25:14-30; Luc. 19:11-27) Encontrou na terra discípulos dedicados, batizados e ungidos que, apesar da Primeira Guerra Mundial, de perseguições e de outras dificuldades se esforçavam a servir os interesses do reino messiânico de Jeová. Esforçavam-se a alimentar espiritualmente os “domésticos” ou o “corpo de assistentes” fiéis do então reinante Senhor e Amo, Jesus Cristo.

Os fatos da história moderna mostram que ele, no ano de 1919, revivificou estes muito afligidos discípulos e os reuniu como corpo unido. Daí os designou como sua classe do “escravo” “sobre todos os seus bens”, quer dizer, sobre todos os seus interesses régios na terra. (Rev. 11:7-12) Foram os deste corpo ativo de cristãos dedicados e ungidos que em meados de 1931 adotaram um nome para diferenciá-los das seitas da cristandade, a saber, testemunhas de Jeová. — A Sentinela de 1º de junho de 1972, pág. 334

A matéria acima diz que “ele [Jesus], no ano de 1919, revivificou estes muito afligidos discípulos”. Por que isso? A razão desta declaração é que eles dizem que estavam em cativeiro religioso durante os anos da guerra (1914-1918). Daí, miraculosamente, em 1919 eles foram revivificados para assumir sua nova posição enaltecida como único canal de comunicação de Deus com os homens na terra. Eles explicam isso adicionalmente em outra revista:

No ano de 1919, o povo de Deus obteve o completo livramento da servidão político-religiosa, que lhes havia sido imposta durante a Primeira Guerra Mundial, e grande foi a sua alegria quando o espírito ativador de Jeová foi derramado sobre eles quando se reuniram no congresso de Cedar Point, Ohio, E. U. A. — A Sentinela, de 1º de abril de 1977, página 206

Como é possível que o “escravo fiel e discreto” de 1.800 anos de idade tenha estado numa condição de “servidão político-religiosa” no período 1914-1918? Isso parece contraditório tendo em vista o que se disse sobre este “escravo”, isto é, que ele permaneceria sempre fiel e continuaria ao longo dos séculos nutrindo-se progressivamente com alimento espiritual saudável. Claramente, alguma coisa está errada aqui. O motivo de apresentar o assunto como eles fazem é devido à própria avaliação que fazem sobre si mesmos no período entre os anos de 1914-1918. Eis o que eles dizem sobre sua condição espiritual naquela época:

“Assim como os israelitas dos dias de Isaías, os israelitas espirituais venderam-se por causa de práticas erradas e passaram a estar em servidão ao império mundial da religião falsa, a saber, Babilônia, a Grande, e aos amantes mundanos dela… Um caso notável disso ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial de 1914-1918.” – A Sentinela de 15 de junho de 1981, pág. 26.

Outra revista A Sentinela apresenta o assunto como segue:

“Mas, as Escrituras os descreviam como tendo vestes impuras por causa de sua longa associação com a apostasia cristã (Zac 3:3, 4). Ainda tinham muitos costumes, características e crenças similares às das seitas da cristandade, que eram como joio. Por isso lhes sobreveio de 1914 a 1918 um período de provas ardentes, não muito diferente do antigo período de cativeiro babilônico dos judeus, nos anos de 607-537 AC”

“… Tudo isso aconteceu em relação com a transgressão da parte deles por terem medo dos homens, não se comportando de modo estritamente neutral durante os anos da guerra e ficando manchados por muitas práticas religiosamente impuras. Jeová e Jesus Cristo permitiram que estas testemunhas fossem vituperadas, perseguidas, proscritas, e que seus encarregados fossem encarcerados pelas nações deste velho mundo. Por volta do verão de 1918, a voz forte e organizada do testemunho da Torre de Vigia foi silenciada e morta coletivamente, como tinha sido profetizado em Rev.11:7, 8. Deve-se notar, no entanto, que esta voz do vigia só foi silenciada quando eles tinham completado sua fenomenal obra de aviso aos povos das nações no período pré-1914.” – A Sentinela de 15 de janeiro de 1961, págs. 51, 52 (itálicos acrescentados).

Todos os Reinos do Mundo Terminariam em 1914

Note-se como os membros da comunidade dos Estudantes da Bíblia daqueles dias são descritos nessas referências: Eles tinham vestes impuras, estavam contaminados pela apostasia cristã, manchados por muitas práticas religiosamente impuras, mostravam características semelhantes ao joio, o medo dos homens, violaram a neutralidade em conexão com o esforço de guerra e venderam-se por causa de práticas erradas. A experiência deles é até comparada com o cativeiro dos judeus em Babilônia. Ora, uma vez que os israelitas eram apóstatas quando foram deportados para Babilônia, eles estão dizendo que também eram apóstatas naquela época da Primeira Guerra Mundial!

E, com respeito à chamada “fenomenal obra de aviso aos povos das nações no período pré-1914” deve-se lembrar que eles estiveram pregando uma falsa mensagem por quase quarenta anos quando proclamavam que Cristo tinha voltado invisivelmente em 1874 e que o intervalo entre 1874 e 1914 era um “período de colheita” que acabaria em 1914 com a destruição total de todos os governantes e reinos da terra. Quanto a isso, Charles Taze Russell tinha proclamado em 1889:

“Consideramos ser um fato estabelecido que o fim completo dos reinos deste mundo e o pleno estabelecimento do Reino de Deus ocorrerá por volta do fim de 1914 A.D.” — As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino, 1959, pág. 55.

O fracasso da profecia de que 1914 veria o fim do mundo atual foi catastrófico para o movimento da Torre de Vigia. Isso destruiu completamente qualquer credibilidade deles como verdadeiros profetas. Russell havia sustentado que os eventos climáticos de 1914 vindicariam o complexo calendário dele de eventos do tempo do fim. Quando isso não ocorreu, foi minado todo o seu sistema de prognósticos cronológicos.

