Viverão os salvos como classes separadas no céu e na terra?

O ensino da liderança das Testemunhas de Jeová

O Corpo Governante das Testemunhas de Jeová ensina que existem dois grupos de pessoas com esperança de vida eterna: uma classe celestial e uma classe terrestre. Esta teoria das duas classes afeta um amplo leque de doutrinas e práticas entre as Testemunhas de Jeová.

Podemos começar pelo final para entender a doutrina mais claramente. Segundo a organização, no futuro eterno a existência será dividida em dois reinos: O céu, onde Deus e outros seres espirituais vivem, e a nova terra, que será esta terra totalmente purificada e renovada, e onde os seres físicos viverão. A nova terra se tornará um “Paraíso” para todos os seus habitantes, mas permanecerá como um reino separado do céu. Os seres humanos que alcançarem a salvação viverão em um ou outro desses reinos.

O grupo de pessoas que viverá para sempre no céu será de 144.000 e são chamados de “pequeno rebanho” (referido em Lucas 12:32) e de “classe ungida” (uma expressão que não aparece na Bíblia) porque se diz que são cristãos “ungidos por espírito”. Os membros deste grupo incluem todos os primeiros cristãos do primeiro século, alguns cristãos esparsos ao longo dos séculos e um seleto grupo de Testemunhas de Jeová. Eles creem que essencialmente todos os 144.000 já haviam sido escolhidos em meados da década de 1930, de modo que agora apenas alguns milhares, no máximo, permanecem vivos.1 Eles não serão ressuscitados com corpos físicos, e sim com “corpos espirituais” (que a organização ensina que os anjos, bem como o Cristo ressuscitado possuem). “Quando cristãos ungidos morrem, eles não são ressuscitados na carne. (1 Coríntios 15:50-53) Um corpo corruptível de carne e sangue não pode herdar a incorrupção e o Reino celestial.”2

O número de pessoas que viverão para sempre no paraíso na Terra é indeterminado; um grupo muito maior de muitos milhões, e são chamadas de “outras ovelhas” (uma expressão encontrada em João 10:16). Essas outras ovelhas incluem todas as pessoas salvas antes da morte de Cristo, bem como a grande maioria das Testemunhas de Jeová que vivem hoje. As outras ovelhas que estão vivas na geração final que culmina no Armagedom são conhecidas como a “grande multidão” (uma expressão usada em Apocalipse 7:9).3 As outras ovelhas têm “a perspectiva de viver para sempre numa terra paradísica”4, mas não na presença de Deus, Cristo ou de seus entes queridos que são membros da classe ungida. Além dos milhões de Testemunhas de Jeová que sobreviverem à “grande tribulação”, os demais das outras ovelhas serão ressuscitados para viver na Terra durante o Milênio. Todas essas outras ovelhas terão que se provar fiéis e dignas durante o Milênio para ter a certeza da vida eterna.

Esta doutrina de duas classes de cristãos afeta diretamente como as Testemunhas de Jeová encaram a si mesmas e umas às outras hoje. A liderança delas ensina que a classe ungida é a “congregação” cristã (a palavra que ela usa no lugar de “igreja”):

“De fato, nas Escrituras Gregas Cristãs, “congregação” aplica-se primariamente ao grupo de seguidores de Cristo ungidos por espírito. Esses 144.000 ungidos constituem a “congregação dos primogênitos que foram alistados nos céus”. — Hebreus 12:23.”5

Deus faz a “nova aliança” com a classe ungida, que é o “Israel espiritual” e “a semente de Abraão”, e que recebe a “adoção” como “filhos” de Deus e, portanto, se tornam “irmãos de Cristo” no céu (Rom. 8:15-17, 23-25; Gal. 3:29; Heb. 2:16). É para estas 144.000 pessoas ungidas por espírito que Cristo é o “Mediador” da nova aliança (Heb. 8:10-13; 9:15). As outras ovelhas são “beneficiárias”, mas não “participantes” dessa nova aliança.6

Na verdade, Jesus é o Mediador entre Deus e a classe ungida, e a classe ungida é a mediadora entre Jesus e as outras ovelhas. Os membros ungidos por espírito têm o “espírito santo” como o selo de sua “herança” no céu (2 Coríntios 5:5; Efésios 1:13, 14).7

Apenas os membros da “classe ungida” devem participar do pão e do vinho na celebração anual da Ceia do Senhor pelas Testemunhas de Jeová.8

