É a Alma Imortal?

A oposição de Calvino à opinião de que na morte física a alma morre junto com o corpo e no estado intermediário dorme um sono de morte estava em harmonia e era exigida por sua crença na imortalidade da alma humana. Assim, ele sustentava que sua afirmação de que ‘a alma, após a morte do corpo, ainda sobrevive, dotada de sentidos e intelecto, era idêntica à afirmação da ‘imortalidade da alma’. Em apoio à doutrina da imortalidade da alma, ele citou uma série de textos bíblicos: o primeiro dos quais, as palavras de Cristo em Mateus 10:28: ‘Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma; Antes temei aquele que pode destruir tanto o CORPO COMO A ALMA no inferno’, com base nas quais ele tinha boas razões para concluir que a alma sobrevive à morte do corpo. Mas é difícil ver como ele poderia derivar um argumento para a imortalidade da alma a partir deste pronunciamento, uma vez que ele parece dizer bem o contrário, significando a mortalidade da alma: Deus poder destruir tanto A ALMA COMO O CORPO certamente deve significar que a alma é destrutível.

Os trechos citados por Calvino indicam que a alma humana sobrevive à morte física, não que seja em si mesma imortal. É verdade que o conceito da imortalidade inerente da alma teve aceitação geral na igreja cristã, e este é certamente um fator a se levar em consideração. A questão de importância primordial, porém, é a de sua COMPATIBILIDADE COM A REVELAÇÃO BÍBLICA. Uma consideração que pesou para muitos defensores deste conceito é a concepção generalizada da imortalidade da alma em numerosas culturas e religiões diferentes ao longo do curso da história, ou pelo menos a indicação da continuação da existência além-túmulo. Mas isto sugere uma consciência inata de que a morte não é o fim da história, de fato, que o homem é responsável perante Deus, que é a fonte de sua vida, em vez de ser uma prova de imortalidade pessoal ou coletiva. Outro argumento que foi apresentado é que, em razão de sua criação à imagem de Deus, o homem deve ter parte nas excelências que são atribuídas a Deus, das quais a existência eterna não é a menor; e desta forma, foi dito, isto requer o predicado da imortalidade humana. De fato, a formação do homem à imagem de Deus significa sua posse da vida de uma maneira que transcende a de outras criaturas viventes; mas não pode significar a posse da vida no mesmo sentido em que Deus a possui, até porque Deus possui a vida absoluta, desde a eternidade, ao passo que o homem a possui de forma derivada e sujeita ao beneplácito de seu Criador. De forma que a imortalidade do homem ou da alma humana não é uma conclusão inevitável a partir dessa premissa. Também foi comumente argumentado ou a priori que a imortalidade da alma exige a punição eterna dos maus, assim como a bem-aventurança eterna dos redimidos, ou a posteriori que a punição infindável dos maus, bem como a bem-aventurança infindável dos redimidos exige a imortalidade da alma.

O que pode ser deduzido da revelação bíblica? Em primeiro lugar, que o homem conforme criado originalmente era potencialmente imortal e potencialmente mortal. Em estreita associação com isso está o fato de ele ter sido criado potencialmente sem pecado, mas também potencialmente pecaminoso. A possibilidade de seu pecado envolvia a possibilidade de morrer, assim como a possibilidade de não pecar implicava a possibilidade de não morrer. Conforme observamos anteriormente, isso não quer dizer que o homem foi originalmente criado num estado de neutralidade entre a justiça e a pecaminosidade e entre viver e morrer; pois, pelo contrário, sua criação à imagem divina, que é o vínculo de sua comunhão pessoal com seu Criador, colocou sua existência bem positivamente dentro da esfera da piedade e da vida. Sua concordância amorosa e grata com a vontade de Deus, que é a fonte de sua vida e bem-aventurança, teria assegurado a continuação de sua existência em uma bênção límpida, conforme ele se conformasse com aquela imagem na qual ele foi constituído. Foi por sua rebelião contra seu Criador que ele passou de um relacionamento positivo para um negativo e trouxe a maldição sobre si mesmo. Sua morte, que é o resultado dessa maldição, é também a evidência de que o homem não é inerentemente imortal.

Afirmar que só a alma humana é inatamente imortal é manter uma posição que não é aprovada em parte alguma no ensino das Escrituras, pois, no âmbito bíblico, a natureza humana é sempre vista como integralmente composta tanto do espiritual quanto do corporal. Se não fosse assim, toda a doutrina da encarnação e da morte e ressurreição do Filho seria despojada de significado e realidade. O homem é essencialmente uma entidade corpóreo-espiritual. A advertência de Deus no princípio, a respeito da árvore proibida: ‘No dia em que dela comeres, morrerás’, foi dirigida ao homem como uma criatura corporal e espiritual – se comesse dela, como tal ele morreria. Não há SUGESTÃO ALGUMA de que uma parte dele era imortal e, portanto, que sua morte só seria em parte.

