A origem e a natureza da doutrina da parousia de Cristo como uma presença invisível
INTRODUÇÃO
O assunto da segunda vinda de Cristo tem cativado a atenção dos cristãos ao longo dos séculos, especialmente em tempos de crises e convulsões internacionais. Em nosso próprio tempo crítico, quando as perspectivas futuras para a raça humana parecem mais sombrias do que nunca, o interesse pelo assunto é intenso em muitos lugares. Esse interesse nada tem de notável em vista do fato de que muitos estudantes da Bíblia associam a segunda vinda de Cristo com uma crise mundial de proporções incomparáveis, uma “grande tribulação, como nunca houve desde o princípio do mundo”. (Mat. 24:21; Dan. 12:1) Muitos cristãos acham que esta “grande tribulação” sobrevirá à humanidade muito em breve (não poucos acreditavam que viria ainda dentro do século 20). Uma pergunta intimamente relacionada a essas expectativas é: A vinda de Cristo ocorrerá antes, durante ou depois desta “grande tribulação”?
Esta questão tem sido acaloradamente debatida e tem causado severas divisões entre os cristãos evangélicos por mais de um século. Só nos Estados Unidos existem muitos milhões de cristãos que acreditam que a segunda vinda de Cristo introduzirá seu reinado milenar.1 Esses chamados pré-milenaristas acreditam que a vinda de Cristo não apenas antecederá o milênio, como também a “grande tribulação”. Conseqüentemente, eles são chamados de “pré-tribulacionistas”, e sua concepção da segunda vinda de Cristo é chamada de “teoria pré-tribulacionista”. Esta teoria, no entanto, também é chamada de “teoria do arrebatamento secreto” ou, às vezes, e talvez melhor, de “conceito da vinda em duas etapas”. O que, especificamente, então, significam estas diferentes designações?
A ideia básica por trás da teoria, independentemente de sua designação, é que a segunda vinda de Cristo consiste em duas – ou até mais – etapas, sendo a primeira uma vinda secreta e invisível “no ar” quando todos os santos cristãos – aqueles então vivos juntamente com os mortos ressuscitados – serão secretamente arrebatados para encontrar e permanecer com Cristo nos ares. Afirma-se que esta fase da segunda vinda cumprirá a profecia do apóstolo Paulo em 1 Tessalonicenses 4:16, 17, que diz: “Pois, dada a ordem, com a voz do arcanjo e o ressoar da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá do céu, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois disso, os que estivermos vivos seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre.” Supõe-se que esta vinda para os santos deve ocorrer antes da “grande tribulação”, pela qual todos os verdadeiros cristãos, os santos, escaparão daquele tempo de angústia. A segunda etapa da vinda de Cristo deve começar quando ele vier à terra com todos os seus santos para executar julgamento sobre o mundo ímpio da humanidade, conforme descrito em Judas 14 e 15, e estabelecer seu reino milenar. Assim, diz-se que o primeiro estágio da vinda de Cristo é uma vinda para seus santos, enquanto o segundo estágio é uma vinda com seus santos.
No texto grego original do Novo Testamento, usam-se várias palavras diferentes nas muitas referências à segunda vinda de Cristo. A maioria dos defensores da doutrina da vinda em duas fases sustenta que a palavra grega parousia se refere à primeira fase. Esta palavra, que geralmente é traduzida como “vinda”, também pode ser traduzida como “presença”. Assim, a primeira fase vinda de Cristo, ou parousia, é muitas vezes descrita como um período da presença secreta e invisível do Senhor Jesus “no ar”. Por outro lado, duas outras palavras epiphaneia ou “aparição” e apokalypsis ou “revelação” são geralmente aplicadas à segunda fase em que Cristo “aparecerá” e “se revelará” ao mundo da humanidade. Porém, nem todos os proponentes da teoria da vinda em duas etapas concordam com essas aplicações dos termos em questão.
Quanto à duração do intervalo entre as duas fases da segunda vinda ou advento de Cristo, os adeptos da teoria das duas fases também não concordam entre si. Embora a segunda etapa seja geralmente considerada como separada da primeira por um período de sete anos, há quem afirme que este será um período de tempo mais curto ou mais longo.
A discordância sobre este ponto parece ter sido maior durante o século 19. James Grant, editor de alguns jornais religiosos diferentes em Londres, descreveu a variedade de opiniões sobre o assunto na década de 1860 da seguinte maneira: “Quanto à duração do período… os milenaristas que abraçaram o conceito não concordam Alguns supõem que será um período de longa duração, talvez se estendendo até por séculos; outros acham que provavelmente será um período de duração muito mais breve: mas, de uma forma ou de outra, todos parecem concordar com a crença de que anos se passarão entre esta secreta e silenciosa tomada dos santos vivos para encontrar o Senhor nos ares, e sua descida com ele à terra para reinar em nosso mundo por mil anos.”2
Um leitor familiarizado com os conceitos das Testemunhas de Jeová talvez perceba neste momento que sua concepção da segunda vinda de Cristo está intimamente relacionada a essa ideia de “vinda em duas etapas”, sendo uma variação da conceito de um intervalo mais longo entre as duas etapas. As Testemunhas sustentam agora que a primeira fase – o início da parousia de Cristo – começou em 1914, enquanto a última – seu apokalypsis ou revelação para executar julgamento sobre os ímpios – ainda é futuro.3
A TESE DE MACPHERSON SOBRE A ORIGEM DA DOUTRINA DA VINDA EM DUAS FASES
Em época mais recente, a questão da origem da ideia do “arrebatamento secreto” ou “vinda em duas fases” tem sido acaloradamente debatida. Publicaram-se vários livros e artigos sobre o assunto. Em particular, os trabalhos publicados por Dave MacPherson contribuíram grandemente para o renovado interesse no assunto.4 Todos os eruditos parecem concordar que a ideia do “arrebatamento secreto” é relativamente recente, e a maioria deles aponta a origem em algum momento no início da década de 1830, quando apareceu nos círculos em torno de Edward Irving em Londres, Inglaterra, e John Nelson Darby em Plymouth, Inglaterra. Originalmente estes círculos estavam em íntimo contato um com o outro, e ambos se desenvolveram em novas denominações: A congregação de Irving tornou-se a Igreja Católica Apostólica e o movimento de Darby veio a ser a Irmandade de Plymouth. A primeira surgiu nos anos de 1832-35, enquanto a segunda recebeu seu nome em 1831, depois que Darby se estabeleceu em Plymouth.
