Charles Taze Russell e o arrebatamento secreto
INTRODUÇÃO
Em 1894, o Pastor Charles T. Russell, o primeiro presidente da Sociedade Torre de Vigia (EUA) e fundador do movimento que por fim se tornou a organização das Testemunhas de Jeová, escreveu um breve esboço do desenvolvimento de seus conceitos, que foi incluído em uma edição especial da revista Zion’s Watch Tower (A Torre de Vigia de Sião). Descrevendo o crescimento do conhecimento vivenciado por seu grupo de estudos bíblicos em Allegheny, Pensilvânia, EUA, de 1872 a 1875, ele indica que foi nesse período que chegou à conclusão de que a segunda vinda de Cristo seria um evento invisível:
Durante esta época, chegamos a reconhecer também a diferença entre nosso Senhor como “o homem que se entregou” e como o Senhor que voltaria de novo, um ser espiritual. Vimos que seres espirituais podem estar presentes, e, ainda assim, ser invisíveis aos homens…
Foi por volta de janeiro de 1876 que minha atenção foi especialmente atraída para o assunto do tempo profético, conforme se relaciona com estas doutrinas e esperanças. Aconteceu do seguinte modo: Recebi um jornal intitulado The Herald of the Morning [Arauto da Manhã], enviado por seu editor, o Sr. N. H. Barbour… Mas, avalie minha surpresa e satisfação, quando eu descobri pelo seu conteúdo que o editor estava começando a abrir os olhos sobre os assuntos que por alguns anos tanto alegraram nossos corações aqui em Allegheny – que o objetivo do retorno de nosso Senhor não é para destruir, mas para abençoar todas as famílias da terra, e que sua vinda seria como um ladrão, e não em carne, mas como um espírito – sendo invisível aos homens.1
Nesse relato, Russell indica que “por alguns anos” antes de conhecer Barbour em 1876, ele e seus associados vinham mantendo a convicção de que o retorno de Cristo seria invisível. Na verdade, ele afirma que foi sua descoberta de que Barbour concordava com ele neste ponto que despertou seu interesse nos cálculos de tempo de Barbour e o levou a contatá-lo desde o início. Se a apresentação de Russell da ordem dos eventos está correta, então ele não aprendeu sobre a vinda invisível de Cristo de Barbour (que disse que a obteve de B.W. Keith, um leitor de seu jornal). Então, quando e como foi que Russell chegou a essa ideia?
Alguma luz interessante é lançada sobre esta questão por um dos associados mais íntimos do Pastor Russell, Paul S. L. Johnson, em um livro sobre Russell publicado em 1938, intitulado The Parousia Messenger [O Mensageiro da Parousia].2 Referindo-se a uma longa entrevista que teve com Russell em 1903, ele nos dá as seguintes informações:
Durante uma visita à Casa da Bíblia em Allegheny, no outono de 1903, durante os Debates Russell-Eaton, perguntamos ao nosso pastor como ele havia chegado ao seu entendimento da Palavra do Senhor; e em resposta à nossa pergunta ele nos deu um relato, que durou seis horas divididas em duas noites, de seu crescimento na Verdade de seus dezessete aos trinta anos de idade…
De 1872 a 1875 o Ir. Russell continuou a aumentar em graça, conhecimento e frutificação na obra. Foi em outubro de 1874, que ele veio a entender que Jesus em Sua ressurreição se tornou um ser espiritual, e que, portanto, Ele não viria em Seu segundo advento em carne, mas como um glorioso Espírito Divino, e então seria necessariamente invisível aos olhos humanos naturais. Ele incorporou esses pensamentos, bem como aqueles sobre o objetivo do retorno de nosso Senhor, em um tratado intitulado The Object and Manner of Our Lord’s Return [O Objetivo e a Maneira do Retorno de Nosso Senhor].3
