O “Escravo Fiel e Prudente” e o Corpo Governante (a mudança no ensino em 2013)

Uma Testemunha de Jeová escreveu:

O que vocês acharam da série de artigos iniciados na A Sentinela de 15/07/2013 com o título “Dize-nos: Quando Sucederão Estas Coisas?” seguido por  “Eis Que Estou Convosco Todos os Dias”, “Alimentando Muitos pelas Mãos de Poucos” e “Quem é Realmente o Escravo Fiel e Discreto”? Li o artigos, e a conclusão final, entre outras, é basicamente que agora o “escravo fiel e prudente” é apenas o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová.

Resposta

Examinamos o conteúdo destes estudos que citou. Um questionamento de todos os pontos (e de fato, há muitos detalhes passíveis de questionamento sério!) exigiria naturalmente um artigo abrangente. Como não é possível elaborar este artigo no momento, faremos umas poucas considerações para responder sua questão imediata.

Os artigos não apresentaram nada diferente do que se esperaria. Como provavelmente você já está ciente, existe abundante evidência de que toda a série de interpretações referentes ao “escravo fiel e prudente” que a organização mantém há muitos anos está seriamente equivocada. Este ‘reexame’ ou ‘estudo bíblico adicional’ que aparece na revista A Sentinela de 15 de julho de 2013 não resolveu os principais problemas e muito menos levou o ensino à harmonia com a Bíblia. A ideia continua sendo que o “escravo fiel e prudente” é uma classe específica de cristãos, e que está necessariamente associada com a JW.org e com ninguém mais.

Mesmo no que se refere à identidade precisa (ou seja, ‘quem é “realmente” o ‘escravo fiel e prudente”, você há de convir que não ocorreu mudança efetiva alguma. Foi apenas “oficializada” uma situação que já existia na organização há décadas. No entendimento normal, um “porta-voz” de alguma agência oficial não tem qualquer autoridade. Ele simplesmente representa a autoridade e não pode falar nada diferente do que a autoridade à qual está subordinado determinou. Dentro do arranjo anterior das Testemunhas de Jeová, ocorria exatamente o contrário disso: A verdadeira autoridade era o “porta-voz” e os outros milhares de componentes da classe do “escravo” nunca tiveram voz ativa, nem autoridade para determinar coisa alguma a ser transmitida por seu suposto “porta-voz”. Em palavras simples, esse conceito de “porta-voz” não passava duma máscara. Sem mencionar que o Amo, Cristo, nunca disse uma palavra sequer sobre algum “porta-voz do escravo fiel e prudente” dele.

Bem, como é que se poderia abandonar algumas interpretações problemáticas, como esta analisada no parágrafo anterior, sem fazer uma mudança radical – e, o que é mais importante, manter bem claro na mente de todas Testemunhas de Jeová quem é a autoridade na organização? Ora, “promovendo” o Corpo Governante de simples “porta-voz do escravo fiel e prudente” ao próprio “escravo fiel e prudente” em pessoa, é lógico!

Pergunte-se: Será que o inteiro mundo cristão reconhece esta nova informação, mais do que reconhecia o ensino anterior? Acreditam todos os cristãos da Terra que este grupo de homens, sediado nos Estados Unidos da América, é o que está verdadeiramente provendo o “alimento espiritual no tempo apropriado” para toda a família da fé no mundo? É evidente que não. Apenas os membros de um único grupo religioso na terra pensam assim. E por que? Será que todos os desse grupo chegaram pessoalmente a essa conclusão, com base num estudo imparcial da informação bíblica? De novo, a resposta é óbvia: Não. Eles estão simplesmente aceitando alegações como esta, que aparece no parágrafo 10 (página 22) dessa edição da revista A Sentinela:

“Em décadas recentes, esse escravo tem sido composto do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová.”

Esta era, efetivamente, a situação na organização em todas estas décadas (embora isso não fosse admitido oficialmente). Na verdade, porém, a tradução desta frase de A Sentinela em português não está correta. Na edição original em inglês, a frase diz:

“In recent decades, that slave has been closely identified with the Governing Body of Jehovah’s Witnesses.”

Tradução:

“Em décadas recentes, esse escravo tem sido intimamente identificado com o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová.”

Embora o linguajar da frase em inglês seja mais “politicamente correto”, ainda assim surge imediatamente a pergunta: Quem foi que fez essa ‘identificação íntima’? Jesus Cristo? Algum escritor bíblico? De modo algum. Foi ninguém além do próprio Corpo Governante, o mesmo grupo de homens que está afirmando agora que é o “escravo fiel e discreto”!

Nessa mesma linha de raciocínio, considere o que diz o parágrafo 4 (página 10) da revista:

“Falando a respeito do trigo e do joio, Jesus disse: “Deixai ambos crescer juntos até a colheita.” Essa ordem revela que, desde o primeiro século até hoje, sempre tem havido na Terra alguns cristãos ungidos comparáveis ao trigo. Essa conclusão é confirmada pelo que Jesus disse mais tarde aos seus discípulos: “Estou convosco todos os dias, até a terminação do sistema de coisas.” (Mat. 28:20) Assim, os cristãos ungidos seriam protegidos por Jesus todos os dias até o tempo do fim. No entanto, visto que o crescimento dos cristãos comparáveis ao joio foi bem maior do que o de cristãos ungidos, não temos certeza sobre quem pertencia à classe do trigo durante esse longo período. Mas, algumas décadas antes do iníıcio da época da colheita, a classe do trigo tornou-se discernível. Como isso aconteceu?”