Uma razão importante pela qual a origem da ideia do “arrebatamento secreto” é discutida com tanta preocupação hoje é a acusação de seus oponentes de que ela se originou em uma expressão extática de uma mulher “inspirada por demônios”. Conforme é bem conhecido, a Igreja Católica Apostólica de Irving surgiu como resultado das manifestações do que pareciam ser declarações sobrenaturais – falar em línguas e profetizar – na igreja de Irving em Regeant Square, Londres, em 1831-1832. Como a ideia do “arrebatamento secreto” parece ter sido introduzida nas mentes de pelo menos alguns daqueles dotados com esses poderes “milagrosos”,5 vários dos oponentes da ideia mais tarde alegaram que ela havia sido apresentada como uma “expressão” na igreja de Irving, indicando sua suposta origem demoníaca.6
A contribuição de MacPherson para a discussão baseia-se em sua afirmação de que a ideia do “arrebatamento secreto” foi originada pela Srta. Margaret Macdonald de Port Glasgow, Escócia, a quem se revelou, defende ele, em uma visão profética no início de 1830. MacPherson foi levado a esta conclusão por meio de seu estudo dos escritos de Robert Norton, que foi um dos primeiros membros da Igreja Católica Apostólica. O avivamento carismático em Port Glasgow e outras cidades no oeste da Escócia despertou muito interesse, e uma delegação da igreja de Irving foi até a Escócia para investigar relatos de manifestações carismáticas. Muitos outros, inclusive John Nelson Darby, também viajaram a Port Glasgow no mesmo ano para investigar o alegado “derramamento do Espírito”. Quando, em 1831, fenômenos “sobrenaturais” similares começaram a surgir na própria igreja de Irving, eles logo foram aceitos como genuínos por sua congregação, mas Darby rejeitou as manifestações. Porém, MacPherson afirma que tanto Irving quanto Darby obtiveram o conceito de “arrebatamento secreto” ou “vinda em duas etapas” de Margaret Macdonald e suas revelações. A antiga afirmação de que o conceito se originou em um pronunciamente extático, então, ainda é geralmente tida como válida.7 Essa origem da ideia não pode, é claro, ser aceita por seus defensores, e os seguidores de Darby enfatizam que, embora ele tenha sido um dos mais influentes defensores da “vinda em duas etapas”, ele rejeitou os pronuciamentos “sobrenaturais”. Assim, tentativas tem sido feitas para provar que MacPherson e outros que apoiam sua tese estão errados. Salienta-se, por exemplo, que é muito difícil encontrar algo próximo de um “arrebatamento secreto” ou uma “vinda em duas etapas” na revelação de Margaret Macdonald.8 A única característica relacionada a isso parece ser uma afirmação de a vinda de Cristo ser invisível para a humanidade em geral. Ela afirma que o sinal do Filho do homem é apenas “o próprio Senhor descendo do céu com alarido” e que “somente aqueles que têm a luz de Deus dentro de si verão o sinal de Sua aparição”.9 Pergunta-se também, e com razão, que se Darby rejeitou as revelações de Margaret Macdohald como sendo uma ilusão demoníaca, por que ele adotaria alguma coisa do conteúdo dessas revelações?
R. A. Huebner cita William Kelly, um dos associados mais íntimos de Darby, no sentido de que o próprio Darby chegou à ideia do “arrebatamento secreto” em 1830 ou 1831, quando estava ponderando sobre 2 Tessalonicenses 2:1, 2 por sugestão de um ex-clérigo irlandês chamado Tweed.11
Qual é, então, a verdade desse assunto? Será que a doutrina da “vinda em duas etapas” provém de um suposto pronunciamento profético de Margaret Macdonald no início de 1830, ou foi descoberto por Darby. em 1831 por meio de seus estudos das Escrituras? Um exame cuidadoso da evidência documental indica que nem Macdonald nem Darby tinham condições de originar isso! Embora a fonte da teoria tem sido objeto de muita discussão e controvérsia por mais de um século, ninguém até agora foi capaz de estabelecer de forma convincente que isto se originou antes de 1830. O presente estudo, portanto, representa um avanço nesse sentido. Enquanto tentava verificar as diferentes alegações com relação à origem da ideia da “vinda em duas etapas” na British Library em Londres em agosto de 1980, eu descobri novas evidências que me permitiram rastrear a origem da teoria lá na década de 1820, alguns anos antes da adoção dela por John Nelson Darby e das revelações de Margaret Macdonald. A identificação do verdadeiro originador desta teoria provavelmente será uma surpresa para os que estão familiarizados com o período em questão. Ele foi uma personalidade muito conhecida na época, embora aparentemente ninguém pensasse nele em conexão com este assunto.
AS CONFERÊNCIAS PROFÉTICAS DE ALBURY PARK
As primeiras décadas do século 19 viram um renascimento do estudo profético na Grã-Bretanha e no continente europeu. Esse renovado interesse pelas profecias bíblicas teve como contexto a Revolução Francesa que começou em 1789, seguida por um período caótico de guerras na Europa que durou até 1815. Não surpreende que essas convulsões levaram muitos cristãos sérios a crer que a humanidade estava se aproximando rapidamente do fim do mundo, e homens de muitas convicções começaram a investigar as profecias bíblicas. Publicou-se um número crescente de livros, panfletos e periódicos, formaram-se sociedades proféticas e missionárias e realizaram-se conferências proféticas. A primeira e mais importante destas últimas foram as Conferências Proféticas de Albury Park, realizadas cerca de trinta milhas a sudoeste de Londres, Inglaterra, durante os anos 1826-1830.
Dois nomes, acima de todos, estão associados ao início das Conferências de Albury Park: Lewis Way e Henry Drummond.12 Esses dois estiveram em contato íntimo por alguns anos antes das conferências. Lewis Way (1772-1840), um advogado que ficou rico inesperadamente devido a uma herança de £ 300.000 em 1804 comprou Stansted Park perto de Emsworth, Sussex, e se estabeleceu lá em 1805. Depois disso, ele gastou seu tempo e dinheiro em atividades filantrópicas e cristãs. Em 1815 ele se interessou pela Sociedade de Londres para a Promoção do Cristianismo entre os Judeus. Comumente chamada de “Sociedade dos Judeus”, ela foi fundada em 1808. Way tratou dos problemas da Sociedade, reorganizou-a e também assumiu seu jornal, The Jewish Expositor [Expositor Judaico]. Sob o pseudônimo Basilicus, Way publicou uma série de artigos naquele jornal sobre a segunda vinda de Cristo nos anos de 1820 a 1822. Nesses artigos ele expôs seus conceitos pré-milenaristas. Estes artigos, bem como suas cartas anteriores sobre o mesmo tema, publicadas em 1816, influenciaram fortemente muitos estudiosos das profecias, incluindo Henry Drummond.
Henry Drummond (1786-1860), um banqueiro londrino muito rico que havia sido membro do Parlamento de 1810 a 1813, declarou em 1817 que estava “saturado das frivolidades vazias do mundo moderno” e partiu em peregrinação para a Terra Santa. Enquanto passou em Genebra, ele conheceu Robert Haldane, que havia iniciado uma campanha evangelística contra as tendências arianas no protestantismo. Drummond entrou nessa atividade e continuou a campanha, primeiro em Genebra e depois na França. Em 1819 ele, juntamente com Haldane, organizou a Sociedade Continental em Genebra, que foi formada para promover o ensino protestante nos países católicos romanos e proclamar o julgamento iminente de Cristo. Entre os seis vice-presidentes da Sociedade estava Lewis Way, que Drummond havia conhecido naquela época. No mesmo ano, 1819, Drummond comprou a mansão Albury Park em Albury, Surrey, perto de Guildford, e se estabeleceu quando retornou à Inglaterra. Ele tinha também uma bela casa em Belgrave Square, Londres, para ficar durante suas muitas visitas à capital britânica.
