A “Vida Após a Morte” no Conceito Bíblico – Parte 2
Realenzyklopädie für protestantische Theologie und Kirche (1853-1868). Em inglês: The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge [Nova Enciclopédia de Conhecimento Religioso de Schaff-Herzog, 1908-1914]:
6. Méritos e Falhas [na filosofia de Platão]… Todavia, pode-se olhar de relance nas falhas e imperfeições radicais dos melhores ensinamentos de Platão – sua concepção inadequada da natureza do pecado como involuntário, resultante da ignorância, uma desgraça e uma doença na alma, em vez de uma transgressão da lei divina; suas conseqüentes ideias errôneas de sua cura por meio de sucessivas transmigrações na terra e dores prolongadas no purgatório e por meio da filosofia; a filosofia dele da origem do mal, isto é, na natureza refratária da matéria, a qual deve, portanto, ser eliminada pela mortificação corporal e pela morte do corpo sem uma ressurreição, antes que a alma possa chegar à sua perfeição; a total incapacidade dele de conceber expiação, o livre perdão, graça regeneradora e salvação para as massas, a fortiori [com mais razão] para o principal dos pecadores; a dúvida e a incerteza de seus melhores ensinamentos religiosos, especialmente sobre a vida futura (“Apologia”, 40 E, 42, Phædo, 107 C); e o desejo absoluto em seu sistema da graça, até mesmo mais do que da verdade, que vieram a nós por Jesus Cristo, pois, afinal, o platonismo não é tão deficiente na sabedoria de Deus como no poder de Deus para a salvação. A “República”, por exemplo, propõe superar o egoísmo da natureza humana por meio de constituições e leis e educação, em vez de por meio dum novo coração e um novo espírito, por meio da comunhão de bens e de esposas, em vez de por meio da lealdade e amor a uma pessoa humana-divina como Jesus Cristo.
7. As Escolas Platônicas posteriores. Na Média e na Nova Academia, sempre houve mais ou menos uma tendência ao ceticismo, crescendo a partir da doutrina platônica da incerteza de todo o conhecimento humano, exceto o das “ideias”. Os neoplatonistas (veja Neo-Platonismo), por outro lado, inclinam-se para o dogmatismo, o misticismo, o ascetismo, a teosofia e até mesmo a taumaturgia, desenvolvendo, assim, sementes de erro, que estão no ensino de seu mestre. Depois da Era Cristã, entre aqueles que eram mais ou menos os seguidores de Platão, estavam, em um extremo, o devoto e crente Plutarco, o autor de “Atraso da Deidade no Castigo dos Ímpios”, e o prático e sagaz Galeno, cuja obra sobre os “Usos das Partes do Corpo Humano” é uma antecipação dos Tratados de Bridgewater, os quais, assim como também Sócrates, teriam aceitado o cristianismo se tivessem entrado no âmbito de sua influência; e, no outro extremo, Porfírio e o imperador Juliano, que manejavam as armas da filosofia em hostilidade direta à religião de Cristo; enquanto no meio termo entre eles, a maior parte dos filósofos das escolas neoplatônicas e ecléticas que entraram em contato com o cristianismo seguiram seu caminho em indiferença, negligência ou desprezo pela religião do nazareno crucificado. Porém, não poucos dos seguidores de Platão descobriram um elemento conveniente e um tanto similar na eminente espiritualidade das doutrinas cristãs e a elevada ética da vida cristã e, entrando pelo vestíbulo da Academia, tornaram-se alguns dos mais ilustres Pais e Doutores da igreja primitiva. E muitos dos primeiros cristãos, por sua vez, encontraram atrações peculiares nas doutrinas de Platão, e as usaram como armas para a defesa e a extensão do cristianismo, ou fundiram as verdades do cristianismo num molde platônico. As doutrinas do Logos e da Trindade receberam sua forma dos Pais gregos, que, se não treinados nas escolas, foram muito influenciados, direta ou indiretamente, pela filosofia platônica, particularmente na sua forma judaico-alexandrina. Que erros e corrupções se introduziram na Igreja a partir desta fonte não se pode negar. Mas, da mesma fonte se derivaram não pequenos acréscimos, tanto ao seu número como à sua força. Entre os mais ilustres dos Pais mais ou menos platônicos, pode-se citar Justino, o Mártir, Atenágoras, Teófilo, Ireneu, Hipólito, Clemente de Alexandria, Orígenes, Minúcio Félix, Eusébio, Metódio, Basílio, Gregório de Nissa e S. Agostinho. Platão era o filósofo divino dos primeiros séculos cristãos; na Idade Média Aristóteles tomou o lugar dele. Mas em todos os períodos da história da Igreja, alguns dos mais brilhantes ornamentos da literatura, da filosofia e da religião – homens como Anselmo, Erasmo, Melanchton, Jeremy Taylor, Ralph Cudworth, Henry More, Neander e Tayler Lewis – foram cristãos “platonizadores”.
– Edição em inglês, Vol. 9 (1911), pág. 91.
Death Not Life: Or The Destruction of the Wicked (Commonly Called Annihilation) Established, And Endless Misery Disproved [Morte, Não Vida: ou a Destruição dos Ímpios (Comummente Chamada Aniquilação) Estabelecida e o Tormento Eterno Refutado], Jacob Blain, John P. Jewett & Co, Boston, MA, EUA, 1854, págs. 31, 33.
O outro texto para provar que o homem foi feito imortal, ou com uma alma imortal, é Gen. 2:7, “E o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida, (plural); e o homem tornou-se uma alma vivente,” (criatura, como o original significa.) Observe — “O homem foi feito do pó;” então se “fôlego” significava uma alma ou entidade viva, outra parte, essa não era “o homem” pois o homem era “pó” – “tu és pó”, e não “teu corpo é pó”, como os teólogos fazem isto significar, por acrescentar ao que está escrito. Mas alma tornou-se uma grande palavra no século 19. Vamos ver o que isso significava nos tempos bíblicos. Neste texto é dito: “E o homem tornou-se uma (nephesh chayiah) alma vivente”. Gen. 1:24 diz: “Produza a terra criatura vivente (nephesh chayiah) segundo a sua espécie, gado e coisas que rastejam.” Gênesis 2:19, “O Senhor formou todos os animais e os trouxe a Adão e tudo o que Adão chamou a toda criatura vivente (nephesh chayiah), esse era o seu nome”. Gen. 6:19, “E de toda (nephesh chayiah) coisa vivente de toda a carne trarás à arca para mantê-los vivos contigo.” Aqui, e em mais de vinte lugares, as mesmas palavras traduzidas como “alma vivente” são aplicadas aos animais, mas os tradutores vertem como criaturas vivas, ou coisa, etc. Chayiah é vivente, assim o homem tornou-se uma “criatura vivente”, ou alma vivente, e se isto significa uma alma imortal, então todos os animais e coisas rastejantes têm isso. Assim, vemos que os leigos são mantidos na ignorância por tradutores descuidados, e os expositores instruídos mantêm a obscuridade, e naõ farão “a visão plena.” …
A palavra grega psuche tem o mesmo significado que nephesh em hebraico; E o primeiro sentido em Parkhurst é “respiração, vida animal, um animal vivo que vive por respirar”, etc. Ela é usada 105 vezes no NT., e traduzida como alma cinquenta e nove vezes, e como vida quarenta; também como mente, coração, e duas vezes é aplicada a animais. Rev. 8:9; 16:3.
Um erro em traduzi-la como alma em vez de vida é visto claramente em Mateus 16:25, 26 e Marcos 8:36, 37, onde é vertida quatro vezes como vida e quatro vezes como alma. O V. 25 diz “Pois todo aquele que quiser salvar sua vida (psuche) irá perdê-la. O V. 26, “Pois de que proveito é um homem ganha o mundo inteiro e perder sua própria alma (psyche)? Os letrados dizem ao povo que psuche (vida) no versículo 25, significa vida literal, e nós deveremos perdê-la, se necessário, em perseguições, mas no versículo 26 eles dizem que a mesma palavra, psuche (vida), significa uma alma imortal que não pode perder a vida ou morrer, mas eles são cuidadosos em não dizer que as palavras originais são as mesmas.
Se psuche tivesse sido corretamente traduzida nesses textos, ninguém teria pensado em ir até eles para provar que os homens têm almas imortais para perder no mundo vindouro. Eles terão vidas ressuscitadas para perder lá, e Cristo diz, positivamente, que aqueles que não suportarem a perseguição por causa dele, irão perdê-las lá.
Observations on 1st. The Chronology of Scripture. 2d. Strictures on the Age of Reason. 3d. The evidence which reason, unassisted by revelation, affords us with respect to the nature and properties of the Soul of Man. 4th. Argument in support of the opinion that the Soul is inactive and unconscious from death to the resurrection, derived from Scripture [Observações sobre 1º. A Cronologia das Escrituras. 2º. Restrições na Era da Razão. 3º. A evidência de que a razão, não auxiliada pela revelação, nos proporciona respeito pela natureza e propriedades da Alma do Homem. 4º. Argumento derivado das Escrituras em apoio à opinião de que a Alma está inativa e inconsciente da morte até a ressurreição], Nova Iorque, EUA, 1795.
– Obra anônima, citada em Catalogue of Books and Pamphlets Principally Relating to America [Catálogo de Livros e Panfletos Relacionados Principalmente aos Estados Unidos], Edward P. Boon, Nova Iorque, EUA, 1870, pág. 75.
Biblical Commentary on the New Testament [Comentário Bíblico Sobre o Novo Testamento], Hermann Olshausen, traduzido do alemão para o inglês por David Fosdick Jr., Nova Iorque, Sheldon & Company Publishers, Vol. 4, 1861, pág 381:
“Se, portanto, não houvesse ressurreição, e, consequentemente, nenhum reino de Deus, nenhuma restauração do Paraíso, os cristãos que sacrificassem tudo nesta vida para ganhar tudo na próxima seriam os mais miseráveis dos homens. Mas, sendo Cristo a segurança para a nossa ressurreição, os primeiros frutos somente daqueles que dormiram, a ressurreição começou com ele. Billroth simplesmente assinala que απαρχη των κεκοιμημενων não é para ser entendido como uma simples aposição a Cristo, e sim como o predicado da frase inteira: Cristo ressuscitou como as primícias, i. e., para ser os primeiros frutos. Considerado do nosso ponto de vista moderno, a ideia é surpreendente; pareceria que o apóstolo respondeu: se o corpo não for levantado, seguramente o espírito do homem pode ainda continuar a existir; e para ele não é indiferente se a vida do homem foi de severa autonegação, ou de autoindulgência. Mas o apóstolo [Paulo] de modo algum reconhece a possibilidade de existência como espírito puro, sem órgãos corporais; a doutrina da imortalidade da alma e o nome são igualmente desconhecidos para a Bíblia inteira; e realmente com justiça, visto que uma consciência pessoal em seres criados pressupõe necessariamente as limitações do corpo.* A doutrina moderna da imortalidade não é materialmente diferente da suposição de que a alma flui de volta, como uma gota para o grande mar da vida universal. Está de fato em evidente contradição com a nossa doutrina que, até mesmo segundo o conceito bíblico, a alma deva ser considerada como existindo de maneira independente no intervalo entre a morte e a ressurreição. Mas, primeiro, a consciência neste estado, pelo menos no caso de muitos, pode ser considerada apenas como uma espécie de crepúsculo, razão pela qual se refere aos mortos como κεκοιμημενων, dormindo, sem, contudo, o nosso ser obrigatoriamente assumir neste caso uma inconsciência absoluta, como fizeram os ψυχοπαnnύcioi (psicopaniquistas); em segundo lugar, é de se supor que certa relação sempre se mantém entre os elementos do corpo e a alma separada, em estreita proporção à santificação do órgão que tinha instalado a alma na terra.
* Veja a observação em Paul Lehrberg., pág. 365, e o trecho citado aqui de Atenágoras “Da Ressurreição”, cap. 25.”
Franz Delitzsch, System der biblischen Psychologie [Sistema de Psicologia Bíblica], Leipzig, Alemanha: Dorffling & Franke, 1861 (Em inglês: A System of Biblical Psychology, Edinburgh: T&T Clark, 1869. Esta capa é da edição de 2003):
Onde as Escrituras falam da morte como uma κρίμα [sentença, penalidade] comum aos homens (Ecclus. xli. 4), em toda parte é o homem inteiro que a sofre. A morte é uma ruptura da substância divinamente ordenada de um ser vivo. Nesta ruptura – a questão da Turba, que se apoderou de corpo, alma e espírito, cada um de acordo com sua maneira (Div. III. Sec. II.) – corpo, alma e espírito também compartilham, cada um ao seu próprio modo. O corpo e o espírito se afastam um do outro; e o espírito, para o qual a alma se retirou, encontra-se, enquanto desencarnado, na condição de morte. Até mesmo dos espíritos dos justos aperfeiçoados é este o caso, embora seja dito apenas per zeugma. As Escrituras chamam os falecidos por inteiro, não apenas seus corpos, de νεκροι [morto]; e ensina que os mortos, não apenas seus corpos, ressuscitam, pois a ressurreição é uma restauração da condição pessoal que é dissolvida pela morte.
A morte é, portanto, o destino final do homem inteiro. Como então é possível, à parte da redenção, falar da imortalidade do homem, ou mesmo só da imortalidade de sua alma? Se entendermos, por imortalidade da alma, sua indissolubilidade como resultado de sua simples natureza, a expressão não afirma o que temos em vista. Pois aquilo que não é composto não pode ser dissolvido, é muito óbvio; mas então será que tudo o que não pode perecer no modo de dissolução, é necessariamente eterno?
Mesmo que entendamos por imortalidade da alma e do espírito, sua incapacidade de aniquilação, a expressão é, no mínimo, antibíblica. Pois morte e aniquilação nas Escrituras não são de modo algum ideias coincidentes. Em geral, as Escrituras em parte alguma dizem que qualquer coisa que foi criada é aniquilada; e, até onde nossa pesquisa chega, não vemos algum átomo perecer. Mas, com base na natureza das coisas, de modo algum se segue que a palavra de poder de Deus não possa retornar novamente para a nulidade aquilo que foi trazido à existência. E se tal conclusão se aplica à natureza da alma, então a continuidade real do ser e a continuidade autoconsciente do ser estão longe de serem necessariamente associadas. Daí não se pode concluir que as almas humanas continuam a subsistir individualmente, já que as almas dos animais são reconhecidamente reconduzidas ao espírito inteiro da natureza, da qual eles são individuações? O que é constituído por emanação também pode ser tomado de volta por meio de remanação (Sal. 104:29; Jó 34:14).
– págs. 474, 475.
Synonyms of the Old Testament [Sinônimos do Antigo Testamento], Robert Baker Girdlestone, Longmans, Green and Co., Londres, 1871, págs. 92-100. (As capas acima são das edições de 1983 e 2000.):
Quando o escritor da Epístola aos Hebreus diz que a palavra de Deus penetra “na divisão da alma e do espírito” (Hebreus 4:12), e quando São Paulo ora para que o “espírito, alma e corpo” de seus convertidos sejam plenamente conservados irrepreensíveis (1 Tessalonicenses 5:23), esboça-se uma divisão psicológica da parte imaterial da natureza humana que é exatamente similar ao que encontramos percorrendo todo o A.T. A Bíblia segue na suposição de que há duas esferas da existência, que podem ser chamadas mente e matéria; ela nos diz que a chave para o mistério do universo deve ser encontrada, não na substância material da qual ele é composto, nem nas agências ou influências que causam os fenômenos da natureza que sucedem um ao outro em sequência regular, e sim num Mentor Supremo, que planeja todas as coisas com a sua sabedoria, e as sustenta pelo seu poder. As Escrituras trazem o mundo imaterial para bem próximo de cada um de nós; e enquanto todos nós somos apenas muito conscientes da nossa relação com as coisas transitórias e físicas, o Registro Sagrado lembra-nos, em todas as páginas, que somos o produto da absoluta e imutável Fonte de toda a existência. Um homem sente-se, às vezes tentado a dizer: ‘acreditarei apenas no que vejo’; mas o primeiro sopro de vento ou o primeiro choque de eletricidade diz que ele deve ampliar seu credo. Se ele ainda avançar pouco, por afirmar sua fé somente nas forças que afetam a matéria, ele será confrontado com o fato de que a matéria que compõe o corpo humano torna-se, por essa própria circunstância, sujeita a forças e influências para as quais qualquer outra matéria é desconhecida. Ele encontra um mundo no interior, assim como um mundo exterior, e ele é obrigado a reconhecer que seu corpo físico é a casa de um ser extra físico, que ele chama de ego e que é, por outro lado, um recipiente de conhecimento e sentidos obtidos através da instrumentalidade do corpo, e por outro lado um agente originando ou gerando uma força que se diz estar no mundo exterior.
É em relação a esta vida interior e seu funcionamento que o homem é o filho de Deus. Sua estrutura é de terra, nascido da terra, aliado com toda a existência física, e sujeito às leis da luz, calor, eletricidade, gravitação, e como tal, tanto quanto seja a quantidade de átomos de matéria vegetal ou mineral. Mas a existência imaterial que permeia essa estrutura, investe-a com a consciência, inundando-a com sensibilidade, iluminando-a com compreensão, permitindo-lhe planejar, prever, querer, governar, fazer leis, simpatizar, amar – Este ego, este pulso de existência, este núcleo de sentimento, pensamento e ação, é um raio de sol do céu, um habitante de uma esfera imaterial do ser, ordenado por Deus, seu Pai para viver, crescer e se desenvolver dentro do tabernáculo [tenda, ou barraca] da carne.
O equivalente hebraico para a palavra ‘alma’ é Nephesh (נֶפֶש), que corresponde a ψυχή no grego. O verbo cognato Naphash, para revigorar, encontra-se em Êxodo 23:12; Êxodo 31:17 e 2 Samuel 16:14. Nephesh tem várias nuanças de sentido e de tradução, que devem ser agregadas tanto quanto possível sob uma ou duas palavras-chave. A alma é, propriamente falando, o princípio animador do corpo, e é a propriedade comum de homens e animais. Assim, em Lev. 24:18, lemos: “Aquele que matar um animal fará restituição por ele; besta por besta’; isto é literalmente, ‘Quem ferir a alma de um animal deve compensá-lo; alma por alma.’ É também usado com relação a animais inferiores em Gen 1:21; 1:24; Gênesis 2:19; 9:10, 12, 15, 16, e em Lev. 11:46; sendo traduzido como criatura nestes trechos.
Em alguns trechos no Pentateuco, nephesh foi traduzido como ‘alguém’; a palavra é, portanto, usada num sentido indefinido, a alma representando a pessoa, como quando falamos de uma cidade contendo tantos milhares de ‘almas’. Porém, talvez estejamos errados se atribuirmos um sentido indefinido à palavra nas Escrituras. Seguem-se exemplos que podem habilitar-nos a decidir a questão: – Lev. 2:1, ‘Quando alguém (lit. “uma alma”) for oferecer uma oferta de cereais’; Lev. 24:17: ‘Aquele que matar algum homem’, lit. ‘quem ferir alguma alma de homem’ – a alma representando a vida; Núm. 19:11: ‘Aquele que tocar o cadáver de algum homem, será imundo sete dias’, lit. ‘aquele que tocar a (parte) morta de alguma alma de um homem, será imundo sete dias’; versículo 13, ‘Quem tocar em algum morto, cadáver de algum homem’, lit. ‘a (parte) morta de uma alma de um homem que morreu’ ‘e não se purificar contamina o tabernáculo do Senhor’; 31:19, ‘quem de vós tiver matado alguma pessoa’, lit. ‘quem de vós tiver matado uma alma’; veja também Num. 35:11, 15, 30. Em todos estes trechos um corpo morto é considerado como aquilo que seria adequadamente animado pela alma, mas, devido à lei pelo qual o homem tem de voltar ao pó, a cena que se vê é de um corpo sem alma, e desta forma um objeto que (representando o pecado) deve ser considerado como cerimonialmente impuro.
Esta ideia é corroborada por outros trechos onde se fala sobre contato com os mortos. Assim, Lev. 21:11, ‘não se chegará a cadáver algum’, é, literalmente, ‘nem se chegará a alguma alma morta’; assim Num. 6:6: ‘não se aproximará de qualquer alma morta’; veja também o cap. 9:6, 7, 10, onde ‘corpo morto’ é literalmente ‘alma’, a ideia de morte sendo entendida do contexto. O mesmo é o caso em Num. 5:2, ‘os imundos por causa de contato com algum morto’, lit. ‘com alguma alma’; e 6.11, ‘do que pecou relativamente ao morto’, lit. ‘com respeito à alma.’
Em Salmos 17:9, ‘inimigos mortais’ são literalmente ‘inimigos da minha alma ou vida’. Em Jó 11:20, ‘desistir do fantasma’ é ‘o expirar da alma’. Assim também em Jer. 15:9, a tradução literal é ‘ela expirou a alma.’
A alma é, portanto, a fonte de animação para o corpo; em outras palavras, é a vida, seja de homem ou de animal. Assim, Nephesh é traduzido como ‘vida’ em Gênesis 19:17; Gênesis 19:19, onde lemos sobre a vida de Ló sendo salva; Gênesis 32:30: ‘Vi Deus face a face, e a minha vida foi preservada’; Genesis 44:30, ‘sua vida está ligada com a vida do rapaz’; Êxodo 21:23 ‘darás vida por vida’;, versículo 30, ‘Ele dará pelo resgate da sua vida tudo o que for colocado sobre ele.’
Em Deut. 24:7, lemos: ‘Se um homem for encontrado roubando alguém (lit. ‘uma alma’) de seus irmãos’, etc.; assim também em Eze. 27:13, ‘Eles comercializavam as pessoas (lit. ‘as almas’) dos homens.’ Pelo uso da palavra Nephesh aqui a maldade da prática de tratar os homens como se fossem bens e haveres a serem comprados e vendidos é reprovada. Este é, sem dúvida, o crime mencionado em Apocalipse 18:13. Não se deve, porém, colocar muita ênfase no fato de a palavra alma ser mencionada nestes lugares. Talvez a palavra ‘pessoa’ no sentido em que falamos de uma ofensa contra a pessoa de um homem ou de uma lesão corporal, seja o real significado nesses trechos. Esta tradução foi adotada em Gen. 14:21; Lev. 27:2 (onde se faz referência tanto a homens como a animais); Núm. 5:6; 19:18 e Eze. 16:5 (onde talvez a palavra ‘alma’ estaria melhor). Uma tradução semelhante é ser, que é encontrada em Lev. 11:43, ‘Não vos façais (lit. ‘vossas almas’) abomináveis, por nenhum réptil que se arrasta, nem neles vos contamineis’; 1 Reis 19:4, ‘ele pediu para si (ou com respeito à sua alma) a morte.’ É usado figurativamente neste sentido, em Isa. 5:14, ‘Portanto o inferno grandemente se alargou’ (lit. ‘sua alma’).
A ênfase que se dá à palavra alma em Gen. 27:31, e outros, ‘Para que a tua alma me abençoe’ é notável, e talvez possa ser explicada de acordo com os trechos referidos acima. A bênção, apesar de ter saído da boca veio do homem vivo, – de seu ser pessoal.
Em hebraico, assim como na maioria dos outros idiomas, o derramamento do sangue de um homem era uma frase usada para representar a tomada de sua vida, pois ‘o sangue é a vida’ nesta frase repetida muitas vezes (por exemplo; Lev. 17:11, 14) vemos que o sangue é (ou seja, representa) ‘a alma’; e se um fluir para fora do corpo, a outra desaparece também. Em Prov. 28:17, lemos literalmente, ‘O homem que pratica a violência ao sangue de uma alma fugirá para a cova’; assim como em Eze. 33:6, ‘se a espada vier e tirar uma alma’ (‘pessoa’, Versão Autorizada [Rei Jaime]) dentre eles, o seu sangue requererei da mão do atalaia’; Jonas 1:14, ‘Não pereçamos pela vida deste homem, e que não se ponha sobre nós o sangue inocente.’
Esta identificação mística do sangue e da vida é de grande interesse levando-se em conta a obra expiatória de Cristo. Somos informados que Ele derramou sua alma na morte, e que Ele derramou o seu sangue para a remissão dos pecados. Evidentemente, o derramamento do sangue foi o sinal externo e visível da separação da alma do corpo na morte; e essa separação resultou num sacrifício voluntário oferecido pelo Filho Divino, de acordo com a vontade do Pai, foi o meio de por de lado o pecado.