Por mais significativos que tenham sido estes fracassos, eles não foram incluídos na lista dos pecados dos quais a Testemunhas de Jeová acusam a si mesmas no período 1914-1918. Por que não? Certamente, toda a estrutura da cronologia do “tempo do fim” foi destruída por esse fracasso. Eles haviam deturpado Deus e Cristo e tinham desencaminhado dezenas de milhares de seguidores confiantes com falsas expectativas. No entanto, eles não mencionam isso na lista de seus pecados durante esse período. Em vez disso, eles definem essas falsas profecias como uma “fenomenal obra de aviso”. A única admissão franca de suas falsas profecias que se pode encontrar só foi publicada em 1930:

“Todos os do povo do Senhor olharam à frente para 1914, com alegre expectativa. Quando esse tempo chegou e passou houve muito desapontamento, desgosto e tristeza, e o povo do Senhor estava em grande descrédito. Foram ridicularizados pelo clero e seus aliados em particular, e apontados com desprezo porque eles tinham falado muito sobre 1914 e o que ocorreria, e suas profecias não tinham se cumprido.” — Luz, Livro 1, J. F. Rutherford, 1930, página 194.

Como se poderia argumentar que durante a Primeira Guerra Mundial os Estudantes da Bíblia estavam agindo como um “escravo fiel e discreto”? Segundo suas próprias declarações, eles se descrevem como tendo sido infiéis e desaprovados por Deus. Na verdade, esse foi o caso de tal maneira que, segundo o próprio ponto de vista deles, foram abandonados espiritualmente, da mesma maneira que o antigo Israel foi abandonado por Deus. De que modo foram eles “discretos” ao pregarem a falsa mensagem sobre 1914? Mais uma vez, com base neste fato, não há qualquer possibilidade racional de considerá-los como a chamada classe do “escravo fiel e discreto” que fornecia alimento espiritual saudável naquela época.

Deve-se naturalmente reconhecer que os Estudantes da Bíblia nos dias de Russell reconheceram alguns importantes ensinamentos bíblicos. Todavia, muitas coisas que eles ensinaram eram estranhas. Eles estabeleceram muitas datas finais erradas, profetizaram de maneira tola – e falsa – que o mundo acabaria em 1914, e mantiveram uma mentalidade de culto para com Charles Taze Russell e seus escritos. Além disso, eram antagônicos e críticos em relação a quaisquer outros que se recusassem a aceitar sua programação apocalíptica e sua arrogância espiritual. Assim, por causa dessas características pouco atraentes, eles colocaram a perder grande parte da eficácia espiritual que poderiam ter tido. E seus descendentes espirituais, as Testemunhas de Jeová, têm seguido os passos deles. Enquanto elas também defendem alguns ensinamentos bíblicos saudáveis, suas novas interpretações particulares das Escrituras e suas falsas profecias também provam que elas são muito menos do que afirmam ser.

Uma Restauração Miraculosa em 1919

Voltando ao período 1914-1918 e à alegação de que os Estudantes da Bíblia foram aprovados em 1919 para supostos “privilégios ampliados do Reino” eles dizem:

“Um remanescente fiel de alguns milhares de ‘domésticos’ da classe do ‘escravo fiel e discreto’ sobreviveram a este período de teste. A partir da primavera de 1919 em diante, eles começaram a se erguer do pó de inatividade para o seu novo serviço grandioso como vigias para o mundo… As Escrituras os descrevem também como estando vestidos com novas vestes limpas de identificação para representar os interesses de Jeová na terra.” — A Sentinela de 15 de janeiro de 1961, página 52

Esta avaliação de sua nova importância é realmente incrível! Eles admitem ter profetizado falsamente por quase quarenta anos, usando cálculos cronológicos que estavam completamente errados. Admitem que eram tão impuros e apóstatas que Deus teve de abandoná-los no que eles chamam de “Babilônia, a Grande” (o império mundial da religião falsa). Em seguida, esperam que as pessoas acreditem que poucos meses depois de tudo isso eles foram glorificados com um novo e elevado privilégio de serviço, para administrar todos os interesses ampliados de seu Mestre, Jesus Cristo! É simplesmente fantástico.

Ora, isso se compara com um empresário que, devido à própria insensatez, meteu-se em dificuldades financeiras e perdeu uma grande soma de dinheiro e, depois de ter declarado falência, outra pessoa lhe diz: “Muito bem! Você perdeu uma pequena fortuna minha, então agora vou confiar toda a minha fortuna a você.” Isto é, essencialmente, o que a liderança da Torre de Vigia ensina que Deus fez em relação àqueles Estudantes da Bíblia – e muitas Testemunhas de Jeová acreditam nisso hoje. Naturalmente elas são condicionadas a acreditar virtualmente em qualquer coisa que a Torre de Vigia diga.

Por incrível que pareça esta explicação, ela é, no mínimo, igualada por outra. Ao fim da Primeira Guerra Mundial, os Estudantes da Bíblia não podiam remontar sua história a qualquer período anterior a 1870 — o ano em que Russell, ainda adolescente, começou sua pequena classe de estudo bíblico. De modo que em 1919, seu inteiro período de existência como organização abrangia menos de cinqüenta anos. Todavia, vejamos a maneira como eles se descrevem no momento de sua suposta designação em 1919:

“Agora que o há muito esperado Reino já se tornara realidade estabelecida no céu, certamente os seus interêsses cada vez maiores na terra, depois de 1919, não seriam deixados nas mãos duma organização neófita de crianças espirituais. E isto mostrou-se correto. Foi ao “escravo fiel e discreto” de 1900 anos de idade, à antiga congregação cristã, que se confiou êste precioso serviço do Reino. Abundante na sua lealdade e integridade, perseverante em suportar pacientemente a perseguição, forte na sua antiga fé nas preciosas promessas de Jeová, confiante na liderança de seu Senhor invisível, Jesus Cristo, obediente na sua comissão secular de ser testemunhas na terra, e finalmente purificado pela prova ardente em 1918, o “escravo” maduro, conforme representado por um restante, estava agora pronto para novas designações de serviço.” — A Sentinela de 15 de janeiro de 1961, pág. 52.

Um pouco à frente, neste mesmo número, A Sentinela acrescenta:

“Sim, sem dúvida, o há muito desperto “escravo fiel e discreto” permanece hoje como um maravilhoso vigia para os povos das nações. Assim como seu mestre, Jesus Cristo representava o erguimento e a queda de muitos em Israel no primeiro século da era cristã, assim também agora perante o mundo inteiro as testemunhas ungidas permanecem como um guia para a sobrevivência de uma minoria da humanidade, mas mostram ser uma ocasião de tropeço para a destruição no Armagedom no caso do resto. (Lucas 2:34)”

Argumentar que essa organização religiosa neófita, com menos de cinqüenta anos de existência, que admitidamente pregou um falso evangelho, tornando-se assim espiritualmente impura, era um “escravo fiel e discreto” de 1900 anos de idade, “abundante na sua lealdade e integridade”, “obediente na sua comissão secular”, etc., é simplesmente espantoso. Ainda assim, do ponto de vista da Torre de Vigia as pessoas devem acreditar nisso, se hão de ter uma boa posição perante Jeová Deus. É por isso que questionar essa enaltecida posição da liderança da organização é um anátema para muitas Testemunhas de Jeová.

A Qualidade do “Alimento Espiritual” Servido Depois de 1919

Será que a experiência desapontadora de 1914 ensinou à Torre de Vigia uma lição, fazendo com que seus superintendentes espirituais evitassem interpretações particulares das Escrituras referentes a cálculos de tempo proféticos e elaboração de predições dogmáticas? Não, não ensinou! Logo depois do desapontamento de 1914, eles caíram na mesma armadilha outra vez. Em 1920, um ano depois do início da alegada designação para um serviço ampliado, a Torre de Vigia publicou um folheto intitulado Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão. Anúncios em jornais foram usados ​​para anunciar a série de palestras que acompanhou este folheto. (Veja o livro As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino, pág. 98). A campanha durou até 1925. O folheto, juntamente com os seis volumes de Estudos das Escrituras e o livro O Mistério Consumado constituíam a verdade que estava sendo pregada. Charles Russell ainda era visto como o “servo fiel e sábio” e a “cronologia bíblica” dele ainda era aceita, inclusive o retorno invisível de Cristo em 1874.

Qual era a mensagem contida em Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão? O folheto abordava o trabalho de reconstrução a ser realizado pelo Reino de Deus. A restauração do Israel natural ao favor de Deus foi apresentado nele, assim como Russell tinha ensinado. Além disso, um elaborado sistema de cálculos de períodos de tempo foi usado para provar que o favor de Deus tinha começado a retornar aos judeus em 1878. Cálculos adicionais referentes ao sistema de anos de jubileu judaico foram utilizados para estabelecer que 1925 seria um ano apocalíptico. A respeito disso, o folheto disse:

Outras Escrituras mostram que haviam de guardar setenta jubileus. (Jeremias 25:11; 2 Crônicas 36:17-21). Simplesmente calculando estes jubileus, chegamos ao seguinte fato importante: Setenta jubileus de cinqüenta anos cada um dará o total de 3.500 anos. Este período de tempo principiando 1.575 anos antes da era cristã, naturalmente terminará no outono do ano 1925, data esta, na qual termina o tipo, o grande antítipo se iniciará. Qual então será o acontecimento que devemos esperar? Pelo tipo, deve haver completa restauração, portanto grande antítipo marcará o principio da restauração de todas as coisas. A coisa principal a ser restituída é vida à raça humana; desde que outras escrituras definitivamente estabelecem o fato, de que Abraão, Isaque e Jacó ressuscitarão e outros fiéis antigos, e que estes seriam os primeiros favorecidos, podemos esperar em 1925 a volta desses homens fiéis de Israel, ressurgindo da morte e completamente restituídos à perfeição humana, os quais serão visíveis e reais representantes da nova ordem das coisas na terra. — Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, págs. 110, 111. 3Estas citações do folheto Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão são da edição brasileira. A grafia foi atualizada aqui, a bem da clareza.

Como previamente temos demonstrado, o grande ciclo do jubileu deve principiar em 1925. Nesta data a parte terrestre do Reino será reconhecida. O Apóstolo S. Paulo, no capítulo onze aos Hebreus, cita os nomes de muitos homens fiéis que morreram antes da crucificação do Senhor e antes de iniciar a seleção da igreja. Estes nunca terão parte na classe celestial; eles não têm esperanças celestiais. Mas Deus tem reservado coisas boas para eles. Eles ressuscitarão homens perfeitos e serão príncipes e governadores da terra, de acordo com a Sua promessa. (Salmos 14:16; Isaías, 32:1, 2; Mateus 8:11). Portanto, podemos seguramente esperar que 1.925 marcará a volta às condições de perfeição humana, de Abraão, Isaque, Jacó e os antigos profetas fiéis, especialmente esses mencionados pelo Apóstolo no capitulo onze de Hebreus. — Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, págs. 111, 112

Por fim, na página 122 o folheto conclui sua predição dogmática referente a 1925:

Baseado nos argumentos até aqui apresentados, isto é, que a ordem velha das coisas, o velho mundo está se findando e desaparecendo, e que a nova ordem ou organização está se iniciando, e que 1925 será a data marcada para a ressurreição dos anciãos dignos e fiéis, e o princípio da reconstrução, chega-se à conclusão razoável de que milhões dos que vivem agora na terra ainda estarão vivos no ano de 1925, Então, baseados nas promessas encontradas nas palavras Divinas, chegamos à positiva e indiscutível conclusão de que milhões que agora vivem jamais morrerão.

Era esta, então, a grande mensagem que os Estudantes da Bíblia começaram a proclamar logo depois de sua “designação” por Deus para o seu “novo e ampliado privilégio elevado de serviço” como “canal exclusivo” de Deus para a humanidade em 1919. Este folheto foi distribuído mundialmente em muitas línguas, supostamente sob a direção do Senhor Jesus Cristo. Se as pessoas não aceitassem o conteúdo dele eram acusadas de não mostrar o “devido respeito” à organização “escravo fiel e discreto”, premissa esta que foi introduzida pelo segundo presidente da Torre de Vigia, Joseph F. Rutherford.

Naturalmente, a história se encarregou de desmentir essa profecia sobre 1925, uma profecia que era encarada como verdade justamente na época em que a Torre de Vigia ensina que foi designada para maiores privilégios como um “escravo fiel e discreto” de 1900 anos de idade. Além disso, antes do fracasso dessa profecia, qualquer Estudante da Bíblia, que duvidasse dela seria classificado como estando em escuridão espiritual. Para estar “na verdade”, a pessoa tinha de acreditar em algo que se mostrou falso.