No início da década de 1820, Drummond e Way tornaram-se amigos íntimos. Ambos eram proeminentemente associados à Sociedade Continental, bem como à Sociedade Judaica, e ambos estavam profundamente envolvidos no estudo profético. Uma terceira organização foi formada para este último propósito em 1826 por Lewis Way, James H. Frere e Edward Irving. Esta foi a Sociedade para a Investigação da Profecia, da qual Drummond se tornou membro e promotor. A Sociedade foi formada por sugestão de Frere, um leigo que foi um dos mais proeminentes expositores britânicos de profecias bíblicas nas primeiras décadas do século 19.
Foi Lewis Way quem primeiro teve a ideia de uma conferência profética. O liberalismo “infiel” que prevalecia nas igrejas organizadas há algum tempo preocupava profundamente Way e seus amigos. Consequentemente, ele considerou a possibilidade de convocar essa conferência, Drummond, em um livreto publicado para circulação particular, descreve de maneira breve os antecedentes da primeira conferência profética:
… foi só no ano de 1826, quando o Sr. Lewis Way me informou que a maior parte do que era chamado de Mundo Religioso não acreditava que os judeus seriam restaurados em sua própria terra, e que o Senhor Jesus Cristo haveria de retornar e reinar pessoalmente nesta terra na regeneração, que eu tive as mais remotas ideias da massa de infidelidade que se escondia sob a aparência do que se chamava de Religião Evangélica. Porém, quando isso foi posto à prova, nos aniversários públicos de algumas das sociedades, não restava dúvida da verdadeira condição da fé daquela parte da igreja que tomou para si o título de Mundo Religioso: e algum esforço foi feito para neutralizar isso. O Sr. Way convocou uma reunião de alguns amigos em Londres, para considerar o que deveria ser feito para recuperar a igreja de seu erro; e achando Londres um lugar inconveniente para reunir muitos irmãos para deliberações sérias e calmas, decidiu-se convidá-los a Albury Park para esse propósito. Aqui umas trinta pessoas, das quais cerca de metade eram leigos, e a maioria dos demais clérigos da Igreja da Inglaterra, reuniram-se em novembro de 1826. Foram convidados todos que ainda eram conhecidos por terem preservado sua fé nos elementos da religião judaica e esperança cristã citados acima, sem distinção de seita ou partido; e essas reuniões haveriam de continuar por cinco anos consecutivos.13
Na lista posterior de participantes, Drummond dá quarenta e quatro nomes que evidentemente inclui os presentes em uma ou mais das cinco conferências.14 A este número pertenciam praticamente todos os eruditos milenaristas britânicos contemporâneos, como William Cuninghame e James Hatley Frere, ambos expositores de profecias bem conhecidos; Edward Irving, um ministro da Igreja da Escócia que se estabeleceu em Londres em 1822 e cuja eloquência atraiu grandes congregações; Joseph Wolff, o missionário viajante mais notável do mundo da época e, segundo Irving, “o erudito oriental mais versado existente no mundo”; Spencer Percival, filho do ex-primeiro-ministro; e o Rev. Hugh M’Neile, reitor de Albury, que presidiu as conferências.
Um relato entusiástico da primeira conferência em 1826 é dado por Edward Irving em sua introdução à obra de Juan Josafat Ben-Ezra, The Coming of Messiah in Glory and Majesty [A Vinda do Messias em Glória e Majestade], publicada em Londres em 1827.15 Seis dias inteiros foram gastos pesquisando as Escrituras. A maior parte da discussão concentrou-se principalmente em quatro assuntos: (1) os “tempos dos gentios”, (2) a restauração dos judeus, (3) o segundo advento de Cristo e (4) os períodos proféticos de Daniel e do Apocalipse. Assuntos similares foram discutidos nas conferências realizadas nos três anos seguintes. Uma espécie de resumos da discussão foram redigidos pelo anfitrião, Henry Drummond, cujo secretário havia tomado notas completas durante as sessões. Esses resumos, Dialogues on Prophecy [Diálogos Sobre Profecia], foram publicados em três volumes em 1827, 1828 e 1829.16 Em 1829 o grupo de Albury também começou a publicar um trimestral, The Morning Watch [A Vigília da Manhã], que foi financiado por Drummond e editado por um dos participantes, John Tudor. O objetivo deste jornal era levar ao conhecimento do público as opiniões e conclusões a que se chegou durante as conferências.17 Todavia, nenhum relatório apareceu para a última conferência, realizada em julho de 1830. Ela só durou três dias e, segundo Drummond, o interesse se concentrou nos relatos do suposto derramamento dos dons do espírito que ocorreu na Escócia no início da primavera daquele ano.18
Como resultado dessas conferências, vários participantes, até mesmo alguns dos que não se juntaram à igreja carismática de Irving e Drummond, mudaram sua concepção da segunda vinda de Cristo; eles começaram a abraçar o conceito da vinda em duas fases. Por exemplo, em 1828 William Cuninghame escreveu um livreto sobre o segundo advento intitulado A Summary View of the Scriptural Argument for the Second and Glorious Advent of Messiah before the Millennium [Um Resumo do Argumento Bíblico em Favor do Segundo e Glorioso Advento do Messias antes do Milênio], no qual ele argumentou nas páginas 11 e 12 que as três palavras gregas apokalypsis (revelação), epiphaneia (aparição) e parousia (vinda ou presença) referem-se a um único evento – a segunda e pessoal vinda de Cristo. Ele não divide esta vinda em duas ou três “etapas”. Porém, apenas três anos depois, Cuninghame mudou de ideia, afirmando que seu conceito anterior era um erro.
Creio que me enganei ao adiar o advento de nosso Senhor até o Dia da Pisada do Lagar no Armagedom; ao passo que acredito agora que ele vem muito antes desse evento. O último erro originou-se de eu não distinguir entre o advento no Ar, onde nosso Senhor é encontrado por seus santos, e sua posterior descida à superfície desta terra acompanhado por todos os seus santos, sendo que entre os dois estágios do advento eu agora penso que passará um intervalo considerável.19 [Itálicos acrescentados].
Visto que Cuninghame jamais aceitou como genuíno o derramamento dos dons do espírito em Port-Glasgow, Escócia, e depois na congregação de Irving, não é razoável supor que ele teria obtido seu novo conceito sobre a segunda vinda de alguma “pronunciação extática”. Então, de onde ele tirou a ideia? Será que isto surgiu durante as conferências de Albury Park? Um olhar mais atento nos relatórios de Drummond, Dialogues on Prophecy [Diálogos sobre Profecia], fornece a resposta.
IDENTIFICADO O ORIGINADOR
Conforme foi apontado anteriormente, o assunto do segundo advento de Cristo teve um lugar de destaque nas discussões em Albury Park. Durante a primeira conferência em 1825, a expressão “o dia do Senhor” foi examinada. “Anastasius”, isto é, Drummond, argumentou que este “dia” não pode significar um período de vinte e quatro horas, pois se refere a “todo o período do reinado de Cristo na terra”.20 Além disso, ele achava que este “dia” da vinda de Cristo não deve ser entendido como apenas um evento: “Devemos ter em mente que as coisas declaradas como pertencentes ao dia da vinda de Cristo, podem ser uma série de atos, em vez de uma grande e indivisível operação”. O primeiro evento desta “série de atos”, concluiu ele, é a ressurreição dos “mortos em Cristo” e a reunião destes com os santos vivos em Cristo. Isto acontecerá na “manhã” do “dia do Senhor”, “antes que se realize qualquer outro ato de julgamento.”22 Depois disso, Cristo se voltará para o povo judeu; “ele os convida a invocá-lo naquele ‘dia de angústia’, prometendo livrá-los, e que eles o glorificarão. Ele então se volta para os ‘ímpios’; e é evidente que devem ser os gentios professos que são descritos por este termo”, isto é, a cristandade apóstata.23
No periódico do grupo Albury, The Morning Watch [A Vigília da Manhã], o primeiro artigo sobre o conceito de vinda em duas fases apareceu na edição de setembro de 1830. O artigo, “On the Epiphany of our Lord Jesus Christ; and the Gathering of His Elect” [Sobre a Epifania de Nosso Senhor Jesus Cristo; e o Ajuntamento de Seus Eleitos], foi escrito pelo Rev. T. W. Cole.25 Visto que uma delegação do grupo de Albury tinha visitado Port-Glasgow, Escócia, no mês anterior para investigar o suposto derramamento dos dons do espírito lá, argumenta-se que o artigo de Cole baseou-se na visão profética de Margaret Macdonald no início de 1830. Porém, Cole nunca faz referência à visão dela, e sua discussão não tem muito em comum com seu conteúdo. O artigo seguinte sobre o assunto apareceu na edição de dezembro de 1831 e intitulou-se “The Hour of Christ’s Appearance” [A Hora do Aparecimento de Cristo].26 O autor afirma que o arrebatamento dos santos antecederá qualquer tribulação e julgamento e que será um evento invisível! De onde ele tirou essa ideia? Não foi de algum tipo de “pronunciamento profético”, pois, ao final do artigo, ele remete seus leitores a um tratado sobre o assunto intitulado The Lord is at Hand [O Senhor está Próximo], que, como veremos, foi escrito antes das visões de Margaret Macdonald. No entanto, ele contém uma apresentação clara do arrebatamento secreto e do conceito da vinda em duas etapas. O autor do folheto deve ter sido bem conhecido, pois seu nome não é dado: Quem era ele e quando ele escreveu isso?
É estranho que ninguém parece ter pensado em verificar esta referência ao tratado O Senhor está Próximo. Ele foi escrito e publicado em 1828 por Henry Drummond, o “Anastasius” dos Diálogos, que teve tanto a dizer sobre a vinda de Cristo como “uma série de atos” durante as sessões de Albury.27 Em seu tratado, Drummond repete seu conceito anterior sobre a vinda de Cristo, mas acrescentando algumas características importantes:
“O dia do Senhor” consiste em muitas partes, como todos os outros dias, e diferentes atos devem ser realizados em diferentes partes dele. A manhã é a que está marcada para a ressurreição, como o bispo Horsley bem mostrou no Salmo. 30:3, 5. A restauração dos judeus de todas as terras e o estabelecimento na própria terra deles não é um ato que pode ocorrer em um piscar de olhos, mas deve ser gradual e progressivo; a ressurreição dos santos falecidos e a mudança dos vivos não é um ato gradual e progressivo, e sim um ato repentino e instantâneo; consequentemente, o último deve ocorrer em algum momento do progresso do primeiro….
Então, durante a guerra que vem depois da mudança dos eleitos, as únicas testemunhas de Jeová que serão deixadas na terra serão os judeus, e ainda há uma promessa de que ‘serão tirados de toda angústia, e restabelecidos em sua própria terra: e que no momento exato de seu maior aperto, o Senhor se manifestará em favor deles. Assim, a aparição do Senhor para ressuscitar seus santos, e sua manifestação de novo, para salvar sua nação Israel, parecem estar distantes uma da outra por todo aquele período ocupado pela guerra do Armagedom, durante a qual o Senhor pode estar, ainda que na terra, invisível para todos, exceto seus santos ressuscitados.28 [Itálico acrescentado]
Nesta descrição da vinda de Cristo, encontramos todas as principais características da teoria do arrebatamento secreto e invisível completamente desenvolvidas: (1) a vinda será em duas fases, o arrebatamento e a manifestação, separados por um período de tempo; (2) os santos escaparão do tempo de tribulação e dos julgamentos vindouros sendo arrebatados antes desses eventos;29 e (3) esta etapa da vinda de Cristo será invisível para o mundo, uma presença invisível até a manifestação final.30
Assim, é possível acompanhar o desenvolvimento do conceito do arrebatamento secreto e da vinda em duas etapas por Drummond desde suas primeiras sugestões durante as conferências de Albury Park em 1826 e 1827 até esta exposição totalmente desenvolvida disso em 1828. Outra edição revisada de O Senhor está Próximo apareceu em 1829 ou 1830 — o ano não aparece — em que Drummond acrescenta mais alguns argumentos em apoio à sua nova ideia. Paralelamente à primeira e segunda vindas de Cristo, ele argumenta na página 16:
Embora seja comum falar da primeira vinda de Cristo como um evento único e isolado, ainda assim ela foi composta de muitas partes. Houve sua encarnação; nascimento; circuncisão, fuga e retorno do Egito; seu crescimento; seu batismo; seu ministério; sua morte; sua ressurreição; e sua ascensão. Da mesma maneira, a segunda vinda de Cristo deve ser composta de muitas partes: sendo suficiente para o momento assinalar duas: primeiro, sua aparição no ar quando ele desce e seus pés ficam no Monte das Oliveiras. Um intervalo de tempo, seja um minuto, um mês, um ano ou mil anos, deve transcorrer entre esses dois eventos.
Os conceitos de Drummond sobre a segunda vinda de Cristo frequentemente são repetidos em seus livros e artigos posteriores.31 A influência de Drummond como expositor das profecias geralmente não é levada em consideração. Porém, durante as Conferências de Albury Park, ele não só foi o anfitrião e secretário durante as sessões, como também teve uma participação proeminente nas discussões. Como se pode depreender dos títulos de seus escritos no Catálogo Geral do Museu Britânico, ele escreveu ou foi coautor de uns noventa livros e panfletos, a maioria dos quais tratando de assuntos bíblicos. Seu papel como criador do conceito do arrebatamento secreto e a rápida adoção dessa ideia por vários expositores bem conhecidos podem não parecer muito surpreendentes se encarados em seu contexto.
