A Liga das Nações e a ONU na Especulação Profética

“… e numerosos falsos profetas surgirão e enganarão a muitos.” (Mateus 24:11)

Por que razão tantas pessoas através dos séculos têm tido tanto prazer em fazer o papel de profeta, apesar de suas profecias raramente se cumprirem? Com frequência as profecias delas fracassam, mas, apesar disso, tais pessoas continuam a profetizar. Sem dúvida, uma razão importante é que ser visto por outros como estando dotado de perspicácia e habilidades notáveis, concedidas por Deus, pode dar à pessoa certo sentimento de poder e importância. Indubitavelmente, a tentação de ter o “ego” fortalecido dessa maneira tem produzido muitos falsos profetas.

Outros podem achar sinceramente que são divinamente guiados a um entendimento correto das profecias bíblicas e são comissionados por Deus para atuar como seus profetas, por dar avisos à humanidade e proclamar eventos futuros. Na revista A Sentinela de 1º de outubro de 1972, pág. 581, os líderes da Torre de Vigia reivindicam essa posição para sua organização como um todo:

Este “profeta” não era um só homem, mas um grupo de homens e mulheres. Era o grupo pequeno dos seguidores das pisadas de Jesus Cristo, conhecidos naquele tempo como Estudantes Internacionais da Bíblia. Hoje são conhecidos como Testemunhas Cristãs de Jeová. Ainda proclamam um aviso, e nesta sua obra comissionada juntam-se a eles e ajudam-lhes centenas de milhares de pessoas que escutaram a sua mensagem, crendo nela.

E eles têm profetizado mesmo. É um fato bem conhecido para qualquer um que tenha examinado as publicações da Torre de Vigia lançadas nos últimos cem anos, que esta literatura está repleta de predições, a maior parte das quais fracassou, enquanto muitas outras ainda aguardam cumprimento – ou fracasso.

Numerosos panfletos e artigos foram publicados, atacando a Torre de Vigia devido às suas muitas datas fracassadas, tais como 1878, 1881, 1910, 1914, 1918, 1920, 1925, 1941 e 1975. Não é propósito aqui apresentar outra variação sobre esse tema. [1] Pelo contrário, a intenção é considerar algumas das poucas predições que se cumpriram de fato – pelo menos em alguns aspectos. Os exemplos mais notáveis são os relacionados com a formação e óbvio fracasso das duas organizações internacionais de paz do século 20: a Liga das Nações e Organização das Nações Unidas. As questões que serão respondidas são: Quão específicas foram estas predições? Originaram-se elas claramente dentro da organização Torre de Vigia? Será que estas predições confirmam de alguma maneira as alegações proféticas deste movimento religioso?

Como indicação da sua habilidade profética, os escritores da Torre de Vigia disseram no artigo A ONU — Tem Unido as Nações? (Despertai! de 22 de outubro de 1985, pág. 4):

Já naquele tempo, as Testemunhas encontraram a resposta na Bíblia. No meio da II Guerra Mundial, o folheto Paz predizia: “A associação das nações mundiais [ou, do mundo] se tornará a levantar.” Confirmou-se tal previsão?

No artigo “Divulgação das Verdades Proféticas de Deus”, publicado na A Sentinela de 1º de fevereiro de 1972, págs. 83 e 84, transmite-se a impressão de que, antes do irrompimento da Guerra Mundial em 1914, praticamente todos exceto as Testemunhas tinham uma visão otimista quanto ao futuro, achando que era a paz, não a guerra que estava à frente:

3 No livro 1914 (em inglês), James Cameron descreve o conceito que prevalecia antes da Primeira Guerra Mundial em 1914 E. C. Ele diz: “Nunca antes havia a Europa apresentado um aspecto tão próspero e animado; … tratava-se duma era esclarecida … Não era apenas o futuro que estava cheio de promessas; o próprio presente merecia congratulações, e caso interviesse um momento de incerteza, havia o registro que todos podiam examinar — veja o automóvel, veja o telégrafo de Marconi, veja a máquina voadora … A guerra quase não estava nem mesmo em cogitação, … A Europa Ocidental não conhecera a guerra por quase duas gerações.” Os elementos políticos, religiosos e comerciais deste mundo adotavam amplamente tal conceito.