Assim, de acordo com este relato, foi em outubro de 1874, que Russell abraçou o conceito de arrebatamento secreto. Embora essa data possa muito bem ter sido inventada depois, para demonstrar que Russell foi esclarecido sobre esse assunto exatamente no momento em que depois, graças a Barbour, veio a aceitar como a data do retorno invisível de Cristo (outubro de 1874), isso também pode ser tomado como verídico, pois não parece haver razão para duvidar de que Russell já tinha adotado a doutrina do arrebatamento secreto algum tempo antes de saber das opiniões de Barbour.4 Que o conceito dele da vinda de Cristo realmente incluía todas as principais características da doutrina do arrebatamento secreto é muito evidente à base de suas declarações no panfleto que ele publicou sobre o assunto, The Object and Manner of Our Lord’s Return [O Objetivo e a Maneira do Retorno de Nosso Senhor], sua primeira consideração escrita sobre o assunto: “Resumidamente declaramos acreditar que as escrituras ensinam que, em Sua vinda e por algum tempo depois que Ele tiver vindo, Ele permanecerá invisível; depois se manifestará ou se mostrará em julgamentos e de várias formas, de modo que “todo olho o verá…. Assim descobrimos que quando Ele aparecer em glória, estamos com Ele, e naturalmente devemos ser tomados para encontrá-lo antes de podermos aparecer com Ele.”5
A concepção de Russell do arrebatamento secreto e sua maneira de formulá-lo revelam sua dependência de outros expoentes dessa ideia. Uma indicação de sua verdadeira fonte pode ser encontrada em um interessante incidente relatado pelo próprio Russell durante a entrevista em 1903. Quando Russell publicou o livreto O Objetivo e a Maneira do Retorno de Nosso Senhor, este foi lido por um amigo do Dr. Joseph A. Seiss, um conhecido pastor luterano na Filadélfia e um forte defensor do milenarismo. De acordo com o relato que Paul S. L. Johnson fez da entrevista, o Dr. Seiss tinha alguns conceitos pouco claros sobre o advento pré-milenial e o reino milenar de Cristo e estava à procura de uma solução para suas dificuldades. Assim, seu amigo “sugeriu que o Ir. Russell era o homem certo para prestar a ajuda necessária”.6 Como resultado, o Dr. Seiss chamou Russell, que veio pessoalmente à Filadélfia, trazendo junto O Objetivo e a Maneira do Retorno de Nosso Senhor. No mínimo, essa visita deve ter ocorrido em 1877, depois da publicação do folheto de Russell.7 Durante a conferência com Seiss, o assunto do arrebatamento secreto foi tratado, um fato sobre o qual Johnson fornece as seguintes informações notáveis:
Quando o Ir. Russell nos relatou a história de seus contatos com o Dr. Seiss, ele nos contou uma coisa que nos surpreendeu. Ele disse que em uma das publicações do Dr. Seiss este último declarou que nosso Senhor seria invisível em Seu Segundo Advento, e que, ao explicar seu próprio conceito, o Ir. Russell lembrou ao Dr. Seiss esta sua declaração, momento em que, para surpresa do Ir. Russell, o Dr. Seiss não se lembrava de ter tido esse pensamento. Ele tinha o conceito nominal regular da igreja de que nosso Senhor ressuscitou dos mortos na carne e, naturalmente, não explicou Sua invisibilidade em Seu Segundo Advento com base em que os seres espirituais são invisíveis, como fazia nosso Pastor… Ao comentar sobre o relevante esquecimento do Dr. Seiss, o Ir. Russell expressou espanto de que uma vez que havia tido esse pensamento ele poderia tê-lo esquecido.8
Há duas coisas a se observar neste episódio: (1) Russell tinha lido algumas das publicações de Seiss e sabia que Seiss achava que a segunda vinda de Cristo seria invisível; (2) Russell alegou que Seiss havia esquecido que já havia mantido esse conceito. Estas são declarações peculiares, de fato! Seria Seiss realmente um adepto da doutrina do arrebatamento secreto? Será que ele a defendeu em seus escritos? Se ele fez isso, como poderia ter esquecido seus próprios conceitos sobre o assunto? É possível que Russell não tenha sido o professor do Dr. Seiss, como alguém poderia concluir ao ler sobre essa conferência, e sim seu aluno? Um exame das publicações de Seiss lançará alguma luz sobre essas questões.