A DIFUSÃO DA TEORIA DO ARREBATAMENTO SECRETO
As ideias de Drummond logo foram adotadas por outros membros do grupo de Albury, como T. W. Cole, W. Cuninghame, J. Hooper e J. Tudor. Na verdade, alguns deles até fizeram referência a Drummond em suas primeiras discussões sobre a ideia. Conforme já observado, John Tudor fez referência direta ao tratado de Drummond, The Lord Is at Hand [O Senhor está Próximo]. E John Hooper, em seu tratado The Present Crisis, Considered in Relation to the Blessed Hope of the Glorious Appearing of the Great God, even our Savior Jesus Christ [A Crise Atual, Considerada em Relação à Bendita Esperança do Glorioso Aparecimento do Grande Deus, nosso próprio Salvador Jesus Cristo] (Londres 1831) mencionou as “observações do Sr. Drummond sobre este assunto, em um discurso que esse cavalheiro proferiu no Décimo-primeiro Aniversário da Sociedade Continental.”32
Do grupo de Albury, a teoria do arrebatamento secreto logo influenciou John Nelson Darby e seus associados. Conforme já mencionado, o grupo de Albury Park e Darby e seus associados tiveram contatos estreitos entre si no início do século 19. Na parte final de 1831, o movimento da Irmandade de Darby teve início em Plymouth, e em um dos primeiros cultos que a Irmandade teve lá um de seus líderes, o Capitão P. F. Hall “deu um sermão sobre o tema do Arrebatamento Secreto”.33 É significativo que Hall estava então sob a influência de Edward Irving. No mesmo ano, outra série de conferências proféticas foi iniciada em Powerscourt House, no condado de Wicklow, nos arredores de Dublin, Irlanda. Estas conferências se realizaram anualmente durante os anos de 1831 a 1836 e foram modeladas de acordo com as conferências de Albury Park. Na terceira conferência em 1833, que parece ter sido quase inteiramente dominada pela Irmandade de Plymouth, a teoria do arrebatamento secreto foi trazida para as discussões. Alguns dos principais membros da Irmandade, especialmente Benjamin Wills Newton de Plymouth, que rompeu com o movimento na década de 1840, se opôs à ideia, mas a maioria dos associados de Darby parece tê-la abraçado rapidamente.34
Embora a Igreja Católica Apostólica de Irving e Drummond tenha tido algum sucesso em seus primeiros anos, sua influência foi pequena em comparação com a do movimento de Darby. Muitos milenaristas se converteram à Irmandade de Plymouth, e muitos outros adotaram alguns dos conceitos de Darby, mesmo sem se juntar ao seu movimento. Assim aconteceu que foi principalmente através de Darby e seus seguidores que a ideia do arrebatamento secreto se difundiu, apesar do fato de que ela se originou com Henry Drummond e foi adotada originalmente por seus associados.
O REVERENDO ROBERT GOVETT
Muitos expositores de profecias amplamente lidos que não se juntaram nem aos Irvingitas nem à Irmandade tornaram-se defensores da ideia do arrebatamento secreto. Entre eles estava o reverendo Christopher Bowen, titular de St. Mary’s, Southwark, que, conhecido por sua cronologia bíblica,35 defendeu a ideia em um tratado publicado em 1849.36 Porém, o mais proeminente defensor britânico da ideia do arrebatamento secreto no século 19 foi, sem dúvida, o Rev. Robert Govett (1813-1901), um ex-clérigo anglicano que deixou a Igreja para ser ministro de uma congregação independente em Norwich. Sobre este homem James Grant afirma: “Provavelmente ninguém escreveu mais plenamente, ou com mais habilidade, em favor da transferência secreta dos santos da terra, enquanto o mundo está, em todos os aspectos, exceto quanto à religião, seguindo em seu caminho costumeiro, do que o Rev. R. Govett.”37
A consideração mais abrangente de Govett sobre a teoria do arrebatamento secreto pode ser encontrada em seu livro de 357 páginas, The Saints’ Rapture to the Presence of the Lord Jesus [O Arrebatamento dos Santos Para a Presença do Senhor Jesus], que foi publicado em Londres e Norwich em 1852. Uma característica importante dessa obra é a ênfase que ele coloca na afirmação de que a palavra grega parousia, usada vinte e quatro vezes no texto original do Novo Testamento, não significa “vinda”, e sim “presença”. Em seu prefácio Govett diz:
Um amigo que examinou as folhas à medida que saíam da prensa, observou-me: “Sua doutrina sobre o assunto principal do livro parece basear-se em sua mudança da palavra ‘vinda’ para ‘presença'”. Esta observação é bem correta. Nossas ideias são tão grandemente governadas por nossas palavras, que eu não percebi a verdadeira doutrina bíblica do retorno do Senhor Jesus até que a tradução real fosse substituída pela simples…
Que a palavra grega usada [parousia] significa “presença”, todo erudito grego admitirá imediatamente. Significa o oposto de ausência; o estar ao lado de certas outras coisas supostas nas circunstâncias. Este sentido a traduzirá por toda parte. Acrescento, portanto, que a palavra (parousia) jamais significa movimento, embora o movimento esteja freqüentemente implícito nas circunstâncias.38
Então, segundo Govett a “presença” ou parousia de Cristo começa quando ele desce do céu para o ar. Govett declara diretamente: “O tempo desta permanência no ar, durante o qual ele está oculto do mundo, e mantendo seu tribunal de investigação dos atos de seus santos, é o tempo de sua Presença.” E em uma nota de rodapé sobre esta afirmação, ele observa: “É por esta razão necessário traduzir parousia, ‘Presença’, pois por ‘vinda’ entendemos movimento, mas a Presença propriamente começa quando o movimento do céu cessou”.39 Assim, após este período de “presença invisível” no ar, Cristo descerá com seus santos à terra para salvar Israel e julgar o mundo. O conceito de Govett sobre o arrebatamento é bem complicado, pois ele fez distinção entre três arrebatamentos diferentes, dois antes da tribulação e um depois dela.40 Essas divisões do arrebatamento, provenientes da dificuldade em harmonizar certos textos bíblicos como Mateus 24:29, 31 com a doutrina do arrebatamento secreto, freqüentemente apareceram em apresentações posteriores da teoria.
Govett defendeu a ideia do arrebatamento secreto em vários outros escritos, e na década de 1860 ele a defendeu fortemente em uma série de artigos amplamente lidos no The Rainbow [O Arco-Íris], uma revista milenarista.
A REVISTA TRIMESTRAL DE PROFECIA E O ARCO-ÍRIS
As discussões sobre o arrebatamento secreto ou a doutrina da vinda em dus etapas tiveram um lugar de destaque em algumas revistas milenaristas britânicas. Uma delas foi a Quarterly Journal of Prophecy [Revista Trimestral de Profecia], editada por Horatius Bonar, “o principal milenarista da segunda geração”,41 que havia deixado a igreja presbiteriana escocesa em 1843 e mais tarde se tornou ministro da Chalmers Memorial Church em Edimburgo. A Quarterly Journal of Prophecy foi publicada de 1849 a 1873. Serviu como a principal revistas milenarista britânica durante quase todo esse período. Embora o próprio Bonar tenha rejeitado a doutrina do arrebatamento secreto e escrito artigos contra ela,42 ele também concedeu aos seus defensores espaço em sua revista.43
Mas as batalhas mais acaloradas sobre a questão do arrebatamento secreto foram travadas na revista The Rainbow [O Arco-Íris], lançada em Londres em 1864. Seu editor era o Rev. Dr. William Leask, um anglicano, que editou O Arco-Íris por uns vinte anos e também foi um ministro da Maberly Chapel em Londres. Nos últimos dois anos de sua existência (1886-87), O Arco-Íris foi editada pelo famoso tradutor da Bíblia, Joseph B. Rotherham.
