Parte 5: Reis Neobabilônicos Desconhecidos?

Cronologia Assíria, Babilônica e Egípcia

(Análise Crítica do Volume II do Livro Cronologia Assíria, Babilônica, Egípcia e Persa, Comparada com a Cronologia da Bíblia – Oslo, Noruega: Awatu Publishers, 2007)

[Nota: A primeira edição do segundo livro de Rolf Furuli foi publicada no outono setentrional de 2007. Mais tarde naquele ano, a Parte 1 de minha análise crítica foi publicada no site Kristen Frihet. Foi demonstrado que a tentativa de Furuli (no Capítulo 6 e no Apêndice C do livro dele) de redatar as observações lunares registradas no diário astronômico VAT 4956 eram insustentáveis. Evidentemente devido à minha crítica, Furuli reescreveu partes de sua consideração sobre a VAT 4956 e publicou rapidamente uma segunda edição revisada de seu livro em maio de 2008. Ele até mesmo recolheu cópias da primeira edição que tinha enviado durante esse tempo, dizendo aos destinatários que iria enviar-lhes uma cópia da nova edição.

Todavia, um exame das revisões de Furuli mostra que elas são apenas outra tentativa vã de se livrar da realidade histórica atestada pela VAT 4956. Foram feitas muito poucas mudanças no resto do livro. Assim, o capítulo 4, que é considerado aqui nesta parte de minha análise é o mesmo em ambas as edições. A única diferença é que na primeira edição ele está nas páginas 65-87 e na segunda edição está duas páginas depois, nas páginas 67-89. As citações de páginas abaixo se referem à primeira edição.]

Conforme foi dito na Parte III desta análise, só existem duas maneiras de prolongar o período neobabilônico para incluir os 20 anos a mais, requeridos pela cronologia da Torre de Vigia e pela chamada “Cronologia de Oslo” de Rolf Furuli: Ou (1) os reis neobabilônicos conhecidos governaram mais tempo do que indicado por Beroso, pelo Cânon Real (muitas vezes chamado erroneamente de “Cânon de Ptolomeu”) e pelos documentos cuneiformes neobabilônicos, ou (2) houve outros reis desconhecidos que pertenceram ao período neobabilônico, além dos estabelecidos por estas fontes antigas. A primeira opção foi considerada e refutada na Parte III desta análise. A segunda alternativa será analisada aqui.

No capítulo 4 de seu livro (páginas 65-87) Furuli apresenta “doze possíveis reis neobabilônicos”, alguns dos quais ele sugere que podem ter governado em algum momento entre os reinados de Nabucodonosor e Nabonido. Isso, segundo ele pensa, abriria a possibilidade de que seus períodos de reinado somados poderiam mover o reinado de Nabucodonosor 20 anos para trás no tempo, conforme requerido por sua versão de Oslo da “cronologia bíblica” da Torre de Vigia. Os nomes desses “possíveis reis neobabilônicos [adicionais]” são:

 

(1) Sinshar-ishkun(7) Um rei antes de Nabonido e seu filho
(2) Sin-sumu-lisir(8) Mar-sarri-usur
(3) Assur-etel-ilani(9) Ayadara
(4) Nadin-Ninurta (antes de Neriglissar)(10) Marduque-sar-usur
(5) Bel-Sum-Ichcun (pai de Neriglissar)(11) Nabucodonosor, filho de Nabucodonosor
(6) Nabu-salim(12) Nabucodonosor, filho de Nabonido

Os reis que Furuli sugere terem governado como reis babilônicos durante o período neobabilônico serão considerados um a um. Nesse objetivo de mover o reinado de Nabucodonosor para trás, é importante para a Torre de Vigia e seu apologista de Oslo que estes supostos reis adicionais tenham governado depois de Nabucodonosor. Não ajudaria em nada se eles fossem colocados como reis babilônicos antes do reinado de Nabucodonosor ou antes do reinado do pai dele, Nabopolassar.

(1) “Sinshar-ishkun”, (2) “Sin-sumu-lisir”, e (3) “Assur-etel-ilani”

Os três reis assírios Sinshar-ishkun, Sin-sumu-lisir, e Assur-etel-ilani são bem conhecidos pelas autoridades em história assírio-babilônica. Assur-etel-ilani e Sinshar-ishkun eram ambos filhos e sucessores de Assurbanipal, e Sin-Sumu-lisir era um alto funcionário na corte assíria, que Assurbanipal tinha designado como tutor ou mentor de Assur-etel-ilani, herdeiro de Assurbanipal e sucessor imediato ao trono assírio. Esta é a informação dada pelos textos cuneiformes desse período. O estranho é que Furuli não menciona qualquer destes fatos! Ele chega a dizer na página 65 sobre os três reis que “acredita-se que tenham governado a Assíria depois de Senaqueribe” (704-681 AEC). Mas ele não explica que eles na verdade governaram, depois do neto de Senaqueribe, ou seja, depois de Assurbanipal (668-627 AEC).

Argumentando que estes três reis na realidade podem ter governado em Babilônia depois do rei neobabilônico Nabucodonosor (604-562 AEC), Furuli primeiro afirma que eles não eram reis assírios, e sim babilônicos. Na página 66 ele diz que “as tabuinhas datadas mostram que eles foram reis em Babilônia (não na Assíria) por 7 anos, 4 anos, e um ano respectivamente”. Na página 65 ele diz:

“Os dados referentes a estes reis mostram que eles reinaram pelo menos 7, 1 e 4 anos, respectivamente, mas as tabuinhas datadas nos reinados deles mostram que eles eram reis babilônicos. Isso é problemático do ponto de vista da cronologia tradicional, porque não há qualquer espaço para estes reinados, ainda que houvesse algum tipo de co-regência.”

Alegando que estes reis eram babilônicos e não assírios, Furuli cria um problema que não existe: se eles foram reis babilônicos, eles não poderiam ter governado em Babilônia na mesma época de Nabopolassar, mas devem ter reinado em Babilônia antes deste rei. O problema gerado por esta conclusão é que “não há qualquer espaço” para seus reinados de 7 + 4 + 1 anos entre Kandalanu e Nabopolassar. (Página 66) Isto abre o caminho para a ideia de Furuli de que eles podem ter governado depois de Nabucodonosor:

“Com base nos problemas de achar espaço para estes reis antes de Nabopolassar, podemos perguntar se um ou mais destes reis governaram Babilônia durante os anos em que há completa falta de dados históricos, ou seja, depois de Nabucodonosor e antes de Nabonido. Em outras palavras, pode qualquer um destes reis preencher uma parte da possível lacuna de 20 anos no Império Neobabilônico?” (Página 67)

A afirmação sobre “completa falta de dados históricos” no período compreendido entre os reinados de Nabucodonosor e Nabonido é falsa. A cronologia pertence aos “dados históricos”, já que ela é a própria “espinha dorsal da história”, e a cronologia deste período é completamente conhecida. Existem também outros dados históricos deste período. Uma Crônica Babilônica, a BM 25124 (= Crônica 6 em Crônicas Assírias e Babilônicas, de A. K. Grayson, Eisenbrauns 2000 – Reimpressão da edição de 1975) fornece informações sobre uma campanha de Neriglissar em seu terceiro ano.

Algumas das inscrições de Nabonido também dão informações sobre seus predecessores. (Paul-Alain Beaulieu, O Reinado de Nabonido, Rei de Babilônia 556-539 AC, New Haven e Londres: Editora da Universidade de Yale, 1989, págs. 21, 84-97, 106, 110-111, 123-125) Ademais, Beroso, que é conhecido por ter usado fontes do período neobabilônico, dá tanto a informação cronológica como a histórica sobre os quatro reis que sucederam Nabucodonosor: Amel-Marduque, Neriglissar, Labashi-Marduque, e Nabonido. – Veja Stanley Mayer Burstein, A Babyloniaca de Beroso (Malibu: Undena Publications, 1978), pág. 28.

Foram Sinshar-ishkun, Sin-sumu-lisir e Assur-etel-ilani realmente reis babilônicos?

A alegação de que Assur-etel-ilani, Sinshar-ishkun e Sin-sumu-lisir foram reis babilônicos, e não assírios, é comprovadamente falsa. Fontes contemporâneas provam que todos eles foram reis assírios, que após a morte de Kandalanu em 627 AEC tentaram manter o controle assírio sobre Babilônia e esmagar a revolta do general caldeu Nabopolassar. O Dr. Grant Frame explica:

“Até onde sei, destes quatro candidatos ao controle de Babilônia só Nabopolassar usou alguma vez o título de ‘rei de Babilônia’ ou ‘rei da terra da Suméria e Acade’, ou foi chamado de ‘rei de Babilônia” nas declarações datadas nos textos comerciais babilônicos. Nestes textos comerciais, Assur-etil-ilani, Sin-sumu-lisir, e Sinshar-ishkun foram chamados de ‘rei da Assíria’, ‘rei de (todas) as terras’, ‘rei do mundo’, ou simplesmente ‘rei’. Os escribas babilônicos obviamente queriam evitar dizer que qualquer um desses três era um verdadeiro rei de Babilônia” – G. Frame, Babilônia 689-627 A.C. (Leiden: Instituto Histórico-Arqueológico da Holanda, 1992), pág. 213.

Num trabalho mais recente, Grant Frame dá as seguintes informações sobre cada um dos três reis assírios:

Assur-etel-ilani

“Assurbanipal foi sucedido como governante da Assíria por seu filho Assur-etel-ilani (ou Assur-etelli-ilani). Nenhuma inscrição chamou Assur-etel-ilani de ‘rei de Babilônia’ ‘vice-rei de Babilônia’, ou ‘rei da terra de Suméria e Acade’, nem é ele incluído em várias listas de governantes de Babilônia, que colocam Sin-sumu-lisir ou Nabopolassar depois de Kandalanu. No entanto, várias inscrições reais de Assur-etel-ilani realmente vêm de Babilônia e descrevem ações naquela terra e, portanto, estas devem ser incluídas aqui. Mais de dez textos econômicos datados em anos de reinado dele como “rei da Assíria” ou “rei das terras” vêm de Nipur e estes comprovam seus anos de ascensão, primeiro, segundo, terceiro e quarto.” – Grant Frame, Governantes de Babilônia. Da Segunda Dinastia de Isin ao Fim da Dominação Assíria (1157-612 AC) (Toronto, Buffalo, Londres: Editora da Universidade de Toronto, 1995), pág. 261.

Como exemplo, a tabuinha VAT 13142 chama Assur-etel-ilani de “rei do mundo (e) rei da Assíria, filho de Assurbanipal, rei do mundo (e), rei da Assíria.” (Frame, 1995, pág. 264)

Sinshar-ishkun

“O último rei assírio a exercer qualquer controle sobre pelo menos parte de Babilônia foi Sinshar-ishkun, um filho de Assurbanipal. O momento exato em que ele se tornou governante da Assíria e no qual teve autoridade em Babilônia não é claro, mas o reinado dele sobre a Assíria terminou em 612 AEC. Só a Lista de Reis de Uruque o inclui entre os governantes de Babilônia, atribuindo o ano seguinte ao reinado de Kandalanu e antes do reinado de Nabopolassar (626 AEC) a Sin-sumu-lisir e Sinshar-ishkun conjuntamente (Grayson, RLA 6/1-2 [1980] pág. 97 anverso 4′-5′). Nenhuma inscrição conhecida dá a ele o título de ‘rei de Babilônia, ‘vice-rei de Babilônia’, ou ‘rei da terra de Suméria e Acade.’…

Não há inscrições reais babilônicas de Sinshar-ishkun comprovadas e as inscrições assírias dele serão editadas em outros lugares na série RIM [sigla em inglês para As Inscrições Reais da Mesopotâmia] (como A.0.116). Aproximadamente 60 textos econômicos foram datados nos anos de reinado dele em Babilônia. Estes indicam que ele controlava Babilônia, Nipur, Sipar e Uruque; os primeiros textos vêm de seu ano de ascensão e o mais recente do sétimo ano dele. No entanto, nenhum desses textos econômicos, dá-lhe o título de ‘rei de Babilônia’; em vez disso ele é chamado de ‘rei da Assíria’, ‘rei das terras’ e ‘rei do mundo’“ (Frame, 1995, pág. 270)

Deve-se acrescentar que, embora a rebelião de Nabopolassar tenha sido bem sucedida, levou mais alguns anos até ele alcançar o controle sobre todas as cidades de Babilônia. Algumas cidades de Babilônia permaneceram sob o controle assírio por alguns anos após a ascensão de Nabopolassar ao trono de Babilônia.

Sin-sumu-lisir

“Não há inscrições reais de Sin-sumu-lisir comprovadas de Babilônia. Pelo menos sete textos comerciais babilônicos (incluindo quatro de Babilônia e um de Nipur) são datados no ano de ascensão dele. Nestes, não se dá qualquer título a ele, ou ele é chamado de ‘rei da Assíria’ ou simplesmente ‘rei’“. (Frame, 1995, pág. 269)

As datas legíveis nas tabuinhas datadas de Sin-sumu-lisir são apenas dos meses III e V de seu ano de ascensão. A Lista de Reis de Uruque apresenta o ano “sem rei” após a morte de Kandalanu em 627 AEC (a última tabuinha antes de sua morte é datada no mes III, ou seja, maio/junho) para “Sin-sumu-lisir e Sinshar-ishkun” em conjunto, sem dúvida porque ambos estavam lutando para manter o controle assírio sobre Babilônia naquele ano (626 AEC). Se ambos foram também reis nesse ano é outra questão. Sabe-se à base de inscrições cuneiformes contemporâneas que Assur-etel-ilani, e não Sinshar-ishkun, é que foi o sucessor imediato de Assurbanipal. Esta informação é fornecida por uma tabuinha cuneiforme designada como KAV 182 IV. – Joan Oates, “Cronologia Assíria, 631-612 A.C.”, Iraque, Vol. XXVII (1965), pág. 135.

Não só a inscrição de Adade-Gupi (Nabon. No. 24; veja Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, 4ª edição [doravante chamado TGR4], págs. 133-136), como também Beroso declaram que Assurbanipal governou por 42 anos. Quando seu irmão Samas-sum-iuquin (Beroso: Samoges), rei vassalo da Assíria, em Babilônia, morreu no 21º ano de Assurbanipal (648 AEC), Assurbanipal (Beroso: Sardanapallos) “governou sobre os caldeus por 21 anos.” (Burstein, op. cit., pág. 25) Isto indicaria que Assurbanipal, durante os últimos 21 anos de seu reinado, governou tanto a Assíria como Babilônia; na Assíria como Assurbanipal e em Babilônia sob o nome real de Kandalanu. Este é o conceito compartilhado por diversos historiadores modernos. Seu último ano de reinado, então, foi 627 AEC e o primeiro ano de reinado de seu filho e sucessor Assur-etel-ilani foi 626/625 AEC. Como a última tabuinha de seu reinado é datada no mês VIII, dia 1, de seu 4º ano, o ano de ascensão de seu irmão Sinshar-ishkun deve ter caído em 623 AEC segundo esta cronologia.

Duas tabuinhas do reinado de Sinshar-ishkun e uma ou talvez duas do reinado de Sin-sumu-lisir são de Babilônia. Deve-se notar, porém, que todas elas são datadas somente nos anos de ascensão deles. Isso também apoiaria a conclusão de que o ano de ascensão de Sinshar-ishkun caiu em 623 AEC, porque a Crônica Babilônica BM 25127 (= Crônica 2 em A. K. Grayson, Crônicas Assírias e Babilônicas [ABC], Nova Iorque: J.J. Augustin Publisher, 1975; reimpresso por Eisenbrauns em 2000, págs. 87-90) menciona um “rei rebelde” no terceiro ano de Nabopolassar (623/622 AEC), que governou por “cem dias”. Portanto, por um breve período naquele ano, Nabopolassar parece ter perdido o controle da capital. O “rei rebelde” pode ter sido Sinshar-ishkun.

Com relação a Sin-sumu-lisir, a evidência prosopográfica indica fortemente que seu breve reinado de aproximadamente três meses caiu em 626 AEC, antes da entronização de Nabopolassar em Babilônia. – Rocío Da-Riva, “Sipar no Reinado de Sin-sumu-lisir (626 AC)” Altorientalische Forschungen, Band 28, 2001, págs. 53-57.

Os três reis considerados acima foram comprovadamente reis da Assíria, não de Babilônia. Isso não pode ser alterado pelo fato de que a Assíria continuou a manter o controle sobre algumas cidades de Babilônia durante os primeiros anos do reinado de Nabopolassar. Não há absolutamente nenhuma razão para tentar encontrar espaço para os reinados dos três reis em meio aos governantes neobabilônicos, nem antes de Nabopolassar nem depois do reinado de Nabucodonosor, como afirma Furuli. Eles pertenceram ao reino assírio. Como o reino continuou a existir por 17 anos após a conquista de Babilônia por Nabopolassar em 626 AEC, houve espaço suficiente para o domínio deles como reis assírios durante a fase final da existência da Assíria. A afirmação enfática de Furuli de que “temos três reis que reinaram sobre Babilônia por pelo menos 11 anos que não correspondem à cronologia tradicional de Babilônia” (Furuli, pág. 70) é completamente infundada. Os governantes assírios durante a fase final da Assíria foram contemporâneos do rei de Babilônia Nabopolassar.

Isto é também confirmado pela Crônica Babilônica BM 21901, que abrange o período compreendido entre o 10º ano de Nabopolassar até seu 18º ano (616/15–608/607 AEC). A crônica descreve a conquista e destruição de Nínive, a capital assíria, no 14º ano de Nabopolassar e afirma: “Naquela época Sin-sharra-ishkun, rei da Assíria, [morreu]…” – ABC de Grayson (1975, 2000), Crônica 3:44, pág. 94.

Assim, Sinshar-ishkun ainda era “rei da Assíria”, no 14º ano de de Nabopolassar! Como se poderia afirmar, então, que ele era um rei babilônico e que seu reinado, portanto, tem de ser colocado antes do de Nabopolassar, e, porque não há espaço para ele lá, tem de ser colocado depois do reinado de Nabucodonosor? A ideia inteira é absurda e da evidência de uma ignorância histórica espantosa por parte de Rolf Furuli.

A mesma crônica (BM 21901) prossegue dizendo que após a derrota de Sinshar-ishkun no momento da queda de Nínive (em 612 AEC) ele foi sucedido por Assur-uballit, que “ascendeu ao trono em Harã [a capital provincial assíria] para governar a Assíria.” Lá, ele foi finalmente derrotado no 17º ano de Nabopolassar (609 AEC), e com isso a Assíria deixou de existir. A partir daí, Babilônia tinha a hegemonia no Oriente Médio. – Grayson, ABC (1975, 2000), Crônica 3:49-75, págs. 94-96.

Em minha consideração sobre as tentativas dos estudiosos de reconstituir a fase final da história assíria e os reinados de seus governantes, descrevi brevemente a solução dos problemas apresentados por Joan Oates em Iraque, Vol. XXVII (1965), apontando que ela tinha sido aceita por outros estudiosos como “provavelmente a mais correta.” (TGR4, pág. 388) Em seu capítulo mais recente sobre “A Queda da Assíria (635-609 AEC)”, em A História Antiga de Cambridge (2ª ed, Vol III:2, Editora da Universidade de Cambridge, 1991, págs. 162-193) Oates mais uma vez desenvolve a sua solução dos problemas e também acrescenta algumas novas informações em apoio desta solução.

A diminuição do controle assírio sobre Babilônia após a ascensão de Nabopolassar

A descrição de Furuli sobre a extensão do controle assírio de Babilônia após a ascensão de Nabopolassar é falsa. Ele afirma que “Sinshar-ishkun reinava sobre uma grande parte ou a totalidade de Babilônia durante seus 7 ou mais anos de reinado”, e que “as tabuinhas comerciais mostram que ele governava sobre toda a Babilônia durante seus 7 ou mais anos”. (Furuli, pág. 69)

Nas páginas 65 e 66 Furuli afirma:

“Das 57 tabuinhas datadas de Sinshar-ishkun, 22 são de Nipur (Babilônia central), 2 de Babilônia (no nordeste), 9 de Uruque (no sul), 5 de Sipar (Babilônia central), 1 de Kar Assur, e 18 estão sem o nome da cidade.”

Isso totaliza cinco cidades, duas das quais nem eram cidades de Babilônia. Estranhamente, Furuli considera cidades com nome faltando em algumas tabuinhas como uma sexta cidade, afirmando na página 67 que “tabuinhas de seis cidades babilônicas são datadas no reinado de Sinshar-ishkun”.

Das cinco cidades controladas pela Assíria após a ascensão de Nabopolassar de Babilônia, em 626, apenas três eram sem dúvida cidades de Babilônia. Kar Assíria, que estava situada a nordeste de Babilônia, tinha sido construída pela Assíria no século VIII AEC. Em sua primeira campanha, em 745 AEC, declara-se que o rei assírio Tiglate-Pileser III trouxe cativos das cidades no leste de Babilônia e reinstalou-os em Kar Assur. – A. K. Grayson, em A História Antiga de Cambridge, 2ª ed, Vol. III:2 (Cambridge: Editora da Universidade de Cambridge, 1991), pág. 81

Nipur ficou sob o controle de Assurbanipal no final de 651 AEC durante a revolta de seu irmão Samas-sum-iuquin. Manteve-se uma cidade assíria durante o resto do reinado de Assurbanipal, conforme mostrado por documentos de Nipur datados no nome dele, enquanto as tabuinhas de outras cidades de Babilônia foram datadas no nome de Kandalanu durante o mesmo período. O Dr. Stefan Zawadzki explica:

“Por isso, independentemente de aceitarmos a identidade de Assurbanipal e Kandalanu ou não, as datas indicam claramente que Nipur não estava sob controle babilônico, mas diretamente sob administração assíria. Essa situação prevaleceu mais tarde também: Datas referentes a Assur-etel-ilani em documentos comerciais provêm exclusivamente de Nipur. Por fim, Nipur permaneceu por mais tempo (junto com Uruque e Kar-Assur) nas mãos do [quase o] último rei assírio, Sinshar-ishkun. Isto levou os estudiosos a conjecturar que Nipur poderia ter sido o local de uma poderosa guarnição assíria estabelecida lá, com o objetivo de manter o controle sobre a Babilônia central. Assim, durante o período de de Assurbanipal (com um intervalo de 660-651) até o final da presença assíria em Babilônia, Nipur era considerada [uma] parte quase integral da Assíria. Portanto, o fato de os documentos terem sido datados com o nome de Assurbanipal não impedem que ele seja identificado como Kandalanu” – Stefan Zawadzki, A Queda da Assíria e as Relações Entre Babilônia e Média à Luz da Crônica de Nabopolassar (Poznan: Editora da Universidade Adam Mickiewicz, 1988), pág. 59. (Ênfase de S. Zawadzki. Veja tambem a consideração de Steven W. Cole, Nipur no Período Final Assírio, c. 755-612 AC. Vol IV nos Arquivos Estatais de Estudos Assírios, Universidade de Helsinque, 1996, págs. 78-83.)

De modo que a alegação de Furuli (pág. 69) de que Sinshar-ishkun governou sobre quase toda ou toda a Babilônia, é falsa. Apenas algumas das muitas cidades de Babilônia permaneceram sob controle assírio por um breve período após a ascensão de Nabopolassar. Segundo as tabuinhas comerciais, o controle de Sinshar-ishkun sobre a cidade de Babilônia limitou-se apenas a uma parte do seu ano de ascensão. Seu controle sobre Sipar é datado apenas até o início de seu 3º ano. O controle sobre Nipur (que, embora situada no sul de Babilônia, era uma cidade assíria nesse período, conforme mostrado acima) durou até seu 6º ano, enquanto o controle sobre Uruque é datado em seu ano de ascensão e em seus anos 6 e 7. Depois disso, Nabopolassar tinha o controle total sobre toda a Babilônia e poderia começar a atacar a própria Assíria no norte. – J. A. Brinkman e D. A. Kennedy, “Evidência Documental para a Base Econômica da Primitiva Sociedade Neobabilônica”, na Revista de Estudos Cuneiformes, Vol. 35/1-2 (1983), págs. 52-59.

(4) “Nadin-Ninurta (antes de Neriglissar)”

Nas páginas 77-78 Furuli sugere que um rei chamado “Nadin-Ninurta” pode ter governado no período após Nabucodonosor e antes de Neriglissar. Esta ideia é baseada na consideração de Furuli sobre o “livro-razão” neobabilônico NBC 4897, no Apêndice A (págs. 247-257 na edição de 2007; 251-262 na edição de 2008). Como este livro já foi discutido na Parte IV de minha análise crítica e a ideia de que a linha 26 pode se referir a um rei diferente de Amel-Marduque foi completamente refutada, não há necessidade de repetir a consideração aqui. A alegação de que os sinais referentes ao nome real na linha 26 do livro-razão, transliterado LÚ-dŠÚ, podem ser lidos de muitas maneiras diferentes e se referem a pelo menos 24 diferentes nomes de reis é sem fundamento e falsa. Veja a Parte IV, seção “Será que a tabuinha indica outro rei entre Nabucodonosor e Amel-Marduque?”

(5) “Bel-Sum-Ichcun, rei de Babilônia”

Na página 80 Furuli menciona outros quatro “possíveis reis neobabilônicos desconhecidos”, o último dos quais sendo Bel-Sum-Ichcun, pai de Neriglissar. Furuli faz referência a uma das inscrições reais neobabilônicas traduzidas por Stephen Langdon, que ele cita como dizendo:

“Eu sou o filho de Bel-Sum-Ichcun, rei de Babilônia.”

Todavia, o segundo volume do trabalho de Langdon sobre as inscrições reais neobabilônicas, que incluiu as inscrições a partir do reinado de Neriglissar, nunca foi publicado em inglês. O manuscrito foi traduzido para o alemão por Rudolf Zehnphund e publicado sob o título Die neubabylonischen Königinschriften (Leipzig 1912). A inscrição que supostamente dá a Bel-Sum-Ichcun o título de “rei de Babilônia” é listada como “Neriglissar Nr. 1”. O texto original em acadiano, conforme transliterado por Langdon diz na Coluna I, linha 14 (págs. 210, 211):

“mar I ilu bêl-šum-iškun šar bâbili ki a-na-ku”

Isso é literalmente traduzido para o alemão como,

“der Sohn des Bel-Sum-Ichcun, des Königs von Babylon, bin Ich,”

A tradução literal disso para o português seria “O filho de Bel-Sum-Ichcun, rei de Babilônia, sou eu”, em vez de “Eu sou o filho de Bel-Sum-Ichcun, rei de Babilônia.”

Isso é, provavelmente, o que também estava escrito no manuscrito de Langdon em inglês. No livro de W. H. Lane, Problemas Babilônicos (Londres, 1923), que tem uma introdução do professor S. Langdon, certo número de traduções das inscrições neobabilônicas está publicado no Apêndice 2 (págs. 177-195). Afirma-se que elas foram tiradas da obra, “Inscrições em Edifícios do Império Neobabilônico, de STEPHEN LANGDON, traduzido por E. M. LAMOND.” A última destas inscrições reais é “Neriglissar I” (págs. 194, 195). A linha 14 do texto (pág. 194) diz:

“O filho de Bel-Sum-Ichcun, rei de Babilônia, sou eu”

É óbvio que esta afirmação pode ser entendida de duas maneiras. A frase “Rei de Babilônia” pode referir-se tanto a Bel-Sum-Ichcun como ao próprio Neriglissar, como rei de Babilônia. Como não se encontrou nenhuma tabuinha comercial datada para Bel-Sum-Ichcun como rei de Babilônia, a afirmação é mais provavelmente uma referência a Neriglissar. Sabemos algo mais sobre Bel-Sum-Ichcun, além de ele ter sido o pai de Neriglissar?

Sabe-se que Neriglissar foi um empresário bem conhecido antes de se tornar rei, e em várias tabuinhas comerciais, ele é referido como “Neriglissar, filho de Bel-Sum-Ichcun.” Em nenhuma dessas tabuinhas há indicações de que Bel-Sum-Ichcun era ou tinha sido rei de Babilônia.

É importante notar que Neriglissar menciona seu pai em outra inscrição de construção, “Neriglissar Nr. 2”, não como rei, e sim como “príncipe sábio”. O mesmo título é também dado a ele em um cilindro de argila danificado, mantido na Biblioteca de St. Louis. – S. Langdon, (1912), págs. 214, 215; J. A. Brinkman, Alter Orient und Altes Testament, Vol. 25 (1976), págs. 41-50.

Se Bel-Sum-Ichcun realmente era ou tinha sido um rei, por que ele estaria reduzido ao papel de um príncipe, mesmo por seu próprio filho?

Na realidade, a posição real desse Bel-Sum-Ichcun é conhecida. A chamada “Lista da Corte”, um prisma encontrado na extremidade ocidental do novo palácio de Nabucodonosor, menciona onze oficiais distritais de Babilônia. Um deles é Bel-Sum-Ichcun, que é descrito lá como “príncipe” ou governador sobre “Puqudu”, um distrito na parte nordeste de Babilônia. Os funcionários na “Lista da Corte” mantiveram suas posições durante o reinado de Nabucodonosor. – Eckhard Unger, Babilônia (1931), pág. 291; D. J. Wiseman, Nabucodonosor e Babilônia (Oxford: Editora da Universidade de Oxford, 1985), págs. 62, 73-75.

Então, por que Neriglissar em uma de suas inscrições reais chama seu pai de “Rei de Babilônia”, se ele nunca ocupou essa posição, e lhe nega esse título em todos os outros textos que o mencionam? Se a citação de Furuli, conforme traduzida do alemão, estivesse correta, uma possível explicação seria que Neriglissar, que havia usurpado o trono de Babilônia em um golpe de Estado, tentou justificar seu procedimento alegando ascendência real. Na inscrição onde Neriglissar parece estar chamando seu pai de “príncipe sábio” (“Neriglissar Nr 2”), este título é seguido por outros epítetos: “o herói, o perfeito, a poderosa muralha que eclipsa a vigilância do país.” Se essa descrição realmente se refere a Bel-Sum-Ichcun e não ao próprio Neriglissar (o texto é um tanto ambíguo), isso refletiria uma tendência de glorificar a ascendência de Neriglissar. Mas alegar numa inscrição real que Bel-Sum-Ichcun tinha sido “Rei de Babilônia” teria sido insensato, pois todos em Babilônia saberiam que a alegação era falsa.

É verdade que R. P. Berger em sua obra Die neubabylonischen Königsinschriften (1973), no qual a inscrição “Neriglissar I” é designada como “Ngl Zyl. II, 3”, diz o seguinte na página 77 sobre o título na Col. I, linha 14:

“In Zylinder II, 3 schliesslich steht hinter dem Vaternamen der Königstitel b. Nach dem bisher üblichen Inschriftsbrauch wären es Aussagen über den Vater und nicht den Autor. Dafür würde auch die wenigstens graphisch präteritale Verbalform des Relativsatzes sprechen.”

Tradução:

“Por fim, no Cilindro II, 3, o título real b. [‘Rei de Babilônia’] está atrás do nome do pai. Segundo o uso comum nas inscrições até agora, isso constituiria declarações sobre o pai e não sobre o autor. Pelo menos a forma verbal gráfica do pretérito da frase relativa apoiaria isso.”

No entanto, é bem claro que a frase em acadiano é ambígua. Isso é mostrado, por exemplo, por J. M. Rodwell, que num artigo na obra, Registros do Passado, Vol. V (Londres, 1892), traduziu a frase sem o sinal da segunda vírgula (naturalmente a escrita cuneiforme não usa qualquer vírgula), de modo que o título de “rei de Babilônia” é, naturalmente, dado a Neriglissar: “filho de BEL-SUM-ISKUN, rei de Babilônia eu sou”. (Página 139)

Os eruditos modernos em escrita cuneiforme concordam que essa tradução é tão possível quanto a outra. Um dos meus correspondentes enviou uma pergunta ao Dr. Jonathan Taylor no Museu Britânico sobre este assunto. Num e-mail de 25 de outubro de 2006, o Dr. Taylor respondeu:

“Prezados….,

Embora se possa esperar que o título real se refira aqui ao pai – note também que Neriglissar se refere a ele mesmo como rei apenas algumas linhas antes – não é impossível que o título se refira a Neriglissar. Não é novidade que os regentes concluam um parágrafo com uma afirmação sobre seu reinado. …

Jon

(Jon Taylor)”

O mesmo correspondente escreveu também a Michael Jursa, outro assiriólogo bem conhecido e perito em escrita cuneiforme e linguagem acadiana. Num e-mail de 23 de outubro de 2006, ele explicou:

“Prezado Sr. —,

o acadiano é realmente ambíguo. Se alguém quisesse, poderia entender ‘rei de B[abilônia]’ como se referindo ao nome anterior, ou seja, o pai de Neriglissar, em vez de ao próprio Neriglissar. Mas a outra explicação (ou seja, que o rei é Neriglissar) é tão boa quanto, e naturalmente sabemos que ela está correta:

o trecho significa ‘eu sou N[eriglissar], filho de BSHI [Bel-Sum-Ichcun], rei de Babilônia’ – ou em alemão, onde isso é mais claro por causa das terminações de caso – ‘Ich bin N, der Sohn des BSHI, der König von Babylon’. É mais um problema da língua inglesa, cuja tradução literal, que preserva a ordem das palavras do acadiano original, torna BSHI um rei, em vez de seu filho. Em acadiano, não é assim. Surpreende-me que Langdon tenha entendido errado – possivelmente o trabalho de um tradutor mal-informado que entendeu mal o original em inglês.

Com os melhores cumprimentos,

Michael Jursa”

Assim, Bel-Sum-Ichcun nunca foi um rei neobabilônico. Nenhum documento de qualquer tipo foi encontrado que seja datado no reinado dele. Nas tabuinhas econômicas, politicamente neutras, ele nunca é chamado de rei, e o próprio Neriglissar o chama de “príncipe”, que era evidentemente o título correto de Bel-Sum-Ichcun. A alegação de que Neriglissar, em uma de suas inscrições de construção imponentes, chama-o uma vez de “rei de Babilônia,” parece ser claramente baseada num erro de tradução.

(6) “Nabu-salim”

Outro “rei desconhecido” que Furuli acredita que pode ter governado durante o período neobabilônico em algum momento depois de Nabucodonosor chama-se “Nabu-salim,” ou “Nabu-usallim”, como seu nome é geralmente escrito. Na nota 113 da página 78, Furuli faz referência a uma tabuinha mantida no Museu e Galeria de Arte de Birmingham, designada como “1982.A.1749”. Esta referência está errada. A designação correta é “1982.A.1772”. Uma cópia, transliteração e tradução da tabuinha estão publicadas em um artigo do Dr. Michael Jursa, “Neu-und spätbabylonische Texte aus den Sammlungen der Birmingham Museums and Art Gallery,” Iraque, Vol. LIX (1997), págs. 97-174. A tabuinha na qual o nome Nabu-usallim aparece é a nº. 47 das 63 tabuinhas apresentadas por Michael Jursa no artigo.

Conforme Furuli explica, a tabuinha “é datada em ud.8.kam mu.4.kam idAG-GI, que é traduzido como ‘8 de ululu, ano 4, Nabonido. No entanto, sobre os sinais idAG-GI, Jursa comenta: ‘Um erro para idAG-I.” Os sinais para idAG-I, significam “Nabonido”, ao passo que os sinais para “idAG-GI” significam “Nabu-usallim.” Assim, pareceria que a tabuinha é datada no 4º ano de um rei desconhecido chamado Nabu-usallim.

O que Furuli não diz aos seus leitores, porém, é que o nome Nabu-usallim aparece em três lugares na tabuinha, nas linhas 2, 4 e 16, e que é só na linha 16 que ele é usado em referência ao rei. As linhas 1-4, com as outras duas ocorrências do nome, dizem (na tradução do alemão):

“Três siclos e meio de prata de ilku -dívida de Nabu-usallim, Nabu-taklak e Palitu, esposa de Bēl-ušallum, recebeu de Nabu-usallim”.

Nabu-usallim foi, na verdade, um empresário conhecido durante o período neobabilônico. (Ele não deve ser confundido com um empresário anterior que tinha o mesmo nome, veja Hermann Hunger, “Das Archiv des Nabu-usallim”, Baghdader Mitteilungen, Band 5, 1970, págs. 193-304). Seu nome aparece regularmente em contratos desde o 40º ano de Nabucodonosor até o 7º ano de Nabonido. – Cornelia Wunsch, Die Urkunden des babylonischen Geschäftsmannes Iddin-Marduque, Vol. I (Groningen: Publicações STYX, 1993), págs. 27, 28.

Em vista disso, a alegação de Furuli de que Nabu-usallim pode ter sido um rei “durante pelo menos quatro anos” – que, naturalmente, ele deve colocar no período entre Nabucodonosor e Nabonido – é refutada pelos documentos comerciais, que o apresentam só como um homem de negócios durante todos esses anos e até mesmo depois disso.

Então, o que dizer de idAG-GI em vez de idAG-I na linha 16 da tabuinha? Conforme Furuli indica, a forte similaridade entre os dois nomes só aparece nas formas transliteradas, mas não no acadiano (os sinais cuneiformes para Nabu-usallim e Nabu-naid):

“Devemos lembrar que, embora gi e i tenham alguma semelhança em inglês, esse não é o caso em acadiano. No nome do rei, gi e i não são letras ou sílabas, mas logogramas. Assim, eles representam duas palavras diferentes.” (Furuli, pág. 80)

Isto é verdade no caso da última parte dos nomes. Mas a primeira parte dos nomes, ‘Nabu-’, é idêntica em cuneiforme. Não é tão estranho, portanto, que o escriba, ao começar a escrever os sinais de ‘Nabu-naid’ na linha 16, inadvertidamente tenha repetido o nome que ele acabara de escrever duas vezes no início do texto, ‘Nabu-usallim.’ Este tipo de erro, chamado ditografia, é comum. Obviamente, o rei que ele tinha em mente era Nabonido, como também Jursa indica corretamente em sua nota na página 128 de seu artigo.

(7) “Um rei antes Nabonido e seu filho”

Nas páginas 76, 77 de seu livro, Furuli acredita ter encontrado outro “rei sem nome”, que pode ter governado entre Nabucodonosor e Nabonido. Ele acha que encontrou este novo rei em uma tabuinha no Museu Britânico, conhecida como “A Profecia Dinástica.” O número dela no museu é 40623. A tabuinha está traduzida e considerada por A. K. Grayson nas páginas 24-37 de seu trabalho Textos Histórico-Literários de Babilônia (Toronto e Buffalo: Editora da Universidade de Toronto, 1975). Na página 24, Grayson descreve o conteúdo e diz o seguinte sobre a tabuinha:

“É uma descrição, em termos proféticos, da ascensão e queda de dinastias ou impérios, incluindo a queda da Assíria e a ascensão de Babilônia, a queda de Babilônia e a ascensão da Pérsia, a queda da Pérsia e a ascensão das monarquias helenísticas. Embora, como em outras profecias, nenhum nome de rei seja fornecido, há detalhes circunstanciais suficientes para identificar os períodos descritos… “A tabuinha principal parece ter tido uma seção introdutória (i 1-6), da qual só alguns traços estão preservados. Depois de uma linha horizontal, a primeira “profecia” aparece (i 7-25). Embora só os finais das linhas estejam preservados, está claro que esta seção contém uma descrição da queda da Assíria e da ascensão da dinastia caldéia.”

Esta seção termina com uma linha horizontal, que Furuli alega (na página 77) marcar o fim do reinado de Nabucodonosor II. Não há evidência alguma disso. Conforme Grayson aponta (na página 24), os vários detalhes fornecidos “ajustam-se admiravelmente ao reinado de Nabopolassar.”

As três primeiras linhas da seção seguinte na coluna ii estão danificadas e ilegíveis, mas as linhas 4-10, citadas por Furuli, fornecem as seguintes informações (as palavras entre colchetes são restaurações sugeridas por Grayson, mas a linha horizontal após a linha 10 está na tabuinha):

  1. Subirá de[… …]
  2. Derrubará [… …]
  3. Durante três anos [ele terá a soberania]
  4. Fronteiras e … [… …]
  5. Para seu povo ele vai [… …]
  6. Depois de sua (morte), seu filho vai [ascender] ao trono ([… ])
  7. (Mas) ele não vai [ser o senhor da terra].

______________________________________________________

Grayson argumenta (nas págs. 24, 25) que, “Uma vez que a seção seguinte (ii 11-16) é claramente sobre Nabonido, este parágrafo deve ser referente a algum período após o reinado de Nabopolassar e antes de Nabonido.” Conforme ele prossegue observando, as informações preservadas nas linhas 6-10 parecem referir-se a Neriglissar e seu filho e sucessor Labashi-Marduque. Que Nabucodonosor e seu filho Amel-Marduque (Evil-Merodaque) são deixados de fora é compreensível, já que “profecias” se focalizam na ascensão e queda de dinastias e impérios e, desta forma, não tratam de todos os reinados. Com relação ao “três anos” na linha 6, Grayson acrescenta na nota 3 da página 25: “Talvez se  poderia reconstituir ‘(e) oito meses’ na quebra.” Neste caso, a linha 6 original diria: “Durante três anos [e 8 meses ele terá a soberania]”.

O comentário de Furuli sobre isso é que, “Vemos que Grayson acrescenta palavras e traduz de acordo com a cronologia tradicional.” (Furuli, pág. 76) Ele está errado. Na cronologia tradicional (como por exemplo, no “Cânon Real”) é dado a Neriglissar um reinado de quatro anos. O que Furuli não diz aos leitores dele é que Grayson usa a cronologia apresentada em outra tabuinha cuneiforme, a Lista de Reis de Uruque, que dá a Neriglissar um reinado de “‘3’ anos 8 meses” e a Labashi-Marduque “(…) 3 meses”. (Grayson, pág. 25, incluindo n. 2,. Veja TGR4, págs. 124-126). As partes preservadas da Lista de Reis de Uruque começam com Kandalanu (647-626 AEC) e terminam com Seleuco II (246-225 AEC). As partes preservadas da Profecia Dinástica começam com a derrubada gradual da Assíria por Nabopolassar, após a morte de Kandalanu e terminam em algum momento no terceiro século AEC. O uso que Grayson faz da cronologia da Lista de Reis de Uruque, então, é bem natural, já que ambas as tabuinhas abrangem aproximadamente o mesmo período e parecem ter sido compostas durante o mesmo século.

A declaração na Lista de Reis de Uruque de que Neriglissar reinou por 3 anos e 8 meses não entra em conflito com a cronologia tradicional. O Cânon Real (muitas vezes chamado erroneamente de “Cânon de Ptolomeu”), só fornece anos inteiros, ao passo que a Lista de Reis de Uruque dá informações mais detalhadas nesta parte. Conforme J. van Dijk observa, “a lista é mais precisa do que o Cânon e confirma inteiramente os resultados da pesquisa.” – J. van Dijk em Archiv für Orientforschung, Vol. 20 (1963), pág. 217.

Furuli discorda, afirmando que “temos tabuinhas datadas no reinado de Neriglissar, desde o mês I do ano de ascensão dele, até o mês I, e possivelmente mês II, de seu 4º ano. Assim Neriglissar reinou por pelo menos 48 meses e não apenas durante 3 anos e 8 meses (44 meses).” (Furuli, pág. 77)

Esta alegação já foi considerada e refutada na Parte III desta resenha crítica do livro de Furuli. Conferências recentes das datas “anômalas” nas tabuinhas usadas por Furuli para datar o reinado de Neriglissar mostram que elas estão danificadas demais para serem legíveis, tendo sido mal interpretadas pelos eruditos modernos, ou parecem ser apenas erros dos escribas. O reinado verdadeiro de Neriglissar parece ter claramente começado no mês V de seu ano de ascensão e terminou no mês I de seu 4º ano de reinado – um período de 3 anos e 8 meses, exatamente como é indicado na Lista de Reis de Uruque.

Furuli usa as únicas palavras preservadas – “durante três anos” – na linha 6, de outra forma ilegível, argumentando que elas se referem a um outro, “rei sem nome” além de Neriglissar que governou por mais de 3 anos. Ele diz no último parágrafo dele, na página 77:

“Se o escriba dá informações corretas sobre os três anos do reinado do rei mencionado na linha 6, este deve ter sido um rei que não é mencionado por Ptolomeu, e que não se encontra na lista tradicional de reis do império neobabilônico. Este rei também tinha um filho que também pode ter governado como rei. Assim, a Profecia Dinástica pode ter nos fornecido dois reis neobabilônicos adicionais… Em todo caso, um rei que governou por três anos é desconhecido de Ptolomeu e daqueles que aceitam a cronologia dele.”

Furuli deveria ter acrescentado que esse rei era também desconhecido pelos compiladores astronômicos do Cânon Real, dos quais Ptolomeu herdou “seu” Cânon, por Beroso no início do 3º século AEC, pelo compilador da Lista de Reis de Uruque no mesmo século, pelo registrador que no 1º ano de Neriglissar escreveu o “livro-razão” NBC 4897 (veja a Parte IV desta resenha crítica), por Adade-Gupi, a mãe de Nabonido, e pelos escribas que registraram dezenas de milhares de tabuinhas comerciais datadas do período neobabilônico.

E, naturalmente, os documentos astronômicos, principalmente as cinco conhecidas tabuinhas astronômicas, que registram as observações datadas no reinado de Nabucodonosor – o diário VAT 4956, as tabuinhas de eclipses lunares LBAT 1419, LBAT 1420 e LBAT 1421, e a tabuinha planetária SBTU IV 171 – impedem inexoravelmente qualquer tentativa de recuar no tempo o reinado de 43 anos de Nabucodonosor, para criar espaço para mais reis e 20 anos a mais entre Nabucodonosor e Ciro.