DR. JOSEPH A. SEISS – O CAMPEÃO DA DOUTRINA DO ARREBATAMENTO SECRETO
Durante o século 19, as obras dos principais expositores milenaristas britânicos, assim como as revistas milenaristas britânicas, logo chegaram aos Estados Unidos e por meio delas veio o conceito do arrebatamento secreto. Assim como na Inglaterra, vários periódicos milenaristas, como o Literalist [O Literalista] (iniciado em 1840), a American Millenarian and Prophetic Review [Resenha Milenarista e Profética Americana] (publicado de 1842 a 1844), a Theological and Literary Journal [Revista Teológica e Literária] (fundado em 1848) e o Prophetic Times [Tempos Proféticos] (1863-1881) apareceram nos Estados Unidos. O último mencionado foi o principal periódico milenarista dos Estados Unidos no período em que foi publicado. Era editado pelo mesmo homem mencionado acima, o Dr. Joseph A. Seiss, com a ajuda de dez outros editores. O Dr. Seiss era um homem de notável energia e habilidade. “Além de seu trabalho como editor do Tempos Proféticos, ele escreveu dezenas de livros – pelo menos sete sobre assuntos milenaristas – ministrou em uma congregação da Filadélfia, descrita como a maior igreja luterana inglesa nos Estados Unidos, serviu de 1867 a 1879 como editor do Lutheran [O Luterano], e foi presidente da diretoria do Seminário Teológico Luterano da Filadélfia de 1865 até sua morte em 1902.”9 Ele nasceu em 1823, e se seu encontro com Russell ocorreu em 1877, ele estava com 54 anos e no auge de sua atividade, enquanto Russell era só um jovem de vinte e cinco anos.
Não pode haver dúvida de que Seiss foi um forte defensor da ideia do arrebatamento secreto, pelo menos desde o início da década de 1860 em diante, e não há evidências de que ele tenha abandonado esse conceito. Em uma de suas obras mais populares, The Last Times and the Great Consummation [Os Últimos Tempos e a Grande Consumação], ele disse em uma nota à parte, intitulada “On the two stages of the translation” [Sobre os dois estágios da transferência]:
Parece haver também uma indicação de que até mesmo a vinda de Cristo deve ter dois estágios distintos… Ele deve vir “como um ladrão de noite”; mas ele também virá “nas nuvens do céu, com poder e grande glória”, “vingando-se daqueles que não conhecem a Deus” e será “admirado em todos os que crêem”. No primeiro caso, ele é aparentemente invisível, removendo como que furtivamente os que estão esperando e prontos. No outro caso, “todo olho o verá”, e ele cavalga em suas carruagens celestiais como um poderoso conquistador, esmagando diante de si todos os seus inimigos grandes e pequenos e reunindo a si a grande totalidade dos que acreditam em seu nome. Estas duas vindas, ou estágios de sua manifestação, não podem ocorrer ao mesmo tempo e, portanto, envolveriam uma transferência em duas partes.