Ensina-se também às Testemunhas de Jeová que só os 144.000 membros da classe ungida precisam nascer de novo. A organização argumenta que nascer de novo só é necessário para aqueles que irão para o céu governar lá com Cristo.9 Nascer de novo é “nascer do espírito” (veja João 3:5), o que a liderança das Testemunhas diz que significa que Deus unge com “espírito santo” aqueles que ele escolhe para membros da classe do governante celestial.10 Essa “unção” confere a este grupo seleto o status de filhos adotivos de Deus, “filhos de Deus”, e o espírito dá a esses indivíduos uma consciência interior e a garantia de que os escolheu para essa posição celestial.11 Citando 2 Coríntios 5:17, a organização explica que Cristo e cada membro dos 144.000 (e ninguém mais) é “uma nova criação”.12

Os Problemas Numéricos com a Doutrina da Classe Ungida

A liderança das Testemunhas de Jeová teve problemas “numéricos” com sua doutrina da classe ungida em três momentos diferentes de sua história. Desde a época de seu fundador, Charles Taze Russell, até hoje, a organização sempre afirmou que a classe ungida seria limitada a 144.000 membros.13 O conceito deles sobre a história da igreja dita que o movimento cristão do primeiro século teria incluído um bom número dessas 144.000 pessoas, que comparativamente poucas pessoas entrariam no grupo durante o período de apostasia que durou até o final do século dezenove, e que os membros restantes viriam das fileiras de apoiadores leais da organização dele. Para legitimar essa teoria, Russell pôs em dúvida a fé de praticamente todos os cristãos durante os dezoito séculos intermediários da história da igreja, incluindo aqueles que morreram como mártires.14

Segundo Russell, o “chamado público” para que pessoas fiéis se unissem aos 144.000 havia terminado em 1881, “quando um número suficiente foi convidado e aceitou o convite”. A única razão pela qual mais pessoas ainda podiam se juntar a esse grupo ungido era que muitos dos que “aceitaram o convite” se mostraram indignos. A suposição original de Russell era que o Armagedom ocorreria em 1914, então a entrada na classe dos ungidos não poderia acontecer depois dessa data. Todavia, já em 1915, um ano antes de sua morte, Russell disse às pessoas que “vocês ainda estão a tempo de fazer sua consagração.” 15

Vinte anos depois, o problema com os números da organização só piorou. O Armagedom não havia ocorrido, as predições adicionais de quando ocorreria falharam, e a religião, apesar de perder um grande número devido às previsões fracassadas, estava crescendo novamente. O sucessor de Russell, J. F. Rutherford, achou necessário mudar a data do fim da “chamada” para ser membro da classe ungida de 1881 para 1931, o ano em que mudou o nome da religião para Testemunhas de Jeová.16 Em 1935, Rutherford anunciou uma nova posição doutrinária em relação à “grande multidão” (conhecida então como “a grande companhia”, com base em Apocalipse 7:9, KJV). Até aquele momento, a organização havia ensinado o conceito de Russell de que a grande multidão “era uma classe celestial secundária”, mas Rutherford disse que era a classe dos fiéis que sobreviveria ao Armagedom esperado para breve e viveria para sempre na terra.17 Em 1966 , a organização ajustou a data de quando os 144.000 foram essencialmente completados para 1935, o ano do anúncio doutrinário de Rutherford.18

Rutherford determinou também que só os membros da classe ungida deveriam participar do pão e do vinho na celebração anual.19 Com base nesse ensino, o número de adeptos que participavam diminuiu continuamente, de mais de cinquenta mil na década de 1930 até o fim da década de 1980, quando se limitou a pouco menos de nove mil por ano. Permaneceu em torno desse número até 2006, enquanto o número de Testemunhas de Jeová ativas mais do que dobrou, de cerca de três milhões para quase sete milhões.

Por volta de 2007, qualquer pessoa com idade suficiente para se tornar um membro “ungido” em 1935 tinha no mínimo 85 anos. A doutrina permitia acréscimos à classe ungida só para substituir os membros que haviam se tornado infiéis. Este status quo era insustentável, por isso em 2007 a organização mudou sua posição doutrinária novamente. Admitindo que “o número de verdadeiros ungidos que se tornam infiéis provavelmente não é muito grande’ a liderança conclui que “sendo assim, parece que não podemos especificar uma data para o fim da chamada de cristãos para a esperança celestial.” 20