O uso que Furuli faz de apenas três palavras (“durante três anos”) de uma frase que de outro modo é ilegível numa linha danificada no anverso de uma tabuinha muito danificada revela quão desesperada e inútil é a procura de “reis desconhecidos” a que ele precisa recorrer para dar à sua “Cronologia de Oslo” uma aparência de credibilidade, pelo menos.

(8) “Mar-sarri-usur” e (9) “Ayadara” 

Entre seus “possíveis reis neobabilônicos desconhecidos”, Furuli menciona dois nomes que foram encontrados inscritos em objetos descobertos durante as escavações de William Frederic Badè, entre 1926 e 1935 em Tell en Nasbeh, cerca de 8 quilômetros a noroeste de Jerusalém, em Israel. O local foi (e ainda é) identificado como a antiga Mispá, a cidade onde os babilônios nomearam Gedalias como governador vassalo de Judá, depois da destruição de Jerusalém em 587 AEC.

As datas das duas inscrições são difíceis de determinar. W. F. Albright, George Cameron, e A. Sachs sugeriram datas que variaram entre os séculos 11 e 5 AEC. (Chester C. McCown, Tell en-Nasdbeh I: Resultados Arqueológicos e Históricos. Berkeley e New Haven: ASOR, 1947, págs. 150-152, 167-169) Mais recentemente, alguns eruditos sugeriram que eles podem ter sido encontrados no que é agora designado como “Estrato 2”, que é datado no período que se seguiu à destruição de Jerusalém em 587 AEC. – Jeffrey Z. Zorn, “Mispá: Estrato Recém Descoberto Revela Outra Capital de Judá,” em Biblical Archaeology Review (BAR), Vol. 23:5, 1997, págs. 28-38, 66; também André Lemaire, “Nabonido na Arábia e Judá no Período Neobabilônico”, em O. Lipschits e J. Blenkinsopp (eds.), Judá e os Judeus no Período Neobabilônico (Winona Lake, Indiana: Eisenbrauns, 2003), págs. 292, 293.

Mar-sarri-usur

O nome do primeiro indivíduo foi encontrado num caco. O que resta da inscrição, que tinha sido gravada antes de ser queimado e provavelmente está escrito em hebraico, tem sido geralmente lido como “[?B]N MRŠRZR[KN]” e é traduzida como “[?s]on of Mar-sarri-zera-[ukin].” (C. C. McCown, op cit, pág. 167-169) Recentemente, porém, o professor André Lamaire argumentou que o nome poderia ser lido “[?]N MRŠRŞR[?, [?]?”, que ele traduz como “Mar-sarri-usur[?”. – André Lemaire, op. cit., págs. 292, 293.

Se as duas primeiras letras eram “BN” (ben, “filho”), o nome do filho (o dono do pote) não está preservado. Se o nome de seu pai está corretamente restaurado como Mar-sarri-usur, seu título e posição não são conhecidos. A sugestão de Furuli de que ele foi um rei que governou em Babilônia é apenas uma suposição sem fundamento. Citar um nome sem título num caco de barro encontrado em Judá, e sugerindo que ele se refere a um rei que pode ter governado em Babilônia durante o período neobabilônico é, naturalmente, adivinhação pura e um jogo no qual nenhum erudito que deseja ser levado a sério correria o risco de entrar. O nome, escrito em caracteres hebraicos, ou é assírio ou é babilônico, e se a inscrição encontrada é da Mispá do 6º século AEC, ele (ou seu filho) pode ter sido um dos funcionários de Babilônia que sabemos que estiveram ali depois da destruição de Jerusalém. (J. Zorn, op. cit., págs. 38, 66)

Ayadara

O nome do segundo indivíduo foi encontrado num fragmento de um fino colar de bronze com uma inscrição cuneiforme gravada, que originalmente consistia em 30 a 35 caracteres, dos quais apenas 11 estão preservados. A inscrição só foi descoberta em 1942, em Berkeley, quando alguns fragmentos de metal, supostamente sem importância foram limpos em um banho quente com soda cáustica e zinco. Jeffrey Zorn afirma:

“Como só resta uma pequena parte da inscrição, sua tradução é problemática. Ela poderia ser “… Ayadara, rei do mundo, por (a preservação de) sua vida e…” Esta é claramente uma inscrição do tipo dedicatória, mas as palavras que indicam o que está sendo dedicado, e a quem, se perderam. Mesmo a identificação de Ayadara é desconhecida, ninguém com este nome tendo o título de “rei do mundo” é conhecido em qualquer período. O que é notável é uma dedicatória assim aparecer num pequeno relato na antiga Judá.” – Zorn, op. cit., pág. 66

Uma foto da inscrição, mantida no Museu de Arqueologia Bíblica Badè, em Berkeley, Califórnia, EUA, pode ser vista aqui: http://www.arts.cornell.edu/jrz3/circlet.htm.

Ao fazer referência às duas inscrições, Furuli acredita ter encontrado mais dois “reis desconhecidos” aqui, que podem ter governado durante o período neobabilônico. Ele diz:

“Reis babilônicos com os nomes Mar-sarri-usur Ayadara são desconhecidos no período abrangido pelo Cânon de Ptolomeu, mas a descoberta desses nomes sugere que dois reis com esses nomes governaram em Babilônia”. (Furuli, pág. 80)

A descoberta dos dois nomes não sugere nada desse tipo.

Para apurar se o nome “Ayadara” é realmente desconhecido por completo pelos eruditos, um de meus correspondentes escreveu para vários assiriólogos e perguntou se eles sabiam alguma coisa sobre esse rei. Um deles, o Dr. Stephanie Dalley, do Instituto Oriental em Oxford, Inglaterra, que sabidamente estava trabalhando com os textos das dinastias marítimas, respondeu num e-mail de 10 de outubro de 2007:

“O rei é Aya-dara, uma abreviação de Aya-dara-galam-ma, da Primeira Dinastia Marítima [datada em meados do segundo milênio AEC]. Estou editando um arquivo muito grande desse rei, mais alguns textos do antecessor dele. A forma abreviada do nome é conhecida por meio da Lista de Reis A.”

A forma do nome na Lista de Reis A, conforme traduzida por A. K. Grayson é “A-a-dàra.” – Veja a pág. 91 em Reallexikon der Assyriologie und vorderasiatischen Archäologie, D. O. Edzard (ed.), Band 6 (1980).

Numa carta mais recente para este autor, Stephanie Dalley explica:

“Embora certamente tenha sido inesperado descobrir esse nome e títulos de rei em Mispá, não tenho dúvidas sobre a identificação. Uma forma abreviada do nome dele, embora com uma ortografia diferente, já é conhecida à base de uma das listas de reis e o título ‘rei do mundo’ fundamenta-se num dos nomes anuais de Aya-dara-galama. A re-interpretação incorreta das leituras fornecida por Horowitz e Ishida contém um erro gramatical básico, entre outros problemas. Todos os caracteres de sinal no colar têm paralelos nos textos de meados do segundo milênio.” – Carta Dalley-Jonsson, recebida em 4 de dezembro de 2008.

Dalley afirma na carta dele que mais detalhes “vão aparecer em minha edição dos textos da Primeira Dinastia Marítima, que está agora com a editora, CDL Press.” Claramente, Ayadara não pode ser colocado dentro do período neobabilônico.

(10) “Marduque-sar-usur”

Um dos “reis neobabilônicos desconhecidos” ao qual Furuli fez referência várias vezes no passado, apareceu pela primeira vez em 1878, num longo artigo de um antigo assiriologista, chamado W. St. Chad Boscawen. Ele colocou o nome “Marduque-sar-usur” junto com outro nome misterioso, “La-khab-ba-si-kudur” em um “Adendo” à parte, porque ele estava incerto sobre o lugar dele em sua tabela cronológica. Mas outro erudito contemporâneo a ele, o Dr. Julius Oppert, logo descobriu que o segundo nome era simplesmente uma leitura errada de Labashi-Marduque, filho e sucessor de Neriglissar. – W. St Chad Boscawen, “Tabuinhas Babilônicas Datadas e o Cânon de Ptolomeu” Realizações da Sociedade de Arqueologia Bíblica (sigla em inglês: TSBA), Vol. VI (Londres, 1878), págs. 262, 263 (incluindo a nota 1).

A tabuinha “Marduque-sar-usur” é datada no dia 23, mês 9 (quisleu) do ano 3. No entanto, logo se descobriu, desta vez pelo próprio Boscawen, que o nome era uma leitura errada de Nergal-sar-usur (Neriglissar). Esta informação foi também publicada no próprio volume. Desculpando-se, Boscawen explicou:

“Quando temos cerca de 2.000 tabuinhas para conferir, e a leitura dos nomes, que, como todos os que estudaram o idioma assírio sabem, é a parte mais difícil, já que nem sempre é fácil reconhecer o mesmo nome, o qual pode ser escrito de quatro ou cinco maneiras diferentes, você pode perceber que esta é uma tarefa árdua. Eu copiei dois nomes aparentemente diferentes, mas depois descobri que eles são variações do mesmo nome” – TSBA, Vol. VI (1878), págs. 78 e 108-111)

Que “Marduque-sar-usur” foi uma leitura errada de Nergal-sar-usur foi também pouco depois confirmado por outros dois antigos assiriólogos, T. G. Pinches e J. N. Strassmaier.