Mas a Nephesh ou alma é algo mais do que o simples princípio animador do corpo; no mínimo, se for considerada sob esta luz, um conceito ampliado deve ser inferido desta organização misteriosa que chamamos de corpo, e ela deve incluir os apetites e desejos. A palavra é traduzida como ‘apetite’ em Prov. 23:2 e Ecle. 6:7. Compare com as palavras de Israel, ‘nossa alma tem fastio deste pão tão vil’, Num. 21:5. Outros trechos em que se apresenta uma ideia semelhante são os seguintes: –
Ecle. 6:9, ‘Melhor é a vista dos olhos do que o vaguear da cobiça’ (lit. ‘da alma’). Isaías 56:11, ‘Cães gulosos’ (lit. ‘cães de alma e apetite fortes’). Hab. 2:5, ‘Ele dilata como o Cheol o seu desejo, e é como a morte que não se pode fartar.’ Miquéias 7:3, ‘Os poderosos contam como vão satisfazer os seus maus desejos.’ Jer. 22:27; 44:14, ‘Jamais retornarão à terra à qual anseiam voltar.’ Jui. 18:25, ‘homens de ânimo mau’ (lit. ‘amargos da alma’). 1 Sam. 22:2, ‘homem de espírito desgostoso’ (lit. ‘amargo da alma’). Exo. 15:9, ‘Deles satisfar-se-á o meu desejo (i. e. alma).’ Sal. 78:18, ‘Tentaram a Deus nos seus corações, pedindo comida segundo o seu apetite.’ Sal. 105:22, ‘para instruir os seus oficiais como desejasse.’ Deut. 23:24, ‘poderão comer as uvas que desejarem.’ Deut. 21:14, ‘deixe-a ir para onde quiser.’ Sal. 27:12; 41:1, ‘Não me entregues ao capricho dos meus adversários.’ Eze. 16:27, ‘eu a entreguei à vontade das suas inimigas’
Nephesh é também traduzido como mente e coração em vários lugares onde estas palavras são utilizadas no sentido de desejo e inclinação. Assim, Gen. 23:8, ‘Se é de vossa vontade que eu sepulte a minha morta’; 2 Reis 9:15, ‘Se é da vossa vontade, ninguém saia da cidade’; Deut. 28:65, ‘coração angustiado’; 1 Sam. 2:35, ‘um sacerdote fiel, que procederá segundo o que tenho no coração e na mente’; Eze. 36:5, ‘menosprezo da alma.’
Em uns poucos trechos onde Nephesh foi traduzido como coração, o significado é evidentemente o mesmo que nos últimos trechos citados, ou seja, desejo e inclinação. Assim, Exo. 23:9, ‘vós conheceis o coração (ou seja, a natureza, sentimentos ou desejos) do estrangeiro’; Lev. 26:16, ‘tristeza de coração’ (lit. ‘definhamento de vida ou desejo’); Deut. 24:15, ‘Ele põe o coração nisso’, isto é, ele deseja isso; compare Ose. 4:8; 2 Sam. 3:21, ‘Tudo o que o teu coração deseja’; Sal. 10:3, ‘O ímpio gloria-se do desejo do seu coração’; veja também Prov. 23:7, 27:9, 28:25, e Eze. 25:6,15. Em Jer. 42:20, e Lam. 3:51, coração significa ‘o ser’, como nos trechos já considerados.
Em Jó 41:21, Nephesh foi traduzido como fôlego; em Isaías 19:10, nós a encontramos traduzida como peixe, e em Isa. 3:20, encontra-se a tradução ainda mais estranha frascos de perfume. No segundo trecho, em vez de ‘lagos para peixes’, críticos modernos costumam traduzir pelas palavras ‘aflitos na mente’; e no último supõe-se que um perfume doce desejável seja o significado.
Todas as traduções de Nephesh já foram mencionadas, exceto a mais comum de todas, ou seja, alma. Onde quer que esta palavra ocorra na Versão Autorizada [Rei Jaime], ela corresponde a Nephesh, exceto em Jó 30:15, onde se usa outra palavra (נְדִבָתִ֑י), que pode ser traduzida como liberdade ou nobreza, e em Isa. 57:16 (‘as almas que fiz’), onde a palavra neshamah (נְשָׁמָה) provavelmente significa um ser que respira.
Se alguém perguntar o que é a alma, a resposta do Antigo Testamento é que a alma é o centro pessoal do desejo, inclinação e apetite, e que a condição normal dela é estar operando em ou por meio de uma organização física, seja humana ou outra. Assim, quando lemos que o homem ou Adão tornou-se uma alma vivente (Gen. 2:7), devemos entender que a estrutura que tinha sido moldada do pó tornou-se a habitação e, até certo ponto, a serva de um ego ou centro de desejo ou apetite. Quando a alma parte (Gen. 35:18), o corpo fica desocupado, e o ego que se desenvolveu com o desenvolvimento do corpo em meio às circunstâncias da vida terrestre é desalojado da sua morada. Ele pode, todavia, retornar novamente ao seu antigo lar por meio da operação de Deus, como foi o caso do filho da viúva (1 Reis 17:21).
O fato de que os desejos aos quais a alma dá à luz são frequentemente contra a vontade de Deus fixam o pecado na alma; assim lemos, ‘se uma alma pecar’, etc.; e a consequência para a alma é a morte – ‘a alma que pecar, essa morrerá’, Eze. 18:4. Daí a necessidade de expiação para a alma (Lev. 17:11), e de sua conversão ou restauração a uma vida de conformidade com a lei de Deus (Sal. 19:7; 34:22). De acordo com a lei de substituição, o Messias havia de dar a Sua alma como uma oferta pelo pecado, e derramá-la até a morte (Isa. 53:10, 12), mas ele não haveria de ser deixado entre os mortos (Sal. 16:10); e a ressurreição do Salvador provê uma firme base para a confiança de que Deus responderá à oração do penitente, ‘sara a minha alma, pois pequei contra ti.’
No N.T. ψυχὴν frequentemente significa vida, como em Mateus 2:20, ‘Aqueles que buscam a vida da criança’; Mateus 6:25, ‘Não seja solícito para com a sua vida’ (ou existência animal). Em Mateus 10:28, faz-se uma distinção entre a destruição do corpo, que o homem pode trazer, e a perdição ou ruína da alma na Geena, que só Deus pode causar. Às vezes parece haver um jogo com a palavra, como quando o Salvador diz ‘aquele que perder sua vida ou alma (no sentido comum da palavra) a achará’ (em um sentido novo e mais elevado), Mat. 10:30; 16:25. Ao descrever sua missão, nosso Senhor disse claramente que Ele veio dar a sua alma ou a vida em resgate por muitos (Mat. 20:28). Em Mat. 22:37, o Senhor, citando Deut. 6:5, diz, ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração (ou sentimento), e de toda a tua alma (ou desejo), e de todo o teu pensamento (ou capacidade de apreciação). Em João 10:24, lemos, ‘Até quando nos deixarás em dúvida?’, mas uma tradução mais literal e ao mesmo tempo melhor seria ‘Até quando deixarás as nossas almas em suspense?’ (Ἕως πότε τὴν ψυχὴν ἡμῶν αἴρεις).
Em Atos 2:27, Pedro cita o Salmo (16:10), ‘Não deixarás a minha alma no Hades.’ Este trecho certamente, pode ser entendido como significando, ‘Pois não deixarás o meu cadáver na sepultura’; mas está bem mais de acordo com o uso das duas importantes palavras alma e Hades entendermos que o princípio animador, o ego [ou: eu, a pessoa] de nosso Salvador não deveria ser consignado ao mundo inferior como um lugar permanente de moradia.
No que se referee a outros trechos, pode ser suficiente dizer que a palavra alma é usada no Novo Testamento no mesmo sentido do Antigo, mas que há uma maior predominância de trechos no Novo em que ela recebe o sentido mais profundo, o ego ou lugar do desejo e inclinação e da vida oculta, que é redimida pela fé em Cristo (Heb. 10:39).
Commentary Critical, Practical and Explanatory on the Old and New Testaments [Comentário Crítico, Prático e Explicativo ao Antigo e ao Novo Testamentos], Robert Jamieson, A. R. Fausset e David Brown, 1871 (A capa acima é do Commentary Critical and Explanatory on the Whole Bible [Comentário Crítico e Explicativo Sobre a Bíblia Inteira], Robert Jamieson, A. R. Fausset e David Brown, Volume 3 – Mateus a Efésios, Edição de 2013, publicada por Delmarva Publications, Harrington, Delaware, EUA):
[Jó 15]:22. “Carne” e “alma” descrevem o homem inteiro. As Escrituras baseiam a esperança de uma vida futura, não na imortalidade inerente da alma, mas na restauração do corpo com a alma.
– Vol. I, pág. 789 (Comentário a Jó 15:22)
[Ezequiel 37:]1-28. A VISÃO DOS OSSOS SECOS REVIVIFICADOS, SIMBOLIZANDO A MORTE E A RESSURREIÇÃO DE ISRAEL … Embora este capítulo não prove diretamente a ressurreição dos mortos, ele o faz indiretamente; pois assume como certo o fato futuro como um que era reconhecido pelos judeus crentes e foi, assim, tornado a imagem de sua restauração nacional (assim como Isaías, 25:8, 26:19, Daniel, 12:2, Oséias, 6:2, 13, 14, Cf. Nota, v. 12).
– Vol. II, págs. 564, 565 (Comentário a Ezequiel 37:1-28).
[Marcos 12:]27. Ele não é o Deus dos mortos, mas [o Deus] dos vivos –não ‘o Deus dos mortos, mas [o Deus] de pessoas vivas’. A palavra entre colchetes é quase certamente uma adição ao texto genuíno, e editores críticos a excluem. “Pois para eles todos vivem” Lucas 20:38 – ‘na visão dele’ ou ‘na estimativa dele’. Esta última declaração – encontrada apenas em Lucas – apesar de não acrescentar nada ao argumento, é uma ilustração adicional importante. É certamente verdade que para Deus nenhum ser humano está ou estará morto, mas toda a humanidade mantém uma relação consciente permanente com Ele; mas o “todos” aqui significa “os que serão considerados dignos de ganhar aquele mundo”. Estes mantêm uma graciosa relação pactuada com Deus que não pode ser dissolvida. (Cf. Romanos 6:10, 11) Nesse sentido, nosso Senhor afirma que para Moisés chamar o Senhor de “Deus” dos seus servos patriarcais, se naquele momento eles não tivessem qualquer existência, seria indigno dele. Ele “ficaria envergonhado de ser chamado seu Deus, se Ele não tivesse preparado para eles uma cidade” (Hebreus 11:16). Alguns dos primeiros pais concluíram que o fato de nosso Senhor basear sua prova da ressurreição num trecho como este, em vez de citar alguns testemunhos muito mais claros do Antigo Testamento, foi porque os saduceus, a quem isso foi dito, não reconheciam a autoridade de qualquer parte do Antigo Testamento, a não ser o Pentateuco; e esta opinião tem mantido sua base até agora. Mas, como não há qualquer fundamento para isso no Novo Testamento, então Josefo silencia sobre o assunto, dizendo apenas que eles rejeitavam as tradições farisaicas. Visto que o Pentateuco era considerado por todas as classes como a fonte fundamental da religião hebraica, sendo todos os livros seguintes do Antigo Testamento nada mais que desenvolvimentos do mesmo, nosso Senhor mostrou que até mesmo lá a doutrina da Ressurreição foi ensinada. E ele escolheu este trecho, não como um simples esboço da doutrina em questão, mas como expressivo dessa gloriosa verdade da qual surge a Ressurreição.
– Vol. III, pp. 212, 213 (Comentário a Marcos 12:27).
[I Coríntios 15:]53. este — apontando para o seu próprio corpo e o das pessoas com quem ele falava, revestir, vestir — como uma veste (2 Coríntios, 5. 2, 3). Imortalidade — Aqui apenas, além de I Timóteo, 6. 16, a palavra “imortalidade” é encontrada. Em parte alguma [das Escrituras] se ensina a imortalidade da alma, distinta do corpo: um conceito que muitos erroneamente derivaram de filósofos pagãos. As Escrituras não contemplam o estado anômalo provocado pela morte como a meta a se buscar seriamente (2 Coríntios, 5, 4), e sim a ressurreição.
– Vol. III, pág. 784 (Comentário a 1 Coríntios 15:53).
Heinrich Hermann Schultz (1836-1903), teólogo protestante alemão, professor em Basileia e Göttingen, pregador universitário principal, conselheiro do Consistório Estatal da Igreja de Hanover e abade em Bursfelde:
“Se, portanto, qualquer ser que não seja Deus tem vida, e especialmente se essa vida for indestrutível, isso só pode ser em virtude de alguma relação com Deus. Todos os seres no universo, visíveis e invisíveis, estão em relação com Deus como criaturas com seu Criador. O homem não é exceção; sua vida não é inerente: ela é derivada, e, portanto, pode ser destruída. O que Deus criou não pode ser uma parte de Deus e, consequentemente, não pode ter em si a fonte da vida. A criatura deve, portanto, estar sempre dependente dessa fonte divina para a continuação de sua vida, e ela não pode ser essencialmente imortal, muito embora sua vida seja prolongada pela eternidade por um poder fora de si mesma.”
(Petavel, The Problem of Immortality, p. 414.)
Repetindo este conceito vinte anos depois, Schultz escreveu:
Gottingen, 9 de dezembro de 1881.
J. H. Pettingell.
Prezado Senhor. – Lamento dizer-lhe que nem meu tempo livre nem meu conhecimento do idioma inglês me permitem atender seu pedido. Eu só posso dizer em poucas palavras que a minha opinião atual quanto à “imortalidade condicional” é a mesma que era em 1861, quando publiquei meu livro, “Die Voraussetzunger der Christlichen Lehre von der Unsterbtichkeit.”*
* Os Princípios da Doutrina Cristã da Imortalidade
Estou bem certo de que a opinião comum sobre esta doutrina não é derivada de origens cristãs, e sim dos dogmas da filosofia grega que tornaram Deus e o mundo iguais, e, naturalmente, encontrariam a fonte da vida divina e imortal na natureza, especialmente na natureza do homem. O Evangelho, ao ensinar-nos que não há vida a não ser pela vontade de Deus, obriga-nos a pensar que não pode haver vida eterna, mas apenas em Deus e naquelas naturezas que a recebem dele.
Quando Deus fez o homem à Sua imagem e herdeiro da imortalidade, Ele lhe deu uma alma superior às leis de destruição que reinam nas coisas naturais, e capaz de Sua própria vida. Mas Ele não concedeu [ao homem] ter vida em si mesmo, separado de seu Criador.
Ele tornou o homem herdeiro da própria vida imortal de Deus, mas na condição de ele permanecer ligado ao seu Senhor em amor e obediência (a árvore da vida no Éden). Mas o homem na sua separação pecaminosa de Deus não tem esta vida. Ele está entregue à morte, e somente por sua salvação, ou seu julgamento ele foi dotado com uma vida transitória.
Apenas um dos homens tem vida em si mesmo – o Filho de Deus – em quem Ele se agradou residir com toda a Sua verdade e amor. Somente por meio dele, e salvos por Ele, podemos aceitá-la e tê-la como nossa propriedade. Quem tiver o amor de Deus passou da morte para a vida.
Quem ainda não aceitou a misericórdia de Deus tem vida transitória, tanto quanto essa pessoa seja capaz de salvação ou julgamento. Quando ele é salvo ele ganha a vida imortal – nesta vida ou no futuro.
Quem estiver separado para sempre do amor de Deus em Cristo está no domínio da morte. E se ele permanecer em existência para sempre, isso não seria por sua própria natureza, mas apenas à base do terrível julgamento de Deus. Mas o Evangelho nos ensina que haverá a Segunda Morte, e que Deus dará ao réprobo, com o inferno, a morte e o diabo, às chamas eternas de Sua ira – isto é, que Ele vai destruí-los como o fogo destrói a palha e a madeira jogadas nele. Isso é o que eu penso ser a doutrina do Evangelho, e estou contente em saber que essa doutrina está agora se espalhando rapidamente nos países cristãos.
Sinceramente,
H. Schultz.
(“Uma Carta – do Professor HERMANN SCHULTZ, Göttingen, Alemanha”, em The Life Everlasting [A Vida Eterna], John Hancock Pettingell, 1883, págs. 737, 738.).
History of Opinions on the Scriptural Doctrine of Retribution [A História das Opiniões Sobre a Doutrina Bíblica da Retribuição], Edward Beecher, pág. 58:
Se [a Bíblia] não reconhece, ela também nega expressamente a imortalidade natural e inerente da alma. Ela nos assegura que só Deus possui a imortalidade (1 Timóteo 6:16) Com base nisto, entendemos que Ele tem a imortalidade no sentido mais pleno – ou seja, a imortalidade inerente. Toda a existência além de Si mesmo, Ele criou e sustenta. Os homens não são, como Platão ensinou, seres eternos, auto-existentes, imortais em sua verdadeira natureza … Não há imortalidade inerente da alma como tal. O que Deus criou Ele mantém em existência, e pode aniquilar à vontade.
Is Man By Nature Immortal? (É o Homem Imortal Por Natureza?), Amos A. Phelps, em The Life Everlasting: What Is It? Whence Is It? Whose Is It? [A Vida Eterna: O Que É? De Onde É? De Quem É?], pág. 640:
Esta doutrina [a da imortalidade natural] pode ser rastreada através dos canais lamacentos de um cristianismo corrompido, um judaísmo pervertido, e filosofia pagã, e uma idolatria supersticiosa, até o grande instigador do mal no Jardim do Éden. Os protestantes a tomaram emprestada dos católicos, os católicos dos fariseus, os fariseus dos pagãos, e os pagãos da antiga serpente, que foi a primeira a pregar a doutrina nos humildes recessos do Paraíso para um público bem disposto a ouvir e dar atenção à nova e fascinante teologia: ‘Certamente não morrereis’
Immortality: A Clerical Symposium on What Are the Foundations of the Belief in the Immortality of Man [Imortalidade: Um Simpósio Clerical Sobre Quais São os Fundamentos da Crença na Imortalidade do Homem], James Nisbet & Co., Londres, 1887, págs. 118-124. (A capa acima é de uma edição de 2010):
No relato bíblico da criação e da queda do homem não há nada indicando que o homem era por criação um ser imortal. Pelo contrário, sua imortalidade é representada como dependente, não de sua condição de criação, e sim de algo fora dele, e seu direito ao uso disso era dependente da obediência dele, e disso ele foi cortado em sua queda, “para que não viva para sempre.” Não há nada indicando que a “morte”, imposta por sua desobediência afetou só uma parte de sua natureza, ou era algo menos do que a eliminação total. Na declaração que foi feita à mulher há de fato uma obscura indicação de alguma vitória sobre a serpente a ser alcançada de algum modo por meio da semente da mulher. Porém, qual seria a natureza dessa vitória, ou como ela seria conseguida, não pode ser deduzido de uma indicação tão breve; e se uma revelação mais completa foi feita na ocasião, pelo menos não somos informados disso.
Assim, não admira que nos registros que possuímos das dispensações Patriarcal e Judaica (pelo menos até perto do final da última), apareça muito pouca indicação de qualquer anulação desse resultado específico da Queda, que “a morte passou a todos os homens”. O cônego Row apontou claramente quão pouco, comparativamente falando, os pensamentos dos próprios homens bons daquelas eras foram estimulados pela contemplação de uma vida futura, e quão vagas eram as ideias deles com relação a isso. Somos informados de que eles ‘morreram em fé’. Mas, ao mesmo tempo somos informados de que essa fé era de uma natureza bem elementar, consistindo numa crença de que Deus existe e que Ele é o recompensador dos que diligentemente o buscam. Alguma fé desse tipo, definida mais ou menos de acordo com a extensão do que foi revelado ao indivíduo ou em geral aos homens de sua época, constituindo um vislumbre à distância de promessas não recebidas, pode ter levado os homens bons a uma expectativa mais ou menos confiante de que, de alguma forma, Deus não deixaria que a morte triunfasse sobre seus servos, mas haveria algo em reserva para eles além.
Não é a proposta aqui rastrear a origem dos conceitos bem mais definidos sobre uma vida futura mantidos pelos judeus, ou pelo menos por uma grande parte deles, antes da Era Cristã. Passaremos a considerar a evidência da imortalidade que encontramos na luz mais clara da dispensação cristã.
Ora, vez após vez no Novo Testamento, encontramos a oferta do que é chamado de vida eterna para os que a aceitarem nas condições em que ela é oferecida. Os que trazem para a interpretação desses trechos uma noção preconcebida da imortalidade natural do homem são obrigados a dar à expressão “vida eterna” um sentido figurado, e eliminar dela a ideia comum da vida como existência. Pois claramente não se ofereceria como um presente o que já se possui, nem haveria como se falar em alguns conseguirem algo que já é possuído por todos. É verdade que somos informados de que todos serão levantados novamente, mas não que haverá uma ressurreição de vida eterna para todos. Para os ímpios será apenas uma ressurreição de julgamento. O destino deles é um sobre cujos detalhes lança-se um véu, mas a linguagem na qual isso se expressa e as imagens pelas qual se ilustra parecem apontar para uma destruição miserável, e em todo caso, indicam algo bem terrível.
Para o cristão, portanto, defende-se a evidência de que a imortalidade repousa sobre sua promessa como um presente — um dom sobrenatural em sua natureza, e um cuja promessa é atestada por evidência sobrenatural. Ela envolve a ressurreição, embora a ressurreição por si só não a garanta; e até mesmo os defensores mais árduos duma imortalidade natural, se é que eles admitem qualquer ressurreição, não defendem que ela seja outra coisa além de sobrenatural. Na verdade, o que quer que se pense sobre a condição do homem entre a morte e a ressurreição, nas Escrituras a questão de uma vida futura está ligada com a da ressurreição. Assim, nosso Senhor infere a ressurreição, e quer dizer o que os próprios saduceus podem ter deduzido com base nas palavras ditas [a Moisés] na sarça; e S. Paulo, ao defender que a doutrina da ressurreição pertence à essência da fé, corajosamente usa o argumento de que sua negação logicamente conduz à adoção da máxima manifestamente anticristã, de que teríamos de aproveitar ao máximo esta vida enquanto a temos, pois é tudo o que temos — “Comamos e bebamos, pois amanhã morreremos.” A doutrina da imortalidade natural, independentemente de ressurreição levaria a uma conclusão bem diferente.
Que não se pense que basear nossas esperanças de imortalidade na promessa do dom da vida eterna diminui a nossa ideia do que essa expressão transmite; que os que associam uma interpretação puramente figurativa a ela a entendem como algo mais elevado. O conceito de que basear nossas esperanças de imortalidade na promessa da vida eterna envolve alguma degradação do significado do termo surge simplesmente de separar previamente a ideia da imortalidade da de obediência e consequente felicidade. Uma vez que se aceite o relato bíblico da Queda, pelo menos no que parece ser sua interpretação direta [ou: franca, honesta, correta] — que pela desobediência o homem perdeu a imortalidade — é lógico que a imortalidade só seria restaurada em conexão com um esquema no qual os efeitos morais da Queda seriam remediados, e o homem restaurado a uma condição de justiça plena. Assim, a promessa da vida eterna envolvendo existência eterna traz consigo, ate mesmo conceitualmente, assim como o faz pelas declarações expressas das Escrituras, tudo o que os defensores de uma interpretação puramente figurativa colocam sobre ela; mas traz algo mais, ou seja, a própria existência em vida.
Assim, dentro deste conceito, que embora evidentemente mantido em tempos muito antigos, apenas em anos recentes foi revivido em grande medida, o qual envolve uma interpretação mais simples e direta das declarações das Escrituras sobre o assunto do que meio século atrás era comumente recebido, o ensino das Escrituras, o senso moral e as indicações da ciência até o ponto em que elas têm que ver com a questão, estão todos em harmonia. As mais altas aspirações daqueles bons homens da antiguidade, que, embora “esperavam a cidade que tem os verdadeiros alicerces”, ainda assim “morreram em fé, não tendo recebido as promessas”, se cumpriram e ainda mais. Os pressentimentos ameaçadores dos transgressores intencionais são cumpridos pela declaração expressa de atemorizante e final “julgamento e ardente indignação que há de consumir os adversários”, mas não estamos envolvidos nas tremendas dificuldades éticas envolvidas na suposta necessidade de associar uma punição certa e absolutamente infinita para os pecados de uma vida finita. Finalmente, se houver alguma dificuldade em se acreditar numa vida futura, pelo fato de a investigação científica mais perspicaz não conseguir dar a menor indicação de qualquer coisa além da sepultura, o que é contrário ao que seria de se esperar no caso de um ser naturalmente imortal, a resposta é — Isso é precisamente o que teria de se esperar a priori em bases puramente teológicas. Todo o ser do homem foi perdido pela Queda, e a vida futura não é seu direito por nascimento, mas depende de uma dispensação sobrenatural da graça. Olhar para a estrutura corpórea do homem em busca de indicações de imortalidade, olhar até mesmo para seus elevados poderes mentais – elevados realmente, mas infelizmente mal utilizados – é buscar o vivente entre os mortos. O homem deve olhar, não para dentro de si mesmo, mas para fora de si em busca da garantia da imortalidade. “Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo as primícias dentre aqueles que dormiram. Visto que a morte veio por meio de um só homem, também a ressurreição dos mortos veio por meio de um só homem. Pois da mesma forma como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados.” [1 Cor. 15:20-22]
Five Discourses On Future Punishment [Cinco Discursos Sobre a Punição Futura], Cameron Mann, Nova Iorque, EUA, 1888, págs. 113-118, 126-129:
Até onde posso julgar, a doutrina da destruição final dos pecadores impenitentes é sugerida pelo curso da Natureza, revelada nas Sagradas Escrituras, e está de acordo com nosso senso moral.
Na verdade, não professo manter esta doutrina com a mesma confiança, nem pregá-la com a mesma autoridade que sinto em relação à divindade de nosso Senhor, ou a expiação, ou a ressurreição, ou qualquer outra daquelas verdades fundamentais estabelecidas nos Credos Católicos. Pois, no caso destas últimas eu tenho, além de minha própria convicção, baseada no estudo que pude fazer, o claro e positivo testemunho da Igreja, de que são partes essenciais do evangelho comissionado a ela para ensinar a todas as criaturas em todo o tempo. Estes são os dogmas da Igreja, que o clero declara com toda a autoridade de sua comissão.
Mas a doutrina que explicarei e defenderei esta noite, eu não apresento como um dogma da Igreja; eu a ofereço simplesmente como minha própria opinião acerca dum assunto sobre o qual ela não se pronunciou; e admito plenamente o direito dos que fizeram os mesmos votos que eu de discordar de mim neste assunto. Mas se eles têm direitos, eu também tenho. E sobre este assunto não posso ficar calado; devo declarar o que, depois de um trabalho honesto, concluí ser a resposta mais razoável e com o melhor apoio para uma pergunta que se impõe à nossa atenção. É meu ofício constante neste lugar ler as advertências solenes da condenação vindoura dos pecadores, proferidas pelo profeta e apóstolo, e pelo próprio Jesus Cristo, e guiá-los em suas súplicas para que Deus possa nos “livrar” de sua “ira e condenação eterna”. É meu dever frequente ficar perto de um túmulo aberto, e dizer, em nome de mim e dos que estão reunidos ao meu redor, e daquele cujo corpo está tão quieto diante de mim. “Eis aqui que no meio da vida nos assaltou a morte. Que auxilio procurar, senão a Vós, Senhor, que por nossos pecados com razão vos irritais? Deus Santo, Deus forte, Salvador misericordioso, não nos entregueis à morte amarga.” Será que eu nunca vou dar qualquer explicação sobre o que provavelmente é a condenação e a morte eterna? Sabendo, como eu sei, que as explicações tendem a, por um lado, tornar a condenação dos pecadores tão leve que os homens deixam de temê-la ou, por outro lado, tão repulsivamente injustas que eles deixam de acreditar nela, não estou simplesmente cumprindo meu dever quando digo a vocês que, até onde posso ver, é o destino real, terrível e eqüitativo dos pecadores renitentes? É verdade que não tenho decreto formulado de um concílio, nenhum artigo vinculativo de um credo para expor e explicar. Só posso dar minha opinião, mas essa opinião não é o mero reflexo de conceitos circundantes, nem a obstinada preferência do individualismo. nem o descuidado produto do acaso. Eu estou preparado não só para dizer “eu acho isso”, como também para dar boas razões para pensar desse modo.
A teoria da destruição final dos ímpios, ou, como é mais sucinta e corretamente chamada, de teoria da “imortalidade condicional” é a seguinte: que os homens não são criados com a imortalidade inerente, com uma alma, ou corpo, ou ambos, tal que não possam ser destruídos, mas que a imortalidade é um dom supradicionado que a natureza do homem é capaz de receber e que Deus concede nos casos em que Ele deseja, e que Ele não o faz o caso de pecadores impenitentes; assim, segue-se naturalmente que em algum momento todos esses infratores deixarão de existir. Observe cuidadosamente o ponto de vista adotado por essa doutrina. Ela não considera o pecador como um ser naturalmente imortal, que por causa de sua maldade, Deus aniquila violentamente. Ela considera o pecador como um mortal a quem Deus concedeu um certo período de vida, com a possibilidade de que, amando a Deus e recebendo dele para sempre o poder vitalizador do amor divino, ele pode se tornar imortal ou, para falar mais corretamente, sempre preservado vivo; mas falhando nisso, deixando de se tornar participante da natureza Divina e de escapar da corrupção da carne, o mortal pecador só permanece pelo prazo estipulado e depois volta para os elementos impessoais dos quais sua natureza foi moldada a princípio.
A doutrina não envolve qualquer afirmação de uma aniquilação absoluta, que pode ou não ser filosoficamente concebível. Mas o homem é uma estrutura composta em corpo e alma. E o que acontece com o pecador na morte eterna é que toda a sua natureza está dividida, dissolvida, desaparecendo todas as características individuais, toda a personalidade perdida. As partes componentes ainda podem continuar no universo, mas o homem não existe mais. Quando uma planta se decompõe no solo, embora cada átomo de carbono, hidrogênio e oxigênio que compõe seu tecido celular ainda esteja em algum lugar, essa planta em particular desaparece: nunca mais o orvalho cairá sobre as folhas e a abelha sorverá seus nectários. E quando um homem perece na Geena, quando as amargas dores da morte eterna completam seu trabalho sobre ele, quaisquer partículas de matéria podem se misturar com o pó estelar, qualquer força dispersa pode vagar pelo espaço, o homem se foi; nunca mais essa personalidade específica sentirá ou pensará, estará consciente do presente ou lembrará do passado.
É isso o que a imortalidade condicional ensina sobre a condenação: ela resulta na destruição total dos condenados.
Inequivocamente, a teoria não é a popular, pois o conceito predominante é o de que os homens são naturalmente imortais e requer uma vigorosa distensão mental adotar a posição e até considerar a possibilidade de que eles não sejam. Todavia, creio que poucas pessoas estão cientes de quão frágil é a base na qual repousa a opinião predominante; e como passo preliminar para considerar a evidência positiva da imortalidade condicional, é necessário mostrar que não há provas substanciais da incondicional.
Porém, que fique claro desde o início que a imortalidade condicional não nega que, para todos os homens, haverá uma vida futura, que haverá uma ressurreição dos injustos e dos justos; pelo contrário, ela afirma isto, ela vê o período designado ao homem como estendendo-se ao próximo mundo, em muitos casos pela educação e disciplina, em pelo alguns casos pela reivindicação da justiça. A natureza sugere indistintamente esta vida futura de todos, a Consciência a exige, e as Escrituras a declaram.
… Mas alguns podem dizer que, de qualquer forma, a Bíblia ensina que o homem é um ser imortal. Não, a Bíblia não faz isso. Nem no Antigo Testamento nem no Novo há uma única afirmação de que os homens são natural e inerentemente imortais. Diz Edward White — e todo o meu estudo das Escrituras confirma a afirmação dele — “Da sobrevivência das almas em um Seol ou Hades, a Bíblia parece falar com frequência; da verdadeira sobrevivência eterna dos salvos, ela também fala; mas jamais coloca alguma vez a esperança eterna da humanidade no dogma abstrato da imortalidade da alma, ou declara que o homem viverá para sempre porque é naturalmente imortal.
Não posso, é claro, discutir todos os textos relacionados a esta questão. Só posso olhar de relance para dois ou três. O Antigo Testamento, devo passar rapidamente, apesar de ele apoiar mais fortemente minha posição atual; pois quem pode esquecer o conceito dos salmos que expressam o mais alto pensamento devocional da antiga igreja judaica? “Pois ainda um pouco, e o ímpio não existirá; olharás para o seu lugar, e não aparecerá. Mas os ímpios perecerão, e os inimigos do Senhor serão como a gordura dos cordeiros; desaparecerão, e em fumaça se desfarão.” “Quanto aos transgressores, serão à uma destruídos, e as relíquias dos ímpios serão destruídas.” “Quando o ímpio crescer como a erva, e quando florescerem todos os que praticam a iniqüidade, é que serão destruídos perpetuamente.” “O ímpio o verá, e se entristecerá; rangerá os dentes, e se consumirá; o desejo dos ímpios perecerá.” São estas expressões consistentes com uma crença na imortalidade natural do homem? Contudo, os Salmos fazem parte do Antigo Testamento, onde encontramos as mais fortes esperanças de uma vida futura para os justos. Mas eles se apoiam unicamente na graça de Deus. E assim, quando o salmista exclamou: “O teu reino é um reino eterno; o teu domínio dura em todas as gerações.”, ele continua e declara: “O Senhor guarda a todos os que o amam; mas todos os ímpios serão destruídos.”. Talvez se possa argumentar que a dispensação judaica tenha sido uma de recompensa e punições temporais, e que todas essas promessas e ameaças devem ser interpretadas em relação a esta vida e mundo atuais. Suponhamos que seja assim, embora eu não veja como alguém possa deixar de notar as aberturas sobre eternidade que podem ser encontradas o tempo todo nos escritos do salmista e profeta, mas a antiga dispensação era no mínimo típica da nova, e em sua linguagem sobre as coisas, encontramos a profecia das coisas posteriores. E todo o peso da profecia é vida para os justos e morte para os iníquos.
O Novo Testamento também não faz qualquer mudança neste ensinamento. Ele lança uma luz mais forte sobre o futuro, mas os mesmos grandes fatos se destacam. Em todos os lugares do evangelho, Jesus Cristo é apresentado como a única base para a imortalidade humana. Nunca há qualquer indicação de que os homens são naturalmente imortais. Pelo contrário, São Paulo declara distintamente que só Deus tem imortalidade; e nos dois casos em que ele fala dos homens como imortais, ele diz que não é algo inerente, mas conferido, que este mortal deve “revestir-se de imortalidade” e, portanto, “a morte será tragada pela vitória.” Em lugar nenhum o Novo Testamento diz que Cristo veio libertar o homem de um tormento sem fim, que seria a conseqüência inevitável de uma existência sem fim no pecado; mas oitenta vezes, só nos escritos de São João, declara-se que o dom da vida, ou a vida eterna, é o objetivo da Encarnação. Tome-se um texto como amostra. Quão claras são as palavras que soam a Mensagem do Evangelho: “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.”
O que alguém concluiria naturalmente de tais palavras, a não ser que, sem a ajuda de Cristo, a destruição de todos os homens seria destruição absoluta, e que os que rejeitarem a ajuda dele devem passar por essa destruição? Estou apercebido de que se tentou deixar de lado este ensino formidável, contínuo e harmonioso do Novo Testamento, atribuindo-se significados secundários aos termos vida e morte, insistindo em seu significado moral e em seus usos figurativos. Mas todo esse tipo de raciocínio é tênue e falacioso. Se houvesse nas Escrituras algumas afirmações claras e positivas de que todos os homens viverão para todo o sempre, então suas afirmações de que a vida eterna vem somente para os que crêem no Filho de Deus e são salvos por ele, talvez poderiam ser interpretadas como significando uma existência gloriosa e abençoada, e suas afirmações de que os iníquos perecerão poderiam ser interpretadas como significando que eles existirão em ruína e degradação moral.
Mas, na ausência de tais afirmações — e elas estão totalmente ausentes — colocar essa interpretação secundária em relevo e privá-las totalmente de seu significado primário e usual, é muito absurdo.
The Problem of Immortality [A Questão da Imortalidade], Emmanuel Pétavel-Olliff, 1892, pág. 53:
Sem dúvida, o espírito de Deus dá ao homem sua força vital; mas isso não quer dizer que a criatura faz parte do Criador, e por conta disso possui a imortalidade do próprio Deus. A alma criada teve um princípio; pode, portanto, chegar a um fim; ela chegará a um fim a menos que um propósito expresso do Criador perpetue sua existência.
Funk & Wagnalls Standard Dictionary of the English Language [Dicionário Padrão da Língua Inglesa de Funk e Wagnalls], Funk & Wagnalls Company, Nova Iorque, EUA, 1893, Edição de 1913, Vol. 4, pág. 2322. (As capas acima são das edições de 1982 e 2001):
Alma. O princípio ou veículo da vida do indivíduo, animal ou humano, concebido como uma substância, qualidade ou causa eficiente dos fenômenos da senciência e da consciência em geral. Embora alguma forma de concepção correspondente a essa palavra seja encontrada em todas as eras e entre todos os povos, ela assumiu diversas variedades mais ou menos distintas, nas tentativas do pensamento e da imaginação humana de defini-la claramente. Entre os egípcios e gregos da antiguidade, bem como entre os povos mais primitivos, a alma era concebida sob a analogia de alguma substância especialmente refinada ou etérea, como o fôlego, ou uma espécie de fogo, ou éter, etc. Bem cedo e quase universalmente, o desenvolvimento das concepções religiosas fez com que a alma fosse considerada como participante de uma natureza divina e devendo ser atribuída aos deuses ou a Deus como um dom divino. Este conceito, combinado com os fenômenos dos sonhos e outras experiências de tipo sugestivo, juntamente com a dificuldade de alguém pensar conscientemente fora da existência consciente, conduziu inevitavelmente à crença na separabilidade da alma do organismo corporal e em sua continuidade após a dissolução do organismo. Entre os hebreus da antiguidade, a alma era equivalente ao princípio da vida corporificado nas criaturas vivas, e este significado tem continuidade ao longo da Bíblia, embora em escritos bíblicos posteriores a concepção associada do espírito, como sendo mais ou menos distinta da alma, seja tornado o princípio e o veículo das atividades e capacidades mais elevadas e mais obviamente divinas da natureza humana. Foi principalmente Agostinho, em parte por motivos religiosos e em parte como discípulo da filosofia grega posterior, quem ensinou a natureza simples, imaterial e espiritual da alma humana – um conceito que continuou sendo o da filosofia escolástica e dos teólogos cristãos até a época atual. Descartes, por sua teoria do automatismo como aplicado ao organismo corporal e sua doutrina de que a essência da alma é o pensamento racional, deu a guinada moderna para os conceitos diversos da verdadeira concepção. Destes conceitos, o idealismo monista, o materialismo, o paralelismo e o interacionismo funcional estão entre os mais proeminentes. As formas mais antigas de substancialismo, ou a teoria da entidade, estão agora amplamente abandonadas.
A Critical Lexicon and Concordance to the English and Greek New Testament [Léxico e Concordância Crítica Para o Inglês e Grego do Novo Testamento], Ethelbert William Bullinger, Longmans, Green & Co., Londres, Inglaterra, 1895 (A capa acima é de uma reimpressão de 2014):
2 – άδης, HADES. Esta é uma palavra pagã e chegou até nós cercada de tradições pagãs, que tiveram sua origem em Babel, e não na Bíblia, e chegaram até nós por meio do judaísmo e do romanismo.
Como Hades (uma palavra de origem humana) é usada no Novo Testamento, é a equivalente do hebraico seol (uma palavra de origem divina), seu significado pode ser extraído, não da imaginação humana, e sim a partir de seu uso divino no Antigo Testamento. Se sabemos isto, sabemos tudo o que se pode saber. Assim, fornecemos uma lista completa de todas as suas sessenta e cinco ocorrências no Antigo Testamento. Damos a lista completa com base na V[ersão] A[utorizada], com as variações da V[ersão] R[evisada]; chamando atenção para o fato de que a V[ersão] R[evisada] americana não traduz a palavra em lugar algum, mas simplesmente a translitera assim: “Sheol”.
Daí, após enumerar todos esses 65 usos de Seol no Antigo Testamento, ele prossegue:
Num exame cuidadoso da lista acima, alguns fatos se destacam de maneira bem clara.
(i.) Observa-se que na maioria dos casos Seol é traduzida como “sepultura”. Para ser exato, 54 por cento: enquanto “inferno” é 41 ½ por cento; e “poço” apenas 4 ½ por cento.
Portanto, com base na lista acima, sepultura destaca-se como a tradução melhor e mais comum.
(ii.) No que se refere à palavra “poço”, pode-se observar que, em cada um dos três casos em que ela ocorre (Num. 16:30, 33 e Jó 17:16), é tão evidente que o sentido é sepultura que podemos banir “poço” de nossa consideração e substituí-la por sepultura como a tradução de Seol.
(iii.) Quanto à tradução “inferno”, ela não representa Seol, porque tanto pela definição do dicionário como pelo uso coloquial “inferno” significa, o local da punição futura. Seol não tem esse significado, mas denota o atual estado da morte. “Sepultura” é, portanto, uma tradução muito mais adequada, porque ela visivelmente nos sugere o que é invisível para a mente, a saber, a condição da morte. Ela [a palavra inferno] é, necessariamente, enganosa para o leitor [dum idioma moderno] fazendo-o ver a primeira representando o último.
(iv.) O estudante descobrirá que “sepultura”, tomada literalmente, bem como figurativamente, satisfaz todas as exigências do Seol hebraico: não tanto por Seol significar especificamente Uma sepultura, como também por significar genericamente a sepultura.
As Escrituras Sagradas são absolutamente suficientes para explicar a palavra Seol para nós.
(v.) Se nós inquirirmos isso na lista das ocorrências da palavra Seol, acima, ela ensinará
(a) que, quanto à direção ele está para baixo.
(b) que quanto a lugar, ele está na terra.
(c) que, quanto à natureza ele é apresentado como o estado da morte. Não o ato de morrer, para o qual não temos qualquer palavra em inglês, e sim o estado ou a duração da morte. Os alemães são mais afortunados, tendo a palavra sterbend para o ato de morrer.
Portanto, Seol significa a condição de morte; ou a condição dos mortos, da qual a sepultura é uma evidência tangível. Ele tem relação unicamente com os mortos. Ele pode, às vezes, ser personificado e representado como falando, assim como outras coisas inanimadas são. Ele pode ser representado por uma palavra cunhada, Gravedom, no sentido de domínio ou o poder da sepultura [“grave”, em inglês].
(d) Quanto a ele estar em contraste em relação à condição dos vivos, veja Deut. 30:15, 19 e 1 Sam. 2:6-8. Nem uma vez sequer ele é associado com os vivos, exceto por contraste.
(e) Quanto à associação, ele é usado em conexão com
luto (Gen. 37:34-35),
tristeza (Gen. 42:38; 2 Sam. 22: 6; Sal. 18:5; 116:3),
medo e terror (Num. 16:27, 34),
choro (Isa. 38: 3, 10, 15, 20),
silêncio (Sal 31:17; 6:5; Ecle. 9:10.),
ausência de conhecimento (Ecle. 9:5-6, 10),
punição (Núm. 16:27, 34; 1 Reis 2:6, 9; Jó 24:19; Sal. 9:17, R.V., RE-tornou, como antes de sua ressurreição).
(f) E, finalmente, quanto à duração, o domínio de Seol ou sepultura continuará até, e terminará somente com a ressurreição, que é a única saída dele (veja Ose. 13:14, etc.; e compare Sal. 16:10 com Atos 2:27, 31; 13:35).
Agora, se as onze ocorrências de Hades no Novo Testamento forem examinadas cuidadosamente, chegaremos às seguintes conclusões:
(a) Hades é invariavelmente associado com a morte; mas nunca com a vida: sempre com pessoas mortas; mas nunca com os vivos. Todos no Hades “NÃO VIVERÃO NOVAMENTE” até que sejam ressuscitados dentre os mortos (Rev. 20:5). Se eles não “vivem novamente” até que sejam levantados, é perfeitamente claro que eles não podem estar vivos agora. Caso contrário, eliminaríamos completamente a doutrina da ressurreição.
(b) Que a palavra “inferno” de modo algum representa a palavra grega Hades; pois já vimos que ela não dá uma ideia correta de seu equivalente hebraico, Seol.
(g) Que Hades pode significar apenas e exatamente o que Seol significa, a saber, o lugar onde a “corrupção” é vista (Atos 2:31; compare com 13:34-37); e do qual a ressurreição é a única saída.
– págs. 367-369 (da edição de 1999).
Studies Subsidiary to the Works of Bishop Butler [Estudos Subsidiários às Obras do Bispo Butler], William E. Gladstone, Oxford, Clarendon Press, 1896, págs. 184, 195, 197, 241 e 260:
“[É só] do tempo de Orígenes em diante que podemos considerar que a ideia da imortalidade natural, em oposição à do cristão, começou a ganhar uma posição firme na Igreja Cristã.”
“A doutrina da imortalidade natural, distinta da imortalidade cristã, não foi sujeita a testes severos de ampla publicidade e controvérsia resoluta, mas rastejou para dentro da Igreja, como que pela porta dos fundos; por meio dum silencioso embora eficaz processo, e seguiu o caminho de obter um título por prescrição tácita.”
“Outra consideração da maior importância é que a imortalidade natural da alma é uma doutrina completamente desconhecida nas Escrituras Sagradas, e não repousa sobre plano elevado algum a não ser uma engenhosamente sustentada, porém grave e formidavelmente contestada, opinião filosófica.”
“O caráter do Todo-Poderoso está sujeito a acusações que não podem ser refutadas enquanto persistir a ideia de que pode, por ordem dele, haver algo tal como uma punição sem fim, mas que terá sido suficientemente resolvida na esfera do julgamento humano. Por isso, logo que tiver sido estabelecida e permitida essa punição, qualquer que seja, ela não pode ser interminável.”
Nos primeiros seis pontos de seu “SUMÁRIO DAS TESES SOBRE UMA VIDA FUTURA”, ele disse:
1. QUE a imortalidade natural da alma não é ensinada nas Escrituras Sagradas.
2. Também não é recomendada pela autoridade moral de quod semper, quod ubique, quod ab omnibus [aquilo que todos, em toda parte, sempre acreditaram], mesmo após a colocação desse dito abrangente sob tais limitações, como se admite razoavelmente.
3. Nem é afirmada ou ordenada por qualquer uma das grandes assembleias da Igreja indivisa, ou por qualquer unanimidade, real ou moral, de Decretos e Confissões posteriores à divisão da Igreja em Oriental e Ocidental.
4. A imortalidade da alma deve propriamente ser considerada como ocupando seu lugar na religião a partir do fato de ser uma dádiva ou dotação devida à Encarnação do Senhor.
5. A sobrevivência da alma após a morte é, em si, distinta da imortalidade da alma, e está incluída na doutrina da ressurreição; e foi tratada dessa forma pelos primitivos Pais da Igreja.
6. Além disso, a existência da alma após a morte, na qual se acreditava tão amplamente nas religiões antigas à parte da revelação hebraica, era uma crença em sobrevivência, e não foi associada com qualquer prova e adoção formal de uma vida absolutamente sem fim.
Biblical Eschatology: Its Relation to the Current Presbyterian Standards and the Basal Principles that must underlie – Their Revision: Being a Review of the Writings of the Presbyterian Divine, L. C. Baker [Escatologia Bíblica: Sua Relação com as Atuais Normas e Princípios Fundamentais Presbiterianos que devem ser prioritários – Sua Correção: Sendo uma Revisão dos Escritos do Teólogo Presbiteriano, L. C. Baker], Henry Theodore Cheever, 1893, págs. 53, 54:
O Cristianismo precisa basear sua esperança de imortalidade para o homem mais distintamente no fato de que Cristo ressuscitou, e que o homem perecível deverá viver novamente, não por causa de sua imortalidade inerente*, e sim porque Deus providenciou que nele, o Cristo, todos serão vivificados. E esta nova ressurreição de vida para a raça humana por meio de seu segundo Adão, o homem perfeito ideal, deve ser encarada como nada mais que a consumação de um processo criativo e promessa que teve início a partir da fundação do mundo (Tito 1:2) e necessária para completar o projeto do Autor, que é gerar da matriz deste sistema uma raça ungida digna de usar sua coroa, e de ser, sob Cristo, a administradora de sua autoridade e magnanimidade por toda a eternidade.
* O peso do testemunho das Escrituras é que o homem, tanto o corpo como a alma, é perecível. Admitimos espontaneamente que um espírito imortal da vida de Deus habita nele. Mas a própria questão em jogo na sua formação moral é se essa vida de Deus edificará para si uma morada eterna nele. Ele pode tornar-se tão degradado em caráter, ele pode desta forma provar-se tão indigno da vida eterna, que este espírito imortal poderá não só deixar de lutar lado a lado com ele, como também de viver nele. Nesse caso, sua personalidade e ser individual deverão desaparecer. Ele fracassa na vida eterna.
Nosso Salvador ensina que o homem pode se endurecer tanto contra a graça de Deus que ele “não será perdoado, nem nesta era nem na era que há de vir.” Mas a doutrina de “uma ressurreição de julgamento” dá esperança aos mortos de que sua falha aqui não é necessariamente final e irremediável. Que todos serão salvos, que não haverá qualquer rejeição de almas humanas neste grande projeto de Deus, é demais para afirmar. Mas, o fato de Ele ser obrigado por Seu próprio caráter, ou por Sua Palavra, a dotar todas as criaturas da raça humana com a imortalidade pessoal, não exige que acreditemos, quer pelas analogias da natureza quer pelas declarações da Palavra dele, embora possamos ter certeza de que os que não forem merecedores dessa dignidade da imortalidade, devendo, assim, ser lançados fora, não estão condenados a uma existência sem fim em tortura sem esperança. Eles podem descer na escala da criação até que se tornem “como animais irracionais feitos para serem apanhados e destruídos” Mas se assim for, eles deverão, assim como aqueles, “perecer completamente em sua própria corrupção” (II Pedro 2:12). — Words of Reconciliation [Palavras de Reconciliação], Volume IV., página 232.”