O Arco-Íris é importante para nossa consideração por causa de sua influência sobre Charles T. Russell – o fundador da Sociedade Torre de Vigia, o corpo legalmente constituído pelo qual as Testemunhas de Jeová são governadas hoje – e sobre seus primeiros contatos e associados. Esses associados, George Storrs, George W. Stetson, Miles Grant, Joseph A. Seiss e Nelson Barbour, eram todos assinantes dela, como o próprio Russell provavelmente era, embora isso não possa ser definitivamente estabelecido.44 De qualquer forma, muitas das ideias repetidamente defendidas em O Arco-Íris apareceram depois nos escritos de Russell
Uma das questões mais importantes debatidas em O Arco-Íris foi a questão da imortalidade da alma humana. Leask, assim como vários colaboradores regulares (especialmente William Maude e Henry Constable) negavam a doutrina tradicional da alma imortal, bem como a do tormento eterno para os condenados, argumentando fortemente que a alma humana é mortal e que a imortalidade só é possível em Cristo.45 Outros assuntos discutidos repetidamente em O Arco-Íris foram a cronologia,46 os tempos dos gentios, o significado bíblico da Grande Pirâmide,47 a parousia de Cristo como uma presença invisível e muitos outros.48
Desde o início, O Arco-Íris dedicou bastante espaço à inteira questão da presença invisível – arrebatamento segreto, tanto na seção “Correspondência” quanto na forma de artigos pró e contra. Das 570 páginas do primeiro volume, por exemplo, cerca de dez por cento foram dedicadas a esse assunto. A maioria dos colaboradores, tais como T. George Bell, William S. Ross Jr., E. H. Tuckett, Alfred S. Goodridge, o reverendo Richard Chester, John Avil, Joseph Seiss e Robert Govett escreveram a favor da ideia, enquanto Charles Underhill, James Grant, Joseph Bryan, G. Greenwell e William Maude a rejeitaram total ou parcialmente. Especialmente importantes são os muitos artigos de Govett, porque seus principais argumentos foram posteriormente repetidos quase literalmente por Charles Russell e seus associados. Como em seus escritos anteriores, Govett enfatizou o pensamento de que a palavra grega parousia significa “presença” e não “vinda”: “Permitam-me observar aqui quão importante é a tradução exata, e como os estudantes mais cuidadosos das Escrituras podem se enganar, a menos que façam referência aos originais inspirados. Será que muito do erro que estou combatendo agora não surgiu da palavra grega parousia sendo traduzida como ‘vinda’? Suponho que todos os eruditos admitirão que significa a justaposição de dois objetos - ‘estar presente, presença’, como Liddell e Scott definem. A palavra em si jamais significa movimento.”49
Só quando parousia for traduzida como “presença” em vez de “vinda”, argumentou Govett, alguém “entenderá de uma vez como ela pode supor muitos atos e um período considerável”.50 Em seu segundo artigo sobre o assunto, Govett discutiu Mateus 24. Traduzindo a pergunta dos apóstolos no versículo 3 como “Qual será o sinal da tua presença?”, ele argumentou que os discípulos não perguntaram pelo sinal que antecede ou acompanha a vinda de Cristo, e sim pelo sinal indicando que ele já havia chegado e estava invisivelmente presente: “Isto me parece muito decisivo. O fornecimento do sinal da Presença mostra que ela é secreta. Não precisamos de algum sinal para nos dar a conhecer a presença daquilo que vemos.” Ele assinalou como o significado alterado da palavra parousia neste texto também mudou o entendimento da maneira do segundo advento de Cristo:
Tomemos agora a verdadeira tradução da palavra bíblica em questão, e veremos como um uso correto dela desatará esse nó górdio. Se dissermos: “Qual é o sinal da Tua vinda?” (Matt. xxiv. 3) então, na teoria oposta, estamos pedindo um sinal do movimento futuro do Salvador do mais alto dos céus.
Se dissermos: “Qual é o sinal da tua presença?” estamos pedindo uma prova da existência de Jesus em segreto no ar, depois de seu movimento em direção à terra ser interrompido por algum tempo.
Os discípulos perguntam: “Qual será o sinal da tua presença?” (versículo 3). Então, isso nos assegura que eles imaginaram que Jesus estaria presente em secreto. Não precisamos de sinal algum do que é exibido abertamente.52
Esses argumentos tiveram um grande impacto sobre os leitores de Govett. Eles foram rapidamente captados e repetidos por outros, tanto em O Arco-Íris quanto em outros lugares. Hoje, eles são fundamentais para o sistema doutrinário dos seguidores modernos de Charles Russell, a maioria dos quais afirma que Cristo veio em 1914 e tem estado invisivelmente presente desde então. Devemos concluir, então, que Russell obteve seus conceitos sobre a presença invisível de Cristo e o arrebatamento secreto de Govett? Não se pode descartar totalmente esta possibilidade, especialmente porque alguns dos melhores argumentos de Russell para a ideia tinham sido formulados anteriormente por Govett. Mas há indicações de que o crédito pela adoção original de Russell da doutrina da presença invisível – arrebatamento secreto deve ser dado a outro homem, um milenarista de reputação e influência muito maiores. Informações sobre quem ele era podem ser encontradas no artigo Charles Taze Russell e o Arrebatamento Secreto.
NOTAS
1 – Dwight Wilson, Armageddon Now! [Armageddon Agora!] (Grand Rapids: Baker Book House, 1977), pág.12.
2 – James Grant, The End of all Things; or, The Coming and Kingdom of Christ [O Fim de Todas as Coisas; ou, A Vinda e o Reino de Cristo], Segunda Edição (Londres, 1866), pág. 316.
3 – A concepção do “arrebatamento” passou por uma série de desenvolvimentos nas interpretações anteriores da Sociedade Torre de Vigia. Atualmente eles defendem que a “primeira ressurreição” ocorreu em 1918 e que os “cristãos ungidos” entre as Testemunhas de Jeová que morreram desde aquela data foram “transformados” imediatamente no momento da morte e unidos com Cristo. Defende-se também que este processo continuará durante a grande tribulação e por um período depois dela. Assim, o arrebatamento é visto como um evento bem prolongado.
4 – Veja especialmente Dave MacPherson, The Incredible Cover-up [O Incrível Encobrimento] (Plainfield, N. J.: Logos International, 1975).
5 – Isto foi admitido por Robert Baxter, um advogado de Doncaster que se juntou à igreja de Irving em agosto de 1831, mas que a deixou em fevereiro de 1832. Ele afirmou também que isso foi um delírio. Veja sua Narrative of Facts, Characterizing the Supernatural Manifestations in Members of Mr, Irving’s Congregation, and Other Individuals, in England and Scotland, and Formerly in the Writer Himself [Narrativa de Fatos, Caracterizando as Manifestações Sobrenaturais em Membros da Congregação do Sr. Irving e Outros Indivíduos, na Inglaterra e Escócia, e Anteriormente no Próprio Autor] (Londres, 1833), págs. 17, 18.
6 – Uma declaração citada frequentemente é a de S. P. Tregelles na página 35 em The Hope of Christ’s Second Coming [A Esperança da Segunda Vinda de Cristo] que foi publicado originalmente em Londres em 1864 e foi reimpresso pelo Sovereign Grace Advent Testimony (Londres, 1964). Essa declaração diz: “Não estou ciente de que tenha havido qualquer ensino definido de que haveria um arrebatamento secreto da Igreja em uma vinda secreta, antes que isso fosse dado como um ‘pronunciamento’ na Igreja do Sr. Irving, o qual foi recebido como sendo a voz do Espírito”. Tregelles, que havia sido um dos primeiros associados de J. N. Darby, mais tarde se opôs aos conceitos dele, inclusive a teoria do arrebatamento secreto. Tregelles também afirma na mesma página, da qual ele é citado acima, que a ideia do arrebatamento secreto surgiu por volta de 1832.
7 – MacPherson, págs. 36 em diante, 54, 62 (nota 21) e o Apêndice nas págs. 151-7 no próprio relato de Margaret Macdonald de sua revelação conforme reproduzido por Robert Norton em seus livros Memoirs of James & George Macdonald, of Port Glasgow [Memórias de James & George Macdonald, de Port Glasgow] (Londres, 1840) e The Restoration of Apostles and Prophets in the Catholic Apostolic Church [A Restauração dos Apóstolos e Profetas na Igreja Católica Apostólica] (Londres, 1861).
8 – Veja, por exemplo, a discussão de R. A. Huebner em The Truth of the Pretribulation Rapture Recovered [A Verdade do Arrebatamento Pré-tribulacional Recuperada] (Millington, N. J.: Present Truth Publishers, 1970), págs. 65-72.
9 – R. Norton, The Restoration of Apostles and Prophets [A Restauração dos Apóstolos e Profetas], págs. 15, 16.
10 – Huebner, págs. 57, 60.
11 – Ibid., págs. 44, 56, 57, 74.
12 – A maior parte da informação que segue sobre Way e Drummond pode ser encontrada em E. R. Sandeen, The Roots of Fundamentalism [As Raízes do Fundamentalismo] (Chicago e Londres: Editora da Universidade de Chicago, 1970), págs. 9-22 e R. A. Davenport, Albury Apostles [Os Discípulos de Albury] (Londres: United Writers, 1970), págs. 15-28.
13 – Henry Drummond, Narrative of the Circumstances Which Led to the Setting Up of the Church of Christ at Albury [Narrativa das Circunstâncias que Levaram ao Estabelecimento da Igreja de Cristo em Albury] (Londres, 1834), pág. 7.
14 – Ibid., pág. 8.
15 – Juan Josefat Ben-Ezra era o pseudônimo do jesuíta chileno Manuel de Lacunza. A Vinda do Messias foi escrito originalmente em espanhol em 1791. Tendo circulado por alguns anos em forma de manuscrito, foi publicado em 1812. Edward Irving o leu em 1826 e ficou tão impressionado com ele que o traduziu para o inglês, acrescentando-lhe uma longa introdução. Como Lacunza defendia fortemente a vinda pré-milenial de Cristo, seu trabalho despertou muito interesse entre os participantes das conferências de Albury.
16 – Os Diálogos não são relatos literais das discussões. Eles foram escritos como discussões entre os participantes que receberam nomes fictícios. A maioria desses pseudônimos, no entanto, pode ser identificada. “Aristo”, por exemplo, é Irving, “Crito” é Frere, “Sofron” é Cuninghame, “Basileus” é Lewis Way, “Isocrates” é M’Neile e “Anastatius” é o próprio Drummond. Fontes importantes para as identificações são dois documentos manuscritos de um ou dois dos participantes das conferências. Estes podem ser encontrados em uma cópia dos Diálogos na British Library [Biblioteca Britânica], em Londres.
17 – A publicação de A Vigília da Manhã teve de ser encerrada em 1833 por causa do envolvimento do editor na formação da Igreja Católica Apostólica.
18 – Drummond, “Narrative” [Narrativa], págs. 11-13.
19 – William Cuninghame, Esq., Strictures on Certain Leading Positions and Interpretations of the Rev. Irving’s Lectures on The Apocalypse [Restrições sobre Certas Posições e Interpretações Principais das Palestras do Rev. Irving sobre o Apocalipse] (Glasgow, 1831), pág. vi. A citação é do Prefácio, datado de 22 de janeiro de 1831. Além disso, Cuninghame afirma que o tratado foi escrito “em intervalos distantes, durante trabalhos incessantes de vários tipos”, indicando assim que foi escrito durante o ano anterior, 1830. Outros expositores que adotaram o conceito da “vinda em duas etapas” durante este período foram o Rev. T. W. Cole, Edward Irving, John Tudor e o Rev. John Hooper. Compare o tratado de Hooper, The Doctrine of the Second Advent [A Doutrina do Segundo Advento] (Londres, 1829), p. 31 com seu livreto, The Present Crisis, Considered in Relation to the Blessed Hope Of the Glorious Appearing of the Great God, Even Our Savior Jesus Christ [A Crise Atual, Considerada em Relação à Bendita Esperança do Glorioso Aparecimento do Grande Deus, nosso próprio Salvador Jesus Cristo] (Londres, 1831), págs. 15, 16, 33.
20 – Drummond, Dialogues on Prophecy [Diálogos sobre Profecia], Vol. 1, 1827, págs. 158, 160
21 – lbid., pág. 166
22 – Ibid., págs. 161, 176.
23 – Ibid., págs. 176, 177. Curiosamente, esta ordem de acontecimentos é idêntica à apresentada por Manuel de Lacunza em seu livro The Coming of Messiah in Glory and Majesty [A Vinda do Messias em Glória e Majestade]. Citando a descrição que Paulo faz da vinda de Cristo em 1 Tessalonicenses 4: 16, 17, Lacunza declara: Em um momento, em um piscar de olhos, esta primeira ressurreição dos santos da primeira ordem tendo ocorrido, os poucos dignos desse nome que ainda serão encontrados na terra, por sua fé e justiça incorruptíveis, serão arrebatados junto com os santos falecidos que acabaram de ressuscitar, e subirão com eles ‘para encontrar o Senhor nos ares’. … As coisas estando então neste estado, e não tendo o Senhor nada em todo o orbe da terra para contemplar, exceto apenas certa mulher solitária [uma referência à ‘mulher’ de Apocalipse 12 a quem Lacunza havia anteriormente identificado como o Israel carnal ou os judeus] que está deplorando no deserto sua cegueira e iniqüidades passadas, e a quem ele salvará naquele dia, de acordo com suas promessas (embora para isso alguns grandes milagres sejam necessários), imediatamente começará a ser realizado sobre este orbe da terra todas aquelas coisas grandes e horríveis que são anunciadas para aquele dia.” (Vol. II, págs. 215, 216) Irving, que havia traduzido a obra de Lacunza no verão de 1826, poderia muito bem ter chamado a atenção de Drummond para os conceitos de Lacunza antes ou durante a conferência de Albury Park em novembro de 1826.
