A Condição dos Mortos
Introdução
A crença na vida após a morte parece ter voltado do túmulo. As notícias a incluem semanalmente. Entrevistadores de televisão a discutem. Livros populares tais como Life After Life [Vida Além da Vida], de Moody e Kübler-Ross e Beyond Death’s Door [Além do Portão da Morte], de Maurice Rawlings examinam histórias de casos de experiências fora do corpo. Até mesmo alguns pastores começaram a pregar isso novamente.
Certa vez considerada pela comunidade secular como uma relíquia de um passado supersticioso e pelos crentes como algo muito difícil de compreender, a crença na vida após a morte está recuperando popularidade. Apesar de um declínio significativo nas crenças religiosas, de acordo com uma recente pesquisa Gallup, 71% dos americanos acreditam em alguma forma de vida após a morte.1 “Mesmo muitos que não alegam crenças religiosas esperam que a vida continue após a morte: 46% acreditam no céu, 34 por cento no inferno.”2
Os elaborados arranjos funerários que se destinam a preservar os restos corpóreos dos falecidos, refletem a crença consciente ou subconsciente na vida após a morte. No mundo antigo, os mortos eram provisionados com alimentos, líquidos, utensílios e roupas para uso na próxima vida. Às vezes, até mesmo servos e animais eram enterrados junto com o cadáver para fornecer as conveniências necessárias na próxima vida.
Hoje, os rituais mortuários são diferentes, mas eles ainda revelam uma crença consciente ou subconsciente na vida após a morte. O cadáver é embalsamado e selado hermeticamente em um caixão de metal galvanizado para retardar a deterioração. Ele é vestido com as melhores roupas e colocado em forro de cetim de pelúcia e travesseiros macios. É enviado em seu caminho acompanhado de itens apreciados na vida, tais como anéis e fotos familiares. É sepultado de maneira sagrada e silenciosa em um cemitério, que é habilmente cuidado, cercado por flores, portões e guardas. Os mortos são entregues ao “cuidado perpétuo” do Senhor em um cemitério profissionalmente mantido e paisagístico onde nenhuma criança brinca e nenhum visitante os perturba.
A preocupação das pessoas em enviar seus entes queridos falecidos ao mundo dos mortos com dignidade e elegância revela um desejo de garantir o conforto deles no além. Mas, será que existe vida após a morte? Os mortos estão conscientes ou inconscientes? Se estiverem conscientes, são eles capazes de se comunicar com os vivos? Estão eles usufruindo a felicidade do paraíso ou os tormentos do inferno?
No Capítulo 4, observamos que a crença na vida após a morte é promovida hoje por meio da imagem polida de médiuns e sensitivos que alegam colocar os vivos em contato com os espíritos de seus entes queridos falecidos, da pesquisa “científica” sofisticada sobre experiências de quase-morte, e o popular movimento da Nova Era estabelecendo um canal com os espíritos do passado. Apesar das novas tentativas de provar a existência consciente no além, descobrimos que a Bíblia define claramente a morte como a cessação da vida para a pessoa completa, corpo e alma.
Objetivos Deste Capítulo
Este capítulo prossegue nossa investigação sobre a natureza da morte, concentrando-se na condição dos mortos durante o período entre a morte e a ressurreição. Este período é comumente conhecido como “estado intermediário”. A questão fundamental que tratamos neste capítulo é: o falecido dorme num estado inconsciente até a manhã da ressurreição? Ou será que as almas dos salvos estão experimentando a bem-aventurança do paraíso, enquanto as dos condenados se contorcem no tormento do inferno?
Este capítulo divide-se em duas partes. A primeira parte examina o ensino do Antigo Testamento sobre a situação dos mortos. O estudo concentra-se especialmente no significado e no uso da palavra Seol, comumente usada no Antigo Testamento para designar o lugar de descanso dos mortos. Aprenderemos que, ao contrário das crenças prevalecentes, nenhuma das referências sugere que o Seol seja o lugar do castigo para os ímpios ou um lugar de existência consciente para as almas ou espíritos dos mortos. No Antigo Testamento, o Seol é o repositório subterrâneo dos mortos. Não há almas imateriais e imortais no Seol, simplesmente porque a alma não sobrevive à morte do corpo.
A segunda parte investiga o ensino do Novo Testamento sobre a situação dos mortos. O estudo aborda primeiramente as onze referências a Hades, que é o equivalente grego do Seol hebraico. Veremos que Hades é usado da mesma forma que Seol no Antigo Testamento – para denotar o túmulo ou o reino dos mortos, e não o lugar do castigo dos ímpios.
Em seguida, examinamos os cinco trechos comumente citados em apoio à crença na existência consciente da alma após a morte (Lucas 16:19-31; 23:42, 43; Filipenses 1:23; 2 Cor 5:1-10; Rev. 6:9-11). Nenhum destes textos contradiz o ensino bíblico global sobre a condição inconsciente dos mortos durante o período intermediário.
PARTE I: A CONDIÇÃO DOS MORTOS NO ANTIGO TESTAMENTO
Um grande desafio para a conclusão do capítulo 4 – que a morte na Bíblia é a cessação da vida para a pessoa completa – vem de interpretações injustificadas que se dão a duas palavras usadas na Bíblia para descrever a morada dos mortos. As duas palavras são Seol no Antigo Testamento e Hades no Novo Testamento. Muitas vezes elas são interpretadas para representar o lugar onde as almas desencarnadas continuam a existir após a morte e o lugar da punição dos ímpios. Assim, é imperativo que estudemos o significado e o uso bíblico destes dois termos.
Traduções e Interpretações de Seol
A palavra hebraica Seol ocorre 65 vezes no Antigo Testamento e é traduzida de forma variada como “sepultura”, “inferno”, “poço” ou “morte”. Estas traduções variáveis dificultam que o leitor dum idioma moderno entenda o significado básico de Seol. Por exemplo, a versão Almeida Revista e Corrigida (ARC) traduz Seol 28 vezes como “inferno”, 27 vezes como “sepultura”, 5 vezes como “sepulcro”, 1 vez como “terra”, 1 vez como “mundo invisível”, 1 vez como “enterrado” e em 2 ocorrências simplesmente translitera o termo hebraico como “Seol”. Isto significa que os leitores desta versão geralmente são induzidos a crer que o Antigo Testamento ensina a existência dum inferno onde os maus são atormentados pelos seus pecados.
Por exemplo, na ARC, o Salmo 16:10 diz: “Pois não deixarás a minha alma no inferno”. Um leitor desinformado presumirá que o texto significa: “Não deixarás a minha alma ser atormentada no inferno”. Essa leitura é uma óbvia interpretação errada do texto que simplesmente diz, como verte a Tradução Brasileira (TB): “Pois não abandonarás a minha alma ao Sheol”, ou seja, a sepultura. O salmista aqui expressa a confiança de que Deus não o abandonaria no túmulo. Na verdade, esta é a maneira como o texto é aplicado a Cristo em Atos 2:27, que não foi deixado no túmulo pelo Pai. O texto nada tem a dizer sobre o inferno.
Para evitar tais interpretações enganosas, a Tradução Brasileira (TB) simplesmente translitera a palavra hebraica em letras do alfabeto moderno, como sheol. A Nova Versão Internacional [em inglês] geralmente o traduz como “sepultura” (ocasionalmente como “morte”), com “sheol” numa nota de rodapé. Esta tradução reflete com precisão o significado básico do Seol como a sepultura ou, melhor ainda, o reino coletivo dos mortos.
Diferentes traduções com frequência refletem as diferentes convicções teológicas dos tradutores. Por exemplo, os tradutores da Versão Rei Jaime (KJV) acreditavam que, na morte, os justos vão para o céu e os ímpios para o inferno. Consequentemente, eles traduziram sheol como “sepultura” ao se referir aos justos, cujos corpos descansavam no túmulo e como “inferno” quando se referiam aos ímpios cujas almas são supostamente atormentadas no inferno. Uma abordagem semelhante foi adotada pelo erudito em Antigo Testamento Alexander Heidel3, que foi criticado pelo tratamento arbitrário dos dados bíblicos.4
Vários autores evangélicos concordam com o conceito dos tradutores da KJV na definição de Seol como a morada da alma, em contraposição ao túmulo, que é a morada do corpo. Em seu livro Death and the Afterlife [A Morte e o Além], Robert Morey afirma explicitamente: “A palavra hebraica seol é encontrada 66 vezes no Antigo Testamento. Enquanto o Antigo Testamento se refere consistentemente ao corpo como indo para a sepultura, ele sempre se refere à alma ou ao espírito do homem como indo ao seol”.5 Para sustentar esta afirmação, Morey cita o erudito de Princeton B. B. Warfield que escreveu: “Israel, desde o princípio de sua história registrada, acalentava as convicções mais estabelecidas da persistência da alma após a morte … O corpo é posto na sepultura e a alma parte para o seol”.6
Outro erudito citado por Morey é George Eldon Ladd, que escreve no New Bible Dictionary [Novo Dicionário da Bíblia]: “No Antigo Testamento, o homem não deixa de existir na morte, mas sua alma desce para o seol”.7 O mesmo conceito é expresso por J. Thomson, que escreve com referência à morte no Antigo Testamento: “Na morte, o corpo permaneceu na terra; nephesh [a alma] foi para o seol; mas o fôlego, o espírito ou ruach retornaram para Deus e não para o seol. Mas no seol, um lugar de escuridão, silêncio e esquecimento, a vida era agourenta e sombria.”8
Com base em testemunhos como estes, Morey conclui: “A erudição moderna entende a palavra seol como se referindo ao lugar para onde a alma ou o espírito do homem vão por ocasião da morte. Nenhuma literatura lexicográfica define o seol como se referindo ao túmulo ou a passagem para a inexistência”.9 Alguns eruditos propõem uma visão modificada ao considerar que o seol é exclusivamente o lugar da punição dos ímpios e tem “o mesmo significado que o inferno moderno”.10
Essas interpretações do seol como a morada das almas (e não o lugar de descanso do corpo na sepultura) ou o lugar do castigo para os ímpios, conhecido como inferno, não se sustentam à luz do uso bíblico de seol. Este fato é reconhecido até mesmo por John W. Cooper, que produziu o que talvez seja a tentativa mais erudita de salvar a visão tradicional dualista da natureza humana contra os ataques maciços da erudição moderna contra ela. Cooper afirma: “Talvez o mais interessante para os cristãos tradicionais notarem é o fato de que o [seol] é o lugar de descanso dos mortos, independentemente da sua religião durante a vida. O Seol não é o “inferno” ao qual os ímpios são condenados e dos quais os fiéis do Senhor são salvaguardados em glória. Embora o Antigo Testamento tenha alguns indícios de que, mesmo na morte, o Senhor poupa e tem comunhão com os justos, como veremos, não há dúvida de que se pensava que os crentes e os incrédulos vão para o seol quando morrem.”11
O liberal The Interpreter’s Dictionary of the Bible [Dicionário Bíblico do Intérprete] afirma ainda mais enfaticamente que “em nenhum lugar no Antigo Testamento a morada dos mortos é considerada como um lugar de castigo ou tormento. O conceito de “inferno” só se desenvolveu em Israel durante o período helenístico.”12
A tentativa de Morey e outros de fazer diferenciação entre seol como a morada da alma e o túmulo como o lugar de descanso do corpo baseia-se numa visão dualista da natureza humana que é alheia à Bíblia. Em seu clássico estudo Israel: Its Life and Culture [Israel: Sua Vida e Cultura], Johannes Pedersen afirma categoricamente: “O Seol é a totalidade em que todos os túmulos são abrangidos; … Onde há sepultura, há um seol e onde há o seol, há uma sepultura.”13 Pedersen explica amplamente que o seol é o reino coletivo dos mortos para onde todos os falecidos vão, sejam ou não enterrados.
Em sua dissertação de doutorado “Sheol in the Old Testament” [O Seol no Antigo Testamento], Ralph Walter Doermann chega à mesma conclusão. Ele escreve: “Os mortos foram concebidos como estando no seol e no túmulo ao mesmo tempo, e ainda assim não em dois lugares diferentes. Todos os falecidos, por estarem sujeitos às mesmas condições, eram concebidos como estando em um domínio comum.”14 Esta conclusão torna-se autoevidente quando verificamos alguns usos de seol.
Etimologia e Localização do Seol
A etimologia da palavra seol é incerta. As derivações mencionadas com mais frequência são de raízes semânticas tais como “pedir”, “inquirir” e “enterrar alguém”.15 Doermann propõe uma derivação de shilah, que tem o significado primário de “ficar quieto”, “à vontade”. Ele conclui que “se uma conexão entre seol e shilah for viável, parece que o nome não está associado com a localização do reino dos mortos, e sim com a característica de seus ocupantes, que estão primariamente ‘em repouso’”.16 A diferença entre as duas palavras é relativa. Mais importante é o fato de que seol denota um lugar onde os mortos estão em repouso.
O seol está localizado profundamente sob a superfície da terra, porque muitas vezes é mencionado em conexão com o céu para denotar os limites extremos do universo. O seol é o lugar mais profundo do universo, assim como o céu é o mais alto. Amós descreve a inescapável ira de Deus nestes termos:
“Ainda que cavem até o Seol, dali os tirará a minha mão; ainda que subam ao céu, dali os farei descer.” (Amós 9:2, 3).
De modo similar, o salmista exclama: “Para onde me irei do teu Espírito, ou para onde fugirei da tua presença? Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali estás também.” (Sal. 139:7, 8, veja Jó 11:7-9).
Estando situado abaixo da terra, os mortos chegam ao seol por “descer”, um eufemismo por serem enterrados na terra. Assim, quando Jacó foi informado da morte de seu filho José, ele disse: “Com choro hei de descer para meu filho até o Seol” (Gên. 37:35). Talvez o exemplo mais claro da localização do seol sob a terra seja o relato do castigo de Corá, Datã e Abirão, que se rebelaram contra a autoridade de Moisés. “E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra que estava debaixo deles se fendeu; e a terra abriu a boca e os tragou com as suas famílias, como também a todos os homens que pertenciam a Corá, e a toda a sua fazenda. Assim eles e tudo o que era seu desceram vivos ao Seol; e a terra os cobriu, e pereceram do meio da congregação.” (Num 16:31-33). Este episódio mostra claramente que a pessoa inteira, e não apenas a alma, desce ao seol, ao reino dos mortos.