Apesar disso, Furuli continuou a insistir que “Marduque-sar-usur” é uma leitura possível do nome, e que ele pode ter sido um rei desconhecido que governou durante o período neobabilônico!

Como Boscawen não mencionou o número que a tabuinha tem no Museu Britânico, foi difícil localizá-la. Só quando Ronald H. Sack a publicou como nº 83 (BM 30599) em seu livro sobre Neriglissar que ela pôde ser identificada – pelo próprio Furuli! A data na BM 30599 é a mesma que a fornecida por Boscawen, “mês de quisleu, dia 23, terceiro ano.” Em seus “Adendos”, Boscawen observou que “as partes contratantes são Idina-Marduque filho de Basa, filho de Nursin; e entre as testemunhas, Dayan-Marduque filho de Musezib “(TSBA VI, pág. 78) As mesmas pessoas também aparecem na BM 30599 (na verdade, a última delas não como testemunha, mas como um ancestral do escriba). É claramente a mesma tabuinha. Sack, porém, lê o nome do rei na tabuinha, não como Marduque-sar-usur, mas como Nergal-sarra-usur (transliterado como dU+GUR-LUGAL-SHESH). – Ronald H. Sack, Neriglissar — Rei de Babilônia (Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1994), págs. 224, 225.

Para verificar se é realmente possível um assiriologista moderno ler errado o nome de Nergal-sar-usur (Neriglissar) como “Marduque-sar-usur”, enviei um e-mail a C. B. F. Walker, no Museu Britânico, em 2003 e pedi a ele para dar uma olhada na tabuinha original (BM 30599). Em resposta, ele explica:

“Acabei de pegar a BM 30.599 para verificá-la, e não vejo como alguém poderia ler o nome como algo diferente de dU+GUR-LUGAL-SHESH. A leitura Marduque-sar-usur estaria completamente excluída. Nossos registros mostram que a tabuinha foi cozida (e limpa?) em 1961, mas ela tinha sido publicada por T. G. Pinches no 5º volume de Inscrições Cuneiformes da Ásia Ocidental, de Rawlinson, tabuinha 67, nº 4, numa cópia que mostra claramente dU+GUR. Foi também publicada por Strassmaier em 1885 (Die babylonischen Inschriften im Museum zu Liverpool: Brill, Leiden, 1885), nº 123, de novo claramente com dU+GUR. Assim, a leitura não pode ser atribuída à nossa limpeza da tabuinha em 1961, se é que o fizemos.” (Walker para Jonsson, 15 de outubro de 2003)

Como, então, poderia Boscawen ter lido errado o nome? Outra assiriologista, a Dra. Cornelia Wunsch, que também conferiu a tabuinha original, enfatizou num e-mail para um dos meus correspondentes que “a tabuinha está em boas condições” e que não há “dúvida alguma sobre Nergal, conforme publicado no 5R 64, 4 por Pinches. Mais de 100 anos atrás, ele já corrigiu a leitura errada de Boscawen.” Ela prossegue explicando que “Boscawen não era um grande erudito. Ele se baseou fortemente nas notas que G. Smith tinha tomado quando ele viu as tabuinhas pela primeira vez em Bagdá.”

Mas Furuli ainda não parece disposto a desistir da ideia de que poderia ter existido um rei neobabilônico desconhecido chamado Marduque-sar-usur. Ele argumenta na página 80:

“Sack lê o nome como Nergal-sar-usur, e se esta é a mesma tabuinha que foi lida por Boscawen, posso confirmar que a leitura de Sack está correta, porque eu mesmo conferi esta tabuinha no Museu Britânico. Se ambos os eruditos leram a mesma tabuinha, um rei neobabilônico com o nome de Marduque-sar-usur nunca existiu. No entanto, a tabuinha quebrada BM 56709, cujos sinais são neobabilônicos, faz referência ao ano 1 de um rei cujo nome começa com Marduque. Portanto, não podemos excluir a possibilidade de que Boscawen leu uma tabuinha diferente da lida por Sack, e que um rei com Marduque em seu nome, governou no Império Neobabilônico.”

Esta tabuinha está alistada no Catálogo de Tabuinhas Babilônicas no Museu Britânico (CBT), Vol. 6 (Londres: Curadores do Museu Britânico, 1986, pág. 215). Em uma lista não publicada de “Correções e acréscimos ao CBT 6-8” (minha cópia é de 18 de março de 1996), que Christopher Walker mantém no Museu Britânico, Walker faz os seguintes comentários sobre o texto:

“56709 Marduque […]12/–/1 Datada em Borsipa. CT 55, 92 (não CT 56, 356).
A tabuinha é provavelmente neobabilônica primitiva.”

Note as palavras “provavelmente” e “neobabilônica primitiva.” Isto é uma sugestão. Além disso, os eruditos usam frequentemente o termo “neobabilônico” para descrever um período mais amplo do que 625-539 AEC. O Dicionário Assírio, por exemplo, começa o período por volta de 1150 AEC e o finaliza no quarto século AEC. (Veja TGR4, capítulo 3, nota 1) Talvez seja esta a forma como Walker usa o termo aqui. Os nomes de aproximadamente uma dúzia de reis babilônicos entre cerca de 1150 e 625 AEC começam com Marduque, incluindo Marduque-apla-iddina II (o Merodaque-Baladã bíblico, Isa. 39:1, que governou duas vezes em Babilônia, 721-710 e 703 AEC), e Marduque-zakir-shumi II (703). Assim, uma vez que o nome real está só parcialmente legível e não sabemos exatamente a que período a tabuinha pertence, ela é inútil para fins cronológicos. Colocar o rei no período neobabilônico em algum momento depois do reinado de Nabucodonosor baseia-se em nada mais do que um desejo de que seja assim.

(11) “Nabucodonosor, filho de Nabucodonosor”

Fontes contemporâneas mencionam sete dos filhos de Nabucodonosor, mas nenhum deles tinha o mesmo nome de seu pai. (D. J. Wiseman, Nabucodonosor e Babilônia, Editora da Universidade de Oxford, 1985, págs. 9-12) A referência de Furuli a um filho de Nabucodonosor com o mesmo nome baseia-se numa fonte bem posterior, uma obra rabínica conhecida como “As Crônicas de Jerachmeel”, escrita por Eleazar ben Aser no século XII EC. (Traduzida para o inglês por M. Gaster, As Crônicas de Jerameel, Londres: Sociedade Real Asiática, 1899) A crônica relata que Amel-Marduque tornou-se vítima de uma campanha de difamação que levou seu pai, Nabucodonosor, a sentenciá-lo à prisão e fazer um filho mais novo, chamado Nabucodonosor, rei:

“… Nabucodonosor, o Grande, não manteve sua confiança nele, pois Evil-Merodaque era realmente seu filho mais velho; mas ele fez rei a Nabucodonosor, o Jovem, porque ele tinha humilhado os iníquos. Eles o difamaram perante seu pai, que o colocou (Evil-Merodaque) na prisão juntamente com Joaquim, onde eles permaneceram juntos até a morte de Nabucodonosor, seu irmão, depois de ele ter reinado.” – M. Gaster, págs. 206-207; citado por Irving L. Finkel, “O Lamento de Nabu-suma-ukin”, em J. Renger (ed.), Babylon: Focus mesopotamischer Geschichte, Wiege früer Gelehrsamkeit, Mythos in der Moderne (Berlin: SDV, 1999), pág. 335.

Furuli usa essa história bem posterior e aparentemente lendária para argumentar que esse “Nabucodonosor, o Jovem” pode ter governado um ano como sucessor imediato de Nabucodonosor, o Grande, antes de Amel-Marduque chegar ao poder. (Furuli, pág. 79) Isto é indicado, diz ele, pela conclusão (argumentada anteriormente no capítulo 3 do livro dele, pág. 58) que Joaquim foi libertado da prisão 44 anos, não 43, depois que Nabucodonosor tinha começado a reinar. Esta ideia já foi refutada na Parte III, seção (3) desta resenha crítica, para a qual encaminho o leitor.

Todavia, pode haver alguma verdade na história da prisão de Amel-Marduque. Isso foi defendido por Irving L. Finkel, que em seu artigo, citado acima, publica uma tabuinha babilônica posterior (BM 40475) na qual um indivíduo chamado “Nabu-suma-ukin, filho de Nabucodonosor”, lamenta sua situação angustiante como prisioneiro, por causa de um truque sujo armado contra ele por seu inimigo. Com base em outra tabuinha, BM 34113, Finkel sugere que Nabu-suma-ukin era o nome pessoal de Amel-Marduque antes de ele ter sido nomeado príncipe herdeiro e adotar Amel-Marduque como seu nome régio.

Esta é uma sugestão interessante, mas se pudesse ser demonstrada como correta, não há margem para um governo de um irmão dele, depois da morte de Nabucodonosor II. Finkel explica porque:

“Se esta sugestão é mesmo correta, um término anterior à data de libertação de Amel-Marduque e a adoção do nome régio é o mês de elul, do ano 39 de Nabucodonosor, isto é, 566 AC. Esta informação é mostrada pelo contrato VAS 3 25: 12-13, onde se faz referência a Nabu-nure’a-lumur, eunuco (´sa resi`) de Amel-Marduque, o príncipe herdeiro (mar sarri).” – I. L. Finkel, op. cit., pág. 338.

