A destruição de Jerusalém em 587 AC e os “390 anos” de Ezequiel 4:5

Chamo-me Mailson, vi um artigo na página e recentemente uma Testemunha de Jeová me disse:

Os historiadores defendem 587 AC como a destruição de Jerusalém e 930 AC como a divisão do reino de Israel.

De 930 a 587 são 343 anos, correto? Mas isso não bate com a Bíblia. Se você somar os anos dos reinados dos reis de Judá desde a divisão do reino até a destruição de Jerusalém, de Roboão a Zedequias, dá 390 anos, não 343. A cronologia secular difere 47 anos da bíblica. Qual está certa? Os mesmos historiadores que defendem 587 defendem 930, usando também achados arqueológicos e etc. Ainda assim, entra em conflito com a Bíblia. Acho que você confia mais na Bíblia. Se for assim, então a data de 930 de acordo com os historiadores estaria errada. Se eles estão errados nesse ponto, o que garante que estão certos sobre 587? Gostaria de uma análise se essa resposta tem alguma base. Desde já agradeço.

Resposta da equipe do Mentes Bereanas

Olá Mailson.

Como provavelmente você já deve saber, não existe uma “cronologia bíblica” independente, já que a Bíblia não especifica datas para os eventos registrados nela. Assim, esses anos que citou, 930 AC e 587 AC não aparecem na Bíblia. Eles foram estabelecidos pelos historiadores usando justamente informações dadas na Bíblia e depois sincronizando isso com a “cronologia secular” de outros países fora de Israel e Judá.

Sendo assim, o problema que mencionou em sua pergunta não está na “cronologia secular”, e sim nas afirmações de que ‘a soma dos períodos de reinados dos reis de Judá dá 390 anos’ e que ‘o período que vai desde a divisão do reino até a destruição de Jerusalém dá 390 anos’. Estas informações não constam na Bíblia. Inclusive, no intervalo entre a divisão do reino e a destruição de Jerusalém houve até reinados concomitantes dentro de Judá (só como um exemplo, a rainha Atalia governou por uns 5 ou 6 anos, mas o período em que ela foi rainha é contado também por alguns eruditos como período de reinado de Joás). Na lista atual da Wikipedia são especificados os seguintes anos para os reis de Judá:

Roboão (931-915 a.C) [divisão do reino]
Abias (913-911 a.C)
Asa (911-870 a.C)
Jeosafá (870-845 a.C)
Jorão (851-843 a.C)
Ocozias (842-840 a.C)
Atália (840-836 a.C)
Joás (842-802 a.C)
Amassias (805-776 a.C)
Uzias (788-737 a.C)
Jotão (758-742 a.C)
Acaz (742-726 a.C)
Ezequias (726-697 a.C)
Manassés (697-642 a.C)
Amom (642-640 a.C)
Josias (640-609 a.C)
Joaquim (609-598 a.C)
Jeconias (598-597 a.C)
Zedequias (597-586 a.C) [destruição de Jerusalém]

Além disso, quando fala em “390 anos”, o que a Bíblia diz realmente é o seguinte:

“Determinei que o número de dias seja equivalente ao número de anos da iniqüidade dela, ou seja, durante trezentos e noventa dias você carregará a iniqüidade da nação de Israel. Terminado esse prazo, deite-se sobre o seu lado direito, e carregue a iniqüidade da nação de Judá, durante quarenta dias, tempo que eu determinei para você, um dia para cada ano.” (Ezequiel 4:5-7)

Note que aí não está dizendo que ‘a soma dos reinados dos reis de Judá desde a divisão do reino até a destruição de Jerusalém dá 390 anos’, não diz que esses 390 anos ‘começaram no tempo de Roboão’ e nem mesmo diz que esse período se refere ao reino de Judá. Não, os 390 anos se referem ao período da iniqüidade do reino de Israel, apenas. Sobre Judá, fala-se apenas em “40 anos”. Embora existam comentaristas bíblicos que situem o início desses 390 anos na época da divisão do reino (e a liderança das Testemunhas de Jeová também entende assim até hoje, pelo que nos parece), não existe uma prova de que devemos iniciar a contagem nesse ponto. A iniqüidade em Israel já tinha começado antes do tempo de Roboão, e é por isso que outros eruditos bíblicos situam o início do período algumas décadas antes, na época do pai dele, Salomão.

Assim, o período de 390 anos não põe em dúvida as datas de 930 AC e 587 AC, estabelecidas pelos historiadores para a divisão do reino e para a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor, respectivamente. Pelo contrário, estas duas datas estão de pleno acordo com a informação que a Bíblia dá especificamente sobre uma situação que levou à punição da nação de Israel. Reproduzimos aqui, para finalizar, uma informação do livro Os Tempos dos Gentios Reconsiderados:

Entre outras coisas, [Levítico capítulo 26] adverte que, se o povo não obedecesse à lei dos anos sabáticos (discutida no capítulo antecedente, Levítico 25) eles seriam dispersos entre as nações e sua terra seria desolada. Desta maneira a terra poderia “saldar seus sábados”:

“‘E naquele tempo saldará a terra os seus sábados, todos os dias em que jazer desolada, enquanto estiverdes na terra dos vossos inimigos. Naquele tempo a terra guardará o sábado, visto que tem de saldar os seus sábados. Guardará o sábado todos os dias em que jazer desolada, visto que não guardou o sábado nos vossos sábados quando moráveis nela. — Levítico 26:34-35, TNM.