Aqui também não há alteração alguma. Esta mudança sutil no linguajar do parágrafo (imperceptível para leitores desatentos) de “alguns cristãos” (espalhados pelo mundo) para a ideia de uma “classe” reunida e distinta, nada mais é que uma repetição do que a liderança da organização sempre disse: que em 18 séculos da Era Cristã existiu uma “classe” de verdadeiros cristãos (que os escritores desse parágrafo não conseguem identificar e muito menos associar a algum grupo) e no intervalo dos últimos 100 anos (a chamada “época da colheita”, que é entendida de acordo com a cronologia das Testemunhas de Jeová, os anos de 1914, 1918, etc.) existe uma “classe”, que é claramente “discernível”.

De novo, pode-se fazer a mesma pergunta: Esta classe tornou-se “discernível” de que modo? Quem foi que ‘discerniu’ isso? E a resposta é a mesma: É a liderança dessa “classe” quem está fazendo esta afirmação sobre si mesma, bem como sobre as pessoas que os veem como “governantes”. Como consequência disso, os liderados veem a si mesmos desta maneira, encarando automaticamente todos os demais cristãos de fora do grupo como pertencentes à “classe do joio” e sujeitos à destruição!

Em resumo, estes “estudos” que você mencionou contém de fato uma série de afirmações, tanto antigas como novas. Mas a quantidade de base para as novas afirmações no tocante à autoridade de um grupo específico de homens não é maior do que a base que existia para os ensinos anteriores, que foram abandonados (mas que eram apresentados à comunidade mundial das Testemunhas como “incontestáveis” e de acordo com “os fatos históricos e bíblicos”). Acreditamos que uma análise atenta, examinando os textos citados em apoio, permitirá que você mesmo avalie quanta “base bíblica” existe realmente para certas idéias novas, apresentadas nesta revista A Sentinela.

Gostaríamos de mencionar mais um detalhe (que foi discutido entre alguns associados do Mentes Bereanas tempos atrás). Pelo que fica claro, o artigo de A Sentinela dá a entender que nenhum membro individual do Corpo Governante é o “escravo fiel e prudente”. Eles só o são, como grupo. Na Reunião Anual da Associação Torre de Vigia de 2012, este ponto havia sido colocado de maneira mais clara do que no estudo de A Sentinela. Uma das afirmações dum dos discursos foi esta:

‘Os membros individuais do Corpo Governante não são o “escravo fiel e discreto”. Eles só agem como o “escravo fiel e discreto” quando estão trabalhando como um corpo coletivo na tomada de decisões referentes à distribuição do alimento espiritual.’

Agora compare isso com o que diz a doutrina católica:

‘O Papa não é perfeito. Ele só é infalível quando fala “ex cathedra”, ou seja quando se pronuncia a partir do Trono de Pedro, como Sumo Pontífice, com o objetivo de ensinar à Igreja inteira’.

Note que não se afirma que essa “infalibilidade” papal seja absoluta; ela só existe sob uma determinada condição (quando ele está ‘sentado no trono de Pedro para ensinar a Igreja’). Não se afirma que ele seja perfeito, isento de erros, como homem.

O Corpo Governante das Testemunhas de Jeová também não alega infalibilidade absoluta, é claro. Mas eles afirmam o mesmo que o papa católico romano alega: que, como grupo, são os “representantes exclusivos” de Cristo na Terra. Será que afirmar o que estão afirmando agora, a saber, que no momento em que estão ‘reunidos como grupo para tomar decisões espirituais’ (que todas as Testemunhas de Jeová devem aceitar sem questionamento), constituem o “escravo fiel e prudente” de Cristo, transmitindo informação espiritual que estaria vindo diretamente dele, é tão diferente assim de afirmar esse mesmo tipo de “infalibilidade” que é atribuída ao líder católico?

Finalmente, dizemos que nada do que foi declarado acima tem o objetivo de faltar com o respeito a quem quer que seja. Os homens que compõem o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová certamente merecem respeito, como seres humanos, pela idade que têm, e até pela posição que ocupam. O mesmo é verdade no caso do papa católico romano e de outros líderes religiosos proeminentes no mundo. É abominável a propensão de alguns indivíduos de falarem desses homens em termos abusivos e insultuosos. Essa atitude não reflete o espírito bíblico e deveria ser evitada por todos os que declaram ser cristãos. Dentro do Cristianismo não há lugar para linguagem sarcástica, difamatória ou meias-verdades.

Por outro lado, não se deve confundir respeito com credulidade. O devido respeito não exige concordância absoluta, nem anula a liberdade (e inclusive a responsabilidade) de questionar deturpações da Palavra de Deus, ou ensinos humanos apresentados como ‘incontestáveis biblicamente’, mas para os quais não existe qualquer apoio claro nela. Ao passo que aceitamos a opção pessoal de muitos milhões de pessoas pelo mundo afora, de aceitar essas alegações de autoridade suprema, submetendo-se aos líderes de muitas instituições religiosas, espera-se que estas pessoas também reconheçam a opção de outros cristãos de não aceitarem quaisquer outros intermediários entre o homem e Deus, além do Filho dele.

Imagem: Revista A Sentinela (Edição de Estudo) de 15 de julho de 2013, pág. 18 (Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *