Os Tempos dos Gentios Reconsiderados – Apêndice ao Capítulo 4

1. A ASTROLOGIA COMO RAZÃO PARA A ASTRONOMIA BABILÔNICA

Com o objetivo de depreciar o valor dos textos astronômicos, alguns defensores da cronologia da Torre de Vigia enfatizaram que o interesse dos babilônios em fenômenos celestes era motivado pela astrologia. Embora seja verdade que este era um motivo importante para o estudo que faziam do céu, isto na verdade contribuiu para a exatidão das observações.

Na grande coleção de presságios antigos chamada Enuma Anu Enlil (cuja forma final data do período Neo-Assírio) é dada a seguinte instrução ao observador:

Quando a Lua for eclipsada observarás com exatidão o mês, o dia, a vigília noturna, o vento, o curso e a posição das estrelas em cujo reino o eclipse ocorre. Indicarás os presságios relativos ao mês, ao dia, à vigília noturna, ao vento, ao curso e às estrelas deste eclipse.

Para os “astrólogos” babilônicos os eclipses desempenhavam o papel mais proeminente, e, desse modo, todos os detalhes eram da máxima importância. O Dr. A. Pannekoek conclui que “a motivação astrológica, por exigir muita atenção na observação da lua, forneceu a melhor base para a cronologia”.48 

Ademais, seria um engano pensar que a “astrologia” no sentido que esta palavra tem hoje, era praticada no período Neobabilônico ou antes disso. A idéia de que o destino de uma pessoa é determinado pelas posições das estrelas e planetas na data de seu nascimento ou concepção originou-se bem mais tarde, durante o período persa. O mais antigo horóscopo descoberto data de 410 A.E.C.49 Conforme é indicado por B. L. van der Waerden, a astrologia primitiva “tinha um caráter bem diferente:  ela auxiliava em predições de alcance limitado de eventos públicos em geral, tais como guerras e colheitas, à base de fenômenos notáveis tais como eclipses, nuvens, surgimento e desaparecimento anuais de planetas, enquanto que os [posteriores] ‘caldeus’ helenísticos prediziam destinos individuais com base nas posições de planetas e signos do zodíaco na data do nascimento ou da concepção”.50

Desse modo, o professor Otto Neugebauer explica que “a ‘astrologia’ mesopotâmica está muito mais para a previsão do tempo com base em fenômenos observados nos céus do que para a astrologia no sentido moderno da palavra”. Ele enfatiza também que a origem da astronomia não foi a astrologia e sim as questões do calendário:  “A determinação da estação do ano, a contagem do tempo, os festivais lunares — estas são as questões que orientaram o desenvolvimento da astronomia por muitos séculos” e “até mesmo a última fase da astronomia da Mesopotâmia … foi dedicada principalmente às questões do calendário lunar”.51 

2. ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE ECLIPSES LUNARES ANTIGOS

Quão confiáveis são as identificações modernas de eclipses lunares descritos nos antigos textos astronômicos babilônicos do oitavo século A.E.C. em diante? Enfatizando uma das armadilhas, a Sociedade Torre de Vigia cita The Encyclopædia Britannica como dizendo que qualquer vila ou cidade tinha em média cerca de 40 eclipses lunares num período de 50 anos.52 Embora isto seja verdade, a freqüência de eclipses que caíam num mês específico é muito mais baixa. Outros fatores também limitam as alternativas.

Até mesmo quando um eclipse lunar volta a ocorrer no mesmo mês do ano seguinte, ele não ocorrerá exatamente no mesmo período do dia nem terá a mesma magnitude. Se ele acontecer durante as horas da luz do dia, será naturalmente invisível naquela parte da terra. Uma vez que os astrônomos babilônicos fornecem com freqüência os dados específicos dos eclipses lunares, tais como a data (dia, mês e ano de reinado),53 o momento do início dele em relação ao nascer ou pôr-do-sol, a duração das fases parcial e total e às vezes também a magnitude e a posição em relação a estrelas ou constelações, a identificação dos eclipses descritos em tais textos normalmente não gera qualquer problema, contanto que os textos estejam bem preservados.

A Sentinela de 15 de setembro de 1969, páginas 568 em diante, faz referência a outro fator que, conforme ela diz, torna difícil identificar eclipses antigos. Enfatiza-se que por muito tempo (séculos, na verdade) os astrônomos têm estado cientes do fato de que as marés produzidas pela lua e pelo sol nos oceanos e massas terrestres geram um retardamento na rotação da terra, causando um gradual alongamento do dia. Isto, diz o artigo, afeta os registros antigos.