Essa nova incerteza sobre quando terminará a chamada para se tornar membro da classe ungida não resolveu realmente o problema. Considerando as dezenas de milhares de Testemunhas que participaram da celebração desde a década de 1930, o número total de Testemunhas na história da religião que afirmaram por palavra ou ação ter sido membros da classe ungida é de pelo menos 80.000 e provavelmente próximo de 100.000. Tornou-se difícil sustentar até mesmo que a maioria, o que dirá todos, daqueles que alegaram ser membros da classe ungida realmente o foram. Assim, em 2016, a organização declarou que muitas das pessoas que participam da celebração não são realmente membros da classe ungida:

“Esse número [de participantes da celebração] inclui pessoas que por engano acham que são ungidas. Depois de um tempo, alguns que começaram a comer do pão e beber do vinho pararam. Outros, por terem problemas mentais ou emocionais, acreditam que governarão com Cristo no céu. Então, o número de participantes não indica com precisão a quantidade de ungidos na Terra.” 21

A liderança da organização obviamente deve considerar o problema sério para estar achando necessário por em dúvida a estabilidade mental e emocional de muitos de seus membros.

Como uma medida adicional, a organização também desencoraja ativamente as Testemunhas de Jeová de procurar saber quais indivíduos entre eles são membros da classe ungida:

“Ninguém pode saber se um cristão ungido receberá sua recompensa celestial até que o próprio Jeová decida isso… seria inútil alguém hoje na Terra tentar descobrir quem dentre os servos de Deus fará parte dos 144 mil.” 22

A Resposta Bíblica

A divisão que os líderes das Testemunhas de Jeová fazem das pessoas salvas em classe terrestre e celestial está entrelaçada em tantas das posições doutrinárias distintivas deles que a ideia afeta a maneira como as Testemunhas de Jeová leem o Novo Testamento inteiro. Sempre que os escritores do Novo Testamento falam sobre ser filhos de Deus, de estar “em Cristo”, da esperança de ver Deus ou Cristo, de se tornar como Cristo em sua ressurreição, de ser a igreja de Cristo, a nova aliança, e assim por diante, as Testemunhas são ensinadas a pensar que essas coisas se aplicavam a todos os cristãos no primeiro século, mas se aplicam só a uma minoria muito pequena de cristãos desde então – até mesmo a uma pequena fração das modernas Testemunhas de Jeová.

Os Novos Céus e a Nova Terra

Um erro fundamental nesta doutrina da organização é que ela presume uma divisão eterna não só entre dois povos, mas entre o “céu” e a “terra”. A esperança eterna de todos os crentes, de acordo com a Bíblia, é a vida na presença de Deus nos “novos céus e um nova terra” (Isaías 65:17; 66:22; 2 Pedro 3:13; Apocalipse 21:1). A relação exata entre o universo atual com aquele universo futuro é debatida até mesmo entre os cristãos ortodoxos, mas o que é claro e indiscutível biblicamente é que será um reino eterno de seres humanos ressuscitados e glorificados vivendo na presença de Deus. Pedro lembrou a seus leitores cristãos que este mundo futuro era a promessa pela qual todos eles estavam esperando (2 Pedro 3:13, 14). Na visão simbólica culminante do livro do Apocalipse, João viu “a cidade santa, a nova Jerusalém, descendo do céu da parte de Deus”, e uma voz alta anunciando: “Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus.” (Apocalipse 21:1-3). A condição eterna não será um sistema de duas classes no qual Deus e um grupo seleto de pessoas salvas viverão no céu acima, enquanto a vasta maioria das pessoas salvas viverá separadamente na terra abaixo. Ao contrário, Deus fará sua “tenda” ou “tabernáculo” permanentemente entre todos os seres humanos redimidos (Apocalipse 21:3) 23

Muitos leitores da Bíblia ficam confusos neste ponto porque não distinguem adequadamente o que acontece aos crentes quando morrem do que acontecerá a eles na era futura. Quando morremos, nossos espíritos aguardam a futura ressurreição dos mortos, e os que são redimidos esperarão essa glorificação final na presença de Cristo no céu (Lucas 23:43; Fil. 1:21-24). Uma vez que formos ressuscitados dos mortos no final desta era, ainda estaremos com Cristo, mas Cristo está vindo aqui, de volta à terra, e estaremos com ele para sempre, vivendo como seres humanos glorificados com corpos imortais como o dele (Atos 1:9-11; 1 Cor. 15:35-58; Fil. 3:21; 1 Tes. 4:13-17; Heb. 9:28).