Isto foi escrito em 1863, no mesmo ano em que o Tempos Proféticos foi lançado. No primeiro número deste periódico, os editores publicaram uma espécie de credo, “Cremos”, do qual o décimo segundo artigo continha um compromisso cautelosamente formulado com a doutrina do arrebatamento secreto.11 Nas edições posteriores, este assunto foi abordado várias vezes, e Seiss não fez qualquer segredo de sua posição. Em 1865 ele publicou o artigo “The Manner of Christ’s Coming” [A Maneira da Vinda de Cristo], no qual ele argumentou que a primeira fase da vinda será invisível;12 e em 1866, em outro artigo intitulado “The Stealing Away of the Saints” [O Arrebatamento dos Santos], ele esboçou a mesma conclusão.13 Em 1871, outro dos editores do Tempos Proféticos, E. E. Reinke, defendeu a ideia de vinda em duas etapas no artigo “For and With” [Para e Com], enfatizando que a parousia de Cristo é diferente de sua epifania. Desde aquele momento, a ideia do arrebatamento secreto ganhou mais espaço na revista, sendo publicados vários artigos apoiando isso em cada um dos volumes seguintes: Em 1872, um escritor, usando a assinatura “F.P.M.”, discutiu “The Object of Christ’s Second Coming” [O Objetivo da Segunda Vinda de Cristo]15 e em 1873 o reverendo Richard Chester argumentou que o intervalo entre as duas etapas seria de três anos e meio.16
Uma das considerações mais interessantes sobre a teoria do arrebatamento secreto foi o artigo “The Two Stages of the Advent” [As Duas Fases do Advento], escrito por John G. Wilson e publicado na edição de setembro-outubro de 1874.17 Assim como outros expositores, Wilson defendia que a primeira fase da vinda de Cristo seria invisível e que o Israel carnal seria restaurado na Palestina durante o intervalo antes da manifestação final de Cristo. Curiosamente, Wilson afirmou que a duração desse intervalo “será de pelo menos quarenta anos”.18 Barbour também, seguido por Russell, defendeu que o intervalo seria de quarenta anos, de 1874 a 1914.19
A partir de 1875, John G. Wilson atuou como editor-chefe do Tempos Proféticos, cujo nome foi então ligeiramente mudado para The Prophetic Times and Watch Tower [Os Tempos Proféticos e Torre de Vigia].20 O Dr. Seiss continuou defendendo a doutrina do arrebatamento secreto, por exemplo, no artigo “The Jews and the Near Coming” [Os Judeus e a Vinda Próxima], enfatizando que a palavra parousia significa “presença”: “As Escrituras também distinguem entre uma simples parousia ou presença, e sua Epifhaneia ou aparecimento, manifestação. Pode haver parousia sem Epifhaneia, embora uma Epifhaneia sempre implique presença, mas distingue essa presença como aparente, manifesta, visível.”21 No mesmo artigo, ele defendeu também que a conversão de Israel ocorreria no período da presença de Cristo.
Que Seiss não mudou de ideia sobre a vinda secreta e invisível também é evidente à base de um artigo que ele escreveu para a revista Rainbow [Arco-Íris] em 1877, intitulado “The Disturbed Thessalonians” [Os Tessalonicenses Perturbados]. Mais uma vez ele enfatizou a invisibilidade da primeira fase da vinda de Cristo: “Tome, por exemplo, a chegada do Salvador naquelas regiões do ar onde seus santos devem ser juntados a ele, que direito temos de supor que isso será imediatamente visível e tornado conhecido para homens em geral? A vinda do Senhor não foi repetidamente descrita como partilhando da natureza da vinda do ladrão? Ele mesmo não a descreveu desse modo, assim como seus apóstolos?
Assim, nota-se claramente que o Dr. Seiss – pelo menos desde o início da década de 1860 e ao longo de todo o tempo até seu encontro com Charles Russell – foi um firme defensor da ideia de que a segunda vinda de Cristo consistirá em duas etapas, a primeira das quais sendo uma presença invisível no ar. Em vista desse fato, será mesmo provável que Seiss, em seu encontro com Russell em 1877 ou por por volta disso, “não se lembrou de ter mantido esse pensamento”, como Russell afirmou durante a conferência em 1903? A resposta a esta pergunta é obviamente um enfático “Não!” Por alguma razão, Russell quis esconder os fatos de Paul S. L. Johnson durante a entrevista. Quais foram os motivos dele?
RUSSELL – ORIGINADOR OU PLAGIÁRIO?