O livro As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino faz grande alarde sobre o sucesso da “campanha dos Milhões”, como ela era chamada. Ele descreve o número de discursos proferidos, dos livros distribuídos, o aumento do número de Estudantes da Bíblia, mas não diz uma palavra sobre o conteúdo do folheto Milhões que Agora Vivem Jamais Morrerão. Isso seria embaraçoso. O que aconteceu nas fileiras dos Estudantes da Bíblia, quando 1925 chegou, mas a ressurreição dos antigos dignitários não ocorreu, e a fase terrestre da reconstrução por Cristo não se iniciou? Ao considerar isso, o livro comenta:

De 1922 a 1925 Jeová Deus ajudou seu povo a esperar ou perseverar, efetuando a pregação de seu Reino numa escala cada vez maior. Isto resultou em trazer para o santuário muitos mais para serem membros deste restante consagrado por Jeová. Isto ficou evidente à base do aumento da assistência à celebração anual da refeição noturna do Senhor, com 32.661 participando em 1922; 42.000 em 1923; 62.694 em 1924; e 90.434 em 1925. É evidente, porém, que houve alguns que não “esperaram” com o remanescente fiel do Senhor. Em 1926 relatou-se uma diminuição na assistência à refeição noturna do Senhor em 27 de março para 89.278. O ano de 1925 mostrou ser especialmente um ano de grande prova para muitos do povo de Jeová. Alguns pararam de esperar e foram para o mundo. — As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino, página 110 (itálicos acrescentados)

Não se faz qualquer menção sobre a razão de o ano de 1925 ter sido uma “grande prova” para muitos Estudantes da Bíblia. Desse modo, por distorcer os fatos, escrevendo meias-verdades e uma história colorida, de acordo com uma concepção preconcebida das coisas, os líderes da Torre de Vigia sempre conseguiram se exonerar editorialmente da acusação de terem feito previsões erradas, por afirmar que eles estavam ensinando a “verdade atual” e pregando sob a direção de Cristo, mesmo quando estavam de fato proclamando o que eram falsas profecias. E ainda tiveram a audácia de dizer que aqueles que se afastaram da organização devido aos seus malabarismos doutrinários eram pessoas “infiéis”, “iníquas” e “escravos maus”, que não tiveram a capacidade de “esperar em Jeová”, como se Deus testasse seu povo com mentiras. Os que passaram por essas decepções mantendo uma confiança inabalável na organização devem ser descritos mais como pessoas crédulas do que como pessoas fiéis. 4Os Estudantes da Bíblia que permaneceram associados à Torre de Vigia depois do desapontamento de 1914 provavelmente acharam que este último desapontamento em 1925 foi a “gota d’água” e não viram qualquer justificativa razoável em continuar esperando na organização por direção espiritual.

A Afirmação de Revelação Divina

A organização Torre de Vigia não alega ser inspirada, mas fala com o mesmo grau de autoridade como se fosse. Ela exige ser reconhecida como se seus líderes fossem inspirados, nem sequer admitindo que as Testemunhas de Jeová comuns tenham o direito de questionar ou ter reservas ou dúvidas sobre qualquer coisa que ela ensina. Os líderes se eximem da responsabilidade quando alguma doutrina tem de ser mudada ou corrigida, ou quando alguma profecia não se cumpre. Daí, eles dizem que ‘nunca alegaram inspiração divina’. Note-se, porém, como a organização apresenta seus conceitos não-inspirados às Testemunhas de Jeová:

Assim como Jeová revelou suas verdades por meio da congregação cristã do primeiro século, assim também ele o faz, atualmente, por meio da atual congregação cristã. Por meio desta agência, faz com que se cumpra o profetizar em escala intensificada e sem paralelo. Toda esta atividade não é feita por acaso. Jeová é quem está por trás dela. A abundância de alimento espiritual e dos surpreendentes pormenores dos propósitos de Jeová que têm sido revelados às testemunhas ungidas de Jeová, são evidência clara de que são as mencionadas por Jesus, quando ele predisse a classe do “escravo fiel e discreto” que seria usada para dispensar as revelações progressivas de Deus, nestes últimos dias. Sobre esta classe, disse Jesus: “Deveras eu vos digo: ele o designará sobre todos os seus bens.” — A Sentinela de 15 de dezembro de 1964, pág. 749 (itálicos acrescentados)

Quando uma pessoa argumenta que “assim como Jeová revelou suas verdades por meio da congregação cristã do primeiro século, assim também ele o faz, atualmente”, que “Jeová é quem está por trás dela” e que está sendo usada para “dispensar as revelações progressivas de Deus”, não é isso alegar inspiração divina?

Segundo qualquer dicionário, “revelar” significa “fazer(-se) conhecer pela revelação ou inspiração divina”. Em outras palavras, algo “revelado” não é o que foi aprendido por meio dos sentidos ou processos normais, e sim o que foi inspirado ou “soprado por Deus”, como é o caso da própria Bíblia. Além disso, a definição que o dicionário fornece de “inspiração” é muito semelhante à definição de “revelação” e do verbo “revelar”. É uma “sugestão de origem transcendente ou psíquica”.

Ambas as definições, inspiração e revelação, envolvem necessariamente uma influência sobrenatural que habilita um homem a receber informação sobre a verdade. Esta é a essência da afirmação da Torre de Vigia. Assim, o uso da palavra “revelação” como se ela não tivesse o mesmo significado de “inspiração” é pura questão de semântica – uma distinção que não representa diferença alguma – e só serve para tentar explicar ou justificar mudanças de ensino, contradições e desapontamentos.