4 No entanto, as testemunhas de Jeová mantinham um conceito completamente contrário! No número inglês de julho de 1879 de sua publicação oficial, A Sentinela (naquele tempo conhecida como A Torre de Vigia de Sião), informou os seus leitores: “Deus ensina em muitos Textos que sobrevirá às nações um tempo de grande tribulação.” No número de outubro daquele mesmo ano, A Sentinela dizia: “Coisas ‘grandes e terríveis’ sobrevirão ao mundo — transtornando todos os governos, a lei e a ordem — arruinando completamente a sociedade” humana. Falava de um “tempo de tribulação tal como nunca houve desde que há nação”…

É certamente verdade que durante o século 19 prevaleceram tendências fortemente otimistas nos campos da ciência, política, economia e religião. No entanto, a afirmação dessa Sentinela revela uma grosseira ignorância quanto às opiniões que eram mantidas naquela época por milhões de cristãos crentes na Bíblia. Os “Estudantes Internacionais da Bíblia” eram apenas um pequeno grupo entre tantos outros grupos muito maiores de cristãos, que na segunda metade do século 19 prediziam que o mundo estava se aproximando rapidamente do grande “tempo de tribulação” e da segunda vinda de Cristo. Estes grupos faziam parte de uma ampla corrente, conhecida como “movimento milenarista” (denominados assim devido à crença comum num futuro reino milenar na terra, governado por Cristo). Este movimento tinha suas raízes nas primeiras décadas do século 19 e no amplo interesse pelas profecias bíblicas, estimulado pela Revolução Francesa e pelas Guerras Napoleônicas. Nos dias do Pastor Russell, o movimento milenarista tinha influenciado muitas grandes denominações, tais como as igrejas Episcopal, Presbiteriana e Batista. Já naquela época, o movimento milenarista incluía milhões de pessoas. Comum a todos eles era o fato de que não compartilhavam do otimismo generalizado com respeito ao futuro do mundo. De forma que o irrompimento da Primeira Guerra Mundial não foi surpresa para estas pessoas, como Dwight Wilson indica no seu livro Armagedom Agora (Grand Rapids, EUA, 1977, págs. 36 e 37 em inglês):

A Primeira Guerra Mundial estimulou os pré-milenaristas a um estado de expectativa exaltada, e também trouxe um cumprimento alentador de alguns dos seus anseios. A própria guerra não foi um choque para estes opositores do otimismo pós-milenial; eles não só aguardavam o apogeu da era no Armagedom, como também antecipavam “guerras e relatos de guerras” como sinais do fim que estava próximo.

Daí, Wilson cita um dos expositores do milênio, R. A. Torrey, que em seu livro O Retorno do Senhor (em inglês) escreveu o seguinte em 1913, um ano antes do começo da guerra:

Falamos em desarmamento, mas todos sabemos que ele não virá. Nossos planos de paz atuais acabarão todos nas mais horríveis guerras e conflitos que este velho mundo já viu!

Predições similares tinham sido feitas por várias décadas por muitos escritores milenaristas, e Wilson dá alguns exemplos no seu livro. De modo que a expectativa quanto ao futuro mantida pelos Estudantes da Bíblia não era singular em aspecto algum. Era um conceito comum a praticamente todos os cristãos fundamentalistas daqueles dias. As predições acerca do que aconteceria no futuro próximo eram inúmeras, embora os milenaristas geralmente não marcassem datas (havia exceções!) para os eventos vindouros, como faziam os Estudantes da Bíblia. Por isso, eles foram poupados dos amargos desapontamentos que os Estudantes da Bíblia sentiram quando as suas expectativas falharam e os eventos preditos por eles teimaram em não ocorrer nas datas “certas”.

Tanto os Estudantes da Bíblia, como vários expositores do milenarismo explicavam que a Guerra Mundial era o prelúdio do Armagedom. [2] C. I. Scofield, o famoso tradutor da Bíblia de Referência de Scofield, achava em 1916 “que a guerra seria o conflito da morte do atual sistema mundial, que seria sucedido pelo Reino de Deus.” [3] Quando a guerra terminou subitamente em 1918, isso foi uma desagradável surpresa para estes eruditos em profecia bíblica. Eles então explicaram que o período de paz seria muito curto e que o Armagedom com certeza viria muito em breve. Quando a Liga das Nações surgiu em 1919, eles predisseram imediatamente que esta organização fracassaria e que ela só conseguiria criar uma interrupção temporária antes do Armagedom.

Os escritores da Torre de Vigia têm tentado freqüentemente transmitir a impressão de que, graças à sua perspicácia profética, previram o fracasso da Liga das Nações:

Quando se estabeleceu a Liga das Nações, alguns dos clérigos da cristandade até mesmo a aclamaram como ‘expressão política do reino de Deus na terra’.

No entanto, o que diziam as testemunhas de Jeová? De novo, exatamente o contrário! O número inglês de 19 de março de 1919 da Sentinela declarava: “O alívio duradouro para a humanidade sofredora não virá nem por meio do soerguimento humano, nem pelo socialismo, nem pela regulamentação governamental, nem por meio de qualquer liga de nações, não importa quão desejável seja tal arranjo, mas apenas por meio do poder do Cristo, Jesus e sua igreja, introduzindo ordem no caos pelo estabelecimento do reino universal de paz e justiça… [4] 

O que os escritores da Torre de Vigia não mencionam é que esta atitude em relação à organização de paz era geralmente a mesma dos milenaristas. Já em 1918, o citado R. A. Torrey, citado acima, disse o seguinte numa conferência profética realizada pelos milenaristas na cidade de Nova Iorque naquele ano (25 a 28 de novembro de 1918): Agora que veio o armistício, as mentes das pessoas em ambos os lados do oceano estão repletas de todo tipo de esperanças e antevisões fantásticas, que estão fadadas a trazer desapontamentos. [5] 

Daí, Torrey prosseguiu dizendo à sua assistência que “a Liga das Nações nunca poderá conseguir mais do que uma cessação temporária das hostilidades.” [6] Dwight Wilson indica também que “no fim da guerra nutria-se pouco otimismo em relação aos tratados de paz ou à Liga das Nações. Nossa Esperança, (um periódico milenarista em inglês publicado por Arno C. Gaebelein) não tinha esperança alguma de que a Liga das Nações impediria a guerra.” [7] 

Predições ainda mais detalhadas foram feitas acerca da Liga das Nações pelos dois comentaristas bíblicos, C. F. Hogg e W. E. Vine, em seu livro Considerando a Vinda do Senhor (Touching the Coming of the Lord, em inglês) publicado em Londres em 1919, pouco antes da formação da Liga das Nações. Eles explicaram que o fracasso da Liga das Nações fora predito na Bíblia, em Apocalipse 17:12, 13:

Tal Liga das Nações, por exemplo, da maneira como é hoje proposta como panacéia para os problemas nacionais, não só foi predita na Bíblia como o último recurso da política internacional, como o seu fracasso foi predito da mesma forma. [8] 

Daí, Vine, que escreveu essas linhas, citou Daniel 7:23, 24 e continuou:

Foi dada ao Apóstolo João uma visão correspondente. Ele viu também uma fera com dez chifres, e o simbolismo é explicado novamente, mas com maior detalhamento: “E os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não receberam o reino, mas receberão poder como reis por uma hora (isto é, por um breve período), juntamente com a besta. Estes têm um mesmo intento, e entregarão o seu poder e autoridade à besta.” Apo. xvii. 12, 13. Obviamente estes dez reis são contemporâneos. Os potentados que reinam sobre eles concordam com certa política de dar sua autoridade a um governante superior. Até agora, não existiu nenhuma liga como essa na história humana.

Com base nesse texto, é também evidente que a existência da Liga proverá a oportunidade para um homem suficientemente forte dominar a situação. [9] 

Mais adiante no livro, Vine explica:

De modo que certamente uma liga das nações está por vir, e esta evidentemente será a nova forma do velho império… Porém, não temos justificativa para concluir que os territórios da Liga das Nações, indicados pelos versículos relacionados com os dez chifres da besta, estarão necessariamente confinados à área que acabou de ser considerada [isto é, as áreas dos impérios mundiais anteriores]. Seja qual for o arranjo, o fato é que a Liga preparará o caminho para o governo do déspota final que controlará tudo. [10] 