Características do Seol
As características do seol são essencialmente as do reino dos mortos, ou da sepultura. Em inúmeros trechos, o seol encontra-se em paralelismo com a palavra hebraica bor, que denota “um poço” ou qualquer tipo de buraco subterrâneo, como uma cova. Por exemplo, o salmista escreve:
“Porque a minha alma está cheia de angústias, e a minha vida se aproxima do Seol. Já estou contado com os que descem à cova [bor]; estou como homem sem forças.” (Sal. 88:3, 4).17 Aqui o paralelismo identifica o seol com a cova, isto é, o local de enterro dos mortos.
Várias vezes o Seol aparece junto com o abadom, que significa “destruição” ou “ruína”.18 Abadom aparece em paralelismo com a sepultura: “Será anunciada a tua benignidade na sepultura, ou a tua fidelidade no Abadom? (Sal. 88:12, ALA); e com o seol: “O Seol está nu perante Deus, e não há coberta para o Abadom.” (Jó 26:6, ALA, veja Prov. 15:11); “O Seol e o Abadom estão abertos perante o Senhor; quanto mais o coração dos filhos dos homens!” (Prov. 15:11, cf. 27:20). O fato de o seol estar associado ao Abadom, o lugar da destruição, mostra que o reino dos mortos era encarado como o lugar da destruição, e não como o lugar de sofrimento eterno para os ímpios.
O seol caracteriza-se também é como “a terra das trevas e das densas trevas” (Jó 10:21), onde os mortos nunca mais veem a luz (Sal. 49:20; 88:13). É também “a terra do silêncio” (Sal. 94:17, cf. 115:17) e a terra do não-retorno:
“Da mesma maneira que a nuvem se esvai e desaparece, aquele que desce ao Sheol, à sepultura, jamais voltará a subir.” (Jó 7:9, 10, KJV).
Seol e o Reino dos Mortos
Todas as características acima do seol descrevem com precisão o reino dos mortos. O poço, o lugar da destruição, a terra das trevas, a terra do silêncio, a terra do não-retorno são todos descritivos do reino dos mortos. Além disso, temos alguns casos em que o seol ocorre em paralelismo com a morte e o túmulo: “A morte os assalte, e vivos desçam ao Seol; porque há maldade na sua morada, no seu próprio íntimo.” (Sal 55:16). Em virtude do paralelismo, aqui o seol é identificado com a morte e a sepultura. Outro exemplo em que o seol está associado com a sepultura encontra-se nos Salmos 141:7: “Como quando alguém lavra e sulca a terra, são os nossos ossos espalhados à boca do Seol.” Aqui a boca do Seol é a abertura do túmulo onde os ossos são depositados.
As várias imagens usadas para descrever o seol servem para mostrar que ele não é local dos espíritos desaparecidos, e sim o reino dos mortos. Anthony Hoekema, um erudito calvinista, chega essencialmente à mesma conclusão em seu livro The Bible and the Future [A Bíblia e o Futuro]. Ele escreve: “As várias imagens que são aplicadas ao seol podem ser entendidas como se referindo ao reino dos mortos:
Afirma-se que o seol tem barras (Jó 17:16), que é um lugar escuro e sombrio (Jó 17:13), que é um monstro com apetite insaciável (Prov. 27:20; 30:15-16; 5:14; Hab. 2:5). Quando pensamos no seol dessa maneira, devemos lembrar que tanto os bons como os ímpios descem ao seol na morte, pois ambos entram no reino dos mortos.”19
Em seu estudo clássico, Anthropology of the Old Testament [Antropologia do Antigo Testamento], Hans Walter Wolff observa que, ao contrário das antigas religiões do Oriente Próximo, onde os mortos eram glorificados ou mesmo deificados, “no Antigo Testamento, qualquer coisa semelhante é impensável. Geralmente, falar sobre a descida ao seol como o mundo dos mortos não significa mais do que uma indicação do sepultamento como o fim da vida (Gênesis 42:38; 44:29, 31; Isa. 38:10, 17; Sal. 9:15, 17; 16:10; 49:9, 15; 88:3-6, 11; Prov. 1:12).”20
Qualquer tentativa de transformar o seol no lugar do tormento dos ímpios ou na morada de espíritos/almas contradiz claramente a caracterização bíblica do seol como depositório subterrâneo dos mortos.
A Condição dos Mortos no Seol
Uma vez que a morte é a cessação da vida e da vitalidade, a situação dos mortos no seol é descrita em termos antitéticos [ou: opostos] ao conceito de vida na Terra. A vida significa vitalidade e atividade; a morte significa fraqueza e inatividade. Isto é verdade no caso de todos, os justos e os perversos.
“Tudo sucede igualmente a todos: o mesmo sucede ao justo e ao perverso; ao bom, ao puro e ao impuro.” (Ecle. 9:2). Todos eles vão para o mesmo lugar, o seol, o reino dos mortos.
O sábio fornece uma descrição gráfica da condição dos mortos no seol: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque no Seol, para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.” (Ecle. 9:10). É evidente que o seol, o reino dos mortos, é o lugar da inexistência inconsciente. “Pois os vivos sabem que morrerão, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco têm eles daí em diante recompensa; porque a sua memória ficou entregue ao esquecimento. Tanto o seu amor como o seu ódio e a sua inveja já pereceram; nem têm eles daí em diante parte para sempre em coisa alguma do que se faz debaixo do sol.” (Ecle. 9:5, 6). O principal argumento aqui é que a morte põe um fim abrupto a toda atividade “debaixo do sol”, e o que se segue à morte é o seol, o reino dos mortos onde há uma condição de inatividade, sem conhecimento ou consciência. Essa condição é mais bem descrita como “sono”.
A frase “e ele dormiu com seu pai” (1 Reis 1:21; 2:10; 11:43) reflete a ideia de que os mortos se juntam aos seus predecessores no seol em um estado sonolento e inconsciente. A ideia de descansar ou dormir no seol é proeminente em Jó, que clama no meio de seus sofrimentos: “Por que não morri eu na madre? Por que não expirei ao sair dela?… Porque já agora repousaria tranquilo; dormiria, e, então, haveria para mim descanso… Ali, os maus cessam de perturbar, e, ali, repousam os cansados.” (Jó 3:11, 13, 17). Descansar no seol não é o descanso de almas desfrutando a felicidade do paraíso ou os tormentos do inferno, e sim o descanso de cadáveres dormindo em seus túmulos empoeirados e cobertos de vermes. “Se eu olhar o Seol como a minha casa, se nas trevas estender a minha cama, se eu clamar à cova: Tu és meu pai; e aos vermes: Vós sois minha mãe e minha irmã; onde está então a minha esperança?… Acaso descerá comigo até os ferrolhos do Seol? Descansaremos juntos no pó?” (Jó 17:13-16).
Os mortos dormem no seol até o fim. “Assim o homem se deita e não se levanta; até que não haja mais céus, não acordará, nem se erguerá de seu sono.” (Jó 14:12). “Até que não haja mais céus” possivelmente é uma alusão à vinda do Senhor no fim dos tempos para ressuscitar os santos. Em todas as suas provações, Jó nunca desistiu da sua esperança de ver o Senhor mesmo após a decadência de seu corpo.
“Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a Deus, Vê-lo-ei, por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros o contemplarão; e por isso os meus rins se consomem no meu interior.” (Jó 19:25-27).
Em suma, a condição dos mortos no seol, o reino dos mortos, é de inconsciência, inatividade, um descanso ou sono que continuará até o dia da ressurreição. Nenhum dos textos que examinamos sugere que o seol seja o lugar do castigo para os ímpios ou um lugar de existência consciente para as almas ou espíritos dos mortos. Nenhuma alma está no seol, simplesmente porque no Antigo Testamento a alma não sobrevive à morte do corpo.
Conforme N. H. Snaith afirma categoricamente: “Um cadáver, seja de homem, ou pássaro, ou animal está sem nephesh [alma]. No seol, a morada dos mortos, não existe qualquer nephesh [alma].”21
A Ode de Escárnio ao Rei de Babilônia
A conclusão a que chegamos em relação ao seol como o reino inconsciente dos mortos é desafiada pelos que apelam a dois trechos maiores que alegadamente apoiam a noção de existência consciente no seol. O primeiro trecho é Isaías 14:4-11, que é uma ode de zombaria contra o rei de Babilônia. O segundo é Ezequiel 31 e 32, que contém um hino fúnebre parabólico sobre o Faraó do Egito. Com base nesses trechos, Robert Morey conclui: “Aqueles no Seol são retratados como conversando entre si e até fazendo julgamentos morais sobre o estilo de vida dos recém-chegados (Isa. 14:9-20; 44:23; Eze. 32:21). Eles são, portanto, entidades conscientes enquanto estão no Seol.”22 Em vista do valor comprobatório atribuído a esses trechos para a existência consciente no seol, precisamos examinar brevemente cada um deles.
O oráculo em Isaías 14 é uma canção de escárnio contra o rei de Babilônia, na qual as “sombras” dos mortos, principalmente reis subjugados pelos braços conquistadores de Nabucodonosor, são personificadas para proferir a condenação de Deus sobre o rei tirânico. Quando o rei se junta a eles no seol, esses monarcas que morreram são retratados como “sombras-rephaim” (um termo que será examinado logo a seguir) levantando-se dos tronos sombrios para zombar do tirano falecido, dizendo: “Tu também estás fraco como nós, e te tornaste semelhante a nós. Está derrubada até o Seol a tua pompa, o som dos teus alaúdes; os bichinhos debaixo de ti se estendem e os bichos te cobrem.” (Isa 14:10, 11).
Temos aqui uma descrição gráfica do cadáver do rei no túmulo sendo comido por larvas e vermes; não da alma desfrutando a bem-aventurança do céu ou os tormentos do inferno. A linguagem do trecho se encaixa, não com a imagem de “espíritos de mortos”, e sim com a representação de mortos enterrados. É evidente que se os reis fossem “espíritos que partiram” no seol, eles não estariam sentados nos tronos.
Nesta impressionante parábola, até os abetos e o cedro do Líbano são personificados (Isa. 14:8) e pronunciam uma provocação irônica contra o tirano falecido. É evidente que todos os personagens desta parábola, tanto árvores personificadas quanto monarcas falecidos, são fictícios. Eles não servem para mostrar a existência consciente de almas no seol, e sim para predizer em marcante linguagem pictórica o julgamento de Deus sobre o opressor de Israel, e seu destino final ignominioso em uma sepultura empoeirada, para ser comido por vermes. Interpretar esta parábola como uma descrição literal da vida após a morte significa ignorar a natureza altamente figurativa e parabólica do trecho, que simplesmente objetiva a descrever o destino de um tirano que se exaltava.
Vez após vez no decorrer desta pesquisa, fiquei surpreso com o fato de que até eruditos respeitáveis ignoram com frequência um princípio hermenêutico fundamental de que a linguagem simbólica e parabólica não pode e não deve ser interpretada literalmente.
O Hino Fúnebre Parabólico sobre o Faraó do Egito
Em Ezequiel 31 e 32, encontramos um canto fúnebre parabólico sobre o Faraó do Egito, muito semelhante ao de Isaías sobre o rei de Babilônia. A mesma personificação da natureza é usada para descrever a derrubada do Faraó pelo rei da Babilônia. “No dia em que ele desceu ao Sheol, fiz com que houvesse luto; por sua causa fechei as fontes de águas profundas e retive as suas correntes, e as grandes águas detiveram-se; e fiz com que o Líbano o pranteasse; e todas as árvores do bosque desfaleceram por causa dele.” (Eze 31:15). O cenário é altamente figurativo. Os vários regentes que nesta vida causavam um grande terror, agora jazem no seol, “ao redor deles estão os seus sepulcros” (Eze 32:26). “Eles não jazem com os guerreiros que caíram entre os incircuncisos, os quais desceram ao Sheol com suas armas de guerra e puseram suas espadas debaixo da cabeça, tendo seus escudos sobre os ossos; porque eram o terror dos poderosos na terra dos viventes.” (Eze 32:27). Nesta linguagem figurativa, os guerreiros são retratados como enterrados no seol com suas espadas como um travesseiro debaixo de suas cabeças e seus escudos como um cobertor sobre seus ossos. Esta não é uma descrição de almas desfrutando da felicidade no paraíso ou do tormento no inferno. É, em vez disso, uma representação figurativa da humilhação do túmulo que aguarda aqueles que abusam de seu poder nesta vida.
Em seu livro Hell on Trial: The Case for Eternal Punishment [O Inferno Sob Julgamento: O Argumento em Favor da Punição Eterna], Robert A. Peterson, um erudito presbiteriano, reconhece que “Isaías 14 e Ezequiel 31 e 32, capítulos tradicionalmente entendidos como se referindo ao inferno, fazem mais sentido se os entendermos como falando do túmulo. Os cenários do rei de Babilônia com larvas e vermes a cobri-lo (Isa 14:11) e do Faraó, deitado entre os guerreiros mortos, com suas espadas colocadas debaixo de suas cabeças (Eze 32:27) não falam do inferno e sim da humilhação da sepultura.”23
Concluímos que o seol não é o lugar de punição para os ímpios ou a morada dos espíritos, e sim o reino dos mortos — o lugar silencioso, poeirento e escuro ao qual Deus disse a Adão que ele e seus descendentes iriam: “tu é pó e ao pó voltarás” (Gen. 3:19).
Os Habitantes do Seol
Oito textos no Antigo Testamento referem-se aos habitantes do seol como refaim24, uma palavra que geralmente é traduzida como “sombras”. Esta tradução é desencaminhante, porque dá a impressão de que os habitantes do seol, o reino dos mortos, são fantasmas ou espíritos desencarnados. De fato, os dualistas tiram proveito dessa tradução enganosa para defender a existência de espíritos ou almas desencarnadas no seol. Por exemplo, Robert Morey afirma audaciosamente: “Na morte, o homem se torna um refaim, isto é, um “fantasma”, “sombra” ou “espírito desencarnado” de acordo com Jó 26:5; Sal. 88:10; Prov. 2:18; 9:18; 21:16; Isa. 14:9; 26:14, 19. Em vez de descrever o homem como passando para a inexistência, o Antigo Testamento afirma que o homem se torna um espírito desencarnado. O uso da palavra refaim estabelece irrefutavelmente essa verdade.”25
Essa conclusão ousada baseia-se em pressuposições injustificadas que dificilmente podem ser apoiadas pelo uso de refaim nos textos citados.
A etimologia da palavra refaim é incerta. Geralmente se deriva da raiz que significa “afundar”, “relaxar”, significando assim “fraco”, “flácido”. Em um artigo erudito sobre a derivação e o significado de refaim publicado na American Journal of Semitic Languages and Literature [Revista Americana de Línguas e Literatura Semíticas], Paul Haupt escreve:
“O hebraico refaim denota os que “afundaram” em sua morada invisível, descendo ao Hades assim como o sol se põe para uma morte ardente no oeste; os refaim são aqueles que ‘afundaram’, desvaneceram, desapareceram, faleceram, partiram.
A melhor tradução seria “mortos”.26 A tradução de refaim proposta por Haupt como “falecidos” ou “mortos” se harmoniza bem com o uso do termo nos oito textos onde a palavra ocorre. Façamos uma breve verificação em cada um deles. Em Isaías 14:9, lemos que a descida ao seol pelo rei de Babilônia causou uma agitação: “O além [Seol, ALA], desde o profundo, se turba por ti, para te sair ao encontro na tua chegada; ele, por tua causa, desperta as sombras [refaim] e todos os príncipes da terra e faz levantar dos seus tronos a todos os reis das nações.” (ARA) Aqui refaim poderia muito bem ser traduzido como “falecidos” ou “mortos”, uma vez que somos informados de que eles são “despertados” para encontrar o rei. A implicação é que eles estavam dormindo, um eufemismo comum para a morte na Bíblia. Espíritos desencarnados não precisam ser “despertados” do sono. O escárnio “Tu também estás fraco como nós” (Isa. 14:10) não significa necessariamente “Tu te tornaste um espírito desencarnado como nós”. Mais provavelmente é “Tu estás morto como nós”.
Este versículo é comumente usado para definir o significado de refaim como “sombras” fracas porque se supõe que elas sejam apenas espíritos desencarnados. Mas a fraqueza delas decorre do fato de que estão mortas, não desencarnadas. No Antigo Testamento, os mortos são fracos porque sua alma ou vitalidade se foi. Como Johannes Pedersen afirma concisamente: “O morto é uma alma sem força. Portanto, os mortos são chamados de ‘fracos’ – refaim (Isa. 14:10).”27
Refaim e os Mortos
A conexão entre os mortos e os refaim é explícita em Isaías 26:14, onde o profeta contrasta o Deus eterno com os governantes terrenos, dizendo dos últimos: “Mortos não tornarão a viver, sombras [refaim] não ressuscitam; por isso, os castigaste, e destruíste, e lhes fizeste perecer toda a memória.” O paralelismo sugere que os refaim e os mortos são os mesmos. Além disso, diz que os refaim “não ressuscitam”. A implicação é que estes refaim, ou seja, regentes ímpios mortos, não serão ressuscitados para a vida.
Os refaim são mencionados de novo no versículo 19, onde o profeta fala da ressurreição do povo de Deus: “Os teus mortos viverão, os seus corpos ressuscitarão; despertai e exultai, vós que habitais no pó; porque o teu orvalho é orvalho de luz, e sobre a terra das sombras [refaim] fá-lo-ás cair.” (Isa. 26:19, ALA).
John Cooper usa este texto para argumentar que os refaim são os espíritos dos mortos que se reunirão com seus corpos na ressurreição.28 Cooper escreve:
“Altamente significativo para a nossa investigação é o fato de que o termo para os falecidos tanto no v. 14b como no v. 19d é refaim, a palavra usada em Isaías 14 e em todo o Antigo Testamento para designar os moradores no Seol. Então, aqui temos uma ligação inequívoca entre a futura ressurreição corporal e os habitantes do reino inferior dos mortos. No grande dia do Senhor, os refaim serão reunidos com seus corpos, reconstituídos a partir do pó, e viverão novamente como o povo do Senhor.”29
Existem três grandes problemas com esta interpretação categórica. Primeiro, ele ignora que o texto hebraico é problemático, conforme indicado pelas traduções conflitantes. Cooper usa a tradução da NIV, que diz: “A terra dará à luz aos seus mortos [refaim]”. (Aliás, “dar à luz” aos refaim dificilmente apoia a noção de que estes são espíritos vivos, conscientes e desencarnados). Além disso, outras traduções vertem o versículo de maneira diferente.
Por exemplo, a ARC diz: “A terra lançará de si os mortos [refaim]”. O lançamento dos mortos da Terra dificilmente sugere a reunificação de espíritos desencarnados com seus corpos ressuscitados. A ALA diz: “o teu orvalho é orvalho de luz, e sobre a terra das sombras [refaim] fá-lo-ás cair.” A queda do orvalho nos refaim dificilmente pode ser explicado como representando os espíritos reunidos com seus corpos.
Em segundo lugar, ainda que o versículo se refira à ressurreição dos refaim em virtude do paralelismo com os mortos que “ressuscitarão”, não há indicações em parte alguma do trecho de que os refaim sejam espíritos desencarnados que serão reunidos aos seus corpos na ressurreição. Em parte alguma a Bíblia fala da ressurreição como a reunificação do corpo com o espírito ou a alma. Este cenário deriva do dualismo platônico, e não do holismo bíblico. Conforme é mostrado no capítulo 7, na Bíblia a ressurreição é a restauração da vida da pessoa completa, corpo e alma.
Em terceiro lugar, o paralelismo estrutural do versículo no qual os “mortos”, os “habitantes do pó” e os refaim são usados como sinônimos, sugere que os três são essencialmente os mesmos, ou seja, os mortos. Assim, os refaim são os mortos que habitam no pó, não espíritos desencarnados que flutuam no mundo inferior.
O mesmo paralelismo entre morte e refaim ocorre no Salmo 88:10: “Farás maravilhas pelos mortos? As sombras [refaim] se levantarão para te louvar?” Aqui, os refaim são paralelizados com os mortos e se declara que eles são incapazes de louvar a Deus. Por quê? Simplesmente porque “os mortos não louvam ao Senhor, nem os que descem ao silêncio.” (Salmos 115:17). O paralelismo entre morte e refaim ocorre novamente em Provérbios 2:18 e 9:18. Falando da prostituta, o sábio diz: “A casa dela conduz para a morte, e suas trilhas levam para o reino das sombras [refaim]” (Prov. 2:18). É evidente que a casa da prostituta não leva ao mundo dos espíritos, e sim à morte, como é indicado pelo paralelismo.
Por fim, Jó 26:5 personifica os refaim, dizendo que, diante de Deus, “As sombras [refaim] tremem debaixo da terra, as águas e seus habitantes estão com medo.” (BJ). Aqui estamos lidando com uma linguagem altamente figurativa onde tanto os vivos como os mortos tremem diante de Deus. Isto também é evidente a partir do versículo seguinte, que diz: “O Seol está nu perante Deus, e não há coberta para o Abadom [destruição].” O objetivo de todos estes cenários é simplesmente transmitir o pensamento de que nenhuma criatura viva ou morta pode escapar da onipresença e da onipotência de Deus.
À luz da análise anterior, podemos concluir junto com Basil Atkinson que “não há nada em qualquer das ocorrências que nos obrigue a aplicar o significado de “sombras” à palavra [refaim], e não parece razoável forçar tal significado a ela em face do testemunho combinado e consistente do restantes das Escrituras.”30
A Médium de Endor
A discussão anterior sobre o seol fornece um contexto apropriado para discutir a única descrição completa que se encontra na Bíblia de se comunicar com um espírito no seol. Resumidamente, a história é a seguinte: Quando Saul não conseguia receber orientação para o futuro de Deus através dos canais dos sonhos, Urim e os profetas (1 Sam 28:6), procurou em desespero uma mulher que era médium em Endor, para convocar-lhe o espírito do falecido Samuel (1 Sam 28:7).
Disfarçando-se para evitar ser reconhecido, Saul veio à mulher de noite e pediu-lhe que chamasse o profeta falecido para obter informação para ele (1 Sam 28:8). Quando ela objetou com base na proibição real contra a necromancia (1 Sam 28:3), Saul jurou que nenhum mal seria causado a ela e insistiu em que ela chamasse Samuel (1 Sam 28:9-10). Ela obedeceu e disse a Saul: “Vejo um deus [elohim] subindo da terra” (1 Sam 28:13). Ela descreveu a Saul o que viu, ou seja, um homem idoso “envolto num manto” (1 Sam 28:14).
À base da descrição do médium, Saul concluiu que era Samuel e pôs-se a perguntar-lhe o que deveria fazer em face da iminente derrota para os filisteus. O espírito, representando o papel de Samuel, primeiro repreendeu Saul por inquietá-lo quando o Senhor havia se afastado do rei. Daí ele profetizou contra Saul como se fosse o Senhor. Ameaçadoramente, o espírito anunciou a condenação de Saul:
“Amanhã você e seus filhos estarão comigo” (1 Sam 28:19; 1 Crônicas 10:13, 14). Então o espírito voltou para o lugar de onde viera.
Importância da História
Os dualistas encontram nesta história uma das provas bíblicas mais claras da sobrevivência da alma à morte. John Cooper, por exemplo, deriva desta história quatro conclusões principais sobre o conceito do Antigo Testamento acerca do estado dos mortos. Ele escreve: “Primeiro, está claro que existe uma continuidade de identidade pessoal entre os vivos e os mortos. Em outras palavras, o Samuel morto ainda é Samuel, não alguém ou outra coisa…
Em segundo lugar, embora esta seja uma ocorrência muito incomum, Samuel é, de qualquer maneira, um residente típico do Seol. Pois ele espera que Saul e seus filhos se juntem a ele.
… Em terceiro lugar, embora ele queira dizer que estava descansando, ainda era possível para ele “despertar” e se envolver em vários atos de comunicação consciente.
… Em quarto lugar, Samuel é um “fantasma” ou “sombra”, não uma alma platônica ou mente cartesiana… Seu cadáver estava enterrado em Ramá (1 Sam 28:3), mas ele estava no Seol e apareceu em Endor em forma corporal”.31 Na mesma linha, Robert Morey sustenta que esta história mostra que “Israel acreditava em uma vida após a vida consciente. Embora eles estivessem proibidos de se envolver em sessões espíritas, eles não acreditavam que o homem se extinguia na morte.”32
Essas tentativas de utilizar o aparecimento “fantasmagórico” de “Samuel” atendendo ao chamado de uma médium para provar a existência consciente de almas desencarnadas após a morte ignoram cinco considerações importantes. Em primeiro lugar, ignora o ensino definido das Escrituras sobre a natureza do homem e a natureza da morte que já examinamos minuciosamente. O conceito holístico bíblico da natureza humana prevê a cessação da vida para a pessoa completa na morte e, assim, impossibilita a existência consciente de almas desencarnadas.
Em segundo lugar, ignora a advertência solene contra a consulta de “espíritos familiares” (Lev 19:31; 8:19), uma transgressão que era punida com a morte (Lev 20:6, 27). De fato, o próprio “Saul morreu por ter sido infiel a Javé: não seguiu a ordem de Javé e foi consultar uma mulher que invocava os mortos, em vez de consultar a Javé.” (1 Crônicas 10:13, 14). A razão pela qual se aplicava a pena de morte a quem consultasse “espíritos familiares” é que estes eram “espíritos malignos”, ou anjos caídos personificando os mortos. Tal prática finalmente levaria as pessoas a adorar o Diabo em vez de Deus.
Dificilmente Deus poderia prescrever a pena de morte por se comunicar com os espíritos de entes queridos falecidos, se tais espíritos existissem e se essa comunicação fosse possível. Não existe razão moral para que Deus proscreva a dor da morte, o desejo humano de se comunicar com os entes queridos falecidos. O problema é que essa comunicação é impossível, porque os mortos estão inconscientes e não se comunicam com os vivos. Qualquer comunicação que ocorra não é com o espírito dos mortos, e sim com espíritos malignos. Isto é sugerido também pela declaração da médium: “Vejo um deus [elohim] subir da Terra” (1 Sam 28:13). A palavra plural elohim é usada na Bíblia não só para o Deus verdadeiro, mas também para deuses falsos (Gênesis 35:2; Exo. 12:12; 20:3). O que a médium viu foi um falso deus ou espírito maligno personificando Samuel.
Em terceiro lugar, essa interpretação pressupõe que o Senhor falaria com Saul por meio duma médium, uma prática que Ele havia proibido, depois de ter se recusado a comunicar-se com Saul por meios legítimos (1 Sam 28:6). Uma comunicação de Samuel, falando como profeta, seria indiretamente uma comunicação de Deus. Entretanto, a Bíblia declara expressamente que o Senhor se recusou a se comunicar com Saul (1 Sam 28:6).
Em quarto lugar, ignora a fantástica dificuldade de supor que um espírito dos mortos possa aparecer como “um homem idoso… envolto num manto” (1 Sam 28:14). Se os espíritos dos mortos fossem almas desencarnadas, eles obviamente não precisariam estar vestidos com roupa.
Em quinto lugar, ignora as implicações da pretensa predição: “Amanhã você e seus filhos estarão comigo” (1 Sam 28:19). Onde foi este encontro entre o rei e o simulador de Samuel? Foi no seol, como sugere Cooper? Se isto fosse verdade, significaria que os profetas de Deus e os reis apóstatas compartilhavam os mesmos aposentos após a morte. Isto é contrário à crença popular de que, na morte, os salvos vão para o céu e os condenados descem ao inferno-seol. Além disso, se Samuel estivesse no céu, o imitador do espírito de Samuel teria dito: “Por que você me fez descer?” Mas ele disse: “Por que você me fez subir?” (1 Sam 28:15). Será que a localização dos salvos mudou com o tempo do seol sob a terra para o céu acima da terra?
Reflexões como estas nos dão motivos para acreditar que a sessão espírita que ocorreu em Endor não apoia de modo algum o conceito da existência consciente das almas desencarnadas após a morte. É evidente que não foi o espírito de Samuel que se comunicou com Saul.
Muito provavelmente, um demônio personificou o falecido Samuel, como acontece em muitas sessões espíritas hoje. As Escrituras revelam que Satanás e seus anjos têm a capacidade de mudar sua aparência e se comunicar com os seres humanos (veja Mateus 4:1-11; 2 Cor 11,13,14). A história do aparecimento “fantasmagórico” de Samuel em Endor nos diz muito pouco sobre a existência consciente após a morte, mas revela muito sobre os enganos inteligentes de Satanás. Isso nos mostra que Satanás tem sido muito bem sucedido na promoção da mentira, “Você não morrerá”, usando meios sofisticados, tais como a personificação dos mortos pelos espíritos malignos dele.
Conclusão
Nosso estudo da palavra hebraica para “o reino dos mortos” – seol, mostra que nenhum dos textos que examinamos sugere que o seol seja o lugar da punição para os ímpios ou um lugar de existência consciente para as almas ou espíritos dos mortos. O reino dos mortos é de inconsciência, inatividade e sono que continua até o dia da ressurreição.
Da mesma forma, a palavra refaim, que geralmente é traduzida como “fracos” ou “sombras”, não denota espíritos desencarnados que flutuam no mundo inferior, e sim os mortos que habitam no pó. Descobrimos que os mortos são chamados de “fracos – refaim” (Isa. 14:10) porque estão desprovidos de força. A história do aparecimento “fantasmagórico” de Samuel em Endor nos diz muito pouco sobre a existência consciente após a morte, porque o que a médium viu foi um deus falso (elohim – um deus – 1 Sam 28:13) ou espírito maligno personificando Samuel, e não a alma do profeta.
PARTE II: A CONDIÇÃO DOS MORTOS NO NOVO TESTAMENTO
O Novo Testamento diz muito pouco sobre a condição dos mortos durante o período intermediário entre o sono deles e o seu despertar no dia da ressurreição. Devemos concordar com o G. C. Berkouwer que o que o Novo Testamento nos diz sobre o estado intermediário não é mais do que um sussurro.33 A preocupação primária do Novo Testamento é com os eventos que marcam a transição desta era para a Era Vindoura: o retorno de Cristo e a ressurreição dos mortos.
Nossa principal fonte de informação para o conceito do Novo Testamento sobre o estado dos mortos são as 11 referências a hades (que é o equivalente em grego do hebraico seol) e 5 trechos comumente citados em apoio à crença na existência consciente da alma após a morte. os 5 trechos são: (1) Lucas 16:19-31, onde encontramos a parábola do Homem Rico e Lázaro; (2) Lucas 23:42, 43, que relata a conversa entre Jesus e o ladrão na cruz; (3) Filipenses 1:23, onde Paulo fala de seu ‘desejo de partir e estar com Cristo’; (4) 2 Coríntios 5:1-10, onde Paulo usa o cenário das casas terrenas/celestiais e das condições estar nu/vestido para expressar seu desejo de “estar longe do corpo e em casa com o Senhor” (2 Cor 5:8); e (5) Apocalipse 6:9-11 que menciona as almas dos mártires sob o altar que clamam a Deus para que vingue seu sangue. Examinaremos cada um dos trechos acima, na ordem em que foram citados.
O Significado e a Natureza do Hades
A palavra grega hades entrou no uso bíblico quando os tradutores da Septuaginta a escolheram para verter o hebraico seol. O problema é que hades era usado no mundo grego de uma maneira muito diferente de seol. Enquanto o seol no Antigo Testamento é o reino dos mortos, onde, como vimos, o falecido está em um estado inconsciente, o hades na mitologia grega é o mundo inferior, onde as almas conscientes dos mortos estão divididas em duas regiões principais, um lugar de tormento e outro de bem-aventurança.
Edward Fudge oferece esta descrição concisa da concepção grega de hades: “Na mitologia grega, Hades era o deus do mundo inferior, e daí o nome do próprio mundo inferior. Caronte transportava as almas dos mortos pelos rios Estige ou Aqueronte para dentro da morada dele, onde o guarda Cérbero vigiava o portão para que ninguém escapasse. O mito pagão continha todos os elementos da escatologia medieval: havia o agradável Elísio, o sombrio e miserável Tártaro, e até os Campos de Asfódelos, onde podiam vagar os fantasmas que não se enquadravam em nenhum dos anteriores. Reinando ao lado do deus estava sua rainha Prosérpina (ou Perséfone), a quem ele tinha raptado do mundo acima.”34
Durante o período intertestamental, esta concepção grega do hades influenciou os judeus helenísticos a adotar a crença na imortalidade da alma e na ideia de uma separação espacial no mundo inferior entre os justos e os ímpios. As almas dos justos seguiam para a felicidade celestial imediatamente após a morte, para aguardar a ressurreição, enquanto as almas dos ímpios iam para um lugar de tormento no hades.35 A aceitação popular desse cenário reflete-se na parábola do Homem Rico e Lázaro, que será examinada em breve.
Este conceito de hades como um lugar de tormento para os ímpios por fim entrou na Igreja Cristã e influenciou até mesmo tradutores da Bíblia. Vale ressaltar que a palavra hades, que ocorre 11 vezes no Novo Testamento, é traduzida na KJV 10 vezes como “inferno”36 e 1 vez como “sepultura”37 [N.T: Na ACR a palavra é traduzida como “inferno” nas 11 ocorrências]. A TB translitera a palavra como “Hades”. A tradução de hades como “inferno” é imprecisa e enganosa, porque, com exceção de Lucas 16:23, o termo se refere ao túmulo ou ao reino dos mortos, não a um lugar de punição.
O último é designado como geena, um termo que também ocorre 11 vezes no Novo Testamento38 e é adequadamente traduzido como “inferno”, uma vez que se refere ao lago de fogo, o lugar da destruição para os condenados. Hades, por outro lado, é usado no Novo Testamento como o equivalente fixo de seol, o reino dos mortos ou o túmulo.
Jesus e o Hades
Nos Evangelhos, Jesus se refere ao hades três vezes.
O primeiro uso de hades encontra-se em Mateus 11:23, onde Jesus repreende Cafarnaum, dizendo: “Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até o céu? descerás até o Hades” (compare com Lucas 10:15). Hades aqui, assim como o seol no Antigo Testamento (Amós 9:2-3; Jó 11:7-9), denota o lugar mais profundo do universo, assim como o céu é o mais alto. Isto significa que Cafarnaum será humilhada por ser levada para o reino dos mortos, o lugar mais profundo do universo.
O segundo uso de hades no ensinamento de Jesus ocorre na parábola do Rico e Lázaro (Lucas 16:23). Deveremos retornar a esta em breve. O terceiro uso encontra-se em Mateus 16:18, onde Jesus expressa sua confiança de que “as portas do Hades não prevalecerão” contra sua igreja. O significado da frase “as portas do Hades” é iluminado pelo uso da mesma expressão no Antigo Testamento e na literatura judaica (3 Mac 5:51; Sab. de Salomão 16:13) como um sinônimo de morte. Por exemplo, perguntou-se retoricamente a Jó: “Porventura te foram reveladas as portas da morte? Ou viste as portas da sombra da morte?” (Jó 38:17, compare com Isa. 38:18). O mundo subterrâneo foi retratado como fechado com penhascos, onde os mortos estavam presos. Assim, o que Jesus quis dizer com “as portas do Hades” é que a morte não prevalecerá contra sua igreja, obviamente porque ele tinha ganhado a vitória sobre a morte.
Como todos os mortos, Jesus foi para hades, isto é, para o túmulo, mas ao contrário do restante ele foi vitorioso sobre a morte. “Porque não deixarás a minha alma no Hades, Nem permitirás que o teu Santo veja a corrupção.” (Atos 2:27, comp. com 2:31). Aqui hades é o túmulo onde o corpo de Cristo descansou por apenas três dias e, consequentemente, não ‘viu a corrupção’, o processo de decomposição resultante de um sepultamento prolongado. Devido à vitória dele sobre a morte, o hades – a sepultura é um inimigo derrotado. Assim, Paulo exclama: “Ó morte, onde está o teu aguilhão? Ó túmulo [hades] onde está a tua vitória?” (1 Cor 15:55, KJV). Aqui hades é corretamente traduzido como “túmulo” na KJV, pois o túmulo está em paralelo com a morte. [N.T.: Compare com Ose. 13:14]
Cristo agora detém as chaves da “morte e do Hades” (Apo. 1:18). Ele tem poder sobre a morte e a sepultura. Isto permite que ele desbloqueie os túmulos e chame os santos para a vida eterna em sua vinda. Em todos esses trechos, o hades é consistentemente associado à morte, porque é o lugar de descanso dos mortos, o túmulo. O mesmo é verdade em Apocalipse 6:8, onde o cavalo pálido tinha um cavaleiro que “chamava-se Morte; e o hades seguia com ele”. O motivo de “Hades” seguir a “Morte” é obviamente porque hades, como sepultura, recebe os mortos.
Ao fim do Milênio, a “Morte” e o Hades” entregarão os seus mortos (Apo. 20:13) e “então, a morte e o Hades foram atirados no lago de fogo. Esta é a segunda morte: o lago de fogo!” (Apo. 20:14). Estes dois versículos são significativos. Em primeiro lugar, porque eles nos dizem que por fim o hades entregará os mortos, o que indica novamente que hades é o reino dos mortos. Em segundo lugar, eles nos informam que ao final, o próprio hades será lançado no lago de fogo. Por meio deste cenário interessante, a Bíblia nos assegura que, no fim, a morte e a sepultura serão eliminadas. Esta será a morte da morte, ou, como diz o Apocalipse, “a segunda morte”.
Este breve levantamento sobre o uso de hades no Novo Testamento mostra claramente que seu significado e uso são consistentes com o uso de seol no Antigo Testamento. Ambos os termos denotam o túmulo ou o reino dos mortos e não o lugar da punição dos ímpios.39
O Rico e Lázaro
A palavra hades também ocorre na parábola do homem rico e Lázaro, mas com um significado diferente. Enquanto nas 10 referências que acabamos de examinar hades se refere ao túmulo ou ao reino dos mortos, na parábola do homem rico e Lázaro, denota o lugar do castigo para os ímpios (Lucas 16:23). O motivo desse uso excepcional será explicado em breve. Obviamente, os dualistas fazem grande uso desta parábola para apoiar a noção de existência consciente de almas desencarnadas durante o estado intermediário (Lucas 16:19-31). Devido à importância atribuída a esta parábola, é necessário examiná-la com atenção.
Primeiramente, vejamos os principais pontos da história. Lázaro e o rico morrem. Suas situações na vida agora são invertidas após sua morte. Pois, quando Lázaro morreu, ele “foi levado pelos anjos para o seio de Abraão” (Lucas 16:22), enquanto o homem rico foi levado para o hades onde ele foi atormentado por chamas ardentes (Lucas 16:23). Embora um grande abismo os separasse, o homem rico podia ver Lázaro ao seio de Abraão. Então ele implorou a Abraão que enviasse Lázaro com duas incumbências: a primeira, ‘molhar em água a ponta do dedo e refrescar-lhe a língua’ (Lucas 16:24) e a segunda, enviar Lázaro para alertar os membros da sua família para se arrependerem para não sofrerem o mesmo castigo.
Abraão negou ambos os pedidos por dois motivos. O primeiro, porque havia um grande abismo que tornava impossível que Lázaro cruzasse para ajudá-lo (Lucas 16:26); o segundo, porque se os membros da família dele ‘não davam ouvidos nem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditariam, ainda que alguém ressuscitasse dentre os mortos.’ (Lucas 16:31).
Antes de verificar a parábola, precisamos lembrar que, ao contrário de uma alegoria como Pilgrim’s Progress [John Bunyan, Londres, Inglaterra, 1678. Em português: O Peregrino], onde todos os detalhes contam, os detalhes de uma parábola não têm necessariamente qualquer significado em si mesmos, exceto como “suportes” para a estória. Uma parábola é projetada para ensinar uma verdade fundamental, e os detalhes não têm um significado literal, a menos que o contexto indique o contrário. Desse princípio surge outro, a saber, só o ensino fundamental de uma parábola, confirmado pelo teor geral das Escrituras, pode ser legitimamente usado para definir doutrina.
Infelizmente, esses dois princípios fundamentais são ignorados pelos que desejam usar os detalhes de uma parábola para apoiar seus conceitos. Por exemplo, Robert Peterson extrai uma lição de cada um dos principais personagens da parábola. “Primeiro, assim como Lázaro, aqueles a quem Deus ajuda serão levados após sua morte à presença de Deus… Em segundo lugar, assim como o homem rico, o impenitente sofrerá um julgamento irreversível. Os perversos também sobrevivem à morte, apenas para suportar “tormento” e “agonia”… Em terceiro lugar, por meio das Escrituras, Deus revela a si mesmo e sua vontade para que ninguém que negligencie isso possa protestar legitimamente contra o destino posterior.”40
A tentativa de Peterson de tirar três lições da parábola ignora o fato de que a principal lição dela é dada na última linha: “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite.” (Lucas 16:31). Esta é a principal lição da parábola, ou seja, nada ou ninguém pode substituir o poder de convicção da revelação que Deus nos deu em Sua Palavra. Interpretar Lázaro e o rico, como representando o que acontecerá com os salvos e os não salvos imediatamente após a morte, significa tirar da parábola lições alheias à sua intenção original.
Os Problemas de uma Interpretação Literal
Os que interpretam a parábola como uma representação literal da condição dos salvos e não salvos após a morte enfrentam problemas insuperáveis. Se a narrativa é uma descrição real do estado intermediário, então ela deve ser verdade no fato e consistente nos detalhes. Mas se a parábola é figurativa, então só a verdade moral a transmitir deve nos preocupar. Uma interpretação literal da narrativa quebra-se sob o peso de seus próprios absurdos e contradições, como se torna evidente sob escrutínio.
Os contendedores pelo literalismo supõem que o homem rico e Lázaro eram espíritos desencarnados, destituídos de corpos. No entanto, o homem rico é descrito como tendo “olhos” que veem e uma “língua” que fala, além de buscar alívio do “dedo” de Lázaro – todas partes reais do corpo. Eles são retratados como existentes fisicamente, apesar do fato de que o corpo do rico estava devidamente enterrado no túmulo. Teria sido seu corpo levado para o hades junto com a alma por engano?