Se alguém adotar a posição de que os líderes da Torre de Vigia são apenas um grupo de homens religiosos, sinceros, mas não especialmente guiados por Deus, então as experiências deles fazem sentido, porque ilustram o fator humano, incluindo até mesmo os seus erros de cálculo profético e os casos de culto a personalidades. Mas, por outro lado, argumentar que Jeová Deus está por trás de tudo isso, como eles alegam, não faz qualquer sentido. A confusão, as mensagens contraditórias, a lealdade sectária aos moldes dum culto por parte dos Estudantes da Bíblia e das Testemunhas de Jeová, primeiro a Charles Russell e agora à própria Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados não reflete a mente divina. O Deus Todo-Poderoso demonstrou vez após vez nas Escrituras que Ele pode escolher um homem imperfeito e fazer este homem transmitir uma mensagem clara e precisa, quando é a da vontade dele que isso seja feito. Essa mensagem nunca precisará ser atualizada, alterada, rearranjada ou mesmo abandonada por ter sido desmentida pela passagem do tempo. Os verdadeiros profetas de Deus nunca estiveram errados. Deve-se perguntar: Que razão tem alguém que está familiarizado com a história da Torre de Vigia para levar esta organização a sério quando se trata de profecia bíblica?

Desde 1975 os seguidores desta organização enfrentaram outro desapontamento, relacionado de novo com uma data. Porém, seus líderes evitam falar sobre isso, e se as práticas da Torre de Vigia no passado servem como indicação, a organização sempre procurará justificar isso também no futuro.

Todavia, permanece o fato de que os líderes da Torre de Vigia especularam sobre 1975, dando a entender que o mundo acabaria naquele ano. Não há a menor dúvida de que muitas Testemunhas de Jeová esperavam que isso ocorresse, e quando não aconteceu, um número considerável delas se desiludiu. Embora seja verdade que os líderes da organização não disseram taxativamente que 1975 marcaria o fim do mundo, eles lançaram as bases para essa crença e usaram argumentos específicos para apoiar a exatidão dessa profecia. Naturalmente, quando esse ano veio e se foi sem que nada de importante tenha ocorrido, houve uma grande consternação entre as Testemunhas de Jeová. Fazendo referência a isso, eles disseram:

“Pode ser que alguns daqueles que têm servido a Deus planejaram sua vida de acordo com um conceito errôneo do que é que deveria acontecer em determinada data ou em certo ano. Por este motivo, eles talvez tenham adiado ou negligenciado coisas de que, de outro modo, teriam cuidado. Mas, eles desperceberam o ponto das advertências bíblicas a respeito do fim deste sistema de coisas, pensando que a cronologia bíblica revelasse uma data específica.” — A Sentinela de 15 de janeiro de 1977, pág. 56.

Na página seguinte dessa Sentinela, eles acrescentaram:

Mas não é aconselhável que fixemos a vista em certa data, negligenciando coisas cotidianas, de que devemos normalmente cuidar, como cristãos, coisas tais como as de que nós e nossa família realmente precisamos. Talvez nos esqueçamos de que, quando o “dia” vier, não mudará o princípio de que os cristãos precisam sempre cuidar de todas as suas responsabilidades. Caso alguém tenha ficado desapontado, por não seguir este raciocínio, deve agora concentrar-se em reajustar seu ponto de vista, por não ter sido a palavra de Deus que falhou ou o enganou e lhe causou desapontamento, mas, sim, seu próprio entendimento baseado em premissas erradas. — Ibid. página 57.

Significativamente, esta edição de A Sentinela evitou fazer qualquer referência ao ano de 1975 neste comentário, mas todos os que leram e estudaram isso nos Salões do Reino das Testemunhas de Jeová na época, sabiam a que “determinada data” ou “certo ano” a matéria estava se referindo.

Porém, tanto a Torre de Vigia como a maioria das Testemunhas de Jeová “desperceberam o ponto das advertências bíblicas a respeito do fim deste sistema de coisas, pensando que a cronologia bíblica revelasse uma data específica.” Conseqüentemente, não foi a profecia divina que falhou e provocou desapontamento: foi o próprio entendimento delas, baseado em premissas erradas. Em parte alguma dessa consideração em A Sentinela de 15 de janeiro de 1977 (que foi intitulada “Base Sólida Para Ter Confiança”) os autores assumiram qualquer responsabilidade por terem criado essas falsas expectativas. Foi só vários anos depois que os porta-vozes da Torre de Vigia admitiram que a organização havia promovido falsas idéias a respeito do ano de 1975. No verão [setentrional] de 1979 fizeram-se declarações perante as Testemunhas de Jeová que compareceram aos “congressos de distrito” da Torre de Vigia, para acalmar os maus efeitos do desapontamento que persistia dentro da organização. Estas declarações foram publicadas numa edição de A Sentinela do ano de 1980:

Quando foi publicado o livro Vida Eterna — na Liberdade dos Filhos de Deus [1966] e seus comentários sobre quão apropriado seria se o reinado milenar de Cristo fosse paralelo ao sétimo milênio da existência do homem, criou-se muita expectativa sobre o ano de 1975. Fizeram-se naquele tempo, e depois, declarações que enfatizavam que se tratava apenas de uma possibilidade. Infelizmente, porém, ao lado de tal informação acauteladora, publicaram-se outras declarações que davam a entender que tal cumprimento da esperança até aquele ano era mais uma probabilidade do que mera possibilidade. Lamenta-se que estas últimas declarações, pelo visto, tenham ofuscado as acauteladoras e tenham contribuído para o aumento duma expectativa já criada.

A Sentinela, no seu número de 15 de janeiro de 1977, comentou que não era aconselhável fixarmos a vista em determinada data, dizendo: “Caso alguém tenha ficado desapontado, por não seguir este raciocínio, deve agora concentrar-se em reajustar seu ponto de vista, por não ter sido a palavra de Deus que falhou ou o enganou e lhe causou desapontamento, mas, sim, seu próprio entendimento baseado em premissas erradas.” Ao dizer “alguém”, A Sentinela incluiu todos os desapontados entre as Testemunhas de Jeová, portanto, inclusive os que tinham que ver com a publicação da informação que contribuiu para criar as esperanças que giravam em torno daquela data. — A Sentinela de 15 de setembro de 1980, páginas 17, 18 (os itálicos são deles e os sublinhados foram acrescentados aqui).

