O respeito pela Palavra de Deus

É interessante observar que a Bíblia sempre aplica o termo “respeito” a pessoas, nunca a matérias escritas. Os judeus sempre tiveram o maior respeito por suas Escrituras, de modo que havia pouca necessidade de Jesus ou seus discípulos argumentarem quanto à inspiração ou validade dos escritos sagrados deles. Se havia alguma questão relacionada com esses escritos, era acerca do sentido deles, não do que eles diziam. O mesmo é verdade hoje.

É importante notar também que os apóstolos e outros cristãos primitivos não pensavam na “Palavra de Deus” como se referindo primariamente a uma coleção de pergaminhos contendo escritos sagrados, nem como um livro que se poderia comprar numa livraria ou segurar nas mãos.

Hoje, devido à ampla disponibilidade dos escritos sagrados hebraicos e cristãos, as pessoas podem confundir o respeito pelo livro com a obediência à vontade expressa de Deus. Alguns podem tentar mostrar respeito por meio da lealdade a uma tradução específica da Bíblia, como a Versão Autorizada (Rei Jaime) ou a Tradução do Novo Mundo. Já outros podem aceitar interpretações particulares das Escrituras, sem jamais questioná-las.

Os cristãos do primeiro século entendiam a Palavra de Deus como a mensagem, ou revelação dele para seu povo. Pois nas primeiras décadas após a fundação da congregação cristã, os únicos escritos sagrados usados pelos cristãos eram as Escrituras Hebraicas. Quando eles consideravam as Escrituras em suas reuniões, na maior parte das vezes era evidentemente com base na memória. Nos dias dos apóstolos ainda havia muitas pessoas vivas que tinham conhecido e conversado pessoalmente com Jesus durante seu ministério terrestre. Eles poderiam relatar e considerar coisas que tinham visto e ouvido.

Conforme o tempo passava, os cristãos começaram a colocar por escrito fatos que sabiam sobre Jesus. O evangelho de Marcos, considerado por muitos eruditos como o primeiro a ser escrito, provavelmente foi registrado uma ou duas décadas depois do Pentecostes. Uma vez que não testemunhou pessoalmente todos os eventos incluídos no relato, Marcos teve de baseá-lo parcialmente em informações de testemunhas oculares, incluindo muitas do apóstolo Pedro, de quem ele era companheiro de viagem e amigo. Mateus e Lucas também escreveram relatos evangélicos, cada um tendo em mente um público específico. Conforme as congregações eram formadas, os apóstolos e outros escreviam cartas para elas. A maior parte das epístolas de Paulo foram escritas numa base “oportuna”, quando uma situação particular tornava necessário alguma comunicação. É por isso que muitas dessas cartas tratavam de problemas específicos de uma única congregação ou área.

Os escritores cristãos inspirados muitas vezes faziam referências às Escrituras Hebraicas, mas não citavam sempre o texto hebraico original. Não só eles escreviam em grego, como também citavam da tradução Septuaginta Grega das Escrituras Hebraicas (agora abreviada como LXX). Ocasionalmente, eles faziam citações de escritos que são hoje conhecidos como “apócrifos”. Parece que eles não estavam tão interessados em enfatizar uma linguagem ou fraseologia tradicional como estavam em transmitir de maneira persuasiva e clara a mensagem sobre Jesus Cristo e sua identidade como Messias e Filho de Deus. – João 20:30,31

Estes escritos sagrados cristãos não foram imediatamente compilados numa biblioteca “oficial” sagrada logo que foram escritos. Além disso, a validade de todos eles não foi aceita de maneira igual. Qual seria a probabilidade de os “superfinos apóstolos” de Corinto (que parecem ter tido posições de liderança) aceitarem as cartas de Paulo como mensagens inspiradas por Deus? Embora as cartas tenham sido amplamente consideradas como inspiradas e autorizadas, há evidência de que mesmo as cartas apostólicas às congregações individuais não foram imediatamente copiadas e compartilhadas com todos os cristãos do primeiro século (Colossenses 4:16). Mas elas foram preservadas, e assim os cristãos as tiveram à disposição ao longo dos séculos.

De modo que para os cristãos do primeiro século “A Bíblia” era o que hoje conhecemos como “Antigo Testamento”. O Evangelho de João só foi escrito bem perto do fim do período apostólico. Muitos cristãos do primeiro século não tinham cópias de todas as cartas de Paulo. Na verdade, poucos, se é que algum crente do primeiro século ou até mesmo as congregações não tinham nada parecido com as coleções inspiradas de escritos cristãos que temos hoje. Por isso, é possível, se não provável, que muitos dos primeiros cristãos tinham apenas um ou talvez dois dos evangelhos para aprender a respeito de Jesus, e uma ou duas cartas de algum apóstolo.

A coleção de pergaminhos associada com uma congregação específica e considerada pelos cristãos de lá como inspirada e autorizada diferia um pouco de região para região. Às vezes, as coleções incluíam pergaminhos que não são agora parte do cânon “aprovado” de escritos cristãos. Um rolo desse tipo era a Didaquê, ou “Ensinos dos Apóstolos”. Alguns escritos de homens chamados agora de Pais Apostólicos foram vistos por muitos como inspirados. Embora houvesse bastante consenso o tempo todo, a coleção final ou Cânon bíblico só foi amplamente aceita uns 300 anos depois do Pentecostes.

Qual é o significado de tudo isso? Naturalmente, devemos usar todos os recursos que tivermos à disposição para aprender o que Deus fez por nós, e tudo o que Ele requer de nós. Mas a “Palavra de Deus” significa muito mais do que só um livro. Ela é a revelação divina de como Ele deseja que vivamos, e não apenas um livro de filosofia religiosa ou um livro de referência para apoiar conceitos teológicos complexos. Ele inclui a história de como Jesus, o Filho do Deus vivo, foi enviado para nos resgatar de um estilo de vida sem valor e recriar-nos à sua própria imagem divina.

É só natural que as pessoas que cresceram lendo uma única versão bíblica, tal como a Tradução do Novo Mundo tenham memorizado muitos versículos dela. Com o tempo, a linguagem e as expressões dessa versão tornam-se bem familiares para estas pessoas. Como consequência disso, se elas leem determinados textos em outras versões bíblicas, muitas vezes acham a fraseologia bem diferente. Ao lerem estes mesmos textos na Tradução do Novo Mundo, fica imediatamente claro para um leitor atento que existem maneiras alternativas de entendê-los. Não é que a mensagem seja diferente. A mensagem é a mesma, mas estes versículos ou trechos lidos na única versão com a qual a pessoa está acostumada poderiam estar sendo usados só para apoiar uma interpretação particular. Toda vez que a pessoa lia aqueles versículos ou trechos, a interpretação aprendida de outros é que dominava imediatamente o pensamento dela, fazendo-a desperceber detalhes relevantes expressos ali mesmo no texto.

Para eliminar esse problema, é uma prática altamente recomendável ler os mesmos trechos em diferentes versões. Isso é de grande ajuda para que a pessoa consiga ver “através” das palavras e frases para realmente obter a mensagem das Escrituras. As palavras podem significar coisas diferentes conforme a cultura, o contexto e até o ouvinte. Para entender a mensagem das Escrituras é importante tentar ver a mensagem no contexto original. Isso com frequência muda a perspectiva sobre a Bíblia inteira e abre todo um novo horizonte de entendimento.

Fazer isso exige esforço, é verdade, mas é um esforço muito recompensador. Para começar, o estudante sério da Bíblia não estará se limitando a aceitar comodamente as explicações e interpretações de outros sobre o conteúdo dela. A mensagem básica da Bíblia é simples e direta, e Deus ajudará a todos os buscadores sinceros da verdade a encontrarem o caminho para um relacionamento aceitável com Ele, conforme exposto nas Escrituras Sagradas.

O verdadeiro respeito pela Palavra de Deus, portanto, significa bem mais do que saber citar muitos versículos bíblicos de memória e conhecer elaboradas explicações que líderes religiosos dão para alguns trechos aparentemente difíceis. Respeitar a Palavra de Deus é realmente “obedecer aos seus mandamentos” (Eclesiastes 12:13; 2 João 6). Significa saber como Deus quer que vivamos e viver em harmonia com Ele, aceitando seu arranjo de reconciliar-nos com Ele próprio, por meio de Jesus Cristo.

[Tradução e adaptação de uma seção do artigo Onde Está o Corpo de Cristo?]

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