Se Amel-Marduque tinha sido liberto da prisão e nomeado príncipe herdeiro, o mais tardar no 39º ano de Nabucodonosor, ele deve ter sido o sucessor imediato após a morte de seu pai no 43º ano de reinado. Isto é confirmado por diversas fontes cuneiformes, incluindo o livro-razão NBC 4897. (Veja TGR4, págs. 152-156; também http://www.mentesbereanas.org/criticafuruli_parte4.htm).

(12) “Nabucodonosor, filho de Nabonido”

O último dos doze “reis desconhecidos” que Furuli acha que podem ter governado durante o período neobabilônico baseia-se no fato de que dois dos usurpadores que Dario I teve de derrotar durante sua ascensão ao poder após a morte de Cambises em 522 AEC alegavam ser filhos de Nabonido, chamando-se Nabucodonosor. Os breves reinados dos dois usurpadores são descritos na Inscrição Bisitun de Dario I. Várias tabuinhas comerciais datadas no ano de ascensão e no 1º ano de Nabucodonosor foram identificadas como pertencentes, não a Nabucodonosor II, mas aos dois usurpadores (Nabucodonosor III e IV), o que confirma que estes dois usurpadores realmente existiram. Até agora, 66 tabuinhas foram identificadas como pertencentes aos dois usurpadores. – Veja meu artigo na revista interdisciplinar britânica Chronology & Catastrophism Review de 2006, páginas 26-28, incluindo a nota 8 na página 37.

Furuli menciona esses dois homens chamados “Nabucodonosor” do início do período persa e sugere que um segundo rei neobabilônico com o nome de Nabucodonosor também pode estar escondido entre as cerca de 2.400 tabuinhas (publicadas até o final do século vinte) datadas para Nabucodonosor II. Ele pergunta:

“Poderia haver dois reis Nabucodonosor no Império Neobabilônico, em vez de apenas um? Quem pode excluir esta possibilidade?” (Furuli, pág. 84)

Em apoio desta ideia, ele cita David B. Weisberg, que em 1980 expressou dúvidas sobre alguns dos critérios utilizados para distinguir entre Nabucodonosor II e os dois usurpadores em 522/521 AEC. Um desses critérios é o título usado para os reis. Nabucodonosor II é geralmente chamado de “rei de Babilônia”, ao passo que o título dos reis persas geralmente inclui a frase “rei dos países.” Quando este último título é usado em tabuinhas datadas para Nabucodonosor, portanto, supõe-se que o rei é um dos dois usurpadores. Todavia, conforme apontado por Weisberg, há uma tabuinha na Coleção Babilônica de Yale (YBC 3437) datada no 18º ano (30/I/18) de Nabucodonosor II com o título de “rei dos países.” Este critério, diz ele, “deve ser agora modificado.” – David B. Weisberg, Textos da Época de Nabucodonosor. Série Oriental de Yale – Textos Babilônicos, Vol. XVII [YOS 17] (New Haven e Londres: Editora da Universidade de Yale, 1980), págs. xxi, xxii.

Com relação ao critério baseado em prosopografia, porém, Weisberg admitiu que isso parece ser válido e convincente. As dúvidas dele referem-se principalmente a se houve realmente dois usurpadores que diziam ser “Nabucodonosor, filho de Nabonido”, ou apenas um. – Weisberg, op. cit., pág. xxii-xxiv.

A obra de David B. Weisberg (YOS 17) foi revisada dois anos depois pelo assiriólogo francês Francis Joannès, na Revue d’assyriologie et d’archéologie orientale (RA), Vol. LXXVI, nº. 1, de 1982, nas páginas 84-92. Dos textos publicados por Weisberg, 38 são alistados como datando do ano de ascensão e primeiro ano de Nabucodonosor. Destes, Weisberg atribui 13 a Nabucodonosor II, um a Nabucodonosor III, e 17 a Nabucodonosor IV. Joannès, porém, encontra mais dois textos atribuídos por Weisberg a Nabucodonosor II que por motivos prosopográficos deveriam ter sido atribuídos a Nabucodonosor III e Nabucodonosor IV. Joannès escreve:

“A terceira parte (págs. XIX-XXVI), refere-se à distinção a se fazer para os primeiros anos de reinado (anos 0 e 1) entre Nabucodonosor II de um lado, e os dois usurpadores Nabucodonosor III e Nabucodonosor IV, do outro. A dúvida é em relação a 38 textos de YOS 17, aos quais o autor se aplica a fazer uma escolha, apresentada de maneira sintética em páginas XXIV e XXV. Eu admito que não entendo muito bem, neste contexto, as razões para a longa consideração que se dedica a Musezib-Bel, filho de Zer-Bâbili, descendente de Iluta-ibni (págs. XXII-XXIII). A variação Iluta-ibni/Attabâni é evidentemente interessante, mas os dados fornecidos na TCL XII e no Tum 2/3 não podem deixar qualquer dúvida sobre a datação a se fazer no caso do texto 8.”

“Teria sido mais proveitoso verificar o caso de Samas-mukin-apli, filho de Madanu-ahe-idin, descendente de Sigua, referido nos nºs. 126 e 302, aos quais D. Weisberg atribui os anos 0 e 1 de Nabucodonosor II. Mas Samas-mukin-apli, o sapiru dos cervejeiros prebendários de Eana, é atestado do 2º ano de Ciro ao 22º ano de Dario I. Da mesma forma, no nº. 126, o carpinteiro Guzanu (l. 23) é referido em outros lugares no 5º ano de Cambises. Assim o nº. 126 deve ser datado para Nabucodonosor III e o argumento de D. Weisberg de que a derrota deste rei tornaria proibitiva uma atestação contemporânea (sendo aqui a 27, 28, 29-IX) é inválido…”

“De maneira correspondente, o nº. 302 é datado para Nabucodonosor IV. É importante ressaltar que, nesses casos o título ‘rei de Babilônia’ ou o título ‘rei de Babilônia e dos países’ não constitui um critério decisivo. É a prosopografia que permanece como o critério mais útil, quando isso é possível.”

“Ele não entra em nossa intenção de voltar a abordar este problema detalhadamente, mas gostaríamos de enfatizar um ponto: Falando-se diretamente,  o conceito expresso por A. Poebel permite uma reconstituição que é totalmente coerente, e os elementos apresentados por YOS 17 certamente não a questionam.” – F. Joannès, op. cit., pág. 84, 85;. (traduzido do francês). A reconstituição de Arno Poebel é encontrada em seu artigo, “A Duração do Reino de Smerdis, o Mago, e os Reinados de Nabucodonosor III e Nabucodonosor IV, publicado em AJSL, Vol. 56:2 (abril de 1939), págs. 121-145.

Uma consideração detalhada sobre a cronologia dos três usurpadores Bardiya, Nabucodonosor III, e Nabucodonosor IV foi apresentada num longo artigo de Stefan Zawadzki, publicado em 1994. (Zawadzki, ‘Bardiya, Dario e os Usurpadores de Babilônia à Luz da Inscrição Bisitun e Fontes Babilônicas’, Archaeologische Mitteilungen aus Iran [AMI], Band 27, 1994, págs. 127-145, com detalhes importantes acrescentados em NABU 1995-54, 55 e 56). A consideração de Zawadzki é baseada numa pesquisa prosopográfica detalhada que estabelece conclusivamente a existência e a cronologia precisa dos três usurpadores. Para os dois chamados Nabucodonosor (III e IV) as informações prosopográficas apresentadas nas páginas 135 e 136 do artigo são particularmente esclarecedoras. Estranhamente, Furuli, que questiona até a existência desses dois reis, parece estar totalmente desapercebido do importante estudo de Zawadzki. Pelo menos, ele nunca faz referência a ele.

A teoria de Furuli de que pode ter havido também um segundo Nabucodonosor, que governou durante o período neobabilônico, por outro lado, é completamente sem fundamento. Ele não é capaz de apresentar qualquer critério que seja por meio do qual essa teoria poderia ser testada.

Sumário

Na consideração acima, foi demonstrado que nenhum dos doze “reis desconhecidos” de Furuli poderia ser inserido em qualquer momento do período neobabilônico. Três deles foram reis assírios, não babilônicos, e um pertenceu à Primeira Dinastia Marítima. Um nome de rei nada mais é que uma leitura errada, três “reis” não foram reis de jeito nenhum, e quatro outros nem sequer existiram!

E, naturalmente, não há margem para a inserção de qualquer “rei desconhecido” ou qualquer “ano de reinado adicional” no período neobabilônico. Dezenas de milhares de tabuinhas datadas que estabelecem a duração de cada reinado durante todo o período, bem como várias dezenas de registros de observações astronômicas datadas nestes reinados que os colocam dentro de uma cronologia absoluta impossibilitam qualquer tentativa de alongar ou encurtar este período. Todas as tentativas de revisar a cronologia do período neobabilônico fracassaram e obrigaram os defensores dessas revisões a desistir delas ou a afirmar que todos os documentos antigos que contradizem suas teorias devem ter sido falsificados por escritores e copistas posteriores. Quando a realidade entra em conflito com a teoria, é a realidade que tem de ser rejeitada!

Imagem: Representações de leões na Porta de Istar (Museu de Pérgamo – Berlim, Alemanha)

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