Se a divisão do futuro eterno em dois reinos separados não é bíblica, então a divisão dos redimidos em duas classes com esperanças separadas também não é bíblica. Na verdade, os cristãos têm “uma só esperança” (Efe. 4:4).

O “Pequeno Rebanho” e o “Reino” (Lucas 12:31, 32)

A divisão dos crentes cristãos em um “pequeno rebanho” e um grupo maior de “outras ovelhas” é baseada na leitura incorreta de dois trechos dos Evangelhos. Em certa ocasião, Jesus disse aos seus discípulos: “Não tenham medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai dar-lhes o Reino.” (Lucas 12:32). As Testemunhas de Jeová interpretam a expressão “pequeno rebanho” como se ela estivesse sendo contrastada com um rebanho maior, mas não há nada para apoiar essa suposição no contexto. O grupo de discípulos de Jesus era, naquela época, de fato, um “pequeno rebanho”, um pequeno contingente de discípulos que representava uma pequena minoria dos judeus que viviam naquela época.

O versículo imediatamente anterior deixa claro que aqueles a quem o Pai escolheu dar o reino são os discípulos de Jesus que buscam esse reino (Lucas 12:31). “Buscar seu reino”, nos ensinamentos de Jesus, não significa buscar viver para sempre no céu em vez de viver no “paraíso na Terra”. Em vez disso, “buscar o seu reino é procurar viver de uma forma que honre a presença e o governo de Deus”25 (veja também Mat. 6:33). Sempre que os seguidores de Jesus oram: “Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome. Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mateus 6:9, 10; compare com Lucas 11:2), eles estão buscando o reino de Deus. O reino é prometido para aqueles que são pobres de espírito (Mat. 5:3; compare com Luc. 6:20), para aqueles que se posicionam com Cristo mesmo sob perseguição (Mat. 5:10), que fazem a vontade do Pai (Mat. 7:21). Abraão, Isaque e Jacó, e todos os profetas, que se ensina às Testemunhas de Jeová que terão apenas uma “esperança terrestre”, estarão “no reino dos céus” (Mat. 8:11; Lucas 13:28). Novamente, o reino dos céus não é a vida de seres não físicos ou não humanos no céu separados da vasta maioria das pessoas salvas. O reino dos céus, que é a mesma coisa que o reino de Deus, é o exercício de Deus de sua autoridade real para eliminar todo o mal do mundo e trazer justiça e paz completas em conformidade com sua vontade (Mat. 6:9, 10; Rom. 14:17; 1 Cor. 6:9, 10; 15:24-28).

As “Outras Ovelhas” (João 10:16)

O outro texto mal compreendido é a declaração de Jesus: “Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco. É necessário que eu as conduza também. Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor.” (João 10:16). Essas “outras ovelhas” não são uma classe terrestre de crentes em contraste com uma classe celestial. Em vez disso, no cenário histórico do ministério de Jesus, essas “outras ovelhas” são pessoas que vivem em outras terras que viriam a ter fé em Jesus, unindo-se a seus seguidores judeus como um único “rebanho”.

Ao longo da primeira metade de seu Evangelho, João apresenta repetidamente a missão de Jesus de alcance mundial. João Batista descreveu Jesus como “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!” (João 1:29). O apóstolo nos diz que Deus deu seu Filho porque ele “amou o mundo” e para “que o mundo fosse salvo por ele” (João 3:16, 17; compare com 12:47). Existem muitas outras declarações em João com o mesmo sentido (4:42; 6:33, 51; 8:12; 9:5; 12:19-21).

Em João 10, Jesus descreve a si mesmo como o Pastor divino que veio para salvar e reunir seu rebanho disperso em termos inspirados nas profecias do Antigo Testamento (Isaías 56:6-8; Ezequiel 34:1-24; 37:15-28). Estas profecias indicam que o povo de Deus será retirado não só dentre os judeus vivendo na Terra Santa, mas também de povos de todas as nações, incluindo tanto israelitas deslocados quanto povos nativos dos países.26 Jesus iria trazer as “outras ovelhas” para o “aprisco” por meio de sua morte. Ele morreria para “reunir” os “filhos dispersos de Deus” (João 11:52), para dar muito fruto (12: 23-24) e “atrair todos” a si (12:32).27 As “outras ovelhas” seriam reunidas no “um só rebanho” de Cristo, vindo a ter fé em Jesus enquanto os apóstolos divulgavam a mensagem sobre a morte de Jesus por todo o mundo (João 17:20).28

Assim, o ponto de Jesus em João 10:16 não era que dois mil anos depois ele estaria chamando as pessoas para uma esperança diferente daquela que ele deu a seus seguidores do primeiro século. Em vez disso, a informação era que ele estava para começar a reunir pessoas de todo o mundo para essa mesma esperança, nesse mesmo “rebanho”, por meio de sua morte, ressurreição e glorificação.