24 – Drummond, Dialogues on Prophecy [Diálogos sobre Profecia], Vol. II, 1828, págs. 47-61.
25 – The Morning Watch [A Vigília da Manhã], setembro de 1830, págs. 587-593. O artigo é assinado por “T. W. C.”, que muito provavelmente representa o Rev. T. W. Cole, um dos participantes das conferências de Albury Park.
26 – Ibid., dezembro de 1831, págs. 251-254. Como este artigo não foi assinado, evidentemente foi escrito pelo editor, John Tudor. Na mesma edição, nas páginas 317-327, John Hooper também tem um artigo sobre o assunto, defendendo uma vinda em três etapas!
27 – O título completo do folheto é The Lord is at Hand; or The Last Trump [O Senhor está próximo; ou A Última Trombeta] (Londres, 1828) De acordo com o Catálogo Geral do Museu Britânico, Vol. 56, Henry Drummond foi seu autor.
28 – Drummond, O Senhor está Próximo, págs. 14-16.
29 – O termo “arrebatamento pré-tribulacional” que é comumente usado hoje não foi usado durante o período em que a teoria se tornou conhecida e circulou, embora para Drummond e seus associados o arrebatamento fosse claramente pré-tribulacional. Para eles, a “tribulação” sobre os inimigos de Cristo e os “julgamentos” do Armagedom eram a mesma coisa.
30 – Drummond aponta para a presença invisível de Cristo durante os quarenta dias depois de sua ressurreição e diz: “Ele pode, da mesma maneira, após seu segundo advento, permanecer invisível para o mundo, e só se manifestar na grande crise de sua antiga igreja (o Israel carnal). Drummond, O Senhor está Próximo.
31 – Veja, por exemplo, o tratado The Second Coming of the Lord Jesus Christ [A Segunda Vinda do Senhor Jesus Cristo] (Londres, 1829) e seu artigo “Popular Introduction to the Study of the Apocalypse” [Introdução Popular ao Estudo do Apocalipse], publicado em The Christian Observer [O Observador Cristão] de março de 1830, págs. 130-142 . A ideia também é sugerida em seu discurso “Observations on Matthew XXIV” [Observações Sobre Mateus 24], publicado em Papers Read before the Society for the Investigation of Prophecy [Documentos lidos perante a Sociedade para a Investigação da Profecia], (Londres, 1828), págs. 23-36.
32 – Pág. 2
33 – Harold H. Rowden, The Origins of the Brethren [As Origens da Irmandade] (Londres: Pickering and Inglis, Ltd., 1967), págs. 74, 78, 82.
34 – Rowdon págs. 96, 97. Sandeen, págs. 36-38. Outros associados proeminentes de Darby que rejeitaram a ideia do arrebatamento secreto foram George Muller de Bristol, fundador da “Open Brethren” [Irmandade Aberta], e S. P. Tregelles. A Irmandade Aberta, porém, aceitou a teoria apesar da oposição de Muller.
35 – A cronologia dele é conhecida à base de Horae Apocalypticae [Horas Com o Apocalipse] de E. B. Elliott (4ª edição), Vol. 4, pág. 236, da qual o adventista americano, Nelson Barbour a obteve.
36 – Rev. Christopher Bowen, “Things to Come” Practically Inquired Into [“Coisas Por Vir”, Inquiridas na Prática] (Londres, 1849).
37 – James Grant, pág. 341.
38 – Robert Govett, The Saints Rapture to the Presence of the Lord Jesus [O Arrebatamento dos Santos à Presença do Senhor Jesus] (Londres e Norwich, 1852) págs. iv, v.
39 – Ibid., pág. 1.
40 – Ibid., págs. 9-14. 269, 290-295.
41 – Sandeen, pág. 25.
42 – The Quarterly Journal of Prophecy [Revista Trimestral de Profecia], Vol. 16, 1864, págs. 54-62. Veja também as págs. 363-367 do mesmo volume.
43 – Por exemplo John R. Echlin no Vol. 21. págs. 405-411 (“Guiding Principles of Prophetical Interpretation” [Princípios Orientadores da Interpretação Profética]).
44 – Que Miles Grant, Stetson e Storrs eram leitores regulares de O Arco-Íris, é evidente à base das contribuições deles para a seção “Correspondência” da revista: Grant em 1870, págs. 95, 96; Stetson em 1873, pág. 94; e Storrs em 1879, pág. 92. Seiss contribuiu com artigos (por exemplo, em 1877, págs. 337-343), e as interpretações cronológicas de Barbour foram frequentemente mencionadas favoravelmente por um Sr. E. H. Tuckett (1877, págs. 376-381, 421-426; 1878, págs. 514- 519) Uma resenha de Os Três Mundos de Barbour apareceu em 1877 (pág. 334); e em 1886 Rotherham publicou uma extensa resenha do Plano das Eras de Russell (págs. 507-517). Storrs reimprimiu vários artigos de O Arco-Íris em seu Bible Examiner [O Examinador da Bíblia].
45 – Uma controvérsia sobre este assunto, que durou anos, começou com o artigo de William Maude “Immortality” [Imortalidade], publicado na edição de março de 1869.
46 – Vários colaboradores, por exemplo F. W. Farrar (1° de novembro de 1865, págs. 491-498), apontaram 1872 como o fim dos 6.000 anos. O mesmo fizeram Nelson Barbour e Charles Russell alguns anos depois.
47 – Tuckett e outros enfatizaram que os “polegadas-anos” da Grande Pirâmide apontavam para 1874, 1878 e 1881 (1877, pág. 426; 1878, pág. 516), assim como Charles Russell depois em suas considerações sobre a pirâmide.
48 – Isto não quer dizer que Russell obteve todas as suas ideias direta ou indiretamente de O Arco-Íris; por exemplo, a crença dele na mortalidade da alma veio de George Storrs que, por sua vez, a herdou de Henry Grew.
49 – R. Govett., “Will the Rapture Be Visible or Secret?” [Será o Arrebatamento Visível ou Secreto?], O Arco-Íris, junho de 1864, pág. 260.
50 – Ibid.
51 – O Arco-Íris, julho de 1864, pág. 296.
52 – O Arco-Íris, junho de 1866, pág. 265 e julho de 1866, pág. 302.
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Imagem em destaque: Cena do filme Testemunhas de Jeová – Fé em Ação, Parte 1 (Watchtower Bible and Tract Society – EUA, 2010)