É bem interessante notar que as interpretações bíblicas que a Torre de Vigia começou a associar à Liga das Nações muitos anos depois são praticamente idênticas a essas publicadas por Vine em 1919. Parece bem óbvio que o Presidente Rutherford e alguns de seus colaboradores estavam bem a par das interpretações que vários milenaristas associavam com a Liga das Nações. Vine e Hogg eram ambos comentaristas de profecias bíblicas bem conhecidos. Além disso, a obra Dicionário Expositivo de Vine das Palavras do Novo Testamento é citada muitas vezes nas publicações da Torre de Vigia. Os líderes da Torre de Vigia adotaram a interpretação dele acerca de Apocalipse 17:11-13 no começo da década de 1930, sem mencionarem a fonte ou as fontes dessa interpretação. As Testemunhas de Jeová da geração posterior são agora expostas à ideia de que os líderes da Torre de Vigia, sob a influência do espírito santo de Deus, originaram estas predições e interpretações, e isto, por sua vez, é usado como evidência de sua alegação de ser o profeta de Jeová nos tempos modernos!

W. E. Wine, usado nas publicações JW, já havia predito o fracasso da Liga das Nações.
William Edwy Vine

Tanto Vine como Hogg estavam associados com a “Irmandade Aberta”, um ramo da “Irmandade de Plymouth”, (também conhecidos como “Darbyistas”). Mas as especulações proféticas associadas com a Liga das Nações eram muito comuns entre os cristãos fundamentalistas de várias denominações, como por exemplo os Batistas e os Pentecostais. Dwight Wilson escreve:

A formação da Liga das Nações produziu especulação imediata. As palavras que seguem apareceram no Notícias Proféticas e o Evangelho (publicação pentecostal em inglês), e foram reimpressas numa coleção que teve prosseguimento em pelo menos cinco edições: “A Guerra Mundial originada dessa forma por ensinos de demônios produziu o resultado predito em Apocalipse 16:14. Ajuntou todos os reis da terra e de todo o mundo. Juntou-os numa liga de nações que virá a ser a preparação das nações para o Armagedom. O ajuntamento ou ligamento das nações umas com as outras é o sinal de que o fim está às portas. A Conferência de Paz em Paris preparou inconscientemente o palco para o Anticristo e o Armagedom.” [11] 

O que dizer, então, da predição do Presidente Knorr em 1942 – bem no meio da Segunda Guerra Mundial – de que a organização de paz que tinha desaparecido do cenário no irrompimento da guerra em 1939 “ascenderia do abismo novamente (Apocalipse 17:8) depois do fim da guerra?” [12] À primeira vista, isso parece uma profecia notável. Foi uma predição que se cumpriu claramente. Mas não foi de modo algum uma predição única.

Conforme foi mostrado acima, já em 1919 W. E. Vine tinha identificado a Liga das Nações com a “besta” de Apocalipse capítulo 17. Esta interpretação só foi adotada pela Torre de Vigia 11 anos depois, quando foi apresentada no volume 2 do livro Luz, publicado em inglês em 1930. Em 1919 a Associação ainda ensinava que a besta com a mulher nas suas costas, descrita em Apocalipse capítulo 17, era o Império Romano pagão, com a Igreja de Roma apóstata “nas suas costas”. [13] Esta tinha sido a interpretação sobre estas personagens predominante entre os protestantes desde o tempo da Reforma, no século dezesseis. Mas no segundo volume do livro Luz, a Liga das Nações foi associada com esta visão profética, exatamente como Vine tinha feito onze anos antes. Foi explicado que a “besta cor de escarlata” (Apocalipse 17:3) era “A Conferência Internacional de Paz de Haia”, formada em 1899. [14] Esta organização “funcionou até a Guerra Mundial. Então foi para o abismo e parou de funcionar. Depois da Guerra Mundial saiu do abismo ou cova e começou a funcionar novamente na forma da Liga das Nações.” [15] Esta interpretação prevaleceu até 1942 (veja, por exemplo, o livro Inimigos, de 1937, pág. 285 em diante), quando ficou claro para os líderes da Torre de Vigia que a Segunda Guerra Mundial também não levaria ao Armagedom. Foi por isso que se tornou necessária outra interpretação de Apocalipse 17.