The Life Everlasting: What Is It? Whence Is It? Whose Is It? (A Vida Eterna: O Que É? De Onde É? De Quem É?), John Hancock Pettingell, 2ª edição, J. D. Brown, Filadélfia, EUA, 1883, págs. 175-207. (Veja também as págs. 537-600):
Vida e Morte, como palavras referentes a fenômenos, não precisam de qualquer definição ou explicação, pois elas designam fenômenos com os quais todos nós estamos familiarizados. Cientistas e metafísicos podem investigar seu significado interior; e debater sobre a fonte e essência reais e o significado destes fenômenos; mas, para todos os efeitos práticos, estes termos não necessitam de definição. O mesmo é verdade no caso de todos os termos definitivos e antitéticos que estão em uso comum em nossa língua, ou em qualquer idioma. O significado deles é tão óbvio que qualquer tentativa de defini-los, tal como a tentativa de demonstrar um axioma, só tende a obscurecer o assunto e confundir a mente.
A vida como um fenômeno da natureza está visível em todo lugar. Assim é a morte. Uma é colocada em confronto com a outra. Portanto, elas são chamadas de termos antitéticos. Cada um dos termos explica o outro. Se um deles é conhecido, o outro também deverá ser conhecido. Mas a morte não é simplesmente a antítese da vida, como a escuridão é da luz, e o frio é do calor. Ela é mais do que isso. Ela supõe uma vida anterior. Ela denota a perda do que certa vez alguém possuía. Nós não pressupomos a morte de uma pedra ou de um pedaço de barro. Nós dizemos que estes são inanimados. Eles não estão mortos, pois jamais tiveram vida e nunca morreram. “Sem vida” é a negação adequada de “vida”.
Nem podemos atribuir graus de morte da mesma maneira que podemos no caso de muitos outros termos. Isto é um termo absoluto e final. Nada pode ser classificado como morto enquanto existir alguma vida nele. Ele pode estar quase morto, ou prestes a morrer, mas não estará morto até que toda a vida esteja totalmente extinta.
Às vezes, porém, usamos o termo morte de maneira proléptica, ou seja, antecipando uma objeção que certamente surgirá em seguida; como quando dizemos sobre alguém que está acometido por uma doença fatal, ou se feriu fatalmente: “Ele é um homem morto.” Mas podemos usar esta figura de retórica apenas com referência à morte real em vista.
Isto é verdade no caso de todas as palavras que se aplicam às coisas materiais e físicas, e que são passíveis de utilizações secundárias e metafóricas; pois não temos outra maneira de falar de coisas que estão além do alcance de nossos sentidos sem usar tais termos.
Todas as verdades espirituais são representadas por termos que têm uma base física ou material. Afinal, é por meio da semelhança que se supõe que eles devem ter com coisas sensíveis que podemos apreendê-los. É daí que vem a necessidade de, ao abordar essas verdades mais elevadas, não só de usar esses termos físicos, mas também de ater-se estritamente à ideia expressa por eles, se quisermos entender nós mesmos ou ser compreendidos pelos outros. Pois, a menos que a analogia mais estrita seja preservada, podemos muito bem usar um termo com o significado de outro, ou como não significando termo algum, pois nenhuma ideia definida será expressa por eles.
Pode-se dizer que a vida de um homem está nas mãos de outro, que tem o poder de tirá-la dele. Ou podemos dizer que uma criança está morta para seus pais quando a vida dela está inteiramente perdida para eles. Compreendemos facilmente essas figuras de linguagem. Mas se a analogia for muito forçada ou obscura, o que queremos dizer será obscuro no mesmo grau. Esta é a razão pela qual algumas especulações metafísicas são tão difíceis de entender. Os termos usados não sugerem qualquer analogia às nossas mentes. É por isso que alguns tipos de poesia não nos transmitem significado algum, ou são suscetíveis de quase qualquer interpretação que nossa fantasia possa ditar. Este era exatamente o segredo dos oráculos de Delfos. Eles eram formulados intencionalmente em termos metafóricos de aplicação ambígua. Este é justamente o uso que os especuladores teológicos aplicam nas palavras de Deus – as Escrituras Sagradas. Ao interpretar a linguagem da Sagrada Escritura num sentido metafórico, eles podem aplicar a ela qualquer significado que a fantasia deles exija.
Não há palavras na Bíblia que sofreram mais este tipo de abordagem do que essas duas palavras, Vida e Morte; pois são duas das palavras mais importantes em toda a Bíblia. Toda a controvérsia que existe entre nós e os que sustentam a natureza imortal do homem centra-se nessas duas palavras. Elas são as duas dobradiças nas quais toda a questão gira. Se elas tiverem de ser tomadas literalmente quando se referem ao destino do homem, conforme defendemos, então nossos adversários não têm qualquer fundamento para se basear em momento algum. Eles devem desistir de sua argumentação de vez. É absolutamente necessário para a manutenção da posição deles, que o significado literal e comum destas duas palavras seja excluído delas, quando se trata do destino do homem; e, como elas devem significar alguma coisa, outro significado deve ser encontrado e atribuído a elas, para se harmonizar com a doutrina deles acerca da imortalidade de todos os homens.
Afirmamos que as Escrituras querem dizer exatamente o que elas dizem, quando estabelecem a morte como o resultado certo do pecado, e a perpetuidade sem fim da vida como o quinhão dos justos apenas. Acreditamos que Jeová quis dizer exatamente o que Ele disse, exatamente o que Adão deve ter entendido que Ele quis dizer, quando Ele prometeu-lhe perpetuidade da vida apenas na condição de obediência, e ameaçou-o de morte em caso de desobediência. Ele [Adão] não poderia ter entendido essas palavras em algum outro sentido, nem entendeu assim, até o Tentador sugerir outro significado — um significado figurativo — como ele ainda continua fazendo com todos os que dão ouvidos à sua interpretação.
Afirmamos que, quando os homens morrem agora em consequência do pecado, eles realmente morrem; e viverão novamente, não porque sejam imortais e devem naturalmente continuar vivendo, e viver para sempre, mas apenas pelo propósito gracioso de Deus, que foi dado a conhecer no Evangelho de Cristo, que é a Ressurreição e a Vida; e que por meio dele, e dele somente, outra vida, uma vida eterna superior e melhor, é concedida ao Seu povo redimido; e que a segunda morte dos condenados é também uma morte verdadeira, da qual não há ressurreição.
Eles defendem, por outro lado, que, para a vida ativa, consciente e sensitiva do homem não há fim, nenhuma morte literal, como no caso de todos os outros seres vivos sobre a terra; que tanto a primeira morte como a segunda morte, mencionadas nas Escrituras como consequência do pecado, denotam uma condição de pecado e miséria, as quais, se o pecador não se regenerar deles, serão eternamente perpetuadas no inferno; e que a vida, a vida eterna que Cristo dá ao seu povo redimido, é um estado de pureza e bem-aventurança perpetuada para sempre no céu. Ora, acreditamos que esse uso frívolo das declarações simples da Palavra de Deus é totalmente injustificado, um sacrilégio, e uma subversão da verdade. Em nome do Mestre, cuja palavra é a regra suprema da nossa fé, protestamos contra isso, e insistimos em aceitar e compreender estas palavras — Vida e Morte — com o significado exato que elas parecem ter. Fazemos isso pelas seguintes razões:
1. Não há qualquer boa razão para que elas não devam ser aceitas e compreendidas desta maneira…
2. É contrário a todas as regras bem estabelecidas e universalmente aceitas de interpretação colocar um significado incomum nas palavras de qualquer escritor, a menos que estejamos especialmente autorizados por ele a fazê-lo, ou a menos que o estilo de escrita do próprio documento justifique isso…
3. Estas duas palavras — Vida e Morte — não são simplesmente as palavras cruciais nessa controvérsia, mas elas são as principais palavras pelas quais as sanções da lei divina nos são dadas a conhecer…
4. Não se pode dar qualquer outra definição razoável ou satisfatória a essas palavras…
5. É só por aceitar essas palavras, Vida e Morte, de acordo com seu sentido simples e literal, que as Escrituras — especialmente os trechos históricos, doutrinais, didáticos e exortativos — podem se fazer inteligíveis e auto consistentes…
COMENTÁRIO
Os cinco pontos acima são, na realidade, tópicos, dentro dos quais o autor faz uma série de comentários explicativos, daí a razão das reticências após cada ponto (a matéria completa, onde ele discute os conceitos de “Vida” e “Morte” abrange umas 30 páginas do livro).
No esforço de impor de qualquer maneira às Escrituras a ideia de que a alma permanece consciente após o momento da morte, há quem tente mudar o sentido da clara terminologia bíblica relacionada com a condição dos mortos. Isto não é, de modo algum, uma novidade dos nossos dias. É provável que esse tipo de “argumentação” venha sendo usada há séculos. Comentando esse problema, Pettingell disse o seguinte no ponto 2:
“A Bíblia não foi escrita especialmente para filósofos, ou metafísicos, ou poetas, mas para os homens de todas as classes e condições de vida. Assim, encontramos algo nela que está particularmente adaptado a todas estas várias classes. Temos poesia, profecia, parábolas e provérbios; nos quais devemos esperar encontrar figuras de linguagem e uma utilização metafórica e imaginativa de palavras, como fazemos em outros escritos do mesmo tipo. Mas, de longe, a maior parte da Palavra de Deus está em prosa clara e sóbria. Ela foi escrita para a instrução do povo em geral, e deve ser entendida sem que filósofos e metafísicos precisem explicá-la, e deveria ser entendida muito melhor do que é agora, se não fossem as interpretações metafísicas, acadêmicas e tradicionais que os mestres medievais, e os comentaristas e criadores de credo da atualidade, seguindo a trilha deles, inventaram para colocar por cima do significado dela.
Mas este é um recurso antigo para “invalidar a Palavra de Deus”. Isto era muito comum entre os hebreus. Cristo denunciou isso em seus dias. Jeová fala disso; quando Ele pergunta a Jó: “Quem é esse que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento?” Realmente, nós remontamos isso ao jardim no Éden, e vemos o grande Adversário de Deus e do homem, no próprio início, interpretando a ameaça de morte, que Deus havia declarado ser o castigo pelo pecado, como significando, “Certamente não morrereis; sereis como deuses, que são imortais.” E se nossos irmãos cristãos platônicos tivessem estado presentes nessa entrevista, eles teriam dito “Amém” para a declaração do Tentador, “isso é exatamente o que nós acreditamos. O homem é um ser imortal. Ele não pode morrer realmente. A morte, com a qual seu Criador ameaça não pode significar a morte real. Ela deve significar ‘um estado imutável e eterno de desgraça e miséria’, ou qualquer outra coisa, exceto a morte.”
(The Life Everlasting: What Is It? Whence Is It? Whose Is It? [A Vida Eterna: O Que É? De Onde É? De Quem É?], págs. 183, 184. Grifo acrescentado).
A maneira como certos defensores do conceito da “imortalidade inerente da alma” apresentam o assunto hoje faz parecer que Jeová deveria ter sido “mais claro” quando falou em morte no caso da desobediência. Ou que nossos primeiros pais “não entenderam” o que Ele quis dizer. O “entendimento correto” seria aquele que veio a ser expresso muito posteriormente por “filósofos e metafísicos”: Essa “morte” não seria real. Adão deveria entendê-la como apenas aparente; só “uma questão de ponto de vista”, já que apenas uma das ‘partes da pessoa tricotômica’ seria atingida pela punição divina. A “alma espiritual” permaneceria viva naturalmente, continuando ativa e consciente depois que a sentença de Deus se concretizasse.
Isto é, em essência, o que alguns imortalistas afirmam. Ao mesmo tempo em que ainda atribuem aos questionadores dessas doutrinas ‘entendimento errôneo da Bíblia’, e os classificam como ‘simplistas’, pelo fato de eles não darem atenção a essas elucubrações e se aterem ao sentido claro e inteligível dos termos bíblicos!
Hades; or, the Intermediate State of Man (Hades; ou, o Estado Intermediário do Homem), Henry Constable, Londres: Elliot Stock, 62, Paternoster Row, E.C., 1873, pags. 53, 54. Sublinhados acrescentados.):
Vamos agora chamar a atenção dos nossos leitores para o fato de que o Antigo Testamento sempre fala do Hades como um lugar de morte. A teologia platônica comum nos diz que a sepultura, o receptáculo do corpo, é um lugar de morte, mas que o Hades, o receptáculo das almas desencarnadas, é um lugar de vida. Negando que a alma morre ou perece na morte: sustentando que ela mantém uma perfeita vida, passível de cada pensamento que temos agora, tendo até mesmo mais capacidade de ser suscetível a emoções alegres ou dolorosas do que tem aqui, e, no caso dos redimidos desfruta de uma felicidade muito maior do que jamais havia experimentado nesta era ou mundo, eles defendem, e precisam defender, que o Hades é uma região de vida. Para todos, os bons e os maus, eles são obrigados a defender que ele é uma terra de viventes; ao mesmo tempo em que, com suas ideias sobre o que significa a vida em seu sentido mais verdadeiro e próprio, a saber, bem-estar e felicidade e santidade, eles devem, no caso das almas redimidas, defender que o Hades é preeminentemente uma região de vida. Onde não há qualquer pecado – onde não há tristeza – onde se desfruta de paz e felicidade, e até mesmo onde se aguarda com esperança e certeza uma existência mais esplêndida, é com a maior certeza e, inquestionavelmente, uma terra de vida. Comparada com ele esta terra atual é, mesmo em seu aspecto mais feliz, um vale de lágrimas. De acordo com isso, os próprios nomes que a teologia usual atribui a essa parte do Hades, onde supostamente as almas justas habitam separadas dos ímpios, refletem totalmente a ideia deles. Dois desses nomes são “Paraíso” e “Seio de Abraão”. O Paraíso é uma região de vida: o seio de Abraão é uma região de vida. E, assim, observa-se claramente que quaisquer que sejam as ideias que eles associem à suposta divisão do Hades onde situam as almas perversas, essa parte do Hades onde situam as almas justas deve ser verdadeira e preeminentemente uma região de vida.
Mas, será que o Antigo Testamento alguma vez fala desse modo? Deixamos à parte aqui o caso das almas perversas. Poderia muito bem ser o caso de as Escrituras só falarem em termos sombrios da localidade delas. Então, vamos deixá-las de lado por completo. Mas as almas justas e os homens justos estão no Hades, tanto como os ímpios. Ora, será que as Escrituras alguma vez falam do Hades em conexão com eles como uma terra de vida? Nunca. Nenhuma vez sequer. Instamos com nossos teólogos platônicos para que apresentem um único trecho do Antigo Testamento que faça isso. É claro que sabemos que há, aqui e ali, uma imagem poética, como Isaías xiv., onde se diz que os que estão no Hades realizam ações de homens vivos. Todos os trechos desse tipo iremos examinar aos poucos. Se não nos enganamos, cada trecho desse tipo fala dos ímpios, não dos justos. Mas o que dizemos é isso, que cada trecho do Antigo Testamento que fala do Hades sem linguajar poético em relação aos crentes, ou descreve os sentimentos dos crentes em sua perspectiva de entrar no estado do Hades, fala desse estado e lugar como um lugar de morte e não de vida.
The Unspeakable Gift [O Dom Indescritível], Edward White, 1884, pág. 22:
Mantenho firmemente, depois de quarenta anos de estudo sobre o assunto, que o conceito da aplicação de um tormento no corpo e na alma que será absolutamente eterno, é unicamente o que dá base para as ideias de Ingersoll na América, ou Bradlaugh na Inglaterra [ambos ateus]. Creio, com mais firmeza do que nunca, que esta é uma doutrina tão contrária a todas as linhas da Bíblia quanto é contrária a todo instinto moral da humanidade.
No ano seguinte, White acrescentou:
O Antigo Testamento está inteiramente de acordo com a crença na vida eterna dos servos de Deus, e na eterna destruição dos ímpios. E, quando tomado em seu sentido simples, não está de acordo com qualquer outra crença…
Os Evangelhos e as Epístolas com igual força aderem quase uniformemente à linguagem referente à condenação dos perdidos, a qual, tomada em seu sentido simples, ensina, como faz o Antigo Testamento, que eles hão de morrer, perecer, ser destruídos, não verão a vida, e sim sofrerão destruição, destruição eterna, ‘destruição’, conforme diz Cristo, ‘do corpo e da alma na Geena.’
(Homiletic Monthly (Inglaterra), março de 1885.)
“Em lugar algum a Bíblia ensina a imortalidade inerente, mas ensina que o objetivo da redenção é transmitir isso… A transmissão dela exige uma regeneração do homem pelo Espírito Santo, e uma ressurreição dos mortos.”
(Report, London Conference on Conditional Immortality [Relatório, Conferência de Londres Sobre Imortalidade Condicional], 15 de maio de 1876, págs. 28, 29.). Sobre esta conferência, Edward White declarou:
Estas são as idéias que nos juntaram nesta manhã. Elas são agora firmemente defendidas por uma imensa multidão de pessoas conscientes de todas as terras, pois, embora sejamos apenas um pequeno grupo aqui reunido, representamos um imenso exército na Europa e América. Estes conceitos estão se espalhando todos os dias em meio às igrejas; e entre seus seguidores incluem-se alguns dos homens mais importantes da ciência, teólogos, missionários, filólogos, filósofos, pregadores, e estadistas.
That Unknown Country, Or, What Living Men Believe Concerning Punishment After Death [Future Retribution According to the Teachings and Scripture and the Opinions of Sages, Scholars & Divines especially at the present time] ([Esse País Desconhecido, ou, O Que Homens Vivos Acreditam Sobre a Punição Após a Morte [A Retribuição Futura de Acordo com os Ensinamentos das Escrituras e as Opiniões de Sábios, Eruditos e Teólogos, especialmente no tempo atual]), George G. Stokes, C. A. Nichols & Co., Publishers, Massachussets, EUA, 1888; págs. 828-830):
Os defensores da teoria da imortalidade natural da alma parecem ser quase unânimes na crença de que, no momento da morte, o homem passa para uma condição diferente de existência consciente, que passa por uma mudança adicional na ressurreição. E muitos dos que não mantêm a teoria simplesmente expressaram acordo, neste aspecto, com aqueles que a mantêm. Ademais, parece ser em direção a essa condição que os pensamentos de nações não instruídas se voltam, quando pensam em um estado futuro de qualquer maneira.
Nenhum argumento favorável à imortalidade natural da alma que este autor tenha visto, parece-lhe ser de qualquer valor; e, quanto à crença predominante entre nações sem instrução, se é verdade que o homem foi criado numa condição em que, se ele tivesse continuado, teria sido apto à imortalidade, e foi dotado com aspirações à imortalidade, era natural que depois da perda da imortalidade devido à transgressão, o homem buscasse satisfazer seu desejo de imortalidade imaginando que tinha algo imortal em sua natureza. É, então, para a revelação que devemos olhar se quisermos descobrir algo sobre a condição do homem no estado intermediário.
Ora, como foi por meio do evangelho que a vida e a imortalidade foram trazidas à luz, é principalmente para o Novo Testamento que devemos olhar para obter informações sobre o assunto que temos agora diante de nós. Descobrimos, porém, que é, no mínimo principalmente, para o estado depois da ressurreição que os nossos pensamentos são dirigidos, quando se pensa numa vida futura. Tem sido bem colocado que as Escrituras baseiam nossas esperanças de uma vida futura, não na imortalidade da alma, mas na ressurreição do corpo. Há relativamente poucos trechos em o estado intermediário parece ser mencionado de qualquer maneira. Destes, dois ou três são tão obscuros que sua verdadeira interpretação é bem incerta. Há dois ou três em que, à primeira vista, o estado intermediário parece ser referido como sendo de consciência, mas que, em uma análise mais aprofundada, mostram-se como, de acordo com o entendimento deste autor, perfeita e naturalmente explicáveis com base na suposição oposta. Não está em conformidade com o plano desta coleção [de escritos dos eruditos participantes do simpósio] que os escritores devam entrar em discussão, mas é desejável que eles declarem suas próprias opiniões; e, de acordo com este desejo, o escritor do presente artigo aventura-se a dizer que sua própria mente se inclina fortemente para o conceito de que o estado intermediário é um no qual, assim como num desmaio, o pensamento está em suspenso; um que, concordemente, envolve uma aniquilação do tempo interveniente para cada indivíduo em particular.
Mas, seja como for, uma coisa parece ser certa: que na teologia popular e nos hinos populares o estado intermediário recebeu uma expansão totalmente diferente do que encontramos nas Escrituras; uma expansão que vai longe no sentido de banir do conceito o estado da ressurreição e o dia do juízo, embora, assim como a primeira, este tenha ocupado um lugar tão proeminente na mente dos apóstolos e das pessoas a quem eles escreveram, que eles falavam com frequência dele simplesmente como “o dia” ou “aquele dia”.
Hulsean Lectures on Immortality (Palestras de Hulsean Sobre Imortalidade), John J. S. Perowne, 1868, págs. 31, 63:
Por estes e outros argumentos semelhantes, os homens têm procurado, mesmo à parte da Revelação, edificar e confirmar sua esperança de imortalidade. Mas não se pode dizer, não importa o que aqueles que os defendem aleguem em favor deles, que tais argumentos façam da vida futura uma certeza. Eles confirmam inquestionavelmente a esperança instintiva do coração humano. Eles fazem com que a vida futura não seja improvável, mas eles não a provam: eles nos deixam ainda com uma dúvida em nossos corações e um talvez trêmulo em nossos lábios. Tanto quanto eles são fortes, é porque em um grau que pouco suspeitamos, nós os trazemos em apoio de nossa fé cristã: mas fora dessa fé eles não têm qualquer base firme. Tire a verdade cristã de uma ressurreição que nós é assegurada pela Ressurreição de Cristo, e esses argumentos perdem sua força. Você é deixado em um mundo de sombras. Você está lutando em vão para se assegurar da sua existência pessoal no além. A imortalidade da alma é um fantasma que ilude seu desejo de agarrá-lo.
… A imortalidade da alma não é nem defendida nem afirmada no Antigo Testamento.
Soul and Spirit (Alma e Espírito), David Thom, Londres, 1867, págs. 33, 34:
A vida da alma, ou mente humana, era, conforme entendemos de Gênesis II. 17, para ter sido condicionalmente prolongada para sempre; ou, se a frase for mais bem colocada, tinha uma imortalidade condicional conferida a ela. Mas a condição foi violada. Gen. iii. 1-6. A partir desta violação, a morte de alma foi o resultado imediato e necessário: versículo 7 e seguintes. Deixando de lado, por ora, a questão de saber se a alma era em seu estado original realmente imortal ou não, é, se se deve apoiar nas declarações da Palavra de Deus, um fato, que agora, pelo menos, ela é mortal, ou, mais corretamente falando, está morta.
… A alma, segundo as Escrituras, não se tornou mortal, simplesmente, mas ela realmente morreu, no momento em que Adão transgrediu; a transgressão, ou, se você preferir, o efeito necessário da transgressão, tendo sido sua morte: e morta ela continuou desde então, e como alma deverá continuar.
… A alma, como vimos, não é um princípio, imaterial, significando desta forma um princípio substancial; mas é simplesmente o tipo, figura ou sombra desse princípio substancial. Portanto, toda conclusão elaborada com base nesta sua substancialidade assumida, e, entre as demais, a suposta inferência de que ela é natural e essencialmente imortal, cai por terra junto com as premissas sobre as quais ela é edificada. A sombra duma mente, longe de necessariamente existir para sempre, pode, ou melhor deve, do mesmo modo que a sombra dum corpo, desaparecer ou morrer.
A Commentary on the Book of Psalms (Comentário ao Livro dos Salmos), Franz Julius Delitzsch, Nova Iorque, EUA, 1883 (Traduzido da terceira edição em alemão, 1873), Vol. 1, pág. 180. (Confira com Neuer Commentar über die Genesis, 3rd edition, 1860, pág. 190.):
A alma do homem é sua doxa; isto é assim, na medida em que ela é a imagem da doxa divina (Psicol., pág. 98 e freq.). A expressão “que ele deite… no pó” também é, no mínimo, tão favorável a este sentido de נְבֵלָתִ֖י [juntos] quanto é ao sentido de dignidade pessoal e oficial (Sal. 3:4, 4:3). Deitar no pó equivale a deitar no pó da morte (Sal. 22:16). שֹׁכְנֵ֣י עָפָ֗ר [vós que habitais no pó] (Isa. 26:19) são os mortos. De acordo com o conceito bíblico, a alma pode ser morta (Num. 35:11) e é mortal (Num. 23:10). Ela une o espírito e o corpo, e este vínculo é cortado pela morte.
Robert W. Dale (1829-1895), pastor Congregacional da Igreja de Carr’s Lane, em Birmingham. Foi editor da revista The Congregationalist e presidente do ‘União Congregacional da Inglaterra e do País de Gales’. Ele anunciou sua aceitação do condicionalismo em um escrito perante a União Congregacional de 1874:
A vida eterna, conforme creio, é a herança dos que estão em Cristo. Aqueles que não estão nele sofrerão a Segunda Morte da qual não haverá ressurreição… Não estou apercebido de que elas [as posições do condicionalismo] tenham prejudicado de alguma maneira a autoridade em meu ensino de qualquer uma das grandes doutrinas centrais da fé cristã. A doutrina da Trindade permanece intocada; a doutrina da encarnação, a doutrina da expiação em seu sentido evangélico, a doutrina da justificação pela fé, a doutrina do julgamento pelas obras e a doutrina da regeneração recebeu, acredito eu, uma nova e mais intensa ilustração com base nessas conclusões.