Os 144.000 e a Grande Multidão no Apocalipse

Os outros textos bíblicos significativos usados para apoiar a doutrina das duas classes de cristãos encontram-se no livro do Apocalipse, o único livro a usar o número 144.000 (Apocalipse 7:4; 14:1, 3).29 A liderança das Testemunhas de Jeová tomam as visões dos 144.000 como simbólicas da igreja (a “congregação cristã”). Alguém pensaria, então, que eles tomam o número 144.000 simbolicamente – mas eles não entendem dessa forma. Em vez disso, eles insistem em tomar literalmente esse único número 144.000 em Apocalipse 7:4. Mas eles não entendem literalmente os doze grupos de 12.000 cada dos versículos 5 a 8, que compõem os 144.000. Não há qualquer sentido exegético ou hermenêutico em tomar o número completo literalmente, mas não os doze números que o mesmo texto soma para obter esse número. A liderança das Testemunhas de Jeová também não considera as tribos de Israel, os selos, o Cordeiro, o Monte Sião, as quatro criaturas viventes ou a condição virginal dos 144.000 literalmente. Ainda assim, eles tomam o número 144.000 literalmente e o usam para apresentar uma doutrina estranha a todo o Novo Testamento.

Devemos reconhecer que alguns evangélicos também consideram o número 144.000 como um número literal. Porém, esses evangélicos interpretam as doze ocorrências de 12.000 literalmente, e interpretam o texto literalmente quando ele descreve os 144.000 como pessoas das doze tribos de Israel. Esta é uma interpretação discutível de Apocalipse 7, mas, em todo caso, é muito mais consistente e plausível do que o entendimento da liderança das Testemunhas de Jeová.

O principal argumento exegético que o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová apresenta para interpretar o número 144.000 literalmente é que o número 144.000 deve ser contrastado com a declaração na próxima visão sobre “uma grande multidão que ninguém podia contar” (Apocalipse 7:9). Eles argumentam que esta afirmação significa que o número 144.000 é literal, porque é contável. Mas estas são duas visões complementares das mesmas pessoas. Apocalipse 7:9 descreve a grande multidão como estando “de pé, diante do trono e do Cordeiro, com vestes brancas”. Isto situa a “grande multidão” no céu! A frase “diante do trono” é a mesma frase usada para os 144.000 na visão posterior (14:3) e sempre retrata o local como o céu (Apocalipse 1:4; 4:5, 6, 10; 7:9, 11, 15; 8:3; 14:3; 20:12).

Encarando sob esta luz, as duas descrições numéricas são complementares: o número 144.000 simboliza a integridade e o status da igreja como um povo espiritual de Deus, comparável de alguma maneira ao povo de Israel. A descrição da multidão como algo além da contagem humana enfatiza a vastidão da companhia dos salvos. Portanto, não há base em Apocalipse 7 para dividir os salvos em classe celestial e terrestre.

A esperança bíblica não divide os redimidos em classe terrestre e celestial. Há “um só corpo” que tem “uma só” esperança (Efe. 4:4). Todos os crentes em Cristo têm Deus como seu Pai e Jesus como seu irmão em virtude do Espírito que habita neles (Rom. 8:9-30; compare com Gal. 3:27-4:7).30

NOTAS

1 – Livro Preste Atenção à Profecia de Daniel! (1999), págs. 286-293.

2 – “A esperança da ressurreição tem poder”, revista A Sentinela de 15 de julho de 2000, pág. 19.

3 – “Perguntas dos Leitores”, revista A Sentinela de 15 de abril de 1995, pág. 31.

4 – “Recebeu “o espírito da verdade”?”, revista A Sentinela de 1 de fevereiro de 2002, pág. 21.

5 – “A congregação louva a Jeová”, revista A Sentinela de 15 de abril de 2007, pág. 21.

6 – “As outras ovelhas e o novo pacto”, revista A Sentinela de 1 de fevereiro de 1998, págs. 18, 19.

7 – Verbete “Mediador”, em Estudo Perspicaz das Escrituras, Vol. 2, págs. 318-320; “Recebeu “o espírito da verdade”?”, revista A Sentinela de 1 de fevereiro de 2002, pág. 21.