Daí, numa nota, o autor explica:

A verdadeira duração do repouso sabático da terra foi 49 anos, desde a desolação final e despovoamento em 587 A.E.C. até o retorno dos exilados em 538. Talvez seja apenas uma coincidência, mas este era também o período máximo em que um hebreu podia ser privado do direito de propriedade de sua herança ancestral, segundo a lei de posse da terra. Se ele ficasse tão pobre a ponto de ter de vender sua terra, esta não poderia ser vendida perpetuamente. Se a terra não pudesse ser comprada de volta, o comprador teria de devolvê-la no jubileu seguinte. — Levítico 25:8-28. Se os 49 anos de repouso sabático corresponderam ao número exato de anos sabáticos que os israelitas tinham negligenciado, o período inteiro de violação da lei seria 49 x 7 = 343 anos. Se este período estendeu-se até 587 A.E.C., seu início teria sido aproximadamente em 930 A.E.C. É interessante que cronologistas modernos que examinaram cuidadosamente tanto a evidência bíblica como a extrabíblica, geralmente datam a divisão do reino em 930 A.E.C. ou próximo disso. (F.X. Kugler, por exemplo, data em 930; E., R. Thiele e K.A. Kitchen datam em 931/30, e W. H. Barnes em 932 A.E.C.) Uma vez que este desastre nacional resultou em uma interrupção geral do culto no templo em Jerusalém por parte da maioria do povo, é razoável pensar que uma ampla negligência em guardar os anos sabáticos tenha também começado nessa época.

(Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, Carl Olof Jonsson, págs. 260-262)

Agradecemos pelo contato, e que o verdadeiro Deus o abençoe.

Mentes Bereanas

2 thoughts on “A destruição de Jerusalém em 587 AC e os “390 anos” de Ezequiel 4:5

  • maio 25, 2023 em 10:49 pm
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    Mas, somando 390 anos a 587 a.C., obteremos o ano 977 a.C. para início do período. Porém, 977 a.C. está na última década do reinado de Davi. Como fica, então?

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    • junho 8, 2023 em 6:07 pm
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      Esta pergunta pressupõe que o período de 390 anos de “iniquidade” de Israel (Eze. 4:5) teria terminado no momento da destruição de Jerusalém, em 587 AC. e pressupõe também que sabemos o que Deus tinha em mente quando falou em “iniquidade” a Ezequiel. Ambas as coisas são questionáveis.

      Na abertura do livro de Ezequiel temos a informação de que o profeta começou a receber visões de Deus “no quinto ano do exílio do rei Joaquim, no quinto dia do quarto mês.” (Eze. 1:1, 2, NVI). Para convertermos isso numa data absoluta, é preciso determinar em que ano o rei Joaquim (também chamado Jeconias; veja a lista acima) foi exilado, e adicionarmos aproximadamente 5 anos a isso. Na cronologia histórica, o rei Joaquim foi para o exílio quando da captura de Jerusalém por Nabucodonosor, em 598/597 AC, sendo que Nabucodonosor colocou em lugar dele seu tio, Zedequias (2 Reis 24:10-17). Este permaneceu no trono até o momento em que a cidade foi destruída por Nabucodonosor, aproximadamente 11 anos depois (587/586 AC). Historicamente, o profeta Ezequiel iniciou seu trabalho em 593 AC (o quinto ano do exílio de Joaquim). Depois, deve-se adicionar ainda o intervalo entre o início do trabalho de Ezequiel e o momento específico em que Deus o mandou “carregar a iniquidade da nação de Israel” por 390 dias. Embora a Bíblia não informe isso, é possível inferir à base do que se diz lá que foi dentro do primeiro ano dele como profeta, ou seja, em algum momento de 593/592 AC. Se neste momento em que Deus falou isso a Ezequiel a “iniquidade” da nação de Israel já durava 390 anos, o início seria, então, 983/982 AC.

      É verdade que, conforme você colocou corretamente, isso está dentro do reinado de Davi (de acordo com a cronologia histórica, Davi reinou sobre todo o Israel por uns 33 anos, de por volta de 1003 AC até sua morte em 970 AC). Mas, é também verdade que, embora Davi fosse – no geral – um bom rei, ocorreram vários episódios de grave maldade ao longo do período do reinado dele. Inclusive algumas dessas ocorrências tendo ele próprio como protagonista (exemplos: o caso do adultério com Bate-Seba, agravado pelo assassinato premeditado do marido dela (2 Samuel 11), o censo, que resultou em milhares de mortes, e outros erros que Davi cometeu ao longo de seu governo). Além de isso trazer graves consequências para o próprio rei, gerou terríveis transtornos na nação (exemplo: a guerra civil liderada pelo próprio filho dele, Absalão, na última década do reinado de Davi, que resultou em grande derramamento de sangue), estando estes fatos, inclusive, na origem da divisão do reino que ocorreu depois da morte de Davi.

      O fato simples é que não existe uma declaração bíblica explícita indicando que devemos situar o início do período de 390 anos no momento da divisão do reino, no começo do reinado de Roboão (que na cronologia histórica foi 931 AC). Nem existe informação bíblica que torne obrigatório situar o fim desse período no momento da destruição de Jerusalém. Estas duas ideias nada mais são que deduções dos escritores da JW.org (sendo que, ainda segundo eles, o reinado de Roboão teria começado em 997 AC, para daí finalizarem o período 390 anos depois, em 607 AC – a data da destruição de Jerusalém, na cronologia historicamente insustentável deles). À base do que foi dito no parágrafo acima, não há dúvida de que havia grave iniquidade no seio da nação de Israel muito antes do reinado de Roboão.

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