A nova interpretação apareceu no folheto Paz – Pode Durar?, que se baseou num discurso com o mesmo título, proferido pelo Presidente da Associação, Nathan H. Knorr em setembro de 1942. A Conferência Internacional de Paz de Haia foi então completamente excluída do cenário. A “besta” tinha sido primeiro a Liga das Nações. Ela foi “para o abismo” em 1939 ao irromper a Segunda Guerra Mundial. Mas não haveria de permanecer lá. Citando Apocalipse 17:8, Knorr predisse: “A associação mundial das nações tornará a se levantar.” [16] 

Como todos sabem, esta predição se cumpriu. Mas não era difícil fazê-la naquele momento. Conforme o próprio Knorr mencionou no mesmo folheto (pág. 21 em inglês), já havia planos para fazer reviver a organização de paz depois da guerra, tendo as Potências do Eixo, Japão e Hungria, assinado uma “nova Liga das Nações” já em 20 de novembro de 1940. Na verdade, as Nações Unidas já tinham sido formadas vários meses antes da “predição” de Knorr, em Washington D.C. no dia 1º de janeiro de 1942, com 26 nações assinando uma declaração conjunta naquela data. [17] 

Ademais, a predição de Knorr não era nem nova nem única. Outros expositores de profecias já tinham predito a mesma coisa – alguns até dois anos antes disso! Dwight Wilson, por exemplo, faz referência a uma predição feita por Harry Rimmer, um conhecido comentarista bíblico: “Harry Rimmer predisse em 1940 uma nova Liga das Nações como um resultado da guerra – e o surgimento de um ditador universal. As Nações Unidas já surgiram, mas ainda não apareceu qualquer ditador.” [18]

Assim, a Torre de Vigia não pode alegar qualquer primazia nesta ou em outras predições e aplicações proféticas associadas com a Liga das Nações e com a Organização das Nações Unidas. Os mesmos conceitos eram mantidos na época pelos milenaristas fundamentalistas em geral, que originaram as predições a respeito do futuro destas organizações de paz anos antes da organização Torre de Vigia ter se apropriado dessas interpretações. Os cristãos fundamentalistas em geral não modificaram sua atitude em relação à organização de paz depois da Segunda Guerra Mundial. Eles continuaram a encará-la como a “besta” de Apocalipse 17 e – exatamente como a Torre de Vigia – ensinam que a “prostituta” nas costas dela é a cristandade corrupta. [19] O sociólogo Louis Gasper explica:

Os fundamentalistas acreditavam literalmente que “a mulher vestida de púrpura e escarlate” de Apocalipse 17 prefigura o estabelecimento de uma igreja mundial corrupta, embora colorida, que incluiria os católicos e os protestantes. [20] 

Pelo que se vê, a atitude da Torre de Vigia, não só em relação às Nações Unidas como também em relação à “cristandade organizada e corrupta”, é, portanto, compartilhada por cristãos fundamentalistas em geral. Mesmo no costume de adotar resoluções reprovadoras contra as Nações Unidas, a Torre de Vigia segue de perto os métodos do movimento fundamentalista:

Embora os fundamentalistas geralmente se opusessem às Nações Unidas e a criticassem veementemente, eles não fizeram qualquer tentativa organizada de pressionar o Congresso no sentido de fazer os Estados Unidos saírem dessa organização. A oposição deles era geralmente expressa na forma de declarações e resoluções que eram adotadas de tempos a tempos, para indicar a sua desaprovação geral em relação às Nações Unidas. [21]  

Conclusão

O exame acima demonstrou que os conceitos mantidos pela Torre de Vigia em relação às organizações internacionais de paz são mais “tradicionais” do que muitas Testemunhas de Jeová pensam. São conceitos que têm sido mais ou menos compartilhados por praticamente todos os cristãos fundamentalistas. O mesmo é verdade no caso das “predições” apresentadas pela organização acerca do futuro destas organizações de paz: Elas foram simplesmente extraídas dos fundamentalistas. De modo que se algumas destas predições parecem ter se cumprido, isso nada prova quanto à habilidade de profetizar da Torre de Vigia; prova apenas a sua habilidade em plagiar. Para fazer isso não é preciso qualquer inspiração divina. Se estas predições tivessem origem divina, os líderes da Torre de Vigia seriam obrigados a concluir que Deus as tinha concedido aos cristãos fundamentalistas que estão fora da Torre de Vigia.