(Relatado em ‘Edward White’, His Life and Work [‘Edward White’, Sua Vida e Obra], Frederick Ash Freer, 1902, págs. 354-355.).
Studies in the Creative Week (Estudos Sobre a Semana da Criação), George Dana Boardman, 1878, págs. 215 e 216:
Nem um único trecho da Sagrada Escritura, de Gênesis a Revelação, ensina, até onde posso ver, a doutrina da imortalidade natural do homem. Por outro lado, a Sagrada Escritura diz enfaticamente que só Deus tem a imortalidade (1 Tim. 6:16): Ou seja: Apenas Deus é natural e inerentemente, em Sua própria essência, imortal.
Se, então, o Homem é imortal, é porque a imortalidade foi concedida a ele. Ele é imortal, não porque foi criado assim, e sim porque se tornou tal, derivando sua imortalidade do Único que possui imortalidade. E a partir deste fato a ‘Árvore da Vida’, no meio do Jardim parece ter sido o símbolo designado e a promessa. Que este é o significado da ‘Árvore da Vida’ é evidente com base nas palavras concludentes do Registro da Queda:
“Disse Deus Jeová: Eis que o homem se tem tornado como um de nós, conhecendo o bem e o mal. Agora para que ele não estenda a mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente, Deus Jeová o enviou para fora do jardim do Éden, a fim de cultivar a terra de que havia sido tomado. Assim expulsou ao homem; e ao oriente do jardim do Éden pôs os querubins e o chamejar de uma espada que se volvia por todos os lados, para guardar o caminho da árvore da vida.” Gênesis 3:22-24
Se o homem é inerentemente imortal, que finalidade haveria para alguma ‘Árvore da Vida’ afinal? Isso parece estar bem claro: A imortalidade estava de alguma forma parabolicamente condicionada a comer desta Árvore misteriosa, e a imortalidade era para o homem inteiro – espírito, alma e corpo.
Lyman Abbott (1835-1922), pastor congregacionalista e editor do Christian Union [União Cristã] e do The Outlook [Panorama]:
Fora dos muros de Jerusalém, no vale da Geena, era mantido perpetuamente aceso um fogo, no qual o refugo da cidade era atirado para ser destruído Este é o fogo do inferno do Novo Testamento. Cristo advertiu seus ouvintes de que a persistência no pecado irá torná-los refugo para ser lançado fora da cidade santa, para ser destruído. O verme que não morria era o verme devorador das carcaças, e é também claramente um símbolo, não de tortura, e sim de destruição.
O conceito de que a punição final do pecado é a continuação no pecado e sofrimento também se baseia em parte, segundo me parece, numa falsa filosofia do homem. Esta filosofia é que o homem é por natureza imortal. Aumentou minha convicção, que segundo o ensinamento tanto da ciência como da Bíblia, o homem é por natureza um animal, e como todos os outros animais mortais, essa imortalidade pertence unicamente à vida espiritual, e essa vida espiritual é possível somente na comunhão e contato com Deus; que, em suma, a imortalidade não foi conferida à raça na criação à revelia, mas é conferida na redenção, sobre todos os da raça que escolherem a vida e a imortalidade por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor.
That Unknown Country, Or, What Living Men Believe Concerning Punishment After Death [Future Retribution According to the Teachings and Scripture and the Opinions of Sages, Scholars & Divines especially at the present time] ([Esse País Desconhecido, ou, O Que Homens Vivos Acreditam Sobre a Punição Após a Morte [A Retribuição Futura de Acordo com os Ensinamentos das Escrituras e as Opiniões de Sábios, Eruditos e Teólogos, especialmente no tempo atual]), C. A. Nichols & Co., Publishers, Massachussets, EUA, 1888; “There Is Very Little in the New Testament to Warrant Belief in Endless Conscious Sin and Suffering,” págs. 65-74).
The Christian View of the God and the World, as Centring in the Incarnation [O Conceito Cristão de Deus e o Mundo, Centrado na Encarnação], James Orr, Nova Iorque, EUA: Anson D. F. Randolph and Co., 1893. págs. 229-233:
A Bíblia, como logo veremos, não sabe nada sobre uma imortalidade abstrata da alma, como as escolas falam dela; nem é sua Redenção uma Redenção da alma apenas, mas do corpo também. É uma Redenção do homem em toda a sua personalidade complexa — corpo e alma juntos. Foi no corpo que Cristo ressuscitou dentre os mortos; no corpo que ele ascendeu ao céu; no corpo que ele vive e reina lá para sempre. É a promessa dele que, se ele vive, nós também viveremos; e esta promessa inclui uma garantia da ressurreição do corpo. A verdade subjacente a isto é que a morte para o homem é um efeito do pecado. Não estava no propósito original do Criador para o homem que ele devesse morrer, — que essas duas partes componentes de sua natureza, corpo e alma, deveriam ser violentamente interrompidas e cortadas, como a morte agora as corta. A morte é um fato anormal na história da raça; e a Redenção é, entre outras coisas, a anulação desse mal, e a restauração do homem à sua completude normal como um ser pessoal.
… Assim, a verdadeira doutrina bíblica da imortalidade, penso eu, inclui os seguintes pontos:
1. Ela repousa sobre a doutrina bíblica da natureza humana. Segundo a Bíblia, e de acordo com os fatos, o homem é um ser composto — não, como Deus e os anjos, um espírito puro, e sim um espírito incorporado, um ser feito de corpo e alma. A alma, é verdade, é a parte superior da natureza humana, a sede da personalidade e da vida mental, moral e espiritual. Porém, ela é destinada e adaptada para a vida no corpo, e o corpo e a alma juntos fazem o homem — o ser humano completo.
2. Não fazia parte do propósito do Criador para o homem em sua constituição ideal que corpo e alma devessem ser separados. A imortalidade que o homem deveria desfrutar era uma imortalidade em que o corpo teria sua parte. Esta é a verdade profunda no ensinamento da Bíblia quando ela diz que, com referência ao homem, a morte é o resultado do pecado. Se o pecado não tivesse entrado, deveríamos supor que o homem — o homem completo — teria desfrutado da imortalidade; até mesmo seu corpo, suas energias reabastecidas de forças vitais de dentro, sendo isento de decadência, ou pelo menos não decaindo até que uma habitação nova e mais espiritual para a alma tivesse sido preparada. Com a entrada do pecado e a saída da santidade da alma, esta condição cessou, e o corpo caiu, como parte da natureza geral, sob a lei da morte.
3. A alma em separação do corpo está em um estado de imperfeição e mutilação. Quando um ser humano perde um de seus membros, nós o consideramos um ser mutilado. Se ele perdesse todos os seus membros, nós o consideraríamos ainda mais mutilado. Assim, quando a alma está totalmente desnudada do seu corpo, ainda que a consciência e a memória permaneçam, ela ainda deve ser considerada — e na Bíblia é considerada — como subsistindo numa condição imperfeita, uma condição de vida enfraquecida, poderes diminuídos, capacidades restritas de ação — em suma, um estado de privação. O homem cuja vida está escondida com Cristo em Deus, sem dúvida, com essa vida reterá a bem-aventurança que lhe pertence, mesmo no estado de separação do corpo — ele estará “com Cristo, que é muito melhor”; mas ainda é verdade que, enquanto permanecer nesse estado desencarnado, ele deseja uma parte de si mesmo, e não pode ser perfeitamente abençoado, como será depois que seu corpo, em forma renovada e glorificada, for restaurado.
4. O último ponto, portanto, na doutrina bíblica é que a verdadeira imortalidade é por meio da Redenção, e que esta Redenção abrange a Ressurreição do corpo. É uma Redenção completa, uma Redenção do homem em toda a sua personalidade, e não simplesmente de uma parte do homem. Este é um assunto que será considerado depois. É suficiente para o momento ter demonstrado que as doutrinas bíblicas da natureza do homem, da conexão entre o pecado e a morte, da Redenção e da verdadeira imortalidade, se unem e formam uma unidade — são de uma peça completa.
“O Uso de נֶפֶש no Antigo Testamento”, Charles Augustus Briggs, Journal of Biblical Literature [Revista de Literatura Bíblica], Vol. 16, 1897, pág. 30. A capa acima é de uma edição publicada em 2018):
Se este estudo indutivo está correto em seus resultados, é evidente que algumas das afirmações atuais sobre a psicologia bíblica estão erradas. Os leitores da Bíblia terão de ser excessivamente cuidadosos para não se desviarem da aplicação bíblica quando seguirem as traduções comuns de נפש [nephesh] em nossas Bíblias em inglês. O uso de “alma” em inglês na atualidade geralmente transmite um significado muito diferente de נפש[nephesh] em hebraico, e é fácil o leitor incauto interpretar erroneamente.
Dictionary Of The Bible [Dicionário da Bíblia], James Hastings (Ed.), quatro volumes, T. & T. Clark (Edimburgo, Escócia) e Charles Scribner’s Sons (Nova Iorque, EUA), 1898-1902 (a capa acima é da edição de 2004):
ALMA. – O uso do termo no AT (Heb. nephesh) para qualquer ser animado, seja humano ou animal (Gen. 1:20), deve ser distinguido do uso filosófico grego para a substância imaterial que dá vida ao corpo, e do uso no NT (Gr. psyche), onde se dá mais ênfase à individualidade (Mat. 16:25 RVm). Visto que a Bíblia não contém uma psicologia científica, é inútil discutir se ela ensina que a natureza do homem é bipartida (corpo e alma ou espírito) ou tripartida (corpo e alma e espírito): ainda assim um contraste entre alma e espírito (Hb. ruach, Gr. pneuma) pode ser reconhecido; enquanto o segundo é o princípio universal que confere vida do Criador, a primeira é o organismo individual dotado de vida na criatura (Gen. 2:7 — ‘fôlego de vida’ e ‘alma vivente’). — Em alguns trechos os termos são usados como equivalentes (Isa. 26:9, Luc 1:46, 47, Fil. 1:27 RV), em outros se faz uma distinção (Heb. 4:12, 1 Tes. 5:23). A distinção é a seguinte: “alma” expressa o homem como à parte de Deus, um indivíduo separado; ‘espírito’ expressa o homem como derivando a sua vida de Deus (compare com João 10:11, ‘vida’ = ‘alma’ e 19:30). Esta individualidade separada pode renunciar à sua dependência e recusar sua submissão a Deus. Por isso, o adjetivo ‘psíquico’ pode tornar-se sensual (Tia. 3:15, Judas 19 [RVm ‘Ou, natural. Ou animal’]) ou natural (1 Cor. 2:14, 15:44-46). Provavelmente sensual nas duas passagens transmite mais significado moral do que o termo ‘psíquico’ justifica, e natural seja a melhor interpretação para expressar o que pertence à antiga vida não regenerada em contraste com a característica da nova vida em Cristo, a espiritual (pneumática). Uma mudança paralela no uso do termo ‘carne’ e seu adjetivo correspondente pode ser observada.
– edição de 1909 (volume único), pág. 872.
A alma é ao longo de uma grande parte da Bíblia simplesmente o equivalente da “vida” encarnada em criaturas vivas. No uso anterior do Antigo Testamento, não há referência ao significado filosófico posterior – o princípio da animação – menos ainda à ideia de uma “natureza imaterial” que sobreviverá ao corpo. “A alma viva” em Gênesis e outros registros é simplesmente um “ser animado”, e a palavra é igualmente aplicada aos animais inferiores e ao homem. Quando a vida é enfatizada como humana, significa vida no indivíduo. Este significado é necessário especialmente quando נֶ֫פֶשׁ, ψυχή é colocada em contraste com רוּחַ, πνεῦμα ‘espírito’, que então vem a significar o princípio da vida. Deste modo, a “alma” adquire mais precisamente a ideia da vida individual no homem, o Eu, o Ego, embora possa denotar outros aspectos do homem além do intelectual, e, de fato, às vezes é equivalente a “coração” bem como a ‘mente’… No NT, a ênfase na personalidade torna-se mais marcante em declarações de nosso Senhor tais como Mat. 16:25, 26, Mar. 8:35.
O desenvolvimento de uma expressão dupla para a vida interior do homem (ψυχή, πνεῦμα) dá em toda a Bíblia um uso que é com frequência não muito mais do que um paralelismo vago, como, por exemplo, em Isa. 26:9, Luc. 1:46, 47, Fil. 1:27 (RV). Sem dúvida, porém, contém uma insinuação, em toda parte, da antítese entre o princípio da vida e a vida individual. Onde os dois são colocados lado a lado, como em Heb. 4:12, a relação verdadeira subsistente entre a “alma” e seu princípio de vida (“espírito”) é trazida à luz. Enquanto na linguagem mais antiga dos Evangelhos σῶμα e ψυχή aparecem como as duas partes constituintes da natureza humana (Mat. 10.28), há no uso paulino uma triplicidade: τὸ πνεῦμα, o princípio da vida divina, ψ χυχή, a vida individual na qual o πνεῦμα se manifesta, τὸ σῶμα, o organismo material vivificado pela ψυχή (1 Tes. 5:23).
Onde a antítese mais distinta ocorre é no uso do adjetivo psíquico ou anímico (ψυχικός). Nos únicos lugares em que ψυχικός ocorre no AT grego (2 Mac 4:37, 14:24), significa “de coração”. [Em 4 Mac 1:32, significa algo mais puramente psicológico, mas isso dificilmente é grego bíblico]. No NT outro interesse surge. Nos seis casos em que ψυχικός ocorre (não totalmente paulino), uma antítese completamente nova é introduzida. O que é natural ou humano na ψυχή é contrastado com o que é divino e divinamente concedido no πνεῦμα Θεού. De modo que ψυχικός adquiriu um significado quase equivalente a ‘carnal’ ou ‘sensual’, pelo qual a segunda palavra é traduzida duas vezes na AV. Mas uma vez que o πνεῦμα e o πνευματικός, com o qual ele é contrastado, é o espírito Divino em regeneração, parece justo traduzir ψυχικός como ‘natural’ como a AV faz em quatro destes lugares, e a RVm nos outros dois (veja 1 Cor. 2:14, 15:44 e de novo em 46, Tia. 3:15, Judas 19). Assim, o cristianismo enriqueceu essa palavra ψυχικός, acrescentando ao seu sentido psicológico um significado ético ou mesmo teológico.
Ocorrências adicionais no NT do uso de ψυχή em composição são ἄψυχα ‘sem alma’, ou ‘sem vida’, 1 Cor. 14:7; σύμψυχοι ‘de acordo,’ Fil. 2:2; likeσόψυχον ‘da mesma mente’, Fil. 2:20; δίψυχος ‘coração dobre’, Tia 1:8, 4:8.
– edição de 2004, Vol. 4, pág. 608.
The Jewish Encyclopedia, [Enciclopédia Judaica], Nova Iorque e Londres, Funk & Wagnalls Co., 1901-1906:
IMORTALIDADE DA ALMA (hebraico posterior, “hasharat ha-nefesh”, “haj’ye ‘olam”): A crença de que a alma continua sua existência após a dissolução do corpo é uma questão de especulação filosófica ou teológica, e não de simples fé e, concordemente, não é ensinada expressamente em parte alguma da Sagrada Escritura. Ao passo que a alma era concebida como sendo apenas um sopro (“nefesh”, “neshamah”, comp. “anima”), e inseparavelmente conectada, se não identificada, com o sangue vital (Gen. 9:4, comp. 4:11, Lev. 17:11; veja ALMA), nenhuma substância real poderia ser atribuída a ela. Assim que o espírito ou o sopro de Deus (“nishmat” ou “ruaḥ ḥayyim”), que se acreditava manter o corpo e a alma juntos, tanto no homem como no animal (Gênesis 2:7, 6:17, 7:22; Jó 27:3), é tirado (Sal. 146:4) ou retorna a Deus (Ecle. 12:7, Jó 34:14), a alma desce para o SHEOL ou Hades, para levar lá uma existência sombria, sem vida e inconsciente (Jó 14:21, Sal. 6:6 (5:6, KJV), 115:17, Isa. 38:18, Ecle. 9:5, 10). A crença numa vida contínua da alma, que dá base à primitiva ADORAÇÃO DOS ANTEPASSADOS e aos ritos da necromancia, praticada também no antigo Israel (1 Sam. 28:13 e seguintes; Isa. 8:19; veja NECROMANCIA), foi desencorajada e reprimida pelo profeta e legislador como antagônica à crença em Yhwh, o Deus da vida, o Rei dos céus e da terra, cujo reinado não foi estendido ao Seol até os tempos pós-exílicos (Sal. 16:10, 49:16, 139:8).
Na verdade, a vida eterna era atribuída exclusivamente a Deus e aos seres celestiais que “comem da árvore da vida e vivem para sempre” (Gen. 3:22, Hebr.), enquanto que o homem, tendo sido expulso do Jardim do Éden foi privado da oportunidade de comer o alimento da imortalidade (veja Roscher, “Lexikon der Griechischen und Römischen Mythologie” s.v. “Ambrosia” [Dicionário de Mitologia Grega e Romana, verbete “Ambrosia”]). É a fé implícita do salmista na onipotência e onipresença de Deus que o leva à esperança da imortalidade (Sal. 16:11, 17:15, 49:16, 73:24 e seguintes, 116:6-9); enquanto que Jó (14:13 e seguintes, 19:26) denuncia apenas um desejo por, e não uma verdadeira fé numa vida após a morte. Ben Sira (14:12, 17:27 e seguintes, 21:10, 28:21) ainda se apega à crença no Seol como o destino do homem. Foi só em conexão com a esperança messiânica que, sob a influência de ideias persas, a crença na ressurreição emprestou à alma desencarnada uma existência contínua (Isa. 25:6-8; Dan. 12:3; veja ESCATOLOGIA; RESSURREIÇÃO).
A crença na imortalidade da alma chegou aos judeus do contato com o pensamento grego e principalmente por meio da filosofia de Platão, seu principal expoente, que foi levado a ela através dos mistérios órfico e eleusiniano nos quais os conceitos babilônico e egípcio estavam estranhamente misturados, como o nome semítico “Minos” (comp. “Minotauro”), e o egípcio “Radamanto” (“Rá de Ament”, “Governador do Hades”; Naville, “La Litanie du Soleil” [A Ladainha do Sol], 1875, pág. 13) juntamente com outros, provam suficientemente. Consulte especialmente E. Rhode, “Psyche: Seelencult und Unsterblichkeitsglaube der Griechen” [Psyche: O Culto das Almas e a Crença na Imortalidade dos Gregos], 1894, pág. 555 e seguintes. Uma imortalidade abençoada aguardando o espírito enquanto os ossos descansam na terra é mencionada em Jubileus 23:31 e Enoque 3:4. A imortalidade, a “habitação perto do trono de Deus”, “livre da carga do corpo”, é “o fruto da justiça”, diz o Livro da Sabedoria (1:15; 3:4; 4:1; 8:13, 17; 15:3). Em 4 Macabeus (9:8, 22; 10:15; 14:5; 15:2; 16:13; 17:5, 18), a imortalidade da alma é também representada como vida com Deus no céu e declarada como sendo a recompensa pela justiça e pelo martírio. As almas dos justos são transplantadas ao céu e transformadas em almas santas (ib. 13:17, 18:23). Segundo Filo, a alma existe antes de entrar no corpo, uma prisão da qual a morte a liberta; retornar a Deus e viver em constante contemplação dele é o maior destino do homem (Filo, “De Opificio Mundi”, §§ 46, 47; idem, “De Allegoriis Legum”, 1., §§ 33, 65; 3., §§ 14, 37; idem, “Quis Rerum Divinarum Hæres Sit”, §§ 38, 57).
Não está muito claro se os saduceus, ao negarem a ressurreição (Josefo, “Antiguidades” xviii:1, § 4; idem, “B. J.” ii:12; Marcos 12:18; Atos 23:8; comp. Sanhedrim 90b), negavam também a imortalidade da alma (veja Ab. R. N., recensão B. x. [Schechter, pág. 26]). É certo que a crença farisaica na ressurreição não tinha sequer um nome para a imortalidade da alma. Para eles, o homem foi feito para dois mundos, o mundo que existe agora e o mundo vindouro, onde a vida não termina em morte (Gen. R. 8., Yer. Meg. 2:73b, M. Ḳ. 3:83b, onde as palavras,
, Sal. 98:15, são traduzidas por Aquilas como se elas dissessem:
“sem morte”, ἀθανασία [imortalidade]).
– Vol. VI, 1903, págs. 564-566.
RESSURREIÇÃO – Os Dados Bíblicos: Como todos os povos da antiguidade, os hebreus primitivos acreditavam que os mortos descem ao mundo inferior e vivem ali uma existência descaracterizada (compare com Isa. xiv. 15-19, Eze. xxxii, 21-30). Somente uma ou outra pessoa, e esta especialmente afortunada, como Enoque ou Elias puderam escapar do Seol, e estes foram levados para o céu para a morada de YHWH, onde se tornaram anjos (compare com Enoque Eslavo [um pseudoepigráfico escrito no final do 1º século D.C.], xxii.). No Livro de Jó, primeiro se expressa o anseio por uma ressurreição (xiv. 13-15), e daí, se o texto massorético pode ser confiável, uma marcante convicção de que tal ressurreição ocorrerá (xix. 25, 26). A concepção hebraica mais antiga sobre a vida considerava de tal maneira a nação como uma unidade que não se considerava qualquer mortalidade ou imortalidade individual. Jeremias (xxxi, 29) e Ezequiel (xviii.) sustentaram que o indivíduo era a unidade moral, e as esperanças de Jó se baseiam nessa ideia.
Um conceito diferente, que tornava uma ressurreição desnecessária, foi mantido pelos autores do Sal. xlix. e lxxiii., que acreditavam que na morte apenas os ímpios iam para o Seol e que as almas dos justos iam diretamente para Deus. Isto, também, parece basear-se em conceitos análogos aos de Jeremias e Ezequiel, e provavelmente não foi mantido amplamente. A longo prazo, o antigo conceito nacional se afirmou na forma das esperanças messiânicas. Estas deram origem a uma crença numa ressurreição, de maneira que mais pudessem compartilhar da glória do reino messiânico. Esta esperança encontra expressão primeiro em Isa. xxvi. 19, um trecho que Cheyne data por volta de 334 A. C. A esperança era acalentada pelos israelitas fiéis. Em Dan. xii. 1-4 (por volta de 165 A. C.) uma ressurreição de “muitos… que dormem no pó” é aguardada com expectativa. Esta ressurreição inclui tanto justos como ímpios, pois alguns despertarão para a vida eterna, outros para “vergonha e desprezo eterno”.
– Volume X, 1905, pág. 382
The Last Things – Preface to The Immortality of the Soul: A Protest [As Últimas Coisas – Prefácio à Imortalidade da Alma: Um Protesto], Joseph Agar Beet, 5ª Ed., 1902.
“As páginas que seguem são… um protesto contra uma doutrina que, durante longos séculos, tem sido quase universalmente aceita como verdade divina ensinada na Bíblia, mas que me parece completamente alheia a ela, tanto na fraseologia como no pensamento, e derivada unicamente da filosofia grega. Até tempos recentes, esta doutrina estranha tem sido relativamente inofensiva. Mas, como mostrei aqui, ela está agora produzindo resultados mais graves…”
“Naturalmente, será dito sobre esta e sobre algumas outras doutrinas, que, se não são explicitamente ensinadas na Bíblia, estão subentendidas e presumidas lá … Esses que reivindicam a autoridade de Deus para seu ensino têm de provar que vem dele. Tal prova, neste caso, eu nunca vi.”