Essa admissão de culpa no que se refere ao ano de 1975, mostra que eles não só desapontaram os leitores de A Sentinela, como também iludiram a si próprios. Levaram-se tão a sério como o repositório de todo o esclarecimento divino, que foram ainda suficientemente ousados para pregar suas especulações sobre 1975 em todo o mundo, algo que fizeram entre 1966 e 1975! A Torre de Vigia alega que nunca teve culpa de agir como um falso profeta, mas o fato é que a organização profetizou falsamente diversas vezes. Fizeram isso por quase 40 anos antes e inclusive em 1914; fizeram o mesmo no livro O Mistério Consumado em relação ao que ocorreu no período 1914-1918. Profetizaram falsamente de 1920 a 1925 em relação ao que ocorreria nesse último ano. E, como a própria organização reconheceu, sua especulação sobre 1975 foi por vezes apresentada como algo que era mais uma “probabilidade” do que apenas uma “possibilidade”, e não foi nada discreta ao publicar essas especulações mundialmente, gerando falsas esperanças e trazendo novamente o desapontamento para milhões de pessoas.

As Escrituras são muito claras em apontar a diferença entre um profeta de Deus e um falso profeta:

“‘No entanto, o profeta que presumir de falar em meu nome alguma palavra que não lhe mandei falar ou que falar em nome de outros deuses, tal profeta terá de morrer. E caso digas no teu coração: “Como saberemos qual a palavra que Jeová não falou?” quando o profeta falar em nome de Jeová e a palavra não suceder nem se cumprir, esta é a palavra que Jeová não falou. O profeta proferiu-a presunçosamente. Não deves ficar amedrontado por causa dele.’” — Deuteronômio 18:20-22 (TNM).

A definição bíblica apresentada acima é a única definição válida que se pode aplicar para se determinar quem é e quem não é um profeta verdadeiro.

Os homens podem dançar em torno dessa definição e apresentar todo tipo de argumentos na tentativa de provar que suas falsas profecias não se enquadram nela, mas isso nada mais é que auto-justificação e auto-ilusão. Ao mesmo tempo em que criticavam os que tinham olhado para 1975 como o provável início do governo milenar do Reino de Deus, a organização aproveitou a ocasião para reforçar sua insistência de que a geração que testemunhou os eventos de 1914 não morreria até que todas as profecias do “fim dos tempos” se cumprissem:

Tão certo como era a geração que vivia e ouvia a advertência de Jesus, no primeiro século, aquela que sofreu o cumprimento de suas palavras, é que será esta geração — a geração que presencia o cumprimento maior de seu “sinal”, o qual identifica os últimos dias deste sistema de coisas — aquela que sofrerá a tribulação global que há de vir. — A Sentinela de 15 de janeiro de 1977, pág. 51 (itálicos acrescentados).

Ao colocar as questões dessa forma, dizendo: ‘Tão certo como sucedeu no caso da geração que ouvia Jesus assim sucederá à geração de 1914’, eles quiseram dizer que a palavra deles é tão válida quanto a palavra do Senhor. Ao mesmo tempo, eles se eximiram de todas as profecias fracassadas alegando que “nunca afirmamos ser inspirados.” A citação abaixo ilustra isso:

O “escravo” não é divinamente inspirado, mas continua a pesquisar as Escrituras e a esquadrinhar cuidadosamente os acontecimentos mundiais, bem como a situação do povo de Deus, a fim de entender o cumprimento progressivo das profecias bíblicas. Em vista das limitações humanas, às vezes pode haver um entendimento incompleto ou incorreto de algum assunto, que precisa ser corrigido mais tarde. Mas isto não significa que o “escravo” deva evitar a publicação duma possível explicação até que o entendimento final e completo esteja disponível. — A Sentinela de 1° de setembro de 1981, pág. 29

O raciocínio acima é só uma cortina de fumaça para obscurecer o fato de que eles pregam dogmatismo que muitas vezes se prova falso. Eles jamais expressaram essas “possíveis explicações” com cautela, dizendo: “Bem, esta é a nossa compreensão atual”, ou “Não temos certeza sobre isso, mas esta é a nossa opinião.” Não, eles falam com certeza, assim como Pastor Russell e o Juiz Rutherford fizeram – e insistem que as Testemunhas de Jeová devem levar as palavras deles tão a sério como fariam se fosse o próprio Jesus Cristo quem estivesse dizendo! Daí, quando fica claro e comprovado mais tarde que o pronunciamento estava errado, eles se eximem de qualquer responsabilidade grave, afirmando: ‘Nunca tivemos a pretensão de ser divinamente inspirados.’ Em outras palavras, desejam fazer as pessoas pensarem que eles são autorizados por Deus para pregar o que quer que pensem ser a verdade e você está sob a obrigação divina de aceitar o que eles pensam e ainda ensinar isso a outros. A mentalidade sempre é que, mesmo se algo depois se provar errado, não tem qualquer conseqüência grave. 5Na verdade, por vezes a liderança da Torre de Vigia vai ao ponto de afirmar que seus ensinos errados podem trazer benefícios para seus seguidores! Na mesma revista A Sentinela de 15 de janeiro de 1977, foi publicada a seguinte declaração na página 57: “Todavia, digamos que você, leitor, seja um daqueles que contaram fortemente com certa data, e, o que é elogiável, fixou sua atenção mais na urgência dos tempos e na necessidade de as pessoas ouvirem. E digamos que você, agora, temporariamente, se sinta um pouco desapontado; será que saiu realmente perdendo? Ficou mesmo prejudicado? Achamos que poderá dizer que saiu ganhando e lucrando por adotar tal proceder consciencioso. Foi também habilitado a obter um ponto de vista realmente maduro e mais razoável. — Efé. 5:1-17.” (sublinhados acrescentados). Se, porém, esse trecho bíblico citado na Sentinela (Efésios 5:1-17) for lido com atenção, não se encontrará lá qualquer sugestão de que uma sensação de desapontamento em decorrência de profecias fracassadas possa servir de algum benefício para os cristãos, habilitando-os a obterem “um ponto de vista realmente maduro e mais razoável”. Muito pelo contrário, as palavras de Paulo no versículo 6 foram: “Nenhum homem vos engane com palavras vãs, pois, por causa das coisas já mencionadas vem o furor de Deus sobre os filhos da desobediência.” Em contraste com a esperança baseada nas promessas de Deus, que “não conduz a desapontamento” (Romanos 5:5), foram as promessas baseadas em raciocínio humano que muitas vezes conduziram milhões de pessoas a ficarem desapontadas, e depois ainda tendo a obrigação de aceitar racionalizações como a expressa acima, originadas da mesma fonte dessas falsas profecias. Isto significa que as Testemunhas de Jeová podem pregar do alto das casas tudo o que esteja impresso na revista A Sentinela, porque, mesmo que haja erros, eles não vão prejudicar a elas, nem as pessoas a quem elas pregam isso. Essa lógica é um verdadeiro disparate. Nenhum profeta de Deus jamais pregou erros. Os porta-vozes de Deus eram puros em suas declarações inspiradas. A verdade não flui para nós da palavra revelada de Deus junto com o erro. O Senhor Jesus Cristo é o canal exclusivo nosso Pai celestial de comunicação para as pessoas na terra. E por meio do Espírito Santo de Deus, operando através da Bíblia e nos corações e mentes dos crentes individuais, Ele dá a conhecer sua vontade. É fornecido a nós o conhecimento completo, quando se trata de como somos reconciliados com Deus e do que Ele espera de nós em troca. Temos um conhecimento parcial em muitas outras áreas, incluindo o retorno de Cristo. O apóstolo Paulo escreveu: “Pois, atualmente vemos em contorno indefinido por meio dum espelho de metal, mas então será face a face. Atualmente eu sei em parte, mas então saberei exatamente, assim como também sou conhecido exatamente.” (1 Cor 13, 12. TNM).