Todavia, quando se trata de identificar antigos eclipses lunares do oitavo século A.E.C. em diante, este não é um problema importante hoje. Na realidade, o grande número de observações registradas em tabuinhas cuneiformes habilitou os astrônomos modernos a medirem a taxa exata desta mudança da rotação da terra. Sabe-se hoje que a duração do dia aumenta a uma taxa de 1,7 milissegundos por século. Assim, o dia na época da antiga Babilônia era aproximadamente 43-44 milissegundos mais curto do que na atualidade.54  

Naturalmente, os astrônomos da atualidade levam em conta a variação na rotação da terra em seus cálculos das datas de eclipses antigos. O artigo da Sentinela abordou apenas eclipses solares. Porém, uma vez que muito poucas observações confiáveis de eclipses solares dos tempos antigos estão preservadas, e como nenhum deles tem conexão com a cronologia do período neobabilônico, são irrelevantes para nossa discussão.

Já que eu queria saber como os registros antigos de eclipses lunares são afetados por este aumento na duração do dia solar, escrevi ao Professor Robert R. Newton, que naquele momento (em 1981) era uma das principais autoridades nesta questão.55 Eu quis saber até que ponto o alongamento do dia solar afetou os registros antigos de eclipses lunares e se nós ainda podíamos confiar nas tabelas mais antigas de cálculos de eclipses lunares publicadas por Oppolzer em 1887 e por Ginzel em 1899.

Em sua resposta, Newton disse:

Eu não utilizei muito o cânon de Ginzel, e não posso falar especificamente sobre os erros contidos nele. Acredito, porém, que os erros dele sejam aproximadamente iguais aos encontrados no Canon der Finsternisse, de Oppolzer, que eu usei extensivamente. Por exemplo, o mais recente eclipse lunar no cânon dele é o de 21 de abril de 1206, que ocorreu às 20H e 17M, Hora de Greenwich, com uma magnitude de 2,6 dígitos, segundo os cálculos dele. Segundo meus cálculos, ele ocorreu naquela data às 20H e 32M, com uma magnitude de 2,4 dígitos. De forma que é perfeitamente seguro usar o Cânon de Oppolzer na identificação de eclipses antigos; provavelmente os maiores erros dele são de aproximadamente meia hora.56  

Assim, em se tratando de eclipses lunares, o argumento de que o alongamento do dia solar causado pelas marés dificulta a identificação de eclipses antigos não é válido. É claro que em catálogos modernos de eclipses, os erros nos cânones de Oppolzer e Ginzel foram corrigidos.57 

Notas

48 – Uma História da Astronomia, A. Pannekoek (em inglês – Londres: George Allen & Unwin Ltd, 1961), págs. 43, 44.

49 – “Horóscopos Babilônicos”, A. J. Sachs, Diário de Estudos Cuneiformes, Vol. 6 (1952), pág. 49, em inglês.

50 – “História do Zodíaco”, B. L. van der Waerden, Archiv für Orientforschung, Vol. 16 (1952/53), pág. 224.

51 – Astronomia e História. Ensaios Selecionados, Otto Neugebauer (em inglês – Nova Iorque: Springer-Verlag, 1983), pág. 55. — Para uma abordagem extensiva sobre a natureza da astrologia babilônica, veja Aspectos da Divinação Celestial Babilônica: As Tabuinhas de Eclipse Lunar de Enuma Anu Enlil, Francesca Rochberg-Halton (= Archiv für Orientforschung, Beiheft 22), (Horn, Áustria: Verlag Ferdinand Berger & Söhne Gesellschaft M.B.H., 1988), págs. 2-17.

52 – Estudo Perspicaz das Escrituras, Vol. 1, pág. 609.

53 – O número do dia é freqüentemente omitido nos textos, porque, como todos os meses babilônicos começavam na lua nova, a lua cheia, assim como também qualquer possível eclipse lunar sempre caía no meio do mês, ou próximo disso.

54 – Este valor mais recente é resultante da pesquisa muito cuidadosa efetuada por Richard Stephenson, da Universidade de Durham e por Leslie Morrison, anteriormente do Observatório Real de Greenwich, em Cambridge. — Veja a revista New Scientist de 30 de janeiro de 1999, págs. 30-33.

55 – A pesquisa de Newton nesta área foi melhorada desde então por outros peritos. Veja, a propósito, a abordagem exaustiva feita por F. Richard Stephenson em Os Eclipses Históricos e a Rotação da Terra (em inglês – Cambridge: Editora da Universidade de Cambridge, 1997).

56 – Carta de Newton a Jonsson, datada de 11 de maio de 1981. Outros peritos concordam. Jean Meeus & Hermann Mucke, por exemplo, em seu Canon de Eclipses Lunares — 2002 a + 2526 (Viena: Astronomisches Büro, 1979), página XII, explicam que o monumental trabalho de Oppolzer “é preciso o suficiente para a pesquisa histórica”. Isto se refere, é claro, aos eclipses lunares antigos, não aos solares, nos quais o Cânon está longe de ser correto. Veja, por exemplo, os comentários de Willy Hartner em Centaurus, Vol. 14 (1969), pág. 65.

57 – Veja, por exemplo, Cânon de Eclipses Lunares 1500 A.C. — 3000 A.D., Bao-Lin Liu e Alan D. Fiala (em inglês – Richmond, Virginia: Willman-Bell, Inc., 1992).

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