The Biblical View of the Soul [O Conceito Bíblico da Alma], George Waller, Longmans, Green and Co., Londres, Nova Iorque e Bombaim, 1904, págs. 65, 67, 68. (A capa acima é de uma edição de 2013):
‘A Imortalidade da Alma’ é uma doutrina de origem pagã. Ela era mantida pelos sacerdotes pagãos da Caldéia, Babilônia e Egito, séculos antes da era cristã, e por Pitágoras, o filósofo, que ensinou a pré-existência e a transmigração das almas. Depois dele, isso foi ensinado por Sócrates, filósofo pagão mais célebre; e, depois dele, por Platão e os platônicos, a partir dos quais surgiram algumas das primeiras heresias da igreja cristã dos primeiros quatro séculos. A doutrina da existência da alma ou espírito do homem em felicidade ou miséria após a morte, independentemente do corpo, não se encontra em parte alguma nas Escrituras do Antigo ou do Novo Testamento; ao passo que, no Novo Testamento, a ressurreição do corpo é apontada em todos os lugares como a grande esperança central da igreja cristã…
… Com base na citação acima [Gen. 3:19-24], aprendemos que o homem foi criado do pó, um Organismo ou corpo material, perfeito em todas as partes, adaptado para o exercício de todos os poderes e faculdades da mente e do corpo para os quais foi criado, através dos meios dos sentidos, da visão, audição, etc., com que foi dotado, e que estavam no corpo; mas, diferente de todos os animais inferiores, ele foi agraciado com o poder da razão, pelo qual ele seria capaz de conhecer e compreender, e seguir a vontade de seu Criador, quando fosse revelada. Mas este organismo ou corpo estava sem vida, até que ‘Deus soprou nas narinas do homem o fôlego da vida’; então, e só então, a vida e o movimento tornaram-se evidentes em todas as partes, e o homem ‘tornou-se uma alma vivente’, ou pessoa; capaz de exercer todos os poderes da mente e do corpo com o qual Deus havia dotado seu organismo, e teria continuado a usá-los, e para sempre, se não fosse pelo pecado da desobediência, em virtude da qual ele seria privado do uso e exercício perpétuo deles, e teria consciência da terrível sentença de maldição, ao ser expulso do Paraíso do Éden, tendo início a morte e a mortalidade…
O conceito bíblico da morte, portanto, é uma cessação completa de todos os poderes e faculdades da mente e do corpo, que eram exercidos em um Organismo ou corpo material vivente, quando ‘o pó voltasse à terra como o era; e o espírito’, que é fôlego ou a vida de todos os homens (bons ou maus), ‘voltasse a Deus, que o deu’, Eclesiastes xii:7.
The Catholic Encyclopedia: An International Work of Reference on the Constitution, Doctrine, Discipline, and History of the Catholic Church [Enciclopédia Católica: Uma Obra de Referência Internacional sobre a Constituição, Doutrina, Disciplina, e História da Igreja Católica], 1907 (a capa acima é da Nova Enciclopédia Católica – Segunda Edição, Universidade Católica dos Estados Unidos e McGraw-Hill Book Company, 1967):
IV. A Escola Platônica. — A Escola de Platão, assim como a de Aristóteles, foi organizada pelo próprio Platão e na época da morte dele foi transferida para seu sobrinho Espeusipo, o primeiro escolarca, ou diretor da escola. Ela era então conhecida como a Academia, porque se encontrava nos bosques de Academo [Atenas]. A Academia continuou, com bens variados, a manter sua identidade como uma escola platônica, primeiro em Atenas, e depois em Alexandria até o primeiro século da era cristã. Ela modificou o sistema platônico na direção do misticismo e da demonologia, e passou pelo menos por um período de ceticismo. Ela terminou em um ecleticismo vagamente elaborado. Com o advento do neoplatonismo fundado por Amônio e desenvolvido por Plotino, o platonismo definitivamente entrou na causa do paganismo contra o cristianismo. Mesmo assim, a grande maioria dos filósofos cristãos até S. Agostinho era platonista. Eles apreciavam a influência edificante da psicologia e da metafísica de Platão e reconheceram nessa influência um poderoso aliado do cristianismo na guerra contra o materialismo e o naturalismo. Estes platonistas cristãos subestimavam Aristóteles, a quem geralmente se referiam como um lógico “aguçado” cuja filosofia favorecia os oponentes heréticos do cristianismo ortodoxo. A Idade Média inverteu completamente este veredito. Os primeiros escolásticos conheciam apenas os tratados lógicos de Aristóteles, e, na medida em que eram psicólogos ou metafísicos, recorriam ao platonismo de S. Agostinho. Todavia, seus sucessores no século 12 chegaram a um conhecimento da psicologia, metafísica e ética de Aristóteles e adotaram a visão aristotélica tão completamente que, antes do final do século 13, o estagirita [Aristóteles] ocupava nas escolas cristãs a posição ocupada no quinto século pelo fundador da Academia [Platão]. Houve, porém, por assim dizer, episódios de platonismo na história do escolasticismo – como por exemplo, a Escola de Chartes no século 12 – e ao longo de todo o período escolástico foram incorporados alguns princípios do platonismo e especialmente do neoplatonismo no sistema aristotélico adotado pelos escolásticos. A Renascença trouxe um reavivamento do platonismo, devido à influência de homens como Bessarion [cardeal católico], Pletão [filósofo católico neoplatônico], Ficino [filósofo italiano e padre], e os dois Mirandolas, Giovanni Pico e Giovanni Francesco Pico [ambos filósofos e eruditos católicos italianos]. Os platonistas de Cambridge do século 17, como Cudworth, Henry More, Cumberland e Glanville, reagindo contra o naturalismo humanista, “espiritualizaram o puritanismo”, por restaurar os fundamentos da conduta a princípios conhecidos intuitivamente e independentes de interesse próprio. Fora das escolas de filosofia que são descritas como platônicas, há muitos filósofos e grupos de filósofos nos tempos modernos que devem muito à inspiração de Platão e ao entusiasmo pelas atividades superiores da mente que derivaram do estudo de suas obras.
– Edição de 1911, Vol. 12, págs. 161, 162.
ALMA (NA BÍBLIA)
Alma no AT é nepeš, no NT, ψυχή. As definições e o uso destes termos serão abordados neste artigo.
No Antigo Testamento. Nepeš vem de uma raiz original que provavelmente significa respirar. Assim, a forma substantiva significa pescoço ou garganta aberta para respirar, daí, sopro de vida. Uma vez que a respiração distingue os vivos dos mortos, nepeš veio a significar vida ou ser ou simplesmente vida individual. Nepeš é usada tanto para animais como para humanos. Se a vida é humana, nepeš é equivalente à pessoa, o “eu”. Após a morte, a nepeš vai para o Seol.
O resumo acima indica que não há dicotomia alguma de corpo e alma no AT. O israelita encarava as coisas concretamente, em sua totalidade, e assim considerava os homens como pessoas e não como compostos. O termo nepeš, embora traduzido por nossa palavra “alma”, jamais significa alma como distinta do corpo ou da pessoa individual. Outras palavras no AT, tais como espírito, carne e coração, também significam a pessoa humana e diferem apenas como vários aspectos do mesmo ser.
No Sal. 68 (69):2, a frase “as águas ameaçam minha vida”, é literalmente “as águas chegam até nepeš” (Jon. 2:6, Isa. 5:14, Pro. 23:2). O sentido de garganta para nepeš é evidente nesses lugares. A palavra nepeš significa respiração em Jó 41:21: “O seu hálito [nepeš] faz incender os carvões; e da sua boca sai chama.”. Em 1 Reis 17:22, ela significa sopro de vida, “e a alma [nepeš] do menino tornou a entrar nele, e reviveu.” (confira 1 Reis 17:21; 2 Sam. 1:9; Jer. 38:16).
Em Gen. 9:4, “A carne, porém, com sua vid [nepeš], isto é, com seu sangue, não comereis”, a comparação mostra mais de um significado abstrato para nepeš como a vida em geral sem significar respiração ou respirar (confira Lev. 17:11 Deut. 12:23). Finalmente, nepeš significa o ser individual, seja ele de animais ou de homens. Em Gen. 2:7, “Então o Senhor Deus… soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente.”, a palavra hebraica para ser é nepeš. Dos animais, Pro. 12:10 diz: “O justo tem consideração pela vida dos seus animais,” literalmente, “a nepeš em seus animais”.
Como uma vida humana, nepeš pode ser idêntica ao pronome pessoal ou ao pronome reflexivo (Gen. 27:4, 25; Lam. 3:24, onde “diz minha alma” poderia ser traduzido corretamente como “diga eu”, etc.). Como o “eu”, a nepeš desempenha todas as sensações de um indivíduo. A nepeš tem fome, sede, espera, anseia, ama e odeia.
Na morte, a nepeš vai para o Seol, um lugar de uma existência insensível, sombria. Muitos salmos oram pelo resgate da nepeš de alguém da morte, onde o resgate significa ser salvo da morte, não ser ressuscitado dos mortos. A felicidade após a morte só é conhecida na revelação posterior do AT.
No Novo Testamento. O termo ψυχή é a palavra do NT correspondente a nepeš. Ela pode significar o princípio da vida, a própria vida ou o ser vivo. Por meio da influência helenística, diferente de nepeš, ela foi oposta ao corpo e considerada imortal.
A psyche em Mat. 10:28, “E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma [psyche]; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo”, significa uma vida que existe separadamente do corpo. O significado de psyche na declaração de nosso Senhor: “… o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida [psyche] em resgate de muitos”, é obviamente sua existência mortal (Mat. 20:28; João 10:11). Como um ser vivo, sujeito a várias experiências, ela pode se referir a animais, “E toda coisa viva [psyche] no mar morreu.” (Rev. 16:3), ou a seres humanos, “E em toda a alma [psyche] havia temor” (Atos 2:43; Rom. 2:9; 13:1). Assim, a psyche sente, ama e deseja. Nesse sentido, ela pode ser usada para significar o pronome pessoal ou reflexivo, como em João 10:24, “Até quando nos deixará [nossas psyches] em suspense?”
Até agora, ψυχή é bem semelhante ao hebraico nepeš, com exceção de Mat. 10:28. Sob a influência grega, porém, ela foi gradualmente oposta ao corpo e foi usada para o princípio imortal no homem (Rev. 6:9; 20:4).
Em resumo, a nepeš hebraica geralmente está associada com o sinal concreto da vida no indivíduo, o “eu” que sente, deseja, calça, etc. O fim dela é o Seol. A contraparte grega, ψυχή, inclui muitos dos significados de nepeš; mas adicionou ao conceito “eu” a imortalidade da filosofia e da revelação posteriores…
Nepes é um termo de extensão muito maior do que o nosso “alma”, significando vida (Exo. 21.23; Deu. 19.21) e suas várias manifestações vitais: respiração (Gen. 35:18; Jó 41:13, sangue, desejo (2 Sam. 3:21; Pro. 23:2). A alma no A[antigo] T[estamento] significa não uma parte do homem, mas o homem inteiro — o homem como ser vivo — do mesmo modo, no N[ovo] T[estamento] significa a vida humana: a vida de um sujeito individual e consciente (Mat. 2:20; 6:25; Luc. 12:22, 23; 14:26; João 10:11, 15, 17; 13:37).
– Edição de 1967, Vol. 13, págs. 449, 450, 467.
Johan Wilhelm Personne (1849-1926), teólogo e bispo luterano sueco, e também tradutor e comentarista bíblico. Ele considerava a Bíblia como o ‘padrão determinante eterno’ e criticava conceitos e dogmas que não se ajustassem ao conteúdo dela. Em harmonia com isso, numa “carta pastoral” ele disse, entre outras coisas:
“No que se refere a estes nossos escritos confessionais, há uma doutrina muito importante, que é abordada de maneira muito breve, vaga e insatisfatória. Eu quero dizer a doutrina sobre a condição dos mortos, e em geral a doutrina das últimas coisas. Esta foi, e ainda é, o ponto mais fraco dos escritos confessionais luteranos. Isto é devido ao temor que os reformadores tinham da doutrina romana do purgatório e da indulgência. Em vista disso, as apresentações “ortodoxas” em relação à condição dos mortos e as últimas coisas são muito ambíguas. Eu entendo que ainda é “ortodoxo” ensinar que o destino do homem é decidido quando ele morre, de modo que daí ele vai [imediatamente] para o céu ou para o inferno. A doutrina de um estado intermediário entre a morte e o julgamento final ainda é realmente considerada herética. Mas como devemos considerar de maneira “ortodoxa” o julgamento final? Devem os espíritos dos mortos ser convocados juntos do céu e do inferno para serem revestidos com seus corpos e julgados novamente? Pois eles já receberam seu julgamento final por ocasião da morte, de acordo com a velha doutrina “ortodoxa”.”
… “É evidente que temos de pensar em um estado intermediário entre a morte e o julgamento, o que a Bíblia ensina claramente, a saber “Hades” ou “Reino da morte”… Se haverá ordem ou razão nesta doutrina – e isso nós, luteranos, tanto clérigos como leigos, temos o direito de exigir – então nossos escritos confessionais sobre este ponto devem ser considerados alterados de acordo com os ensinamentos da antiga igreja. Indiretamente isso começou vinte e oito anos atrás [1883], quando no Novo Testamento e na confissão apostólica da fé, a velha tradução luterana incorreta de “Hades” por “inferno” foi alterada para a tradução correta, “reino da morte”.”
… “Para mim, é inexplicável como é que uma pessoa que tenha esse conceito ‘ortodoxo’ pode ter algum momento feliz nessa vida. Ele está constantemente em contato com pessoas cujo destino final, [acredita ele] será a de serem atormentados eternamente; e, se ele vive numa grande comunidade, ele ouve quase diariamente os sinos da igreja anunciarem – de acordo com seu conceito ‘ortodoxo’ – que uma alma humana foi lançada em meio ao tormento eterno, sem fim. Para mim, é ainda mais inexplicável que tal pessoa ‘ortodoxa’ possa esperar ter um só momento feliz na eternidade, quando ao mesmo tempo em que ela própria está numa condição abençoada, prossegue o tormento sem fim e a agonia de inumeráveis milhões de condenados. Pode tal pessoa, se ama o seu próximo como a si mesma, ter até mesmo um único momento feliz? Pois, segundo essa doutrina de uma pessoa ‘ortodoxa’, a morte seria frequentemente a porta para a condenação eterna e a agonia sem fim para seu parente mais próximo, seus pais, seus irmãos e irmãs, seu cônjuge e seus filhos. Como pode essa pessoa ter um único momento feliz?”
Til Prästerskapet i Linköpings stift [Ao Clero da Diocese de Linköping], 1910, págs. 20, 21, 24, 25. Acima: Mapa da Suécia, com destaque para a referida diocese.
How To Enjoy The Bible: or, The “Word” and “The Words” How To Study Them [Como Apreciar a Bíblia: ou, A “Palavra” e “As palavras” – Como Estudá-las], Ethelbert William Bullinger, Londres: Eyre & Spottiswoode (Bible Warehouse), Ltd. 33, Paternoster Row, EG, 1910 (A capa acima é de uma edição de 2007):
“Ausente do Corpo”. — 2 Cor. 5 nos fornecerá outra ilustração da importância da Estrutura na determinação do Escopo. E nós vimos, debaixo do Cânon I, a necessidade do Escopo para nos dar o significado da palavra e para nos mostrar quão indispensável ele é para uma compreensão correta do todo.
A Estrutura nos mostrará o quanto perdemos pela ruptura entre os capítulos quatro e cinco da segunda Epístola aos Coríntios. O capítulo 5 começa como se ele iniciasse um assunto completamente novo, ao passo que ele começa com a palavra “POIS” [porque], o que mostra que ele é a conclusão do que foi iniciado no final do cap. 4. Esse assunto é a Ressurreição como nossa esperança abençoada em vista da morte de nosso homem exterior dia após dia. Como uma conclusão reconfortante, acrescenta-se isto: “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus.” Esta é uma das “coisas não vistas”, e que são “eternas”; para a qual e pela qual devemos “olhar”.
Onde as rupturas literárias e lógicas reais ocorrem pode ser descoberto só por meio da Estrutura.
Na verdade, 2 Cor. 5 faz parte de um trecho que vai de 2 Cor. 3:1 a 6:10; mas não devemos fazer uma declaração tão arbitrária sem produzir evidência, para que outros possam julgar por si mesmos a sua precisão.
Para provar isso, devemos primeiro fornecer a Estrutura de 2 Cor. como um todo.
… Podemos ver bem claramente agora, que a maravilhosa base de apoio de Paulo e Timóteo em suas aflições foi a consideração das coisas “não vistas”, que superam as “coisas vistas”; de modo que, embora os “vasos de barro” de seus corpos fossem dissolvidos, havia a “excelência do poder” de Deus que seria manifestada na Ressurreição.
Observa-se assim como a ruptura entre capítulos 4 e 5 destrói a conexão; na verdade, quebra em dois membros, “h2” (capítulos 4:16 – 5:5), que tem apenas um assunto, a saber, Ressurreição, como o fundamento da confiança e a razão para não desfalecer em seus labores de ministério.
Poderíamos ter incluído isso sob o tópico de dividir corretamente a Palavra da verdade quanto à sua forma literária, como é mostrado pela divisão em capítulos (páginas 34, 35). Poderíamos também incluir isso debaixo do título sobre a importância do Escopo de uma passagem (Canon I). Poderíamos tê-lo incluído sob o título da importância do Contexto (veja abaixo, Canon III.). Ele pertence aos três; mas considerando que a Estrutura é necessária para a prova culminante, estamos dando essa ilustração aqui.
É pouco menos do que um crime que alguém selecione certas palavras e enquadre-as numa frase, não só desconsiderando o escopo e o contexto, mas ignorando as outras palavras no versículo e cite as palavras ‘ausente do corpo e presente com o Senhor’ com a ideia de dispensar a esperança da Ressurreição (que é o assunto do trecho inteiro), como se ela fosse desnecessária; e como se a ‘presença com o Senhor’ fosse alcançável sem ela!
Fora a doutrina envolvida e, à parte o ensino da Tradição (verdadeiro ou falso), é uma fraude literária tratar dessa maneira as palavras que o Espírito Santo ensina.
Vemos, portanto, porque deve ser claro para nós, que o Escopo de um trecho é a chave de suas palavras; e que a Estrutura de um trecho é a chave do seu Escopo.
Isso nos mostrará a importância de nosso segunda Canon.
Quão grande seria nossa perda se deixarmos de usar essa chave para as maravilhosas palavras de Deus.
Como todas as Suas obras, elas suportam a mais pormenorizada pesquisa.
Todas as obras de Deus são perfeitas. E tanto o microscópio como o telescópio podem ser usados para examiná-las; embora nenhum deles possa esgotar as maravilhas das obras de Deus. Em ambos os sentidos, um aumento do poder da lente revelará novas belezas e vicejantes maravilhas.
A Palavra de Deus, sendo uma de Suas obras, deve ter o mesmo fenômeno: e nada exibe esses fenômenos como o Estudo de sua Estrutura Literária.
Para nós, a Palavra de Deus é a maior e mais importante de todas as suas obras. Se entendermos todas as Suas outras obras (o que ninguém faz ou pode fazer) e ainda não conhecermos Sua Palavra, nosso conhecimento não nos levará além do túmulo.
Mas não devemos perder de vista a grande lição subjacente e o grande resultado de todo este assunto, que é este: se a forma externa é tão perfeita assim, como não será perfeita a verdade interior: se a moldura é tão valiosa assim, como não deverá ser a joia: se a ordem literária é Divina, quão solene não deverão ser as advertências, quão importante não será a verdade, quão fiel não será a promessa, quão certas não serão as palavras que compõem a Palavra.
– págs. 223-226.
The Religious Ideas of the Old Testament [As Ideias Religiosas do Antigo Testamento], Henry Wheeler Robinson, T. and A. Constable, Ltda, Grã-Bretanha, 1913, págs. 79-83, 91-99. (A capa acima é de uma reimpressão da Segunda Edição, 1968.):
A Psicologia dos Hebreus
Há uma lógica no pensamento primitivo que muitas vezes é obscurecida aos olhos modernos porque funciona a partir de premissas bem diferentes das nossas. Estamos aptos a descartar como metáfora fantasiosa muito do que era simples realismo; na verdade, a ciência do mundo antigo muitas vezes se tornou a poesia do moderno. Isto é evidente em relação às especulações sobre a natureza humana que os hebreus, ou seus antepassados, compartilhavam com os povos primitivos em geral. A explicação óbvia da diferença entre um homem morto e um vivo era respectivamente a ausência ou a presença da respiração e, em consequência, não há teoria mais comum sobre a alma do que aquela que a identifica com a respiração. Para o hebreu, a alma não é uma abstração esotérica e mística; é a respiração, e a respiração que é o princípio da vida, naturalmente vem a ser considerada como o centro da consciência da vida e de todos os seus fenômenos físicos ou psíquicos. A palavra hebraica para essa alma-respiração é nephesh, e a melhor tradução dela é com frequência simplesmente “vida”. Quando o profeta Elias orou pela restauração da vida do filho da viúva de Sarefá, “a nephesh do menino voltou para dentro dele, e ele viveu”. A ideia é claramente a da respiração animando os órgãos físicos do corpo, quase tão materialisticamente concebida como quando pensamos no vapor que põe um motor em movimento. Igualmente tanto óbvia como natural é a extensão do termo nephesh para abranger a consciência interior de vida. O primitivo “Livro da Aliança” diz ‘não oprimirás o forasteiro; pois vós conheceis o coração [nephesh] do forasteiro, visto que fostes forasteiros na terra do Egito.’ O uso de nephesh poderia se estender a
‘Todos os pensamentos, todas as paixões, todas os deleites,
Qualquer coisa que agite essa carcaça mortal’mas, na prática, por razões a serem dadas, ele foi usado principalmente para a vida emocional e, em particular, o apetite físico ou o desejo psíquico. Tudo isso é perfeitamente direto, e não levanta qualquer problema. As complicações que surgiram para o estudo da psicologia hebraica são devidas a uma característica comum a muito do pensamento primitivo. Esse pensamento não parte de um só centro em sua explicação dos fenômenos, mas de várias ideias independentes. Essas explicações distintas convergem no fato a ser explicado, e são reconciliadas por alguma forma de sincretismo, que continua a confundir o pesquisador moderno até que ele deixe de esperar um arranjo sistemático, e simplesmente olhe para as diferentes linhas a se aproximarem. A segunda linha de abordagem ao problema da vida adotada pelo pensamento hebraico também é compartilhada com os povos primitivos em geral. Ele parte dos diferentes órgãos do corpo, tanto centrais como periféricos. A estes são creditadas diferentes contribuições para a vida consciente, porque o pensamento antigo e primitivo não havia aprendido a distinguir entre o físico e o psíquico. Assim, os hebreus falavam do coração (físico) como o centro real da vida consciente em geral, e de ambos os seus aspectos emocionais e intelectuais. O termo é tão geral em seu escopo original como era nephesh. Mas, como resultado do sincretismo dessas duas ideias paralelas, “coração” e nephesh vêm a denotar predominantemente os aspectos intelectual e emocional da consciência, respectivamente, sem a total renúncia de seu uso mais abrangente. Esta é a explicação de palavras como as do apelo deuteronômico: “Amarás a Iavé teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua nephesh, e com todas as tuas forças” (6:5). Esta frase abrange a vida consciente de toda a personalidade, tanto no seu pensamento como no seu sentimento.
No entanto, há também no Velho Testamento, uma terceira linha de abordagem para o mistério da personalidade humana – isto é o proporcionado pelo termo ruach, ou “espírito”. Isso constitui um dos temas mais fascinantes e importantes da teologia bíblica, e as ideias que se agrupam ao seu redor são as mais características das ideias do Antigo Testamento em relação à natureza humana. É freqüentemente afirmado, por aqueles que não estudaram a história do uso em seu desenvolvimento cronológico, que ruach é simplesmente um outro termo para a alma-fôlego, um sinônimo de nephesh, embora com uma maior gama de significado. Dizer isto é negligenciar o fato importante de que ruach não é usado para a alma-fôlego no homem, ou com predicados psíquicos em qualquer trecho pré-exílico. O significado original do termo, um significado que ele retém em todos os períodos da literatura hebraica, é “vento”. A partir desse uso ele passou a denotar as misteriosas influências do vento, as forças demoníacas, que deveriam explicar o que é anormal e estranho na conduta humana. Temos de nos lembrar que o pensamento primitivo, a um grau que nos parece difícil de imaginar, supõe que o homem esteja constantemente acessível a tais influências. A disputa que se levantou entre Abimeleque e os homens de Siquém foi atribuída a um mal ruach enviado por Deus; a loucura de Saul e a notável força de Sansão são similarmente explicados. Mas o que era mais ou menos anormal antes do Exílio veio a ser mais ou menos normal depois dele; por volta da época de Ezequiel, ruach é usado para a alma-fôlego no homem, como nephesh havia sido. No entanto, ele sempre retém – e este é um ponto importante a observar – as associações “superiores” de sua origem. Ele representa aquelas dotações mais excepcionais e incomuns da natureza humana que sugerem Deus como sua fonte imediata, a mais normal nephesh sendo presumida como certa. Ela liga o homem a Deus, como se fosse uma porta continuamente aberta à Sua aproximação. A função que o Professor James atribuiu à “subconsciência” foi abrangida pela idéia de ruach para o israelita de mentalidade espiritual. Com seu próprio ruach, isto é, através de sua vida consciente encarada em suas mais altas possibilidades, ele estava em contato com o ruach de Deus, a fonte das maiores realizações do homem. A natureza do homem, considerada em contraste com a natureza de Deus, poderia ser chamada de “carne”, assim como a natureza divina era chamada de “espírito”; contudo o homem poderia orar, ‘com o meu ruach dentro de mim, eu anseio por Ti’.
Se reunirmos estes três termos principais – nephesh, “coração” e ruach – no sincretismo funcional de seu uso final, veremos que existe diante de nós uma impressionante teoria da natureza humana, que pode ser tomada como característica do Antigo Testamento. A ideia da natureza humana implica uma unidade, não um dualismo. Não há contraste entre o corpo e a alma, como os termos instintivamente sugerem para nós. As sombras dos mortos no Seol, como veremos, não são chamadas de “almas” ou “espíritos” no Antigo Testamento; nem o Antigo Testamento contém qualquer palavra distinta para “corpo”, como certamente seria o caso, se essa ideia tivesse sido nitidamente diferenciada daquela da alma. A natureza do homem é um produto dos dois fatores – a alma-fôlego que é o seu princípio de vida, e o complexo de órgãos físicos que esta anima. Separe-os, e o homem deixa de existir, em qualquer sentido real de personalidade; nada mais que uma “sombra” permanece, que não é corpo nem alma. Se isto parece ser nada mais que um pobre conceito da natureza humana, devemos colocar diante dele a grande característica redentora, que há um aspecto dessa natureza que relaciona o homem com Deus e torna o homem acessível a Deus. O homem só tinha de encontrar ao longo desta linha o cumprimento das exigências morais e religiosas mais profundas de sua vida, para ser elevado a um reino onde a personalidade é vitoriosa sobre a morte…
A Vida Futura
Justamente porque o senso de personalidade agregada foi tão fortemente desenvolvido no Israel primitivo, dificilmente se chegaria à ideia de uma vida futura dentro do Antigo Testamento… Isto explicaria a oposição dos profetas a alguns desses costumes [fúnebres], bem como à prática de consultar os mortos para obter informações inatingíveis por meios naturais. “não vos dareis golpes, nem sobre a testa fareis calva por causa de algum morto”, diz o Livro de Deuteronômio (14:1), enquanto Isaías fala com desprezo daqueles que recorrem aos “necromantes e os adivinhos, que chilreiam e murmuram” (8:19). Um exemplo instrutivo dessa necromancia é oferecido pela visita bem conhecida de Saul à bruxa de Endor, quando ‘Iavé não lhe respondia, nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas’. A sombra de Samuel, vestida como velho, é representada como perguntando, “por que me inquietaste, fazendo-me subir?”
Assim, supõe-se que os mortos continuam existindo de uma maneira ou de outra, mesmo no pensamento primitivo de Israel. Mas isso é uma existência que não tem atração alguma para o israelita, e cai fora da esfera da própria religião deles. Não é sua alma que sobrevive em absoluto; os mortos são chamados de “sombras” (refaim), não de “almas”, no Antigo Testamento. O lugar (subterrâneo) de sua permanência é chamado Seol, e em muitos aspectos particulares é como o Hades grego. O Seol parece ser um apêndice da sepultura familiar, provavelmente sob a influência de idéias babilônicas. É “a casa da reunião para todos os vivos”, “a terra das trevas e da sombra da morte”, onde as distinções da terra, até mesmo suas distinções morais, deixam de operar:
‘Ali, os maus cessam de perturbar,
e, ali, repousam os cansados.
Ali, os presos juntamente repousam
e não ouvem a voz do feitor.
Ali, está tanto o pequeno como o grande
e o servo livre de seu senhor.A descrição mais vívida do Seol, no entanto, é a que se encontra no Livro de Isaías, descrevendo a queda de um tirano:
O Seol desde o profundo se turbou por ti,
para sair ao teu encontro na tua vinda;
ele despertou por ti os mortos,
todos os que eram príncipes da terra, e fez levantar dos seus tronos
todos os que eram reis das nações. Estes todos responderão,
e te dirão:
Tu também estás fraco como nós,
e te tornaste semelhante a nós.
Está derrubada até o Seol a tua pompa,
o som dos teus alaúdes;
os bichinhos debaixo de ti se estendem
e os bichos te cobrem.Isto fornece o traço característico do Seol para o pensamento hebraico – “estás fraco como nós”. A mesma nota ecoa ao longo da literatura do Antigo Testamento, como no Cântico de Ezequias, e em muitos dos Salmos. Passar para o Seol é passar da vida para a morte, pois “no Seol, quem te dará graças?” O Seol é uma sobrevivência das crenças pré-javistas de Israel, e geralmente não é concebido como estando dentro da jurisdição de Iavé.
Ficará evidente que uma perspectiva tão sombria como esta não poderia fornecer qualquer doutrina de uma futura vida que fosse digna desse nome. Israel se contentou com isso por tanto tempo porque, como vimos, a esperança de Israel estava com o futuro da família ou da nação, um futuro a ser realizado na terra. Mas, com o fracasso da esperança nacional, envolvido na destruição do reino judaico, e com o surgimento do novo individualismo, a perspectiva do futuro individual além da morte foi necessariamente afetado…
[Nota:] 2) A sugestão de que a árvore da vida no Éden poderia ter conferido a imortalidade a Adão (Gênesis 3:22), e as traduções de Enoque (5:24) e Elias (2 Reis 2:11) são casos excepcionais, e simplesmente comprovam a regra para o homem comum, que nenhuma vida verdadeira o esperava além da morte.
O ponto importante a observar nessa e em outras referências possíveis é a qualidade particular da esperança resultante da maneira pela qual ela foi alcançada. A esperança de um futuro é colocada na dependência da relação da alma com Deus. Essa relação é sentida como tendo um valor místico, transcendendo o fato da morte. Temos aqui, como verdadeiramente se afirmou, “uma força de convicção da realidade da união pessoal com Deus, diante da qual o pensamento de morte desaparece no segundo plano e é ignorado…. Esta convicção de uma relação pessoal com Deus, independente do tempo e da mudança, e não alguma teoria específica sobre o caráter da vida após a morte, é a contribuição duradoura do Antigo Testamento para a doutrina de uma Vida Futura”. O fato de essa crença ter aparecido tão tarde deu-lhe a oportunidade, quando chegou, de absorver os mais nobres elementos morais e espirituais na religião de Israel, e de transcender todas as idéias do futuro mantidas pelas nações contemporâneas.
Porém, uma fé no futuro como esta talvez exigia um grau muito alto de desenvolvimento espiritual para que ela se tornasse a fé do homem comum. Além disso, para ser traduzida em seu vernáculo, exigiria a visão filosófica grega do mundo, com sua doutrina característica da imortalidade da alma. De fato, essa doutrina grega é tomada emprestada pelo autor do livro apócrifo conhecido como a Sabedoria de Salomão.
[Nota:] 3) Por outro lado, uma imortalidade “natural” (nas linhas gregas) teria tornado o homem muito independente de Deus para o pensamento hebraico-judaico.
Mas a psicologia hebraica apontou ao longo de outra linha, que leva à ideia da ressurreição do corpo. Vimos que a natureza humana era concebida pelo hebreu como uma unidade que requer elementos, corpo e alma, para constituí-la. A existência no Seol carecia de vitalidade, porque lhe faltava tanto o corpo como a alma. Se o hebreu tivesse de adquirir qualquer ideia de vida após a morte que possuísse uma vitalidade real, de acordo com suas concepções nativas da vida, teria de haver uma ressurreição do corpo morto para a alma recuperada animá-lo. Esta é a linha ao longo da qual o pensamento do judaísmo palestino, que é distinto do judaísmo alexandrino ou helenizado, realmente se desenvolveu no período entre os dois Testamentos. O início dessa ideia de ressurreição do corpo já se encontra em dois trechos do Antigo Testamento, ambos ligadas à esperança messiânica do Judaísmo …
Tudo o que devemos observar é que o Antigo Testamento estabelece o fundamento para a doutrina da vida futura fornecida no Novo Testamento, tanto no lado mais rudimentar de uma ressurreição messiânica quanto no lado mais fino e espiritual, que é representado por fim na perspectiva do apóstolo Paulo …
Quando recapitulamos a ideia do Antigo Testamento sobre a natureza e o destino humano, vemos que o homem se apresenta em clara distinção tanto da Natureza como de Deus. O homem não é um mero item no mundo natural, mas é criado separadamente por Deus, que controla a Natureza para o homem, no interesse de seus servos. O homem está ligado a Deus pela lei moral que Deus lhe deu a conhecer; na companhia para a qual esta lei é a condição, o homem e Deus estão juntos muito acima do nível da Natureza. Na verdade, não há “Natureza”, escrita com letra maiúscula, como uma unidade separada de Deus, e sim simplesmente um mundo de fenômenos naturais inteiramente na mão de Deus, e transformado na arena para a história humana. Mas, em contraste com Deus, o homem é caracterizado por sua total dependência dele, tanto para sua existência como para seu destino. Se esse destino deve ser alcançado, será somente com a ajuda de Deus… A intensidade com que o israelita se aferra à vida atual corresponde à sua crença de que a personalidade é uma unidade que exige alma e corpo e que, além da morte, não existe vida alguma que seja digna desse nome.
The International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional], James Orr (Ed.), Chicago, EUA, The Howard-Severance Company, 1915:
1. A Concepção de Pecado e Morte. …Embora a morte tenha entrado no mundo por meio do pecado, ela é, porém, ao mesmo tempo uma consequência da existência física e frágil do homem agora; por isso ele poderia ser ameaçado de morte como um castigo, visto que ele foi tirado do solo e foi feito uma alma vivente, terrena (Gen. 2:7; 1 Cor. 15:45,47). Se ele tivesse permanecido obediente, não teria retornado ao pó (Gen. 3:19), mas teria avançado no caminho do desenvolvimento espiritual (1 Cor. 15, 46, 51); seu retorno ao pó foi possível simplesmente porque ele foi feito do pó (veja Adão no NT). Assim, embora a morte seja deste modo uma consequência do pecado, ainda assim uma longa vida é sentida como uma bênção e a morte como um desastre e um julgamento, sobretudo quando o homem é levado na flor de sua juventude ou vigor de seus anos. Não há nada de estranho, portanto, na maneira como as Escrituras falam da morte; todos nós nos expressamos diariamente da mesma maneira, embora ao mesmo tempo a consideremos como o salário do pecado. Por trás das expressões comuns e cotidianas sobre a morte está a consciência profunda de que ela é antinatural e contrária ao nosso ser mais íntimo.
2. O Significado de Morte: Este é decididamente expresso nas Escrituras até mesmo muito mais do que entre nós. Pois sempre somos mais ou menos influenciados pelo conceito grego, platônico, de que o corpo morre, mas a alma é imortal. Tal ideia é totalmente contrária à consciência israelita, e não se encontra em parte alguma no Antigo Testamento. O homem inteiro morre, quando na morte o espírito (Sal. 146:4, Ecle. 12:7), ou alma (Gênesis 35:18; 2 Sam. 1:9; 1 Reis 17:21; Jon. 4: 3), sai de um homem. Não só o seu corpo, mas sua alma também retorna a uma condição de morte e pertence ao mundo inferior; desta forma o Antigo Testamento pode falar da morte da alma de alguém (Gen. 37:21 (hebraico), Num. 23:10, Deut. 22:21, Jui. 16:30, Jó 36:14, Sal. 78:50), e da profanação por se ter contato com um cadáver (Lev. 19:28; 21:11; 22:4; Num. 5:2; 6:6; 9:6; 19:10 em diante; Deut. 14:1; Ageu 2:13). Esta morte do homem, porém, não é aniquilação, e sim uma privação de tudo o que ocasiona a vida na terra. O Seol (she’ol) está em contraste com a terra dos vivos em todos os aspectos (Jó 28:13, Prov. 15:24, Eze. 26:20; 32:23); é uma morada de escuridão e sombra da morte (Jó 10:21, 22, Sal. 88:12; 143:3), um lugar de destruição, sim a própria destruição (Jó 26:6; 28:22; 31:12, Sal. 88:11, Prov. 27:20), sem qualquer ordem (Jó 10:22), uma terra de descanso, de silêncio, de esquecimento (Jó 3:13, 17, 18, Sal. 94:17; 115:17), onde Deus e o homem não são mais visíveis (Isa. 38:11), Deus não é mais louvado ou recebe agradecimentos (Sal. 6:5; 115:17), as perfeições dele não são mais reconhecidas (Sal. 88:10-13; 38:18, 19), suas maravilhas não são mais contempladas (Sal. 88,12), onde os mortos estão inconscientes, não realizam mais trabalho, não cuidam de nada, não possuem qualquer conhecimento ou sabedoria, nem têm mais parte em nada que se faz debaixo do sol (Ecle. 9:5, 6, 10). Os mortos (“as sombras” na Versão Revisada, margem; confira o artigo MORRER) estão dormindo (Jó 26:5, Prov. 2:18, 9:18, 21: 6, Sal. 88:11, Isa. 14:9), enfraquecidos (Isa. 14:10) e sem forças (Sal. 88:4).
– Vol. II, págs. 811, 812.
IMORTAL, i-môr’-tal, IMORTALIDADE, im-or-tal’-i-ti (ἀθανασία, athanasia, 1Cor. 15:53; 1Tim. 6:16, ἀφθαρσία, aphtharsia, literalmente, “incorrupção,” Rom. 2:7; 1Cor. 15:1-58; 2Tim. 1:10, ἄφθαρτος, aphthartos, literalmente, “incorrutível,” Rom. 1:23; 1Cor. 15:52; 1Ti 1:17):
1. Preliminares – A Necessidade de Definição e Distinção: Em quase nenhum assunto é mais necessário ter cuidado na definição de termos e distinção clara de ideias, especialmente em se tratando da doutrina bíblica, do que neste de “imortalidade”. Por “imortalidade” frequentemente se quer dizer simplesmente a sobrevivência da alma, ou parte espiritual do homem, após a morte corporal. É a afirmação do fato de que a morte não acaba com tudo. A alma sobrevive. Isto é comumente o que se entende quando falamos de uma “vida futura”, um “estado futuro”, um “além”.
… A Concepção Bíblica: Será visto à medida que avançamos, que o conceito bíblico é diferente de todos estes [dos conceitos mantidos pelos povos da antiguidade, como os egípcios]. A alma, de fato, sobrevive ao corpo; mas esta condição desencarnada nunca é encarada como uma de completa “vida”. Para a Bíblia “imortalidade” não é meramente a sobrevivência da alma, a passagem para o “Seol” ou “Hades”. Isto não é, em si considerado, “vida” ou felicidade. A “imortalidade” que a Bíblia contempla é a imortalidade da pessoa inteira – corpo e alma juntos. Significa, portanto, a libertação do estado de morte. Não é simplesmente uma condição de existência futura, por mais prolongada que seja, e sim um estado de bem-aventurança, devido à redenção e à posse da “vida eterna” na alma; ela inclui ressurreição e vida aperfeiçoada na alma e no corpo. O assunto deve agora ser considerado mais particularmente nos seus diferentes aspectos.
… II. A Doutrina Bíblica – o AT.
1. Ponto de Partida – A Relação do Homem com Deus: O conceito bíblico da imortalidade parte da relação do homem com Deus. O homem, feito à imagem de Deus (Gên 1:27), é adequado para o conhecimento de Deus, para a comunhão com Ele. Isso significa que o homem é mais do que um animal; que ele tem uma vida que transcende o tempo. Nisto está a garantia da imortalidade se o homem for obediente.
A Natureza do Homem. – Com isto corresponde a narrativa da criação do homem e do estado original. O homem é um ser composto de corpo e alma; ambos são partes integrantes de sua personalidade. Ele foi criado para a vida, não para a mortalidade. A advertência: “No dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:17), signfica que, se o homem continuasse obediente, viveria. Mas isso não é apenas uma imortalidade da alma. É uma vida no corpo (compare com Gen. 3:22). Seu tipo são casos como os de Enoque e Elias (Gên. 5:24, 2Rs. 2:11-12, compare com Sal. 49:15; 73:24).
2. O Pecado e a Morte: A frustração deste destino original do homem vem pelo pecado. O pecado significa a morte (veja MORTE). A morte em seu aspecto físico é uma separação da alma do corpo – um rompimento da unidade da personalidade do homem. Em certo sentido, portanto, é a destruição da imortalidade que era o destino original do homem. No entanto, isso não significa a extinção da alma. Ela sobrevive, mas não em um estado que possa ser chamado de “vida”. Ela passa para o Seol – a triste e sombria morada dos mortos, em que não há alegria, atividade, conhecimento dos assuntos da terra ou (na visão da Natureza) lembrança de Deus, ou louvor de Sua bondade (sobre este assunto, e a crença hebraica no estado futuro em geral, veja ESCATOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO, MORTE, SEOL). Esta não é a “vida” futura – não é a “imortalidade”.
É a parte da graça e da redenção restaurar a imortalidade no verdadeiro sentido. Se o mundo tivesse sido deixado para se desenvolver no pecado, nenhuma outra esperança poderia chegar até ele. O quadro do Seol ficaria cada vez mais escuro à medida que a ideia de retribuição se tornasse mais forte; ele nunca poderia tornar-se luminoso.
3. A Graça e a Redenção – a Verdadeira Imortalidade: Mas a graça de Deus interveio: “Livrai-o de descer à cova, encontrei um resgate” (Jó 33:24). A misericórdia de Deus invade a desesperança da sorte do homem. Ele dá ao homem suas promessas; faz a sua aliança com o homem; admite o homem à sua comunhão (Gen. 3:15, 4:4, 5:24, 6:8-9, 12:1-3, 15:1-21, etc.). Nesta irmandade a alma ressuscitou para a sua vida verdadeira, até mesmo na terra. Mas isso continha também uma esperança para o futuro. As promessas colocadas na linha da frente como sinais dos favores de Deus eram, na verdade, predominantemente temporais – promessas para esta vida – mas dentro delas (o núcleo dentro da concha) era a suprema possessão do próprio Deus (Sal. 4:6). Isto manteve nela a esperança da redenção e o princípio de tudo o que é bom.
Livramento do Seol. – Chegamos aqui ao coração da esperança da imortalidade do Antigo Testamento. A comunhão que o crente tinha com Deus não poderia ser perdida, nem mesmo no Seol; além do que era a libertação do Seol. Nos seus momentos mais elevados, foi esta a esperança que sustentou patriarcas, salmistas, profetas, na sua perspectiva do futuro. A dúvida poderia nublar suas mentes; poderia haver épocas de escuridão e até desespero; mas era impossível, em momentos de forte fé, acreditar que Deus realmente os abandonaria. O Deus eterno era a sua morada; Ele era seus braços eternos (Deu. 33:27, compare com Sal. 90:1). A esperança deles de imortalidade, portanto, era, em princípio, não apenas a esperança de uma “imortalidade da alma”, mas também da ressurreição – do completo livramento do Seol. Assim é claramente o caso no pronunciamento apaixonada de Jó (Sal. 19:14, compare com Sal. 14:7 e seguintes), e em muitos dos salmos. A esperança sempre se veste sob a forma da libertação completa do Seol. Assim, em Sal 17:14, os ímpios têm a sua porção “nesta vida”, mas: “Quanto a mim, eu contemplarei o teu rosto em justiça, e serei satisfeito, quando eu acordar, com a tua semelhança” (Versão Americana Padrão Revisada, “com contemplar a tua forma”); e em Sal. 49:14, os ímpios são “destinados como um rebanho para o Seol”, mas “Deus redimirá a minha alma do poder do Seol”, porque “ele me receberá” (a mesma expressão que a de Enoque, Gên 5:24, compare com Sal. 73:24). Seja lembrado que quando Jesus expôs a declaração: “Eu sou o Deus de Abraão”, etc., foi como uma promessa de ressurreição (Mat. 22:31). A ideia chega à expressão final na declaração em Dan. de uma ressurreição dos justos e injustos (Mat. 12:2). Para mais desenvolvimento e ilustração veja ESCATOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO.
– Vol. III, págs. 1458-1460.
Jewish Theology: Systematically and Historically Considered [A Teologia Judaica: Considerada Sistematica e Historicamente], Kaufmann Kohler, 1918 (obra republicada várias vezes desde então):
Segundo o conceito bíblico, o homem consiste em carne (basar) e espírito (ruah). O termo carne é usado imparcialmente para todos os animais, daí o termo bíblico “toda a carne” inclui tanto o homem como os animais. O corpo torna-se um ser vivente ao ser penetrado com o “fôlego da vida” (ruah hayim), após a partida do qual o corpo vivente se transforma imediatamente em um torrão sem vida. Este fôlego de vida é possuído pelo animal, bem como pelo homem, visto que ambos respiram o ar. Por isso, nas línguas antigas, “fôlego” e “alma” são usados como sinônimos, assim como o hebraico nefesh e neshamah, o latim anima e spiritus, e o grego pneuma e psyche. Uma crença primitiva diferente associou a alma com o sangue, observando que o homem ou animal morre quando o sangue quente vital flui para fora do corpo, de modo que lemos na Bíblia, “o sangue é a alma”. Nisto a alma é identificada com a vida, enquanto a palavra ruah, denotando a força motriz do ar, é usada mais no sentido de espírito ou alma como distinta do corpo.
Assim, tanto o homem como o animal possuem uma alma, nefesh. A alma do homem é simplesmente distinguida por sua dotação mais rica, suas múltiplas faculdades pelas quais é capaz de avançar para as coisas superiores. Assim, a alma do animal está ligada o tempo todo ao lugar a que se destina, enquanto o espírito divino no homem faz dele uma personalidade criativa livre, autoconsciente e divina. Por esta razão, a criação do homem constitui um ato especial no relato do Gênesis. Tanto o mundo vegetal como o animal surgiu por determinação de Deus do solo da mãe terra, e a alma do animal é limitada na origem e no objetivo pela esfera terrestre. A criação do homem inaugura um novo mundo. Descreve-se Deus formando o corpo do homem do pó da terra e daí soprando seu espírito no molde sem vida, dotando-o de vida e personalidade. O homem inteiro, tanto o corpo como a alma, tem assim a potencialidade de uma vida mais elevada e mais nobre.
Concordemente, as Escrituras não têm um dualismo consumado, de uma natureza carnal que é pecaminosa e uma natureza espiritual que é pura. Não somos informados de que o homem seja composto de um corpo terreno impuro e uma alma celestial pura, e sim, em vez disso, que a totalidade do homem é permeada pelo espírito de Deus. Tanto o corpo como a alma são dotados com o poder de auto-aperfeiçoamento contínuo. Para ver a grande superioridade do conceito judaico sobre o pagão, basta apenas estudar a antiga lenda babilônica preservada por Beroso. Nesta, a divindade fez o homem por misturar a terra com um pouco de seu próprio sangue vital, dotando assim a alma humana de poderes superiores. Na Bíblia, a diferença entre o homem e o animal não está no sangue, embora ainda se pense que o sangue seja a vida. A distinção do homem está no espírito, ruah, que emana de Deus e penetra tanto no corpo como na alma, elevando o homem inteiro a um reino mais elevado e tornando-o uma personalidade moral livre.
Contudo, a Bíblia não faz qualquer distinção clara entre os três termos: nefesh, neshamah e ruah. Filo distinguiu pela primeira vez entre três diferentes substâncias da alma, mas a teoria dele era a platônica, para a qual ele simplesmente aplicou os três termos bíblicos. Os filósofos judeus da Idade Média, começando por Saadia, tomaram a mesma atitude, embora eles se apercebessem mais ou menos de que a divisão da alma em três substâncias não tem qualquer fundamento bíblico.
– págs. 212-214 (notas de rodapé omitidas).
“A primeira ideia clara sobre a natureza da alma veio com os pensadores [judaicos] treinados em filosofia, que eram dependentes de Platão, principal fundador da doutrina da imortalidade da alma, ou de Aristóteles, que atribui a imortalidade unicamente ao espírito criador de Deus, a suprema Inteligência como um poder cósmico. A abordagem mais próxima de Platão foi Filo, que viu nos três nomes bíblicos para a alma, nefesh, ruah e neshama, as três almas do sistema platônico – a alma sensual, que tem seu lugar no abdômen; a alma corajosa ou emocional, situada no peito; e a alma intelectual, que habita no cérebro e contém a natureza divina imperecível. Esta última é mantida em seu ambiente físico como em uma prisão ou um túmulo, e sempre anseia por libertação e reunião com Deus. A alma do justo entra no mundo dos anjos depois da morte; a dos ímpios, no mundo dos demônios.
Saadia, que estava sob a influência de Aristóteles interpretado do ponto de vista neoplatônico, não compartilhava o dualismo platônico da matéria e do espírito, nem dividia a alma em três partes, assentadas em várias partes do corpo humano. Ele acha que a alma é uma substância espiritual criada simultaneamente com o corpo, e que une as três forças da alma distinguidas nas Escrituras em um todo inseparável, cuja sede está no coração – por isso alma e coração são muitas vezes sinônimos na Bíblia. Esta substância indivisível possui uma natureza luminosa como a das esferas, mas é mais simples, mais fina e mais pura do que elas, e dotada do poder do pensamento. Foi criada por Deus fora do éter primal do qual Ele fez os anjos, simultaneamente com o corpo e dentro dele. Por esta união, ela se qualificou para mostrar a atividade moral prescrita para ela no ensino divino, cuja negligência a contaminaria e mancharia. Segundo Saadia, algum tipo de substância material adere tanto à alma quanto aos anjos, e por isso ele não hesita em aceitar as expressões talmúdicas sobre a morada da alma após a morte ou o último julgamento que deve ocorrer Assim que o número determinado de almas tenha feito a sua entrada em seus corpos terrestres, quando as almas dos justos terão sua natureza angélica reconhecida, e as dos ímpios terão seu caráter inferior revelado. Porém, Saadia combate com muito fervor o ensino hinduísta da metempsicose, que tinha sido adotado por Platão e Pitágoras.
Bahya associa sua teoria com as três almas de Platão, e também atribui à alma uma essência etérea. Ele afirma que o destino dela é elevar-se à ordem dos anjos por meio da autopurificação e, finalmente, retornar a Deus como a Fonte divina de luz. Para este fim, a alma intelectual, que tem seu ser derivado da luz primal, deve superar a alma sensível inferior que conduz ao pecado.
A concepção de que a alma é uma substância derivada da matéria primal luminosa, como as esferas celestiais e os anjos, era agora persistentemente retida pelos pensadores judaicos, que explicavam desse modo a sua imortalidade. Ao adotar a teoria aristotélica de que a alma é o princípio formal do corpo, a doutrina platônica de sua preexistência foi gradualmente abandonada e sua existência atribuída a um ato criativo de Deus no nascimento da criança ou no momento de sua concepção. Mas Jehuda ha-Levi, o mais piedoso de todos os filósofos, enfatizou vigorosamente a indivisibilidade da alma, a sua incorporealidade e a sua realidade à parte da condição do corpo, e – em oposição aos livre-pensadores aristotélicos, que esperavam que a alma do ser humano fosse absorvida na alma divina, o intelecto ativo – ele declarou a imortalidade do indivíduo como um artigo fundamental da fé.
Ora, alguns pensadores judaicos, seguindo Jehuda ha Levi, Ibn Daud e outros, embora aristotélicos, retrocederam da conclusão lógica de negar toda individualidade à alma e atribuíram a ela um processo de purificação que termina com a elevação da essência da alma ao nível angélico e assim garante sua imortalidade. Não foi o caso de Maimônides, que aceitou com implacável seriedade a ideia aristotélica da forma como a perfeição da matéria. A essência da alma humana é, para ele, aquela força ou potencialidade que a qualifica para o mais alto desenvolvimento do intelecto, e é a única capaz de captar o divino. Contudo, ela pode adquirir uma parte no criativo do Mundo do espírito somente no mesmo grau em que ela desenvolve essa potencialidade para compartilhar o intelecto divino, cuja sede é a esfera mais elevada do universo. Por força dessa inteligência adquirida, ela pode viver como um intelecto independente, à imagem de Deus, e assim atingir a beatitude na contemplação da Divindade.
… Além da doutrina filosófica da imortalidade da alma, porém, a crença tradicional na ressurreição do corpo exigiu alguma consideração por parte desses filósofos. Saadia defende a última com todas as suas forças, esforçando-se o melhor que pode para conciliar as duas. Todos os demais nos deixam em dúvida se a ressurreição deve ser entendida literal ou simbolicamente. Maimônides, especialmente, mete-se em dificuldades, na medida em que em seu comentário sobre a Míxena ele considera a ressurreição dos mortos um inalterável artigo de fé, enquanto que em seu Código e no More ele fala apenas da imortalidade; e, de novo, antes do fim de sua vida, ele escreveu, obviamente em autodefesa, uma obra que parece favorecer a ressurreição corporal, mas sem esclarecer suas concepções em momento algum. A crença na ressurreição tinha criado raízes tão profundas na consciência judaica e tinha sido estabelecida tão firmemente por meio da liturgia da Sinagoga, que filósofo algum poderia tocá-la sem ferir os próprios fundamentos da fé.”
– págs. 290-293 (notas de rodapé omitidas).
The Philosophy of Plotinus: The Gifford Lectures at St. Andrews, 1917-1918 [A Filosofia de Plotino: Palestras Gifford em St. Andrews, 1917-1918], William Ralph Inge, Longmans, Green e Co., Londres, Vol. 1, 1918 (A capa acima é de uma edição digital [“kindle edition”], abrangendo os volumes 1 e 2, publicada em 2014):
Os que simpatizam com este movimento anti-helênico [referindo-se a críticos da filosofia grega] provavelmente não acolheriam os meus incentivos para lerem Plotino. Mas se eles fizessem isso entenderiam melhor a verdadeira continuidade entre a velha cultura e a nova religião e poderiam perceber a absoluta impossibilidade de extirpar o platonismo do cristianismo sem retalhar o cristianismo em pedaços.
O Evangelho Galileu, como procedeu dos lábios de Cristo, sem dúvida não foi afetado pela filosofia grega; ele era essencialmente a consumação da religião profética judaica, mas a Igreja Católica desde o seu início foi formada por uma confluência de idéias religiosas judaicas e helênicas, e não seria totalmente falso dizer que na religião, assim como em outras coisas Graecia capta ferum victorem cepit [a Grécia conquistada fez do seu conquistador selvagem o cativo]. O catolicismo, como diz Troeltsch, é a última conquista criativa da cultura clássica. A civilização do Império, em seu aspecto moral e religioso, expirou ao dar à luz a Igreja Católica, assim como no lado político os Césares do Ocidente entregaram seu cetro, não tanto aos imperadores do Sacro Império Romano quanto aos Césares sacerdotais no Vaticano.
Eu lamento que o alcance destas palestras não possa ser ampliado para incluir um levantamento do desenvolvimento do platonismo cristão. Livros valiosos sobre o assunto já existem; mas nenhum deles, tanto quanto sei, trata esta escola do pensamento cristão como uma continuação, sob condições alteradas, da última fase da filosofia grega. A suposição é que a religião cristã pode ser traçada a partir das Escrituras do Antigo Testamento, através dos livros canônicos do Novo Testamento, e daí aos concílios da Igreja Católica. Isto é como traçar um pedigree de um pai apenas, pois o elemento helênico no Novo Testamento é geralmente quase ignorado.
– págs. 13, 14.
Die letzten Dinge: Lehrbuch der Eschatologie [As Últimas Coisas: Esboço da Escatologia], Paul Althaus, C. Bertelsmann Verlag, Gütersloh, Alemanha, 1922. (A capa acima é da Terceira Edição [1926]):
A fé cristã nada sabe sobre uma imortalidade da pessoa. Isso significaria uma negação da morte, não reconhecê-la como julgamento de Deus. Ela conhece apenas um despertar da morte real por meio do poder de Deus. Só há existência após a morte por um despertar da ressurreição da pessoa inteira.
– pág. 114.
George Foot Moore, Judaism in the First Centuries of the Christian Era: The Age of the Tannaim (O Judaísmo nos Primeiros Séculos da Era Cristã: a Era dos Tanaítas), Oxford University Press, Londres, Inglaterra, 1927, Vol. II, pág. 295. (A capa acima é da edição de 1971).
Se as ideias gregas sobre a imortalidade da alma e a retribuição após a morte — populares ou filosóficas — eram ou não amplamente cogitadas em um centro da cultura helênica como Alexandria no primeiro século antes da Era Cristã, é certo que o desenvolvimento das concepções sobre o além no judaísmo autêntico seguiu seu próprio caminho, sem ser afetado pela influência estrangeira.
As premissas eram totalmente diferentes; de um lado, o dualismo da alma e do corpo; do outro, a unidade do homem, alma e corpo. Para um, a libertação final da alma do corpo, sua prisão ou sepulcro, era o próprio significado e valor da imortalidade; para o outro, a reunião da alma e do corpo para viver novamente na plenitude da natureza do homem. O que para Filo teria parecido o maior mal imaginável era para os fariseus o mais alto bem concebível. A ressurreição do corpo, ou, em sua própria frase, a revivificação dos mortos, tornou-se assim uma doutrina cardeal do judaísmo.
The Authority of the Bible [A Autoridade da Bíblia], Charles Harold Dodd, Harper & Brothers Publishers, Nova Iorque e Londres, 1929, págs. 217, 218. (A capa acima é de um edição de 1978.):
Os profetas nada sabem sobre qualquer vida, além da atual. As tribulações do período pós-exílio levantaram a questão de uma vida futura para o indivíduo, ao passo que a influência de outras religiões com as quais os judeus agora entravam em contato íntimo sugeriam uma resposta. O Judaísmo foi, porém, estranhamente lento em aceitar uma doutrina da imortalidade, em qualquer sentido, e é só no período grego que se tornou corrente a crença de que os que Deus considerasse dignos seriam ressuscitados dos mortos pelo seu poder, para compartilhar as bênçãos da Era Vindoura. Só um livro tão fortemente helenizado como a Sabedoria de Salomão inculca alguma coisa como a doutrina platônica da imortalidade da alma.
O Novo Testamento está cheio da certeza da vida eterna. Realmente não há qualquer discussão sobre a imortalidade como uma teoria filosófica. O argumento de Paulo sobre a ressurreição que estamos acostumados a ler no sepultamento dos mortos [1 Cor. 15:12-58] não é nada convincente, se partirmos da suposição de que ele estava tentando provar a imortalidade da alma. Na verdade não é sobre isso que ele está falando. As premissas dele são as do Judaísmo da época: que um homem morto está realmente morto e perdido, a menos e até que Deus o faça viver novamente por um ato de poder criativo, e que este milagre ocorrerá quando a Nova Era começar. Sob estas premissas, o fato de que Jesus estivera morto e estava vivo forneceu uma prova de que havia chegado a era do milagre, na qual todos os que Deus julgasse dignos haveriam de receber dele a vida sobrenatural.
The Resurrection of the Dead (A Ressurreição dos Mortos), Frank Selwyn Macaulay Bennett, Chapman & Hall Londres, 1929, pág. 55:
“Nenhuma doutrina da imortalidade natural da alma tem um lugar legítimo dentro do recinto de nossa fé cristã. É uma doutrina filosófica e não pode pretender fazer parte da verdade revelada.”
“Hell” (Inferno), James Moffat – Literary Digest, 5 de abril de 1930, pág 22:
“É a alma capaz de alcançar um valor imortal, ou é ela essencialmente imortal? No esquema da fé cristã, pode ela ser aniquilada? É a personalidade uma propriedade imorredoura ou ela é conseguida por meio da obediência à vontade criativa de Deus apenas? As implicações do conceito cristão da fé não são incompatíveis com a última hipótese e é, conforme creio, uma justa questão considerar se o conceito comumente chamado de Imortalidade Condicional poderá ser confirmado no futuro. Ele é contrário ao platonismo, mas não há muita evidência contra ele na mensagem do Cristianismo, como alguns parecem ter como certo”.
“Is Immortality an Inalienable Possession of Man?” (É a Imortalidade Uma Possessão Inalienável do Homem?) – The British Weekly, 4 de maio de 1933, pág. 84 (coluna intitulada “The Correspondence of Prof. J. Alexander Findlay” [A Correspondência do Prof. J. Alexander Findlay]):
“Quanto mais eu estudo rigorosamente a Bíblia, mais convencido fico de que a doutrina da imortalidade condicional é consistente com a misericórdia, bem como com a justiça de Deus. Ela dá um significado para algumas das palavras mais severas de Jesus, que estamos sempre prontos para explicar como meramente figurativas. Contra todas as diluições das advertências mais solenes de nosso Senhor, eu protesto com todas as minhas forças: devemos levar essas advertências a sério. O “fogo inextinguível” do qual ele falou tantas vezes não é um fogo de tormento, e sim um fogo destrutivo, e é uma realidade terrível.”
Drew Lecture on Immortality [Esboço de Palestra sobre Imortalidade], 1931; Nature, Man and God [Natureza, Homem e Deus], William Temple, 1953; Christian Faith and Life [Fé e Vida Cristãs], 1931; 16ª Edição, 1954; págs. 81, 454, 460 e 472):
“[A] doutrina da vida futura envolve[rá] nosso primeiro ato de desembaraçar o autêntico ensinamento das Escrituras clássicas dos acréscimos que rapidamente começaram a obscurecer isso.”
“O homem não é imortal por natureza ou por direito; mas ele é passível de imortalidade e se lhe oferece a ressurreição dos mortos e a vida eterna caso ele receba isso de Deus e nos termos de Deus.”
“Não existem, todavia, muitos trechos [bíblicos] que falam do tormento eterno dos perdidos? Não; até onde chega meu conhecimento, não há um sequer.”
“Afinal de contas, a aniquilação é um castigo eterno embora ela não seja um tormento sem fim.”
“Uma coisa que podemos dizer com confiança: o tormento eterno deve ser descartado. Se os homens não tivessem importado o conceito grego e antibíblico da imperecibilidade natural da alma individual, e daí lessem o Novo Testamento com isso já em suas mentes, eles teriam elaborado, com base nele, uma crença, não no tormento eterno, e sim na aniquilação. É o fogo que é chamado de eterno, não a vida lançada nele.”
“Como pode haver o paraíso para qualquer pessoa enquanto existe inferno, concebido como tormento infindável para alguns? Cada alma supostamente amaldiçoada nasceu para o mundo como filho de uma mãe, e o Paraíso não pode ser um paraíso para ela se seu filho estiver em tal inferno.”
“The Destiny of the Soul” [“O Destino da Alma”], Walter Robert Matthews, The Hibbert Journal, janeiro de 1930, pág.199 em diante:
O conceito alternativo para a imortalidade inerente da alma é algum tipo de imortalidade condicional ou conferida. Este conceito parece estar mais de acordo com o pressuposto fundamental do Teísmo e, provavelmente se adequará melhor com o que nós possamos conceber ser a ordem moral do universo. Mas o contraste normalmente esboçado é aquele entre a imortalidade e a ressurreição do corpo. Esta última doutrina, conforme tem sido frequentemente salientado, é o aspecto característico do ensino cristão do Novo Testamento.
O velho problema da relação entre mente e corpo ainda não foi resolvido, mas fica claro que a forte antítese entre eles não se sustenta. Isto não significa que estamos sendo insensivelmente conduzidos ao materialismo. Talvez a tendência seja realmente na outra direção. Isto significa, porém, que estamos descobrindo que a distinção entre mente e corpo é a que se faz dentro da unidade da vida e experiência pessoal, o que inclui, portanto, o que queremos dizer com corpo, bem como o que queremos dizer com mente.
A ideia de que a punição eterna dos ímpios está implícita de alguma maneira na crença na justiça divina parece-me uma das mais estranhas aberrações da mente humana, e a ideia de Calvino de que o inferno manifesta a glória de Deus, por mostrar Sua justiça, não menos do que o céu, por mostrar Sua misericórdia, é uma das mais horrorosas. Estamos então sendo conduzidos por nossos pressupostos fundamentais como Cristãos Teístas para a conclusão do universalismo? Devem todas as almas, no final, serem salvas? Muitos de nós, sem dúvida, prefeririam errar com Orígenes a estar certo com Agostinho. Mas não creio que um desses extremos ou o outro nos seja imposto pelo conceito que temos de Deus; na verdade nenhum dos dois parece-me estar realmente em harmonia com ele.
Quando o Criador, trouxe à existência espíritos com o poder da autodeterminação, criou uma esfera na qual estavam presentes riscos reais e possibilidades de desastre. Seria certamente uma concepção pueril de Deus considerá-lo como permitindo que o jogo da liberdade continuasse por um tempo e então, como um pai que já teve o bastante de confusão, interrompê-la dando a todos um presente. A vida não é um jogo, e a liberdade envolve decisões reais. Devemos, portanto, sustentar a doutrina apostólica de que o salário do pecado é a morte.
Dictionnaire Encyclopedique de la Bible [Dicionário Enciclopédico da Bíblia], Valence, França; 1932-1935, editado por Alexandre Westphal, Vol. 2, pág. 557:
A ressurreição e a imortalidade.
Antes de abordar o estudo bíblico da ressurreição, é preciso distinguir a ressurreição da imortalidade; essas duas concepções, que expressam ambas a mesma convicção de sobrevivência após a morte, são com frequência confundidas. Todavia, estas são duas escolas diferentes de pensamento; o conceito da imortalidade é um produto do espírito grego, enquanto que a esperança de uma ressurreição pertence ao pensamento judaico. Precisamos considerar esses dois conceitos e como eles posteriormente se interpenetraram.
1. A RESSURREIÇÃO.
A ideia judaica deriva da concepção judaica da personalidade humana, cujo ponto de partida é a afirmação da unidade desta personalidade. Para o hebreu, o princípio pessoal do homem, o seu ego não está no espírito apenas, e sim no corpo animado pelo sopro do Eterno, que se torna uma alma vivente; (Cf. Gênesis 2:7) essa alma é inseparável do corpo, razão pela qual o AT representa o homem, às vezes pela palavra alma (Sal. 16:10, 35:3, 49:16), às vezes pela carne (Isa. 40:6, Vers. Syn., mortais; Jer 45:5, compare com Mat. 16:17), não sendo a ideia essencialmente diferente.
Assim, quando o israelita fala em sobrevivência, ele só pode entender isso como a sobrevivência do homem, corpo e alma. Mas a corrupção destrói o corpo após a morte; portanto, os hebreus afirmavam a existência de um novo corpo para tomar o lugar do corpo destruído no qual a alma encontra o seu apoio necessário. O corpo ressuscitado é projetado às vezes exatamente como aquele que morreu, às vezes tão diferente como um corpo glorioso, espiritual. A ressurreição marca a permanência da personalidade inteira, corpo e alma. É a vitória completa sobre a sepultura (1 Cor. 15:54 e seguintes).
O conceito judaico de uma destruição do corpo seguida de uma ressurreição do corpo levanta várias questões. Quando será a ressurreição? É no momento da morte, na hora do juízo final, ou ainda mais tarde, na consumação das eras? E até lá, o que ocorre com a alma, se a ressurreição não é imediata? Mergulha ela numa inconsciência semelhante ao sono, ou já sofre o destino reservado a ela no julgamento final? Pode ela se aperfeiçoar?
2. A IMORTALIDADE.
A ideia grega deriva da concepção grega da personalidade. Para os gregos, a personalidade humana compõe-se de duas partes, corpo e alma; mas esses dois elementos, longe de formarem um conjunto harmonioso, opõem-se um ao outro. O corpo, por ser matéria, constitui um entrave na vida da alma, pois ela é espírito puro; ou o espírito, que vive eternamente, está indo muito bem ajudar o corpo. A alma, criada antes do corpo, permanece quando ele é destruído, continuando a viver sua própria vida; porque a alma é imortal e a morte do corpo põe em vigor uma verdadeira libertação que a desprende. Uma vez que a alma é capaz de viver por si mesma, sem estar na dependência de algum corpo material, não é de estranhar que a ideia de uma ressurreição do corpo não tinha lugar no pensamento grego.
3. A INFLUÊNCIA GREGA SOBRE O PENSAMENTO JUDAICO E CRISTÃO.
A partir das conquistas de Alexandre, o judaísmo gradualmente absorveu conceitos gregos, principalmente no Egito, entre os judeus de Alexandria, cuja língua habitual era o grego. Além disso, como a afirmação de uma ressurreição do corpo e a crença na imortalidade da alma, mesmo sendo concepções diferentes, permanecem como duas maneiras de expressar a mesma convicção na sobrevivência após a morte, não é de estranhar que essas ideias tenham sido combinadas dentro do judaísmo. O historiador judeu Josefo assegura que até a ideia da transmigração das almas foi professada nas escolas dos fariseus. De qualquer forma, a Sapiência ou Sabedoria de Salomão dá informação sobre uma pré-existência da alma (Sab 8:20); Filo desenvolve teorias muito semelhantes, e a teologia do Talmude ensina, por sua vez, que as almas procedentes de Deus, são de alguma forma emprestadas aos homens, nos quais elas vivem e se separam após a morte.
Foi especialmente quando o cristianismo se separou do judaísmo, que os conceitos de ressurreição e de imortalidade foram amalgamados; na morte, afirmou-se, o corpo se decompõe, só sendo ressuscitado depois, e a alma, separada do corpo e de natureza imortal, vive sozinha até o dia da ressurreição.
And the Life Everlasting [E a Vida Eterna], John Baillie, Charles Scribner’s Sons, Nova Iorque, EUA, 1933 e Oxford University Press, 1934, págs. 244, 245:
“Se rejeitarmos a doutrina [pagã] do mal eterno, então temos de escolher entre as alternativas de sobrevivência condicional e da restauração universal. E esta escolha provavelmente será determinada pelo nosso julgamento de uma única questão. O condicionalista sustenta que a aniquilação completa é o destino natural das almas das quais todo traço da imagem de Deus foi apagado, e pode ser que o condicionalista esteja certo nisto.”
Have Faith In God [Tenha fé em Deus], Norman Henry Snaith, The Epworth Press, Londres, Inglaterra, 1935, – págs. 15, 22:
A morte não é o seu pastor [do homem], pois Deus redime a sua vida (a palavra hebraica é nephesh, como também incidentalmente, em Gen. 2:7, não “alma” como distinta do “corpo” no sentido grego, e sim a ideia hebraica da coisa que tem vida como distinta da coisa que não tem vida) do Seol …
É verdade que os hebreus dos dias primitivos falavam do Seol, a morada dos espíritos dos mortos, mas o Seol era essencialmente um mundo morto, um mundo sem esperança e sem desejo.
Na morte, não há lembrança de ti, no Seol quem pode dar-te graças? (Sal. 6:5)
Ou, novamente, Os mortos não louvam a Jah. Nem qualquer que desce ao silêncio; mas nós bendiremos a Jah, desta vez e para sempre. (Sal. 115:17 em diante.)
Ou mais uma vez, “pois o Seol não pode te louvar, a morte não pode te celebrar; aqueles que descem ao poço não podem esperar por tua verdade. O vivente, o vivente, ele te louvará, como eu faço neste dia. (Isa. 38:18 em diante.)
Nenhum trecho mostra com mais clareza do que esses versículos da oração de Ezequias em sua doença mortal a intensidade desesperada do hebreu diante da morte. Todo o louvor que ele poderia dar ao Deus de seus pais, ele deve oferecer enquanto ainda está na terra dos vivos. Todo o bem que ele poderia ver, ele deve ver deste lado do túmulo.
O destino inevitável do homem é ser finalmente consumido, e desaparecer como uma nuvem (Jó 7:9).
Paul or Plato? A Comparison of Their Teachings on the Question of Immortality [Paulo ou Platão? Uma Comparação dos Ensinos Deles Sobre a Questão da Imortalidade], Hildamae Waltz Bowman, CON, EUA, The Herald of Life, 1937, págs. 3-6. (Esta não é a verdadeira capa do tratado).
A grande questão teológica que agita agora a cristandade moderna é se eles tomarão Paulo ou Platão como padrão para resolver a questão do destino humano. Paulo ensina que a imortalidade é condicional; Platão, que ela é incondicional. A teologia paulina coloca a imortalidade por conta do caráter, enquanto a filosofia platônica a concede sem caráter. A imortalidade que Platão ensina torna-se um sistema de aflição; a de Paulo, um de felicidade. Platão era especulação; Paulo era revelação.
Paulo ensina que a imortalidade é conferida a nós por meio de uma ressurreição; Platão, que nós a temos sem uma ressurreição. Paulo ensina que a ressurreição dos mortos é uma necessidade absoluta para ter vida futura; Platão nos ensina que a morte libera nossas almas imortais e nos dá mais liberdade do que poderíamos ter no corpo. Platão ensina que o corpo não é essencial; Paulo declara que, a menos que o corpo seja ressuscitado dentre os mortos, todos os que dormiram em Cristo pereceram. Paulo ensinou o reavivamento dos mortos; Platão ensinou a sobrevivência da alma. A teoria de Platão é uma suposição filosófica; a de Paulo, um fato divinamente revelado.
Platão contradisse os escritores da Bíblia; Paulo concorda com eles. A teoria de Platão exige a conversão das declarações simples da Escritura em linguagem figurada; enquanto Paulo se harmoniza com a Bíblia inteira. Platão ensina que os homens são julgados na morte; Paulo, que o julgamento executivo está na segunda vinda de Cristo. Paulo ensinou que o dom de Deus era a vida eterna. Platão ensinou que já tínhamos isso. Paulo ensina que devemos nos revestir da imortalidade na ressurreição; Platão ensina que devemos nos despir da mortalidade por ocasião da morte. Paulo ensina que a morte é um inimigo; Platão ensina que ela é um amigo. Paulo ensina que Cristo trouxe a imortalidade à luz; Platão afirma ter descoberto isso de antemão. Paulo ensina que “o salário do pecado é a morte”, Platão ensina que o homem nunca pode morrer, não importa o quanto ele peque.
Platão ensina que todos os homens são naturalmente imortais e imunes a morrer como o próprio Deus. Paulo ensina que o “primeiro homem era da terra, feito de pó”, Platão, que o verdadeiro homem é um espírito e não material. Platão ensinou que o corpo era uma obstrução, um grilhão, uma cadeia e para ser largado na morte; Paulo ensinou que o corpo era para o Senhor, um templo para o Espírito Santo, um assunto de redenção e para ser ressuscitado dos mortos em glória, honra, incorruptibilidade e imortalidade. Platão ensinou que a alma era imortal e não poderia morrer, não poderia perecer, não poderia ser destruída e existiria para sempre; Paulo ensinou que o homem inteiro, alma e corpo, era mortal e corruptível, poderia morrer, poderia perecer, poderia ser destruído e, de acordo com São João, só “aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”.