Resta uma questão a ser respondida: Será que a visão da “besta” de Apocalipse 17 é realmente aplicável à Liga das Nações e à Organização das Nações Unidas dos nossos dias? Ainda que à primeira vista essa aplicação possa parecer provável, este autor crê que ela tem sérios problemas. Ele espera retornar a este assunto num artigo futuro.

Notas

[1] Para uma consideração justa, equilibrada e erudita destes fracassos proféticos e de sua importância para o desenvolvimento doutrinal e organizacional da Torre de Vigia, veja o artigo do Dr. Joseph F. Zygmunt, intitulado “Fracasso Profético e Identidade Milenarista: O Caso das Testemunhas de Jeová”, publicado em inglês na Revista Americana de Sociologia, Vol. 75, julho de 1969 – maio de 1970, págs. 926-948.

[2] Wilson, pág. 37 em diante. A Torre de Vigia de Sião de 1º de novembro de 1914, págs. 327, 328 em inglês.

[3] Wilson, pág. 38 em inglês.

[4] A Sentinela de 1º de fevereiro de 1972, pág. 85 (Artigo Divulgação das Verdades Proféticas de Deus).

[5] Citado por Ernest R. Sandeen As Raízes do Fundamentalismo, Londres, 1970, pág. 235 em inglês.

[6] Sandeen, pág. 235 em inglês.

[7] Wilson, pág. 56 em inglês.

[8] C. F. Hogg e W. E. Vine, Considerando a Vinda do Senhor, Londres, 1919, pág. 95 em inglês.

[9] Hogg e Vine, pág. 96 em inglês.

[10] Hogg e Vine, págs. 118, 120 em inglês.

[11] Wilson, pág. 81 em inglês.

[12] Veja o folheto Paz – Pode Durar?, publicado pela Associação Torre de Vigia em 1942, pág. 21 em inglês.

[13] Veja, por exemplo, Estudos das Escrituras, Vol. VII, publicado originalmente em 1917, págs. 259, 263 em inglês. O livro teve várias edições nos anos subseqüentes.

[14] Luz, Vol. 2, 1930, pág. 86 em inglês.

[15] Ibid, pág. 94 em inglês.

[16] Paz – Pode Durar?, 1942, pág. 21 em inglês. A Torre de Vigia fez abertamente muitas referências a esta predição como sendo evidência da habilidade profética da organização. A Sentinela de 15 de junho de 1972, pág. 371, alegou que eles fizeram essa predição ‘alertados pelo espírito santo de Jeová’. A Sentinela de 15 de abril de 1989, pág. 14 afirmou que as Testemunhas receberam esta informação “por providência divina”. Veja também o livro “Caiu Babilônia a Grande!” – O Reino de Deus Já Domina!, 1963, págs. 159, 160; o livro Revelação – Seu Grandioso Clímax Está Próximo!, págs. 246-248, o Anuário das Testemunhas de Jeová de 1976, pág. 203 e o livro Venha o Teu Reino, 1981, pág. 166.

[17] Anuário da Enciclopédia Americana Para 1944, pág. 701, citado na A Sentinela de 15 de junho de 1972, pág. 373.

[18] Wilson, pág. 157 em inglês. A predição de Rimmer encontra-se na página 83 de seu livro A Vinda, Nós e a Ascensão da Rússia, Grand Rapids, EUA, 1940. Que os escritos de Harry Rimmer não eram desconhecidos da Torre de Vigia é visto pelo fato de ele ser citado com freqüência nas publicações da organização em outros assuntos. Veja por exemplo o folheto Base Para a Crença Num Novo Mundo, 1953, no qual são citadas três obras de Rimmer nas págs. 23, 27, 37 e 44 em inglês.

[19] Desde 1963 a Torre de Vigia identifica a “meretriz” com a religião falsa. Veja o livro “Caiu Babilônia a Grande!” – O Reino de Deus Já Domina!

[20] Louis Gasper, O Movimento Fundamentalista 1930-1955, Grand Rapids, EUA: Baker Book House, 1981 (Reimpressão da edição de 1963), págs. 49, 50 em inglês.

[21] Gasper, pág. 52 em inglês.

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