8 – “As “outras ovelhas” e a Refeição Noturna do Senhor”, revista A Sentinela de 15 de fevereiro de 1985, págs. 15-21.

9 – “O novo nascimento — Qual é o seu objetivo?”, revista A Sentinela de 1 de abril de 2009, págs. 7, 8.

10 – “O novo nascimento — Como acontece?”, revista A Sentinela de 1 de abril de 2009, págs. 8, 9.

11 – “O novo nascimento — O que ele torna possível?”, revista A Sentinela de 1 de abril de 2009, págs. 10, 11.

12 – “Produzidas novas criações!”, revista A Sentinela de 1 de janeiro de 1993, pág. 5.

13 – Para o uso da expressão “classe ungida” por Russell, veja, por exemplo, a revista A Torre de Vigia de Sião (em inglês) de 1 de maio de 1913, pág. 38. Russell também usava uma variedade de outras expressões, tais como “companhia ungida” e “classe da noiva”.

14 – Revista A Torre de Vigia de Sião (em inglês) de 1 de março de 1901, pág. 94.

15 – Revista A Torre de Vigia de Sião (em inglês), de 1 de julho de 1915, pág. 203.

16 – Livro Seja Deus Verdadeiro (1949, em português), pág. 296; veja também o livro Jehovah’s Witnesses in the Divine Purpose [As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino], 1959, pág. 139.

17 – “Minha vida na organização de Jeová, que é dirigida pelo espírito”, revista A Sentinela de 1 de março de 1988, pág. 12.

18 – “Perguntas dos Leitores”, revista A Sentinela de 1 de maio de 2007, págs. 30, 31.

19 – Revista A Sentinela de 1 de março de 1938, pág. 75.

20 – “Perguntas dos Leitores”, revista A Sentinela de 1 de maio de 2007, pág. 31.

21 – “‘Queremos ir com vocês’”, revista A Sentinela de janeiro de 2016 (Edição de Estudo), pág. 27.

22 – “‘Queremos ir com vocês’”, revista A Sentinela de janeiro de 2016 (Edição de Estudo), págs. 23, 24.

23 – Veja Sense and Nonsense about Heaven and Hell [Sentido e Falta de Sentido sobre o Céu e o Inferno], Kenneth D. Boa and Robert M. Bowman Jr.,  (Grand Rapids: Zondervan, 2007), págs. 158-170.

24 – Sense and Nonsense about Heaven and Hell [Sentido e Falta de Sentido sobre o Céu e o Inferno], Kenneth D. Boa and Robert M. Bowman Jr., págs. 45-79.

25 – Luke [Lucas], Darrell L. Bock, Volume 2:9:51-24:53, Baker Exegetical Commentary on the New Testament [Comentário Exegético do Novo Testamento de Baker] (Grand Rapids: Baker, 1996), pág. 1165.

26 – Veja mais informações em “The Book of Mormon and the ‘Other Sheep’ in John 10:16,” [“O Livro de Mórmon e as ‘Outras Ovelhas’ em João 10:16”], Robert M. Bowman Jr., onde se analisa outra interpretação errônea de João 10:16.

27 – The Gospel of John in Cultural and Historical Perspective [O Evangelho de João na Perspectiva Cultural e Histórica], Jerome H. Neyrey (Grand Rapids: Eerdmans, 2009), págs. 303, 304.

28 – Veja também Baker Exegetical Commentary on the New Testament [Comentário Exegético do Novo Testamento de Baker], Andreas J. Köstenberger, John (Grand Rapids: Baker Academic, 2004), pág. 307.

29 – Para a matéria desta seção veja Sense and Nonsense about Heaven and Hell [Sentido e Falta de Sentido sobre o Céu e o Inferno], Kenneth D. Boa and Robert M. Bowman Jr., págs. 153-156.

30 – Veja mais informações em Jehovah’s Witnesses (Zondervan Guide to Cults and Religious Movements) [Testemunhas de Jeová (Guia Zondervan para Cultos e Movimentos Religiosos)], Robert M. Bowman Jr., Grand Rapids: Zondervan, 1995, págs. 48-59.

Original: Will the Redeemed Live as Separate Classes in Heaven and Earth?

One thought on “Viverão os salvos como classes separadas no céu e na terra?

  • março 10, 2022 em 10:17 pm
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    Se possivel, faça uma análise sob se é permitido ou não um cristão aceitar o emprego de armas, quer como militar ou paramilitar (polícias).

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