Um abismo separa Lázaro no céu (o seio de Abraão) do homem rico no hades. O abismo é muito amplo para qualquer um atravessar e ainda assim estreito o suficiente para permitir que eles conversem. Tomado literalmente, isso significa que o Céu e o Inferno estão dentro da distância geográfica da visão e da fala, de maneira que os santos e os pecadores possam se ver e se comunicar entre si eternamente.
Reflitamos por um momento no caso dos pais no céu, vendo seus filhos agonizantes no hades por toda a eternidade. Não destruiria essa visão a própria alegria e paz do céu? É impensável que os salvos vejam e conversem com seus entes queridos não salvos por toda a eternidade através de um abismo divisório.
Conflito Com Verdades Bíblicas
Uma interpretação literal da parábola contradiz algumas verdades bíblicas fundamentais. Se a narrativa é literal, então Lázaro recebeu sua recompensa e o homem rico sua punição imediatamente após a morte e antes do dia do julgamento. Mas a Bíblia ensina claramente que as recompensas e as punições, bem como a separação entre os salvos e os não salvos, ocorrerão no dia da vinda de Cristo: “Quando vier o Filho do Homem na sua majestade… todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros.” (Mateus 25:31-32). “Eis que cedo venho e está comigo a minha recompensa, para retribuir a cada um segundo a sua obra.” (Apo. 22:12). Paulo esperava receber “a coroa da justiça” no dia do aparecimento de Cristo (2 Tim. 4:8).
Uma interpretação literal da parábola também contradiz o testemunho uniforme do Antigo e do Novo Testamento de que os mortos, justos e ímpios, ficam em silêncio e inconscientes na morte até o dia da ressurreição (Ecle. 9:5-6; Jó 14:12-15, 20, 21; Sal. 6:5; 115:17). Uma interpretação literal também contradiz o uso consistente de hades no Novo Testamento para denotar o túmulo ou o reino dos mortos, não um lugar de castigo. Descobrimos que em 10 de suas 11 ocorrências, o hades está explicitamente relacionado com a morte e o túmulo. O uso excepcional de hades nesta parábola como um lugar ardente de tormento (Luc. 16:24) deriva, como veremos em breve, não das Escrituras, e sim das crenças judaicas da época, influenciadas pela mitologia grega.
Conceitos Judaicos da Época
Felizmente para a nossa pesquisa, temos escritos judaicos que lançam luz sobre a parábola do rico e Lázaro.
Especialmente revelador é o “Discurso aos Gregos Sobre o Hades”, escrito por Josefo, o famoso historiador judeu que viveu durante os tempos do Novo Testamento (ele morreu por volta de 100 DC). Seu discurso é bem paralelo com a narrativa do homem rico e Lázaro. Nele, Josefo explica que “Hades é uma região subterrânea onde a luz deste mundo não brilha… Julga-se que esta região é como um lugar de custódia para almas, em que os anjos são designados como guardiões para elas, determinando-lhes punições temporárias, de acordo com o comportamento e as maneiras de cada uma.”41
Josefo ressalta, porém, que o hades é dividido em duas regiões. Uma é “a região da luz”, onde as almas dos justos mortos são levadas pelos anjos ao “lugar a que chamamos de Seio de Abraão”.42 A segunda região está em “escuridão perpétua” e as almas dos ímpios são arrastadas à força “pelos anjos designados para o castigo”.43 Estes anjos arrastam os ímpios “para as proximidades do inferno em si”, para que eles possam ver e sentir o calor das chamas.44 Mas eles não são lançados no próprio inferno até depois do julgamento final. “Um caos profundo e largo é estabelecido entre eles; de modo que um homem justo que tenha compaixão por eles, não pode ser admitido, nem um injusto, se ele fosse ousado o suficiente para tentar, passa por ele.”45
As marcantes semelhanças entre a descrição de Josefo do hades e a parábola do homem rico e Lázaro são evidentes. Em ambos os relatos, temos as duas regiões que separam o justo dos ímpios, o seio de Abraão como a morada dos justos, um grande abismo que não pode ser atravessado, e os habitantes de uma região que podem ver os da outra região.
A descrição que Josefo faz do hades não é única. Descrições semelhantes podem ser encontradas em outra literatura judaica.46 O que isso significa é que Jesus tirou vantagem do entendimento popular da condição dos mortos no hades, não para endossar esses conceitos, e sim para dar base à importância de dar ouvidos nesta vida atual aos ensinamentos de Moisés e dos profetas porque isso determina a bem-aventurança ou a miséria no mundo vindouro.
O Uso de Crenças Correntes Por Parte de Jesus
Neste momento, pode ser apropriado perguntar: “Por que Jesus contou uma parábola baseada em crenças correntes que não representam com precisão a verdade, tal como estabelecido em outras partes das Escrituras e em seus próprios ensinamentos?” A resposta é que Jesus abordava as pessoas em seu próprio território, tirando proveito do que lhes era familiar para ensinar-lhes verdades vitais. Muitos de seus ouvintes passaram a acreditar em um estado consciente de existência entre a morte e a ressurreição, embora tal crença seja alheia às Escrituras. Esta crença errônea foi adotada durante o período intertestamental como parte do processo de helenização do judaísmo e tornou-se parte do judaísmo no tempo de Jesus.
Nesta parábola, Jesus fez uso de uma crença popular, não para endossá-la, e sim para inculcar nas mentes de seus ouvintes uma importante lição espiritual.
Deve-se notar que até na parábola anterior do Mordomo Desonesto (Lucas 16:1-12), Jesus usa uma história que não representa com precisão a verdade bíblica. Em nenhum lugar a Bíblia endossa a prática de um administrador desonesto que reduz pela metade as dívidas pendentes dos credores com o fim de obter alguns benefícios pessoais desses credores. A lição da parábola é “usem as riquezas deste mundo para conseguir amigos” (Lucas 16:9), e não ensinar práticas comerciais desonestas.
John Cooper reconhece que a parábola do rico e Lázaro “não nos diz necessariamente o que Jesus ou Lucas acreditavam sobre a vida após a morte, nem fornece uma base sólida para uma doutrina do estado intermediário. Pois é possível que Jesus simplesmente use cenários populares para estabelecer seu ponto ético. Ele talvez não tenha endossado essas imagens. Ele pode não ter acreditado nelas próprias, porque sabia que elas eram falsas.”47 Daí, Cooper faz a pergunta: “O que este trecho nos diz sobre o estado intermediário?” Ele responde de forma honesta e sem rodeios: “A resposta pode ser, ‘Nada’. O argumento dualista não pode se basear neste texto como um apoio principal”.48 A razão que ele dá é que é muito difícil tirar conclusões com base no cenário da parábola. Por exemplo, Cooper pergunta: “Seremos seres corporais [no estado intermediário]? Será que os abençoados e os malditos poderão se ver?”49
Jesus e o Ladrão na Cruz
A breve conversação entre Jesus e o ladrão arrependido na cruz ao lado dele (Lucas 23:42, 43) é usada pelos dualistas como uma prova importante para a existência consciente dos fiel morto no paraíso antes da ressurreição. Assim, é importante verificar as palavras faladas por Jesus ao ladrão penitente.
Ao contrário do outro criminoso e da maioria da multidão, o ladrão penitente acreditava que Jesus era o Messias. Ele disse: “Jesus, lembre-se de mim quando você entrar em seu reino” (Lucas 23:42). Jesus respondeu-lhe: “Em verdade te digo hoje estarás comigo no paraíso” (Lucas 23:43). Um problema importante na interpretação deste texto é causado pela localização da vírgula, que na maioria das traduções, é colocada antes de “hoje”. Assim, a maioria dos leitores e comentaristas presume que Jesus disse: “Hoje você estará comigo no paraíso.” Essa leitura é interpretada como significando que “naquele mesmo dia”50 o ladrão foi para o paraíso com Cristo.
Entretanto, o texto grego original não tem pontuação e, traduzido literalmente diz: “Em verdade a você digo hoje comigo você estará no paraíso.”
O advérbio “hoje – semeron” está entre o verbo “digo – lego” e “estará – ese”. Isto significa que, gramaticalmente, o advérbio “hoje” pode aplicar-se a qualquer um dos dois verbos. Se ele qualificar o primeiro verbo, então Jesus disse: “Em verdade te digo hoje, você estará comigo no paraíso.”
Os tradutores colocaram a vírgula antes do advérbio “hoje”, não por razões gramaticais, mas pela convicção teológica de que os mortos recebem sua recompensa na morte. Seria desejável que os tradutores se limitassem a traduzir o texto e deixassem a tarefa de interpretação ao leitor.
A questão com a qual nos defrontamos é: Jesus quis dizer “Em verdade te digo hoje…” ou “Hoje você estará comigo no paraíso”? Os que defendem que Jesus quis dizer a segunda frase apelam ao fato de que o advérbio “hoje” não ocorre em parte alguma com a frequentemente usada frase “Em verdade te digo”. Esta é uma observação válida, mas a razão para esta excepcional ligação do advérbio “hoje” à frase “Em verdade te digo” poderia muito bem ser o contexto imediato. O ladrão pediu a Jesus para que se lembrasse dele no futuro, quando ele estabeleceria seu reino messiânico. Mas Jesus respondeu por se lembrar do ladrão penitente imediatamente, “hoje”, assegurando-lhe que ele estaria com ele no paraíso. Esta interpretação é apoiada por três considerações principais: (1) o significado de paraíso no Novo Testamento; (2) o tempo em que os salvos entrarão em sua recompensa no paraíso, e (3) o tempo em que o próprio Jesus retornou ao Paraíso.
O Que é o Paraíso?
A palavra “paraíso – paradeisos” ocorre apenas três vezes no Novo Testamento – duas vezes além desse uso em Lucas 23:43.
Em 2 Coríntios 12:2-4, Paulo relata uma experiência extática de ser “arrebatado ao paraíso”, que ele localiza no “terceiro céu” (2 Cor 12:2). É evidente que, para Paulo, o paraíso está no céu. Em Apocalipse 2:7, o Senhor faz esta promessa: “Ao vencedor eu darei como prêmio comer da árvore da vida que está no paraíso de Deus.” Aqui o paraíso está associado à árvore da vida que, de acordo com para Apocalipse 22:2, será encontrado na Nova Jerusalém: “No meio da sua praça, de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a cura dos povos.” Tudo isso sugere que o paraíso é a habitação eterna dos redimidos no “Jardim do Éden” restaurado.
Portanto, quando Jesus assegurou ao ladrão arrependido um lugar junto com ele no “paraíso”, ele estava se referindo às “muitas mansões” na ‘casa do seu Pai’ e ao tempo em que ele ‘voltaria e os receberia para si mesmo’ (João 14:1-3). Ao longo de Seu ministério, Jesus ensinou que os redimidos entrariam no Reino de seu Pai na sua Vinda: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.” (Mateus 25:34; 16:27). Paulo ensinou a mesma verdade. Na segunda vinda de Cristo, os santos adormecidos serão ressuscitados e os santos vivos serão transferidos, e ‘serão arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e, assim, estarão para sempre com o Senhor.” (1 Tes. 4:17). É nessa época, em seguida à ressurreição dos justos, que o ladrão estará com Jesus no Paraíso.
Quando Jesus Voltou Para o Paraíso?
Os que interpretam a declaração de Cristo ao ladrão como significando que, nesse mesmo dia, o ladrão foi para o paraíso para estar com Cristo, presumem que tanto Jesus como o ladrão ascenderam ao céu imediatamente após a morte deles. Porém, esta conclusão dificilmente pode ser apoiada pelas Escrituras.
As Escrituras ensinam expressamente que, no dia de sua crucificação, Cristo foi para a sepultura – hades. No Pentecostes, Pedro proclamou que, de acordo com a profecia de Davi (Sal. 16:10), Cristo “não foi abandonado no hades, nem a sua carne viu a corrupção”, mas ele foi ressuscitado por Deus (Atos 2:31, 32). O hades, como vimos, está associado consistentemente no Novo Testamento com a sepultura ou o reino dos mortos. A única exceção é Lucas 16:23, onde hades denota um lugar de tormento, não o paraíso. Esse significado deriva de concepções populares judaicas influenciadas pela mitologia grega, e não pelas Escrituras. O que isto significa é que Cristo dificilmente poderia ter dito ao ladrão que no mesmo dia ele estaria com ele no paraíso, quando ele sabia que naquele dia ele estaria descansando na sepultura.
Os que argumentariam que só o corpo de Cristo foi para o túmulo enquanto sua alma ascendeu ao céu ignoram o que Jesus disse a Maria no dia de sua ressurreição: “Não me segure, pois ainda não subi para o meu Pai.” (João 20:17). É evidente que Jesus não esteve no céu durante os três dias de seu sepultamento. Ele estava descansando no túmulo, esperando que o Pai dele o trouxesse de volta à vida. Assim, o ladrão dificilmente poderia ter ido com Jesus para o Paraíso imediatamente após a sua morte, quando o próprio Jesus só ascendeu ao Pai algum tempo depois de sua ressurreição. Para apreciar mais plenamente o significado de estar “com Cristo no paraíso”, vejamos o uso que Paulo fez da frase “estar com Cristo”.
“Partir e Estar Com Cristo”
Ao escrever aos filipenses, Paulo diz: “Desejo partir e estar com Cristo, o que é muito melhor; contudo, é mais necessário, por causa de vocês, que eu permaneça no corpo.” (Fil. 1:22-23). Os dualistas consideram este texto como uma das mais fortes provas de que, por ocasião da morte, a alma dos salvos entra imediatamente na presença de Cristo. Por exemplo, Robert Morey afirma: “Este é o trecho mais claro no Novo Testamento que fala do crente indo estar com Cristo no céu após a morte. Este contexto trata do desejo de Paulo de deixar esta vida terrena para uma vida celestial com Cristo. Não há qualquer menção ou alusão à ressurreição neste trecho.”51
O problema fundamental dessa interpretação é o fato de não se reconhecer que a declaração de Paulo, “Meu desejo é partir e estar com Cristo” é uma afirmação relacional e não antropológica. O que quero dizer com isso é que esta é uma declaração da relação que existe e continua entre o crente e Cristo através da morte, não uma declaração da “condição” do corpo e da alma entre a morte e a ressurreição.
Helmut Thielicke aponta corretamente que o Novo Testamento não se preocupa com uma “condição” que existe entre a morte e a ressurreição, e sim com uma relação que existe entre o crente e Cristo através da morte. Este relacionamento de estar com Cristo não é interrompido pela morte porque o crente que dorme em Cristo não tem consciência da passagem do tempo. Conforme diz Thielicke: “A remoção de um senso de tempo significa para os que são despertados que a longa noite da morte é reduzida a um ponto matemático, e eles são assim convocados para fora da vida completada.”52
As tentativas de extrair da declaração de Paulo o apoio para a crença no trânsito da alma para o céu por ocasião da morte são injustificadas porque, conforme observa com razão Anderson, “Paulo não pensou que a questão do status da pessoa entre a morte e a ressurreição era uma questão que precisasse ser considerada.”53 A razão é que, para Paulo, os que “morrem em Cristo” estão “dormindo em Cristo” (1 Cor. 15:18; 1 Tes. 4:14). A relação deles com Cristo é de imediatismo, porque eles não têm qualquer consciência da passagem do tempo entre sua morte e a ressurreição. Eles experimentam o que pode ser chamado de “tempo eterno”. Porém, para os que continuam vivendo no tempo cronológico ligado à Terra há um intervalo entre a morte e a ressurreição. O problema é que não podemos sincronizar o relógio do tempo eterno com o do nosso tempo cronológico. É a tentativa de fazer isso que levou a especulações e infelizes controvérsias sobre o chamado estado intermediário.
Ao expressar seu desejo de “partir e estar com Cristo”, Paulo não estava fazendo uma exposição doutrinária do que acontece na morte. Ele está simplesmente expressando seu anseio de ver o fim de sua atribulada existência e estar com Cristo. Ao longo dos séculos, cristãos fervorosos expressaram o mesmo desejo, sem necessariamente esperar serem conduzidos à presença de Cristo no momento de sua morte. A declaração de Paulo deve ser interpretada com base nos claros ensinamentos a respeito do tempo em que os crentes se unirão a Cristo.
Com Cristo em Sua Vinda
Paulo aborda esta questão em sua carta aos Tessalonicenses, onde ele explica que tanto os crentes adormecidos como os vivos se unirão a Cristo, não na morte, mas na vinda dele. “… os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois disso, os que estivermos vivos seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre.” (1 Tes. 4:16, 17).54 O “assim” (houtos) refere-se à maneira ou modo como os crentes estarão com Cristo, ou seja, não por morrer, mas por serem ressuscitados ou transferidos por ocasião da vinda dele. Basil Atkinson observa que a palavra “assim”, houtos em grego “significa ‘desta maneira’”. O lugar dela aqui no início da frase a torna enfática, de modo que o significado da sentença se torna: ‘E esta é a maneira como nós estaremos para sempre com o Senhor’, o que significa que não há outra maneira e nos leva a concluir que só estaremos com o Senhor no dia da ressurreição”.55
Deve-se notar que ao descrever a união com Cristo que os crentes experimentarão por ocasião da vinda dele, Paulo jamais fala de almas desencarnadas se reunindo com corpos ressuscitados. Em vez disso, ele fala dos “mortos em Cristo” sendo ressuscitados (1 Tes. 4:16). Obviamente, o que é ressuscitado na vinda de Cristo não são apenas corpos mortos, e sim pessoas mortas. É a pessoa completa que será ressuscitada e reunida com Cristo. Note-se que os santos vivos encontrarão Cristo ao mesmo tempo “juntamente com” os santos ressuscitados (1 Tes. 4:17). Os santos adormecidos e os vivos encontram Cristo “juntos” na vinda dele, não no momento da morte.
A ausência completa de alusão paulina a uma suposta reunião do corpo com a alma no momento da ressurreição constitui, a meu ver, o mais formidável desafio ao conceito de sobrevivência consciente da alma. Se Paulo soubesse alguma coisa sobre isso, certamente teria feito alguma alusão, especialmente em sua consideração detalhada sobre o que acontecerá aos crentes adormecidos e vivos por ocasião da vinda de Cristo (1 Tes. 4:13-18; 1Cor. 15:42-58). O fato de Paulo jamais ter feito alusão à sobrevivência consciente da alma e seu rejuntamento com o corpo na ressurreição mostra claramente que tal conceito era totalmente estranho a ele e às Escrituras como um todo.
G. C. Berkouwer observa corretamente que “os crentes do Novo Testamento não são direcionados para a sua “felicidade particular” de maneira que eles se esqueçam do Reino vindouro, mas eles realmente esperam estar ‘com Cristo’, porque nele eles adquiriram um novo futuro.”56 A esperança escatológica de estar com Cristo não é uma esperança individualista realizada por ocasião da morte por almas desencarnadas, e sim uma esperança corporativa realizada na vinda de Cristo pela ressurreição ou transferência da pessoa completa e de todos os crentes.
O desejo de Paulo de “partir e estar com Cristo” não reflete o desejo de um íntimo ‘entre nous’ [experiência entre nós] no céu, porque a frase está integralmente relacionada com a redenção cósmica no final dos tempos.”57 A dimensão corporativa e cósmica da experiência “com Cristo” é claramente evidente na mesma epístola aos Filipenses, onde Paulo fala repetidamente da consumação da esperança cristã no dia da vinda de Cristo. Ele reafirma aos filipenses que “aquele que começou boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus.” (Fil. 1:6). A conclusão e a consumação da redenção ocorre não por ir estar com Cristo na morte, e sim pelo encontro com Cristo no dia glorioso de vinda dele.
Paulo ora para que os filipenses sejam “puros e irrepreensíveis até o dia de Cristo” (Fil. 1:10). Naquele dia, “pelo poder que o capacita a colocar todas as coisas debaixo do seu domínio, ele [Cristo] transformará os nossos corpos humilhados, para serem semelhantes ao seu corpo glorioso.” (Fil. 3:21). É essa mudança da mortalidade para a imortalidade que possibilita aos crentes estarem com Cristo. É por isso que na mesma epístola Paulo diz que estava “avançando” rumo àquele dia, pois sabia que receberia “o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus.” (Fil. 3:13,14), não por ocasião da morte, e sim no dia glorioso da vinda de Cristo.
“Habitar com o Senhor”
Em 2 Coríntios 5:1-10, Paulo expressa novamente a esperança de estar com Cristo usando várias metáforas marcantes. Este trecho é certamente considerado como o “crux interpretum” [crucial na interpretação], principalmente porque a linguagem figurativa é enigmática e aberta a diferentes interpretações. Infelizmente, muitos intérpretes estão ansiosos para derivar deste trecho, assim como no de Filipenses 1:22-23, definições antropológicas, cronológicas ou cosmológicas precisas da vida após a morte. Todavia, tais preocupações estão muito distantes de Paulo, que está usando a linguagem poética da fé para expressar suas esperanças e temores em relação à vida atual e futura, em vez da linguagem lógica da ciência para explicar a vida após a morte. Tudo isso deveria alertar o intérprete contra ler no trecho alguma coisa que Paulo jamais pretendeu expressar.
O trecho se inicia com a preposição “pois [porque] – gar”, indicando assim que Paulo prossegue do capítulo 4:16-18, onde ele contrasta a natureza temporal e mortal da vida atual que está ‘se desgastando’ (2 Cor 4:16) com a natureza eterna e gloriosa da vida futura, cujo “peso de glória [é] acima de toda comparação” (2 Cor 4:17). Paulo continua no capítulo 5 desenvolvendo o contraste entre temporalidade e eternidade usando o cenário de dois lugares de moradia representativos dessas características.
“Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus. Pois neste tabernáculo nós gememos, desejando muito ser revestidos da nossa habitação que é do céu, se é que, estando vestidos, não formos achados nus. Porque, na verdade, nós, os que estamos neste tabernáculo, gememos oprimidos, porque não queremos ser despidos, mas sim revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida. Ora, quem para isto mesmo nos preparou foi Deus, o qual nos deu como penhor o Espírito.” (2 Cor 5:1-5).
Nesta primeira parte do trecho, Paulo usa dois conjuntos de metáforas contrastantes. Primeiro, ele contrasta “a casa terrestre”, que está sujeita à destruição, com o ‘edifício de Deus, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus”. Daí Paulo destaca esse contraste diferenciando a condição de estar revestido com a habitação celestial da de ser encontrado nu.
A segunda parte, os versículos 6 a 10, é mais direta e contrasta estar presente no corpo e, portanto, longe do Senhor, com estar ausente do corpo e presente com o Senhor. A afirmação-chave ocorre no versículo 8, onde Paulo diz: “Temos bom ânimo, mas desejamos antes estar ausentes deste corpo, para estarmos presentes com o Senhor.”
A enorme variedade de interpretações deste trecho pode ser agrupada em três conceitos principais, cada um deles sendo o resultado direto de algumas pressuposições.
A história da interpretação de 2 Coríntios 5:1-10 mostra claramente o quanto a exegese e a interpretação são influenciadas por pressuposições. Apresentamos e avaliamos de maneira breve cada um dos três conceitos principais que podem ser chamados: (1) o estado intermediário, (2) a ressurreição do corpo após a morte, e (3) a ressurreição do corpo por ocasião da vinda de Cristo.
O Estado Intermediário
A maioria dos eruditos no passado e no presente sustentam que neste trecho Paulo descreve a existência do crente no céu com Cristo durante o estado intermediário entre a morte e a ressurreição.58 Resumidamente, esta interpretação é a seguinte: A casa e a vestimenta atuais são a existência terrena. Ser despido representa morrer e o resultante estado de nudez significa a existência desencarnada da alma durante o estado intermediário. O edifício que temos no céu representa, para alguns, o corpo que será religado à alma na ressurreição, enquanto para outros, é a própria alma que habita no céu.
Robert Morey defende o último conceito, dizendo: “Onde nas Escrituras somos informados que o nosso corpo da ressurreição já está criado e espera por nós no céu? A única resposta racional é que Paulo está falando da morada da alma no céu.”59 Com base nestes versículos, Morey argumenta que “O lugar de morada [da alma] enquanto a pessoa está viva é na terra, enquanto que o lugar de morada após a morte é no céu.”60
Existem três problemas principais com a interpretação deste trecho como descrevendo o estado intermediário. Em primeiro lugar, ela ignora que o contraste entre o edifício celestial e a casa terrestre é espacial e não temporal. Com isso queremos dizer que Paulo está contrastando o modo celestial de existência com o modo terrestre de existência. Ele não está discutindo o estado desencarnado da alma entre a morte e a ressurreição. Ora, se o apóstolo esperava estar com Cristo na morte em sua alma desencarnada, não teria ele feito referência a isto neste contexto? Não teria ele dito: ‘Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, estaremos com nossas almas na presença de Deus nos céus’? Contudo, em todos os seus escritos, Paulo jamais faz referência à sobrevivência e à existência da alma na presença de Cristo. Por quê? Simplesmente porque esse conceito era estranho a Paulo e às Escrituras.
Em segundo lugar, se o estado de nudez é a existência desencarnada da alma na presença de Cristo durante o estado intermediário, por que Paulo retrocede diante do pensamento de ser “encontrado nu” (2 Cor. 5:3)? Afinal, isso teria cumprido seu ardente desejo de “habitar com o Senhor” (2 Cor 5:8). O fato é que o conceito de nudez como o estado da alma despojada do corpo é encontrado nos escritos de Platão e Filo61, mas não nos escritos de Paulo.
Em terceiro, se o edifício celestial é “a morada da alma no céu”, então os crentes devem ter duas almas, uma na terra e outra no céu porque Paulo diz que “temos de Deus um edifício”. O tempo presente indica uma possessão presente. Como é que a alma do crente pode estar no céu com Cristo e na terra com o corpo ao mesmo tempo?
Um Corpo da Ressurreição Após a Morte
Muitos eruditos argumentam que o edifício celestial é o corpo ressuscitado, que os crentes recebem imediatamente após a morte.62 Alegadamente, Paulo ensina que a vida no corpo terrestre, que é representado pela “casa terrestre” (2 Cor 5:1, 4), é imediatamente seguido pela aquisição do corpo da ressurreição, representado pela “casa não feita por mãos, eterna, nos céus” (2 Cor 5:1). Assim, supõe-se que Paulo rejeita completamente uma condição incorpórea intermediária de “estar nu” ou “despojado” (2 Cor 5:3-4). Este conceito baseia-se na premissa de que, durante o intervalo entre a escrita de 1 e 2 Coríntios, Paulo teve alguns confrontos diretos com a morte que o levaram a abandonar sua esperança anterior de sobreviver à Parousia e passou a crer, em vez disso, que os crentes recebem seus corpos da ressurreição no momento da morte.63
Um problema fundamental com esta interpretação é a suposição de que Paulo nos últimos anos abandonou a esperança da ressurreição na Parousia em favor de uma ressurreição imediata na morte. Se isso fosse verdade, os cristãos enfrentariam o dilema de não saber em que Paulo deveriam crer: no mais recente ou no Paulo anterior? Felizmente, esse dilema não existe porque Paulo jamais mudou seu conceito sobre o momento da ressurreição. Isto é indicado pelo contexto imediato do trecho em consideração, que menciona especificamente a ressurreição na Parousia: “Porque sabemos que aquele que ressuscitou ao Senhor Jesus dentre os mortos, também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará com vocês.” (2 Cor 4:14). Paulo dificilmente poderia ter afirmado com mais clareza que Cristo nos levantará e nos levará à sua presença na vinda dele e não na morte.
Se Paulo tivesse modificado seus conceitos sobre o momento da ressurreição desde que escreveu 1 Coríntios 15, é duvidoso que ele tivesse dito “sabemos” (2 Cor 5:1), o que implica um ensinamento conhecido. Ademais, mesmo em seus escritos posteriores, Paulo vincula explicitamente a ressurreição com o retorno glorioso de Cristo (Rom. 8: 22-25, Fil. 3:20-21). É difícil acreditar que Paulo teria alterado sua escatologia duas vezes.
O Corpo da Ressurreição Por Ocasião da Parousia
Nos últimos anos, vários eruditos têm defendido o conceito de que o edifício celestial é o “corpo espiritual” dado aos crentes na época da vinda de Cristo.64 Há, de fato, elementos neste trecho que apoiam esse ponto de vista. Por exemplo, a ideia de se revestir da morada celestial (2Cor. 5:2) e a afirmação de que, quando estivermos revestidos mais adiante, o mortal será absorvido pela vida (2 Cor. 5:4).
Estas declarações são surpreendentemente semelhantes ao cenário encontrado em 1 Coríntios 15:53, onde Paulo discute a mudança que os crentes experimentarão na vinda de Cristo: “Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de imortalidade.”
Os proponentes desse conceito protestam, com razão, contra uma escatologia do céu que se concentra na felicidade individual experimentada imediatamente após a morte. O argumento mais forte deles é que “se Paulo esperava receber o corpo espiritual de uma vez [por ocasião da morte], então uma ressurreição no Último Dia não seria mais necessária.”65
Declarado de maneira simples, os proponentes deste conceito interpretam as metáforas de Paulo da seguinte maneira: Enquanto vivemos nesta terra estamos vestidos com a “casa terrestre” de nosso corpo mortal. Na morte nós somos “despidos” quando nossos corpos são “destruídos” no túmulo. Na vinda de Cristo, “vestiremos a habitação celestial” trocando nossos corpos mortais pelos gloriosos corpos imortais.
No geral, nós nos inclinamos para esta interpretação. Todavia, há uma fraqueza principal em todas as três interpretações, ou seja, elas interpretam o trecho, concentrando-se principalmente no corpo, seja o “corpo espiritual” dado aos crentes individuais por ocasião da morte, ou a todos os crentes juntos na vinda de Cristo. Mas Paulo aqui não está tentando definir o estado do corpo antes da morte, no momento da morte ou na vinda de Cristo, e sim dois diferentes modos de existência.
Os Modos de Existência Celestial e Terrestre
Depois de reler o trecho inúmeras vezes, sinto que a principal preocupação de Paulo não é definir o estado do corpo antes e depois da morte, e sim contrastar dois modos de existência. Um deles é o modo de existência celestial que é representado pelo ‘edifício de Deus, uma casa eterna no céu, não construída por mãos humanas.’ (2 Cor. 5:1). O outro é o modo terrestre de existência que é tipificado pela “casa terrestre” que é “destruída” na morte.
O significado do cenário de “vestir-se” ou “sermos revestidos” com “nossa habitação celestial” pode ter mais relação com a aceitação da provisão de salvação de Cristo do que com o “corpo espiritual” dado aos crentes na Parousia. Encontramos apoio para esta conclusão no uso figurativo de “habitação celestial” com referência a Deus e de “ser revestido” com referência à aceitação de Cristo por parte do crente.
A garantia de Paulo de que “temos da parte de Deus um edifício” (2 Cor. 5:1) nos faz lembrar versículos como “Deus é o nosso refúgio e a nossa fortaleza” (Sal. 46:1), ou “Senhor, tu és o nosso refúgio” (Sal. 90:1).66 Cristo fez referência a si mesmo como um templo de uma maneira que é impressionantemente semelhante ao cenário de Paulo sobre a morada celestial “não construída por mãos humanas.” Relata-se que ele disse: “Destruirei este templo feito por mãos humanas e em três dias construirei outro, não feito por mãos de homens.” (Mar. 14:58). Se Paulo estava pensando nesse sentido, então a morada celestial é o próprio Cristo e o dom da vida eterna que ele provê aos crentes.
Como é, então, que um crente se reveste da “habitação celestial”? Um olhar sobre o uso que Paulo faz da metáfora de vestir-se pode fornecer uma resposta. “Pois os que em Cristo foram batizados, de Cristo se revestiram.” (Gálatas 3:27). Neste texto, o vestuário é associado com a aceitação de Cristo no batismo. Paulo também diz: “Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de imortalidade.” (1 Cor. 15:53). Aqui a roupa representa a recepção da imortalidade por ocasião da vinda de Cristo. Estas duas referências sugerem que o “vestir-se” pode se referir à nova vida em Cristo, que é aceita no batismo, renovada todos os dias e consumada na Parousia, quando o revestimento final acontecerá por meio da mudança da mortalidade para a imortalidade.
À luz da interpretação acima, “ser encontrado nu” ou “despido” (2 Cor. 5:3-4) pode estar em contraste com ser revestido com Cristo e seu Espírito. Provavelmente “nu” para Paulo não significa a alma despojada do corpo, e sim a culpa e o pecado que resulta em morte. Quando Adão pecou, ele descobriu que estava “nu” (Gên. 3:10). Ezequiel descreve alegoricamente como Deus vestiu Israel com roupas ricas, mas depois expôs sua nudez por causa de sua desobediência (Eze 16:8-14). Pode-se também pensar no homem sem a “veste nupcial” na festa de casamento (Mat. 22:11). É possível, então, que estar “nu” para Paulo significava estar em uma condição mortal, pecaminosa, destituída da justiça de Cristo.
Paulo esclarece o que ele quis dizer por ser “despido” ou “desnudado” versus ser “revestido” quando ele diz: “Para que aquilo que é mortal seja absorvido pela vida.” (2 Cor. 5:4). Esta declaração é interpretada à luz de 1 Coríntios 15:53 como significando que nossos corpos mortais serão transformados em corpos espirituais. Mas está Paulo em 1 Coríntios 15:53 preocupado principalmente com o corpo como tal? Uma leitura cuidadosa de 1 Coríntios 15 sugere que Paulo aborda a questão do corpo parenteticamente, simplesmente para responder à pergunta: “Como ressuscitam os mortos? Com que espécie de corpo virão?” (1 Cor. 15:35). Depois de mostrar a continuidade entre o presente e o futuro, Paulo se volta para a questão mais ampla da transformação que a natureza humana como um todo experimentará na vinda de Cristo: “Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de imortalidade.” (1 Cor 15:53).
O mesmo vale para 2 Coríntios 5. Paulo não está preocupado com a condição do corpo ou da alma como tal antes ou depois da morte. Aliás, ele jamais fala da alma nem do “corpo espiritual” em 1 Coríntios 5. Em vez disso, a preocupação de Paulo é mostrar o contraste entre o modo terrestre de existência, representado pela “casa terrestre” e o modo celestial de existência, representado pela “habitação celestial”. O primeiro é “mortal” e o último é imortal (“absorvido pela vida”, 2 Cor. 5:4). O primeiro é experimentado “no corpo” e “longe do Senhor” (2 Cor 5:6). O último é experimentado “ausente do corpo” e ‘habitando com o Senhor’ (2 Cor 5:8).
A falha em reconhecer que Paulo está falando sobre duas modalidades diferentes de existência e não sobre o estado do corpo ou da alma após a morte, levou a especulações desnecessárias e equivocadas sobre a vida após a morte. Um bom exemplo é a afirmação de Robert Peterson: “Paulo confirma o ensinamento de Jesus quando ele contrasta estar “no corpo” e “ausente do Senhor” com estar “ausente do corpo e habitar com o Senhor.” (2 Cor. 5:6, 8). Ele pressupõe que a natureza humana é composta de aspectos materiais e imateriais”.67
Esta interpretação é sem fundamento, porque nem Jesus nem Paulo estão preocupados em definir a natureza humana ontologicamente, isto é, em termos de seus componentes materiais ou imateriais. Em vez disso, a preocupação deles é definir a natureza humana de forma ética e relacional, em termos de desobediência e obediência, pecado e justiça, mortalidade e imortalidade. Esta é a preocupação de Paulo em 2 Coríntios 5:1-9, onde ele fala dos modos terrestre e celestial de existência em relação a Deus, e não da composição material ou imaterial da natureza humana antes e depois da morte.
As Almas Sob o Altar
O último trecho que examinaremos é Apocalipse 6:9-11, que diz: “Quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas daqueles que haviam sido mortos por causa da palavra de Deus e do testemunho que deram. Eles clamavam em alta voz: ‘Até quando, ó Soberano santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar o nosso sangue?’ Então cada um deles recebeu uma veste branca, e foi-lhes dito que esperassem um pouco mais, até que se completasse o número dos seus conservos e irmãos, que deveriam ser mortos como eles.”
Este trecho é frequentemente citado para apoiar o conceito de que as “almas” dos santos existem após a morte no céu como espíritos desencarnados e conscientes. Por exemplo, Robert Morey afirma enfaticamente: “As almas são os espíritos desencarnados dos mártires que clamam a Deus por vingança contra seus inimigos… Este trecho sempre provou ser uma grande dificuldade para os que negam que os crentes ascendem ao céu na morte. Mas a linguagem de João é clara de que essas almas estavam conscientes e ativas no céu.”68
Esta interpretação ignora que as imagens apocalípticas não se destinam a ser fotografias de realidades concretas, e sim representações simbólicas de realidades espirituais quase inimagináveis. João não teve uma visão do que o céu realmente é. É evidente que não há cavalos brancos, vermelhos, pretos e pálidos no céu com cavaleiros guerreiros. Cristo não aparece no céu na forma de um cordeiro sangrando com uma ferida de faca (Apo. 5:6). Da mesma forma, não há “almas” de mártires no céu espremidas na base dum altar. Todo o cenário é simplesmente uma representação simbólica destinada a assegurar aos que enfrentam o martírio e a morte que, em última instância, eles seriam vindicados por Deus. Esta reafirmação seria particularmente encorajadora para aqueles que, como João, enfrentavam terríveis perseguições por se recusarem a participar do culto do imperador.
O uso da palavra “almas – psychas” neste trecho é ímpar no Novo Testamento, porque ela jamais é usada em referência a seres humanos no estado intermediário. A razão para seu uso aqui é sugerida pela morte desnatural dos mártires, cujo sangue foi derramado pela causa de Cristo. No sistema sacrificial do Antigo Testamento, o sangue dos animais era derramado na base do altar de ofertas (Lev. 4:7, 18, 25, 30). O sangue continha a alma (Lev 17:11) da vítima inocente que era oferecida como um sacrifício expiatório a Deus em favor dos pecadores penitentes. Assim, as almas dos mártires são vistas sob o altar significando que simbolicamente tinham sido sacrificadas sobre o altar e seu sangue foi derramado na base. No capítulo 2, notamos que no Antigo Testamento a alma está no sangue. Neste caso, as almas dos mártires estão debaixo do altar porque seu sangue tinha sido derramado simbolicamente na base do altar.
A linguagem da morte sacrificial é usada em outras partes do Novo Testamento para denotar o martírio. Diante da morte, Paulo escreveu: “Eu já estou sendo derramado como uma oferta de bebida (2 Tim. 4: 6). O apóstolo diz também que ele estava feliz em ‘estar sendo derramado como oferta de bebida’ por Cristo. (Fil. 2:17). Assim, os mártires cristãos eram encarados como sacrifícios oferecidos a Deus. Seu sangue derramado sobre a terra foi derramado simbolicamente no altar celestial. Assim, suas almas são vistas debaixo do altar porque é para onde fluía simbolicamente o sangue dos mártires.
Nenhuma Representação de Estado Intermediário
A representação simbólica dos mártires como sacrifícios oferecidos no altar celestial dificilmente pode ser usada para argumentar em favor de sua existência desencarnada consciente no céu. George Eldon Ladd, um erudito evangélico respeitado, afirma corretamente: “O fato de João ter visto as almas dos mártires sob o altar não tem nada que ver com a condição dos mortos ou sua situação no estado intermediário; isto é apenas uma maneira vívida de representar o fato de que eles foram martirizados em nome de Deus.”69
Alguns interpretam a “veste branca” que é dada aos mártires como representando o corpo intermediário dado a eles por ocasião da morte.70 Mas no Apocalipse, a “veste branca” não representa o corpo intermediário, e sim a pureza e a vitória dos remidos através do sacrifício de Cristo. Os redimidos que saem da grande tribulação “lavaram as suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro.” (Apo. 7:14). “Aconselha-se à igreja em Laodicéia que compre ouro, roupas brancas e colírio (Apo. 3:18), uma sugestão estranha se as vestes brancas são corpos glorificados.”71 Serem as “almas” vestidas com roupas brancas representa, mais provavelmente, o reconhecimento de Deus de sua pureza e vitória por meio do “sangue do Cordeiro”, apesar de suas mortes ignominiosas.
As almas dos mártires são vistas como descansando debaixo do altar, não porque estejam num estado desencarnado, e sim porque estão esperando a conclusão da redenção (“até que se completasse o número dos seus conservos e irmãos, que deveriam ser mortos como eles” Apo. 6:11) e sua ressurreição na vinda de Cristo. João descreve este evento posteriormente, dizendo: “Vi as almas dos que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus e da palavra de Deus. Eles não tinham adorado a besta nem a sua imagem, e não tinham recebido a sua marca na testa nem nas mãos. Eles ressuscitaram e reinaram com Cristo durante mil anos… Esta é a primeira ressurreição.” (Apo. 20:4). Esta descrição dos mártires como “decapitados por causa do testemunho de Jesus e da palavra de Deus” é bem semelhante à de Apocalipse 6:9. A única diferença é que no capítulo 6 é dito aos mártires falecidos que descansem, enquanto que no capítulo 20 eles são trazidos à vida. É evidente que se os mártires são trazidos à vida no início do milênio em conjunção com a vinda de Cristo, dificilmente eles podem estar vivendo no céu em um estado desencarnado enquanto descansam na sepultura.
Em resumo, o objetivo da visão dos mártires sob o altar celestial não é nos informar sobre o estado intermediário dos mortos, e sim assegurar aos crentes, especialmente os mártires que, na época de João e nos séculos posteriores deram suas vidas pela causa de Cristo, que Deus finalmente os vindicaria.
Conclusão
Nosso estudo da condição dos mortos durante o período intermediário entre a morte e a ressurreição mostrou que tanto o Antigo quanto o Novo Testamento ensinam consistentemente que a morte representa a cessação da vida para a pessoa inteira. Assim, a condição dos mortos é de inconsciência, inatividade e sono que continuará até o dia da ressurreição.
Nossa análise do uso da palavra seol no Antigo Testamento e de hades no Novo Testamento mostrou que ambos os termos denotam o túmulo ou o reino dos mortos e não o lugar de punição para o ímpio. Não há qualquer bem-aventurança ou punição logo após a morte, e sim um descanso inconsciente até a manhã da ressurreição.
A noção de hades como o lugar de tormento para os ímpios deriva da mitologia grega, não das Escrituras. Na mitologia hades era o mundo inferior onde as almas conscientes dos mortos estão divididas em duas regiões principais, um lugar de tormento e outro de bem-aventurança. Esta concepção grega de hades influenciou alguns judeus durante o período intertestamental a adotar a crença de que logo após a morte as almas dos justos seguem rumo à felicidade celestial, enquanto que as almas dos ímpios vão para um lugar de tormento no hades. Este cenário popular reflete-se na Parábola do Homem Rico e Lázaro.
O conceito popular de hades como um lugar de tormento para os ímpios adentrou na Igreja Cristã e, finalmente, influenciou até os tradutores da Bíblia. Na Versão Rei Jaime, por exemplo, hades é traduzido por “inferno” em vez de “sepultura” em 10 das 11 ocorrências do termo. Esta tradução imprecisa induziu muitos cristãos desinformados a acreditar que, ao morrer, as almas dos ímpios são lançadas no fogo do inferno, onde aguardam a ressurreição de seus corpos, que só servirá para intensificar sua agonia no inferno.
Nosso estudo de todos os trechos bíblicos relevantes mostrou que o conceito do estado intermediário em que as almas dos salvos gozam da bem-aventurança do Paraíso, enquanto as dos não salvos sofrem os tormentos do inferno deriva, não das Escrituras, e sim do dualismo grego. É bem lamentável que, durante grande parte de sua história, o cristianismo tenha sido muito influenciado pelo conceito dualista grego da natureza humana, segundo o qual o corpo é mortal e a alma é imortal. A aceitação desta heresia terrível condicionou a interpretação das Escrituras e deu origem a uma série de outras heresias tais como o purgatório, o tormento eterno no inferno, a oração pelos mortos, a intercessão dos santos, as indulgências e a visão etérea do paraíso.
É encorajador saber que hoje muitos eruditos de todas as persuasões religiosas estão lançando um ataque maciço contra o conceito dualista tradicional da natureza humana e algumas de suas heresias relacionadas. Só podemos esperar que estes esforços contribuam para recuperar o conceito bíblico holístico da natureza e do destino humanos, dissipando, assim, as trevas espirituais perpetradas por séculos de crenças supersticiosas.
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Samuelle Bacchiocchi, Immortality or Resurrection? A Biblical Study on Human Nature and Destiny, Biblical Perspectives, EUA, 1997 (Em português: Imortalidade ou Ressurreição? Uma Abordagem Bíblica Sobre a Natureza Humana e o Destino Eterno, UNASPRESS, São Paulo, Brasil, 2007), Capítulo 5.
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Notas
1 Veja a Tabela 2.1 – Crença Religiosa, Europa e EUA, em Tony Walter, The Eclipse of Eternity [O Eclipse da Eternidade] (Londres, 1996), pág. 32.
2 “Heaven and Hell: Who Will Go Where and Why?” [Céu e Inferno: Quem Vai Para Onde e Por Quê?] Christianity Today [Cristianismo na Atualidade] (27 de maio de 1991), pág. 29.
3 Alexander Heidel, The Gilgamish Epic and the Old Testament Parallels [A Epopeia de Gilgamés e os Paralelos do Antigo Testamento] (Chicago, 1949), págs. 170-207.
4 Veja Desmond Alexander, “The Old Testament View of Life After Death” [O Conceito do Antigo Testamento Sobre a Vida Após a Morte], Themelios 11, 2 (1986), pág. 44.
5 Robert A. Morey, Death and the Afterlife [A Morte e a Vida Após a Morte] (Minneapolis, EUA, 1984), pág. 72.
6 Selected Shorter Writings of Benjamin B. Warfield [Trechos Curtos Selecionados de Benjamin B. Warfield], ed. J. Meeter (Trenton, Nova Jersey, EUA, 1970), págs. 339, 345.
7 George Eldon Ladd, “Death”, The New Bible Dictionary [Novo Dicionário da Bíblia], editado por F. F. Bruce e outros, (Grand Rapids, MI, EUA, 1962), pág. 380.
8 J. G. S. S. Thomson, “Death and the State of the Soul after Death” [A Morte e a Condição da Alma Após a Morte], em Basic Christian Doctrines [Doutrinas Cristãs Básicas], ed. por Carl F. H. Henry (Nova Iorque, EUA, 1962), pág. 271.
9 Robert A. Morey (nota 5), pág. 73.
10 William G. T. Shedd, The Doctrine of Endless Punishment [A Doutrina da Punição Eterna] (Nova Iorque, 1886), pág. 23. Veja também, Louis Berkhof, Systematic Theology [Teologia Sistemática] (Grand Rapids, MI, EUA,1953), pág. 685; Jon E. Braun, O que aconteceu com o inferno? (Nashville, 1979), pp. 130-142.
11 John W. Cooper, Body, Soul, and Life Everlasting: Biblical Anthropology and the Monism-Dualism Debate [Corpo, Alma e Vida Eterna: A Antropologia Bíblica e o Debate Monismo-Dualismo (Grand Rapids, MI, EUA, 1989), pág. 61.
12 Theodore H. Gaster, “Abode of the Dead” [Morada dos Mortos], The Interpreter’s Dictionary of the Bible [Dicionário Bíblico do Intérprete] (Nashville, EUA, 1962), pág. 788.
13 Johannes Pedersen, Israel: Its life and Culture [Israel: Sua Vida e Cultura] (Atlanta, EUA, 1991), Vol. 1, pág. 462.
14 Ralph Walter Doermann, “Sheol in the Old Testament” [O Seol no Antigo Testamento] (Dissertação de Ph.D., Duke University, 1961), pág. 191.
15 Theodore H. Gaster (nota 12), pág. 787.
16 Ralph Walter Doermann (nota 14), pág. 37.
17 Veja também Sal. 30:3; Prov. 1:12; Isa. 14:15; 38:18; Eze 31:16.
18 Em Números 16:33 é usado sobre os rebeldes que “pereceram no Seol”.
19 Anthony A. Hoekema, The Bible and the Future [A Bíblia e o Futuro] (Grand Rapids, EUA, 1979), pág. 96.
20 Hans Walter Wolff, Anthropology of the Old Testament [Antropologia do Antigo Testamento] (Londres, Inglaterra, 1974), pág. 103.
21 N. H. Snaith, “Life after Death” [Vida após a Morte], Interpretação 1 (1947), pág. 322.
22 Robert A. Morey (nota 5), pág. 79.
23 Robert A. Peterson, Hell on Trial: The Case for Eternal Punishment [O Inferno Sob Julgamento: O Argumento em Favor da Punição Eterna] (Phillipsburgh, Nova Jersey, EUA, 1995), pág. 28.
24 Jó 26: 5; Sal. 88:10; Prov. 2:18; 9:18; 21:16; Isa. 14:9; 26:14, 19.
25 Robert A. Morey (nota 5), pág. 78.
26 Paul Haupt, “Assyrian Rabu, ‘To Sink’ —hebraico rapha” [Rabu assírio, ‘Afundar’ — hebraico rapha], American Journal of Semitic Languages and Literature [Revista Americana de Línguas e Literatura Semíticas] 33 (1916-1917), pág. 48.
27 Johannes Pedersen (nota 13), pág. 180.
28 John W. Cooper (nota 11), págs. 71-72.
29 Ibid.
30 Basil F. C. Atkinson, Life and Immortality: An Examination of the Nature and Meaning of Life and Death as They Are Revealed in the Scriptures [Vida e Imortalidade: Um Exame da Natureza e do Significado da Vida e da Morte Conforme São Revelados nas Escrituras] (Taunton, Inglaterra, n.d.) págs. 41-42.
31 John W. Cooper (nota 11), págs. 65-66.
32 Robert A. Morey (nota 5), pág. 49.
33 G. C. Berkouwer, The Return of Christ [O Retorno de Cristo] (Grand Rapids, EUA, 1972), pág. 63. Anthony A. Hoekema ressalta que a tradução inglesa da frase encontrada na página 63 de The Return of Christ não reproduz com precisão a palavra holandesa fluistering (sussurrando), ao vertê-la como “proclamação”: “Quem pretenderia poder adicionar qualquer coisa à proclamação do Novo Testamento?” (Anthony A. Hoekema [nota 19], pág. 94).
34 Edward William Fudge, The Fire That Consumes. A Biblical and Historical Study of the Final Punishment [O Fogo Que Consome. Um Estudo Bíblico e Histórico da Punição Final] (Houston, EUA, 1989), pág. 205.
35 Para uma discussão informativa sobre a adoção da concepção grega de hades durante o período intertestamental, veja Joachim Jeremias, “Hades”, Theological Dictionary of the New Testament [Dicionário Teológico do Novo Testamento], ed. por Gerhard Kittel (Grand Rapids, EUA, 1974), Vol. 1, págs. 147-148.
36 Mat. 11:23; 16:18; Luc 10:15; 16:23; Atos 2:27, 31; Rev. 1:18, 6:8; 20:13; 20:14.
38 Mat. 5:22, 29, 30; 10:28; 18:9; 23:15, 33; Mar. 9:43, 45, 47; Luc. 12:5; Tia. 3:6.
39 Karel Hanhart chegou essencialmente à mesma conclusão em sua dissertação de doutorado apresentada na Universidade de Amsterdã. Ela escreveu: “Concluímos que estes trechos não lançam qualquer luz definitiva sobre o nosso problema [do estado intermediário]. No sentido do poder da morte, o reino mais profundo, lugar para humilhação e julgamento, o termo Hades não vai além do significado do Seol do Antigo Testamento” (Karel Hanhart, “The Intermediate State in the New Testament” [O Estado Intermediário no Novo Testamento], [Dissertação de Doutorado, Universidade de Amsterdã, Holanda, 1966], pág. 35).
40 Robert A. Peterson (nota 23), pág. 67.
41 Josefo, Discourse to the Greeks Concerning Hades [Discurso aos Gregos Sobre o Hades], em Josephus Complete Works [Obras Completas de Josefo], traduzido por William Whiston (Grand Rapids, EUA, 1974), pág. 637.
42 Ibid.
43 Ibid.
44 Ibid.
45 Ibid.
46 Para um breve levantamento da literatura judaica intertestamental sobre a condição dos mortos no hades, veja Karel Hanhart (nota 39), págs. 18-31.
47 John W. Cooper (nota 11), pág. 139.
48 Ibid.
49 Ibid.
50 Norval Geldenhuys, Commentary on the Gospel of Luke [Comentário Sobre o Evangelho de Lucas] (Grand Rapids, EUA 1983), pág. 611.
51 Robert A. Morey (nota 5), págs. 211, 212.
52 Helmut Thielicke, Living with Death [Vivendo Com a Morte], traduzido por Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids, EUA, 1983), pág. 177.
53 Ray S. Anderson, On Being Human [Sobre Ser Humano] (Grand Rapids, EUA, 1982), pág. 117.
54 Ênfase acrescentada.
55 Basil F. C. Atkinson (nota 30), pág. 67.
56 G. C. Berkouwer, Man: The Image of God [Homem: A Imagem de Deus] (Grand Rapids, EUA, 1962), pág. 265.
57 Karel Hanhart (nota 39), pág. 184.
58 Veja, por exemplo, G. C. Berkouwer, The Return of Christ [O Retorno de Cristo] (Grand Rapids, EUA, 1972), págs. 55-59; João Calvino, Second Epistle of Paul, the Apostle to the Corinthians, ad. loc [Segunda Epístola do Apóstolo Paulo aos Coríntios, ad. loc]; R. V. G. Tasker, The Second Epistle of Paul to the Corinthians, ad loc. [A Segunda Epístola de Paulo aos Coríntios, ad loc]; para uma bibliografia extensiva, veja Karel Hanhart (nota 39), págs. 150-155.
59 Robert A. Morey (nota 5), pág. 210.
60 Ibid.
61 Veja C. H. Dodd, The Bible and the Greeks [A Bíblia e os Gregos] (Nova Iorque, EUA, 1954), págs. 191-195; Filo fala sobre o anseio do homem pelo estado da alma nua em Legum Allegoriae 2, 57, 59.
62 Para uma lista impressionante de eruditos que mantêm esse conceito, veja Murray J. Harris, Raised Immortal: Resurrection and Immortality in the New Testament [Criado Imortal: Ressurreição e Imortalidade no Novo Testamento] (Londres, 1986), pág. 255 nota 2.
63 Veja, F. F. Bruce, Paul: Apostle of the Heart Set Free [Paul: Apóstolo do Coração Libertado] (Grand Rapids, EUA, 1977), pág. 310.
64 Veja, por exemplo, James Denney, Second Epistle to the Corinthians [Segunda Epístola aos Coríntios] (Nova Iorque, EUA, 1903), ad loc.; Floyd V. Filson, The Second Epistle to the Corinthians [A Segunda Epístola aos Coríntios], in The Interpreter’s Bible [Bíblia do Intérprete] (Nova Iorque, EUA, 1952), Vol. 10, ad loc.; Philip E. Hughes, Paul’s Second Epistle to the Corinthians [Segunda Epístola de Paulo aos Coríntios] (Grand Rapids, EUA, 1976), ad loc.; Basil F. C. Atkinson (nota 30), págs. 64, 65; The Seventh-day Adventist Commentary [Comentário Adventista do Sétimo Dia] (Washington, DC, EUA, 1957), Vol. 6, págs. 811-863.
65 Karel Hanhart (nota 39), pág. 156.
66 Ênfase acrescentada.
67 Robert A. Peterson (nota 23), pág. 185.
68 Robert A. Morey (nota 5), pág. 214.
69 George Eldon Ladd, A Commentary on the Revelation of John [Comentário Sobre a Revelação de João] (Grand Rapids, EUA, 1979), pág. 103.
70 Por exemplo, Anthony A. Hoekema escreve: “As vestes brancas e o descanso sugerem que eles estão desfrutando de um tipo de benção provisória que antecipa a ressurreição final” (nota 19, pág. 235). Veja também Murray J. Harris, (nota 62), pág. 138; G. B. A. Caird, A Commentary on the Revelation of St. John the Divine [Um Comentário sobre a Revelação de São João, o Divino] (Nova Iorque, EUA, 1966), pág. 86; R. H. Preston e A. T. Hanson, The Revelation of Saint John the Divine [A Revelação de São João, o Divino] (Londres, Inglaterra, 1949), pág. 81.
71 Robert H. Mounce, The Book of Revelation [O Livro de Revelação] (Grand Rapids, EUA, 1977), pág. 160.