Por que Russell tentaria dar a impressão de que o Dr. Seiss não acreditava que a vinda de Cristo seria invisível – que ele em algum momento no passado havia insinuado a ideia e depois esquecido isso – quando na verdade Seiss era um firme defensor dessa ideia e tinha continuado assim durante toda a sua vida posterior? A resposta bem óbvia parece ser que Russell havia obtido seu entendimento da maneira da volta de Cristo de Seiss, ou aprendido isso na revista dele, Tempos Proféticos, mas queria manter a impressão que havia transmitido antes, de que havia sido esclarecido (mais ou menos menos milagrosamente) sobre o assunto no outono de 1874, exatamente no momento que ele depois veio a aceitar como a data do retorno invisível de Cristo. Como Paul S. L. Johnson havia lido uma das publicações de Seiss onde a ideia da vinda invisível havia sido sugerida,23 é claro que Russell não poderia negar completamente que Seiss havia tocado no assunto no passado, alegando que Seiss havia esquecido essa ideia na época do encontro deles.
A consideração do Pastor Russell sobre a segunda vinda de Cristo em seu O Objetivo e a Maneira do Retorno de Nosso Senhor – o livreto que ele trouxe consigo para o Dr. Seiss – é muito semelhante à de Seiss em suas publicações anteriores. Em 1864, por exemplo, ele publicou um pequeno folheto intitulado The Lord at Hand [O Senhor Próximo], no qual ele apresentou o assunto de uma forma que espontaneamente traz à mente o livreto de Russell de 1877. Assim como Russell, Seiss aborda o assunto de dois ângulos, o objetivo e a maneira do retorno de Cristo: “Observe, então, os objetivos pelos quais Ele deve retornar”, diz Seiss, e explica que estes são: (a) tomar os santos para si mesmo, (b) destruir seus inimigos (c) libertar os judeus e restaurá-los em sua terra, e (d) restaurar e libertar a criação sofredora e “estabelecer seu reino glorioso sobre a terra”. Daí, Seiss passa a considerar a maneira do retorno do Senhor: “Observe, também, a maneira de Sua vinda, que também é descrita de maneira bem particular. Está escrito que Ele virá ‘da mesma maneira’ como ascendeu; que Ele virá de repente, quando as pessoas em geral não estarão esperando tal coisa; que Ele virá primeiro ‘como um ladrão de noite’, invisível para tomar Seus santos que esperam e vigiam, assim como Ele tomou Enoque na antiguidade; que Ele virá em alguma fase do advento a ser visivelmente manifestado em esplendor e grande glória…”24
Esses conceitos e argumentos, apresentados por Seiss em muitas de suas publicações e artigos subsequentes, eram idênticos aos publicados por Charles Russell anos depois. É muito óbvio que Russell não originou seu conceito da vinda e presença invisível de Cristo, mas ele o tomou de outros. Embora não possa ser provado com certeza absoluta, parece que em particular ele plagiou suas ideias sobre o assunto do Dr. Seiss.25
Hoje, as Testemunhas de Jeová ainda mantêm o conceito da presença invisível e do arrebatamento secreto, porém de uma forma consideravelmente diferente daquela de seu fundador, Charles T. Russell. O pano de fundo dessa diferença é que uma série de fracassos proféticos de 1878 e depois obrigaram Russell e seus seguidores a reinterpretar repetidamente a doutrina. Quando a data de Barbour para a vinda de Cristo, 1873-1874, falhou, foi sua adoção da ideia do arrebatamento secreto que salvou essa data. Ele poderia alegar que Cristo realmente tinha chegado em 1874, porém invisivelmente.26 Quando, em 1876, Russell aceitou o esquema cronológico de Barbour, ambos pensaram que a “colheita” era um período de três anos e meio, do outono de 1874 à primavera de 1878, quando se esperava que a transferência ou arrebatamento dos santos ocorreria.27 Quando essa expectativa não se realizou, Russell também tentou salvar essa data, reinterpretando 1 Coríntios 15:51 para significar que o arrebatamento ocorreria no momento da morte, explicando que todos os santos que morreram a partir da primavera de 1878 em diante foram imediatamente transferidos para a presença de Cristo. Ao mesmo tempo, a “colheita” foi estendida até o outono de 1881, quando se acreditava que a transferência final ocorreria.28 Quando essa data também falhou, a “colheita” foi estendida até 1914, sendo esperado o arrebatamento final dos santos no outono daquele ano.29 Quando essa data passou, e Russell e seus associados ainda estavam na terra, o arrebatamento foi adiado para abril de 1918.30 Porém, Russell não viveu para ver essa data falhar.
A última tentativa de marcar uma data para a morte e subsequente “glorificação” do último membro da igreja foi feita por Joseph F. Rutherford, o segundo presidente da Sociedade Torre de Vigia, que se fixou em 1925 como sendo o ano em que isso se realizaria.31 Quando essa previsão falhou também, nenhuma nova data para completar o arrebatamento foi marcada. Para lidar com os fracassos de 1914 e 1918, no ano de 1927 Rutherford mudou o momento da primeira ressurreição de 1878 para 1918,32 e no início da década de 1930 ele mudou a data do início da presença invisível de Cristo de 1874 para 1914.33
Estas interpretações ainda são fundamentais para a mensagem das Testemunhas de Jeová hoje. A explicação sobre o arrebatamento invisível ainda se baseia na engenhosa “solução” de Russell para o fracasso de 1878, embora essa data tenha sido amplamente esquecida. Assim, acredita-se que os “cristãos ungidos” que morreram desde 1918 são imediatamente transformados no momento da morte e unidos a Cristo. Esse “arrebatamento” é, naturalmente, mais secreto do que nunca, pois os corpos desses falecidos são deixados na terra para serem enterrados ou cremados da maneira comum.
Talvez alguns achem que muito espaço foi dedicado à discussão da origem e da história da teoria do arrebatamento secreto, enquanto nada foi dito para provar se essa ideia é correta ou não. Isto é verdade. Mas, um entendimento da origem e do desenvolvimento dessa ideia é muito útil. Conforme foi demonstrado em um artigo anterior,34 originalmente a ideia de uma vinda de Cristo em duas fases foi necessária por causa da crença de que Israel será restaurado em sua própria terra depois da vinda de Cristo, para ser libertado no momento da manifestação dele ao mundo. A restauração de Israel, portanto, tem sido tradicionalmente um elemento constituinte da doutrina do arrebatamento secreto, e também fazia parte do esquema profético do Pastor Russell. Curiosamente, porém, esse aspecto do esquema foi abandonado pela liderança das Testemunhas de Jeová no início da década de 1930. Porém, a ideia de que a parousia de Cristo é invisível e dividida em várias fases ainda é ensinada por essa organização religiosa. É claro que a razão para isso é que sem esse conceito seria impossível defender que a segunda vinda de Cristo ocorreu em 1914. Mas, para defender esse conceito eles, assim como Robert Govett no século 19, são obrigados a argumentar que a palavra grega parousia, quando usada para a vinda de Cristo, não significa “vinda”, mas apenas “presença”, e deve ser sempre traduzida desse modo. Só nesta suposição é que é possível manter o conceito de que Cristo tem estado presente de maneira invisível desde 1914. Mas, será que a palavra grega parousia sempre significa “presença”? Foi ela entendida desse modo pelos primeiros tradutores do Novo Testamento? Como essa palavra era usada na época dos apóstolos? O que o contexto bíblico indica quanto ao significado dela? Estas perguntas são respondidas no artigo “Vinda” ou “Presença” – O Que os Fatos Revelam?
NOTAS
1 – “Harvest Gathering and Siftings” [Ajuntamento e Peneiramentos da Colheita], Zion’s Watch Tower (Extra Edition) [A Torre de Vigia de Sião (Edição Extra)], 25 de abril de 1894, págs. 96, 97.
2 – The Parousia Messenger [O Mensageiro da Parousia] (Série 9 dos Epiphany Studies in the Scriptures [Estudos das Escrituras Epifania), Filadélfia, EUA, 1938. Talvez alguns possam duvidar de P. S. L. Johnson como fonte histórica por causa de suas interpretações tipológicas imaginativas e do papel que ele teve na crise organizacional da Sociedade Torre de Vigia em 1917. Mas, fora essas questões, descobriu-se que ele era muito confiável ao registrar eventos e fazer observações. Um erudito, que escreveu sob o pseudônimo de Steve Anderson, fez um extensivo estudo dos escritos de Johnson do ponto de vista histórico por muitos anos. Sua conclusão é: “Quando se trata de eventos, observações, datas, dia, hora, etc., não há ninguém em quem eu confie tanto quanto PSLJ. Isso, naturalmente, refere-se às coisas que ele mesmo vivenciou, por exemplo, o encontro com CTR em 1903. A memória de Russell era decididamente pior. Ele não tinha o mesmo senso de precisão que PSLJ, ainda que tivesse uma mente clara.” Johnson também manteve um diário.
3 – Ibid., págs. 368, 369, 437.
4 – Russell também enfatizou essa afirmação em outras ocasiões. Paul S. L. Johnson, em sua revista Present Truth [Verdade Atual] de 1º de janeiro de 1927, pág. 6, diz: “Em duas ocasiões diferentes, o Ir. Russell nos disse que foi bem no início do outono de 1874 que a maneira do retorno de nosso Senhor se tornou clara para ele.” A outra ocasião foi evidentemente em algum momento de 1914: “Nosso querido Pastor assegurou-nos em 1914 que foi em setembro ou outubro de 1874 que ele reconheceu pela primeira vez que o Segundo Advento do Senhor seria invisível; e ele começou imediatamente a ensinar isso a outros.” (Ibid., 1º de setembro de 1935, pág. 128) Como o “esclarecimento” de Russell sobre este assunto coincidiu com a data que ele depois aceitou como sendo a do retorno de Cristo (outubro de 1874), isso foi visto como evidência de inspiração divina: “O Senhor tornou conhecido em 1874 ao Pastor Russell que nosso Senhor não está mais na carne, mas é um Espírito …” (Ibid., 1º de janeiro, 1928, página 7).
5 – The Object and Manner of Our Lord’s Return [O Objetivo e a Maneira do Retorno de Nosso Senhor], Rochester, Nova Iorque, EUA, págs. 39, 43. Este panfleto foi publicado em 1877, não antes, como alguns afirmam. Isto é demonstrado não só pela data de todos os exemplares existentes e pelo fato de ter sido publicado por Barbour, como também pelo seu conteúdo. A discussão da palavra parousia (págs. 51-54), com a referência à Emphatic Diaglott, por exemplo, reflete claramente a informação que Russell obteve de Barbour em 1876.
6 – Paul S. L. Johnson, The Parousia Messenger [O Mensageiro da Parousia], pág. 527.
7 – Johnson afirma que a visita “ocorreu entre 1875 e 1877”, uma declaração baseada na ideia equivocada de que O Objetivo e a Maneira foi publicado antes de 1877. The Parousia Messenger [O Mensageiro da Parousia], pág. 526.
8 – Ibid., pág. 529.
9 – Ernest R. Sandeen, The Roots of Fundamentalism [As Raízes do Fundamentalismo] (Chicago e Londres: Editora da Universidade de Chicago, 1970), pág. 95.
10 – J. A. Seiss, The Last Times and the Great Consummation [Os Últimos Tempos e a Grande Consumação], edição revisada e ampliada, (Filadélfia e Londres, 1863), págs. 350, 351. Este livro foi publicado originalmente em 1856. Como se nota, Seiss supõe mais de um arrebatamento dos santos.
11 – The Prophetic Times [Os Tempos Proféticos], Vol. I, 1863, pág. 14.
12 – Ibid., Vol. III, 1865, págs. 186, 187.
13 – Ibid., Vol. IV, 1866, págs. 172-175.
14 – Ibid., Vol. IX, 1871, págs. 59-64.
15 – Ibid., Vol. X, 1872, págs. 1-5.
16 – Ibid., Vol. XI, 1873, págs. 149-153. Esta era também a opinião de Seiss.
17 – Ibid., Vol. XII, 1874, págs. 129-133. Há razões para crer que C. T. Russell era um leitor regular do Tempos Proféticos, e se sua afirmação de que foi em outubro de 1874 que ele percebeu pela primeira vez que a vinda de Cristo “seria invisível aos olhos humanos naturais” é digna de crédito, é bem possível que o artigo de Wilson o tenha influenciado.
18 – Ibid., p. 132.
19 – Ver, por exemplo, Three Worlds [Os Três Mundos], de N. H. Barbour e C. T. Russell, Rochester, Nova Iorque, EUA, 1877, pág. 9, 1922. A princípio esse período foi encarado como idêntico aos “tempos de angústia”.
20 – Em 1879, quando C. T. Russell começou seu próprio periódico, Zion’s Watch Tower [A Torre de Vigia de Sião], ele pode ter tomado emprestado o nome em parte do periódico The Prophetic Times and Watch Tower [Os Tempos Proféticos e Torre de Vigia].
21 – The Prophetic Times and Watch Tower [Os Tempos Proféticos e Torre de Vigia], Vol. I, 1875, pág. 56.
22 – Rainbow [Arco-Íris], agosto de 1877, pág. 343.
23 – Isto é afirmado diretamente por Paul S. L. Johnson: “Na verdade, foi o livro do Dr. Seiss The Last Times [Os Últimos Tempos], que defendia o advento pré-milenial e o reino milenar de Cristo, que convenceu o autor da verdade dessas duas doutrinas e assim começou a abalar a fé do autor no credo luterano.” The Parousia Messenger [O Mensageiro da Parousia], pág. 525. Veja a nota 10 deste artigo.
24 – Dr. Joseph Seiss, The Lord At Hand [O Senhor Próximo] (Filadélfia, 1864). págs. 2, 3. Nesse panfleto, Seiss afirma que seis mil anos da criação da humanidade terminariam em 1872, não em 1870, como ele tinha defendido um ano antes. A aceitação desta data por Joseph Seiss pode ter tornado mais fácil que C. T. Russell a aceitasse como válida quando ele conheceu Barbour em 1876.
25 – Segundo Richard Rawe, de Soap Lake, Washington, George Stetson e George Storrs, os dois homens que Russell menciona como seus mestres na edição extra da Zion’s Watch Tower [Torre de Vigia de Sião] de 25 de abril de 1894, página 96, defendiam a doutrina do arrebatamento secreto. Mas a doutrina deles era de um tipo diferente da de Seiss ou Russell. Assim, Russell dificilmente poderia tê-la aprendido com eles. Rawe fez um estudo cuidadoso deste assunto.
26 – A Torre de Vigia de Sião, outubro-novembro de 1881, pág. 3.
27 – Barbour e Russell, Três Mundos, págs. 120, 124-30.
28 – A Torre de Vigia de Sião (Edição Extra) 25 de abril de 1894, págs. 103, 104. Herald of the Morning [Arauto da Manhã] (editado por N. H. Barbour) agosto de 1878, pág. 22; outubro de 1878, pág. 52.
29 – A Torre de Vigia de Sião, outubro de 1884, pág. 8. C. T. Russell, Studies in the Scriptures [Estudos das Escrituras], Vol. 2, 1889, pág. 77.
30 – The Watch Tower [A Torre de Vigia], 1.º de setembro de 1916, págs. 264, 265.
31 – J. F. Rutherford, Millions Now Living Will Never Die! [Milhões que Agora Vivem Jamais Morrerão!] (Brooklyn, Nova Iorque, EUA.: Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia, 1920), pág. 88 [da edição em inglês]. A Torre de Vigia de 1.º de outubro de 1921, pág. 295.
32 – Do Paraíso Perdido ao Paraíso Recuperado (Brooklyn, Nova Iorque, EUA: Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1958), pág. 192 [da edição em inglês].
33 – The Golden Age [A Idade de Ouro], 1934, págs. 379, 380.
34 – The Christian Quest [A Jornada Cristã], primavera de 1988, págs. 37-59.
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Imagem em destaque: Cena do filme Testemunhas de Jeová – Fé em Ação, Parte 1 (Watchtower Bible and Tract Society – EUA, 2010)
Gostei muito. Que Deus abeçoe todos vocês