Quando certas pessoas se sentiram ofendidas com o que o Senhor disse sobre comer sua carne e beber seu sangue e se afastaram de Jesus, ele perguntou aos seus doze discípulos imediatos: “Será que vós também quereis ir?” Simão Pedro respondeu-lhe: “Senhor, para quem havemos de ir? Tu tens declarações de vida eterna; e nós cremos e viemos a saber que tu és o Santo de Deus.” (João 6, 67-69 TNM).

Freqüentemente, quando alguém deixa a organização das Testemunhas de Jeová essa pessoa ouve as perguntas: “E agora, para onde você vai? Para qual organização religiosa você está indo?” O apóstolo Pedro respondeu magistralmente a essa pergunta: Nós só podemos ir para o próprio Senhor Jesus. Não é “para onde” vamos, e sim “para quem” vamos que determina o sucesso de nossa jornada cristã. A conclusão de Pedro é coerente com tudo o que lemos no Novo Testamento. Somos constantemente dirigidos à pessoa de Cristo, não a uma organização. Ele prometeu que iria permanecer com os seus seguidores durante todos os séculos vindouros: “E eis que estou convosco todos os dias, até à terminação do sistema de coisas.” (Mateus 28: 20 TNM)

A organização Torre de Vigia criou o conceito de autoridade organizacional e usa Mateus 24:45-47 para apoiar esta ideia. Todavia, ao fazerem isso os líderes desta organização pretenderam extrair seu conceito dentro da Bíblia, e não fora dela. A ilustração de Jesus sobre o escravo fiel, mencionada em Mateus capítulo 24, foi apenas uma das várias parábolas sobre a responsabilidade cristã e a necessidade de ser diligente no cumprimento dessas responsabilidades. A certas pessoas foram dadas mais responsabilidades do que a outras em matéria de fornecimento para a família da fé. O apóstolo Paulo identificou essas pessoas, quando disse: “E ele deu alguns como apóstolos, alguns como profetas, alguns como evangelizadores, alguns como pastores e instrutores, visando o reajustamento dos santos para a obra ministerial, para a edificação do corpo do Cristo, até que todos alcancemos a unidade na fé e no conhecimento exato do Filho de Deus, como homem plenamente desenvolvido, à medida da estatura que pertence à plenitude do Cristo.” (Efésios 4:11-13 TNM) Só sendo fiéis no cumprimento dessas responsabilidades que eles obteriam a aprovação do Mestre e seriam recompensados quando ele voltasse em glória com seus anjos. Esse prometido retorno ainda é futuro. Não existe nada no livro de Mateus ou nos outros evangelhos sinóticos sugerindo que a interpretação da Torre de Vigia aplica-se a estas palavras de Cristo. Elas foram simplesmente isoladas de seu contexto e distorcidas para significar o que ele nunca teve a intenção de dizer.

As Escrituras nos dizem que o mundo é como um campo no qual foi plantado tanto adoradores verdadeiros como falsos. Segundo as palavras de Jesus, eles estariam destinados a crescer juntos até a época da colheita. Não deveria haver qualquer tentativa dos homens de separar estes adoradores. Ao longo dos séculos, todas as tentativas de reunir os verdadeiros crentes juntos numa igreja ou organização, só levaram a milhares de seitas e denominações conflitantes e até beligerantes. Já que esta questão é central para o assunto tratado aqui, as palavras de Jesus que seguem adquirem especial significado:

Apresentou-lhes outra ilustração, dizendo: “O reino dos céus tem-se tornado semelhante a um homem que semeou excelente semente no seu campo. Enquanto os homens dormiam, veio seu inimigo e semeou por cima joio entre o trigo, e foi embora. Quando a lâmina cresceu e produziu fruto, apareceu também o joio. Vieram assim os escravos do dono de casa e disseram-lhe: ‘Amo, não semeaste excelente semente no teu campo? Donde lhe veio então o joio?’ Disse-lhes ele: ‘Um inimigo, um homem, fez isso.’ Disseram-lhe: ‘Queres, pois, que vamos e o reunamos?’ Ele disse: ‘Não; para que não aconteça que, ao reunirdes o joio, desarraigueis também com ele o trigo. Deixai ambos crescer juntos até a colheita; e na época da colheita direi aos ceifeiros: Reuni primeiro o joio e o amarrai em feixes para ser queimado, depois ide ajuntar o trigo ao meu celeiro.’”

… E vieram a ele os seus discípulos e disseram: “Explica-nos a ilustração do joio no campo.” Em resposta, ele disse: “O semeador da semente excelente é o Filho do homem; o campo é o mundo; quanto à semente excelente, estes são os filhos do reino; mas o joio são os filhos do iníquo, e o inimigo que o semeou é o Diabo. A colheita é a terminação dum sistema de coisas e os ceifeiros são os anjos. Portanto, assim como o joio é reunido e queimado no fogo, assim será na terminação do sistema de coisas. O Filho do homem enviará os seus anjos, e estes reunirão dentre o seu reino todas as coisas que causam tropeço e os que fazem o que é contra a lei, e lançá-los-ão na fornalha ardente. Ali é que haverá o [seu] choro e o ranger de [seus] dentes. Naquele tempo, os justos brilharão tão claramente como o sol, no reino de seu Pai. Escute aquele que tem ouvidos. (Mateus 13:24-30; 36-43 TNM).

A ideia de que Russell e seus companheiros estavam divulgando a mensagem final de Deus ao mundo provou-se falsa. Os Estudantes da Bíblia que vivenciaram o fracasso das profecias e continuaram sua associação com a Torre de Vigia foram imediatamente convencidos pelo presidente Rutherford de que o fim do mundo atual estava apenas alguns anos à frente. Toda essa especulação e previsão também caíram por terra, sem se cumprir. As Testemunhas de Jeová foram, durante décadas, asseguradas de que a “geração de 1914” viveria para ver o estabelecimento do reino de Deus na Terra. Isso também se provou falso. Afirmou-se inicialmente que Jesus tinha voltado invisivelmente em 1874, e quando esse cálculo de tempo tornou-se insustentável, a data foi avançada para quarenta anos à frente, 1914. A verdade simples é que as pessoas associadas à organização Torre de Vigia (os Estudantes da Bíblia e as Testemunhas de Jeová) nunca estiveram onde pensavam estar na “corrente do tempo”, em relação ao desenrolar dos propósitos de Deus. Portanto, eles nunca transmitiram ao mundo uma mensagem especial de Deus no tempo apropriado. Embora sempre tenham sido incentivados a se identificar e associar com um “escravo fiel e discreto” de 1900 anos, a breve história desta organização, e principalmente seu evangelho enganoso, desmentem essa afirmação.

Não há dúvida de que os Estudantes da Bíblia queriam acreditar que Charles T. Russell era o “servo” especial, mencionado em Mateus 24:45-47. Eles queriam acreditar na exatidão de seu calendário escatológico, que previa o fim do mundo em 1914. Sem dúvida, os   que permaneceram na organização Torre de Vigia queriam acreditar que Joseph F. Rutherford era o porta-voz de Jeová e colocaram muita fé nas predições referentes a datas, estabelecidas na obra Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão. E as Testemunhas de Jeová acreditavam firmemente que 1975 seria o ano inicial do Reinado Milenar de Cristo e que a “geração de 1914” não passaria antes do fim do mundo atual.

Porém, em todos os casos eles estavam errados. Desejarem que essas predições fossem certas não as tornaram certas. Sua firmeza em acreditar nessas coisas não fez com que elas se tornassem realidade.

Considerações Finais

Conforme a própria liderança das Testemunhas de Jeová defende há muito tempo, não é errado testar o que os homens dizem, em comparação com o que Deus diz em sua Palavra, a Bíblia. Segundo essa Palavra, somos encorajados, até mesmo ordenados a ‘certificar-nos de todas as coisas; apegarmo-nos ao que é excelente.’ (1 Tessalonicenses 5: 21. TNM) Além disso, os cristãos são instruídos a usar sua faculdade de raciocínio individual para fazer julgamentos sobre o que é certo e errado. O apóstolo Paulo escreveu: “O alimento sólido, porém, é para as pessoas maduras, para aqueles que pelo uso têm as suas faculdades perceptivas treinadas para distinguir tanto o certo como o errado.” (Hebreus 5:14 TNM) Segundo a Concordância Analítica de Young, a palavra grega traduzida por “distinguir” (grego: diakrisis), significa julgar completamente um assunto. Não constitui deslealdade nem presunção examinar cuidadosamente o que somos ensinados a acreditar, é uma questão de fazer o que se supõe que os cristãos maduros devem fazer.

Aceitar os associados com o Corpo Governante da Torre de Vigia como o canal exclusivo de comunicação de Deus é apresentado como algo necessário para a salvação, é um princípio básico ao qual as Testemunhas de Jeová devem se apegar. Afirma-se que à parte deles, nenhuma relação com Deus é possível. Uma vez que eu acreditava nessa doutrina, isso me motivou a converter pessoas à nossa religião. Porém, a partir do momento em que descobri erros graves em nossa história e um esforço deliberado para esconder ou fazer revisionismo desses erros, senti-me obrigado a reexaminar o fundamento da minha fé, não em Deus, mas nos homens. Fiz isso na esperança de que minha fé na organização Torre de Vigia seria restaurada. Contudo, quanto mais eu comparava a palavra de Deus com os ensinamentos da Torre de Vigia, e ouvia suas explicações de sua história, mais eu percebia que sua alegação não tinha apoio histórico nem bíblico. Por fim, fui obrigado a rejeitar a alegação de que esta organização representa o “escravo fiel e discreto” de Mateus 24:45-47. Cheguei à conclusão de que eles eram apenas mais uma organização humana que tinha, infelizmente, levado muito a sério a si própria. Esta atitude conduziu a liderança desta organização ao pecado da presunção. Originou também o espírito de condenação e desprezo por todas as outras associações e igrejas cristãs.

Não foi fácil me afastar dessa organização. Foi difícil emocionalmente, bem como intelectualmente. Mas era algo que precisava ser feito para que eu pudesse avançar espiritualmente. Minha esposa e eu fomos Testemunhas de Jeová por mais de 30 anos. Grande parte desse tempo foi gasto no serviço em tempo integral para a igreja. Todavia, quanto mais estudamos a palavra de Deus e aceitamos o que ela diz, em vez de continuar aceitando o que alguns diziam que ela diz, mais fomos aprendendo a verdade que liberta as pessoas. (João 8:32) Embora tenhamos perdido muito pelo fato de termos sido desassociados em 1981 por “apostasia” — nossa família e quase todos os nossos antigos amigos não mais falariam conosco — nós também ganhamos muito. Estamos desenvolvendo uma compreensão mais próxima e exata de nosso relacionamento com Deus por meio de seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por todos nós. Este é o maior ganho de todos. Aprendemos também que nossa experiência não é única; outros também passaram por uma experiência semelhante e chegaram essencialmente à mesma conclusão que chegamos. Ao compartilhar nossas experiências com outros cristãos, somos capazes de encorajar uns aos outros e não ficar desanimados, nem sem esperança, mas continuar progredindo espiritualmente.

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