Concordemente, a imortalidade com a qual o cristão é assegurado, não é inerente nele mesmo ou em sua alma, mas é concedida por Deus e é a imortalidade da pessoa inteira na plenitude de sua humanidade, tanto corporal quanto espiritual. Esta imortalidade, imerecida por nós, foi conquistada para nós pelo Filho encarnado que, por participar de nossa natureza humana em sua plenitude, tanto corporal como espiritual, e por padecer nossa morte, anulou o poder do Diabo e removeu de nós o temor e o aguilhão da morte (Heb. 2:14 em diante e 1 Cor. 15:55 em diante). Nossa nova vida em Cristo, que inclui nossa ressurreição final para a vida e imortalidade, deve-se inteiramente a Deus e sua graça. É DEUS O ÚNICO QUE TEM IMORTALIDADE e, dessa forma, o único que pode ser devidamente descrito como imortal. Veja em 1 Timóteo 6:15, 16:

Em suas épocas determinadas [a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo], há de ser revelada pelo bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores; O ÚNICO QUE POSSUI IMORTALIDADE, que habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra e poder eterno. Amém!

E é por confessarmos, assim como o apóstolo, que em virtude do propósito e da graça de Deus “NOSSO SALVADOR JESUS CRISTO ABOLIU A MORTE E TROUXE A VIDA E A IMORTALIDADE À LUZ POR MEIO DO EVANGELHO” (2 Tim. 1:9 em diante). A imortalidade que era potencialmente nossa na criação e foi perdida na queda é agora realmente nossa em Cristo, em quem somos criados novamente e conduzidos ao nosso verdadeiro destino. Cremos que há uma boa razão para sugerir que a questão da imortalidade da alma, no sentido de que é uma concessão que em circunstância alguma será removida, exige alguma reconsideração à luz da verdade bíblica. Temos argumentado que a sobrevivência da pessoa, ou da alma, no estado intermediário entre a morte e a ressurreição, não significa necessariamente sua sobrevivência eterna. O que Deus trouxe à existência, Ele também pode destruir. O Novo Testamento prevê ‘uma ressurreição dos justos e dos injustos’ (Atos 24:15, João 5:29), quando estes ‘irão para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna’ (Mateus 25:46) Esta separação final ocorrerá ‘quando o Senhor Jesus for revelado do céu’; pois será aí então que ‘os que não conhecem a Deus’ e ‘que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus’ “sofrerão a punição da destruição eterna e banimento da presença do Senhor e da glória do seu poder’ (2 Tes. 1:7-9). Este castigo também é descrito como ser ‘lançado no fogo eterno’ (Mat. 18:8) ou ‘no inferno, onde seu verme não morre e o fogo não se apaga’ (Mar. 9:44) e como fazer chorar e ranger os dentes para aqueles sobre quem isso vem (Mat. 13:36 em diante).

No Apocalipse de João, a punição final do Diabo, da besta, do falso profeta e de todos os seus seguidores cujos nomes não foram encontrados escritos no livro da vida, junto com a “Morte e o Inferno”, é serem lançados no “lago que queima com fogo e enxofre” (Apo. 2:11; 19:20; 20:6, 10, 14; 21:8). O cenário dessa destruição, que é chamada de “segunda morte”, reflete o julgamento que acometeu Sodoma e Gomorra. Está registrado que “o Senhor fez chover enxofre e fogo do Senhor desde o céu sobre Sodoma e Gomorra, e destruiu aquelas cidades, todo o vale e todos os habitantes das cidades”, e que “subiu fumaça da terra como a fumaça de uma fornalha” (Gen. 19:24-28). O destino dessas cidades foi encarado como um aviso e uma amostra do julgamento final dos maus. Assim em Apocalipse 14:10 em diante é dito que a besta e seus adoradores “serão atormentados com fogo e enxofre… e a fumaça de seu tormento sobe para todo o sempre”. Em certos momentos isto foi um aviso do julgamento devastador que estava prestes a cair sobre outras civilizações no curso da história – por exemplo, Babilônia, a respeito da qual Jeremias profetizou que “como quando Deus destruiu a Sodoma, e a Gomorra, e às suas cidades vizinhas, diz o SENHOR; assim, ninguém habitará ali, nem morará nela homem algum.” (Jer. 50:40): e até mesmo o povo de Israel, cuja apostasia Moisés avisou que tornaria “toda a sua terra abrasada com enxofre e sal, de sorte que não será semeada, e nada produzirá, nem crescerá nela erva alguma, assim como foi a destruição de Sodoma e de Gomorra, de Admá e de Zeboim, que o SENHOR destruiu na sua ira e no seu furor” (Deu. 29:23). E Pedro avisou que Deus “condenou à DESTRUIÇÃO as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-as a cinza, e pondo-as para exemplo aos que vivessem impiamente” (2 Ped. 2:6) – (Como uma nota parentética minha aqui, eu gostaria de citar a ESV [Versão Padrão Inglesa] que apresenta este versículos em termos ainda mais fortes:

“Deus condenou as cidades de Sodoma e Gomorra, destruindo-as com fogo, como exemplo do que vai acontecer com os que não querem saber dele.” – NTLH (Isto parece dizer bem fortemente que é a DESTRUIÇÃO que acontecerá aos maus)

“O terrível destino das cidades da planície é, portanto, um paradigma não só da retribuição divina que destrói cidades e comunidades, mas especialmente do julgamento final do mundo pelo qual os destruidores da terra serão destruídos e a criação será livrada de toda contaminação (Apo. 11:18, 21:8, 27) (nota parentética minha) Veja Apo. 11:18:

“E iraram-se as nações, e veio a tua ira, e o tempo dos mortos, para que sejam julgados, e o tempo de dares o galardão aos profetas, teus servos, e aos santos, e aos que temem o teu nome, a pequenos e a grandes, e o tempo de destruíres os que destroem a terra.” – ACF (Destruíres os que destroem)

Apo. 21:8:

Mas, quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos fornicadores, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre; o que é a segunda morte.” – ACF

Malaquias 4:1 também é muito instrutivo:

“O SENHOR Todo-Poderoso diz: – Está chegando o dia em que todos os orgulhosos e todos os maus serão queimados como a palha é queimada na fogueira. Naquele dia, eles queimarão e serão completamente destruídos.” – NTLH

Vejamos agora 2 Pedro 3:7:

Mas os céus e a terra que agora existem estão sendo guardados pela mesma ordem de Deus a fim de serem destruídos pelo fogo. Estão sendo guardados para o Dia do Julgamento e da destruição dos que não querem saber de Deus. –  NTLH

Judas 6, 7 diz:

Lembrem dos anjos que não ficaram dentro dos limites da sua própria autoridade, mas abandonaram o lugar onde moravam. Eles estão amarrados com correntes eternas, lá embaixo na escuridão, onde Deus os está guardando para aquele grande dia em que serão condenados. Lembrem dos moradores de Sodoma, de Gomorra e das cidades vizinhas, que agiram como aqueles anjos e cometeram imoralidades e pecados sexuais. Eles sofreram o castigo do fogo eterno, o que é um aviso claro para todos. – NTLH

Muito embora este não tenha sido o julgamento final, o fogo destruidor é descrito como fogo eterno. A razão para isso, sem dúvida, é que foi um fogo divino, o fogo do julgamento enviado pelo Senhor; pois é óbvio que no caso dessas cidades, o fogo não foi eternamente suportado por seus habitantes. Foi o fogo que atingiu e levou à devastação que não seria seguida por qualquer restauração. Esta consideração pode levantar razoavelmente a questão sobre se o fogo eterno e inextinguível do julgamento final será eternamente suportado pelos que estão destinados a ele. Não é isto o que se entende por “castigo eterno” e pela afirmação sobre os que o sofrem de que “a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre” (Apo. 14:11)? Essa terminologia pode certamente levar à conclusão de que o tormento dos condenados no inferno continuará infinitamente; e esta conclusão foi concebida, conforme mencionamos, para prover uma equivalência apropriada para a doutrina da vida eterna que, conforme é universalmente aceito, os redimidos deverão desfrutar sem fim ou término. É uma equivalência sobre a qual Agostinho, por exemplo, insistiu.

A lógica desta interpretação é suficientemente sólida, desde que se fale da punição como sendo infinita. Mas, como vimos, o contraste definitivo é entre a vida eterna e a morte eterna, e isso mostra claramente que não são simplesmente sinônimos, mas também antônimos que temos de levar em conta. Não há antítese mais radical do que entre a vida e a morte, pois a vida é a ausência de morte e a morte é a ausência de vida. Confrontada com esta antítese, a posição de Agostinho não pode evitar o envolvimento no uso de conceitos contraditórios, pois o conceito de morte que dura eternamente requer a proposição de que os condenados sejam mantidos infinitamente vivos para suportá-la. Assim, Agostinho foi obrigado a argumentar que para os que estão no inferno “a morte não será abolida, mas será eterna”, e que “os corpos vivos dos homens no além serão tais que suportarão a dor eterna e o fogo sem nunca morrerem”, e ele descreveu os maus como condenados eternamente a “aturar uma existência miserável em morte eterna sem a capacidade de morrer” Seria difícil imaginar um conceito de morte mais confuso do que esse, que significa existir infinitamente sem o poder de morrer. Esta é, no entanto, a posição na qual Agostinho (juntamente com muitos outros) se apoiou.

A dificuldade de equiparar a morte eterna à existência eterna foi agravada no caso de Agostinho, pelo fato de que ele tomou as chamas inextinguíveis ​​do fogo eterno como devendo ser entendidas num sentido literal. Para lidar com a questão de como seria possível que pessoas ressuscitadas de corpo e alma seriam impedidas de serem consumidas por essas chamas, ele invocou o apoio do fato científico, conforme ele achava, de que certas criaturas inferiores, em particular a salamandra, “podem viver no fogo, queimar sem serem consumidas, sem dor e sem morrer.” Este era decididamente um apoio duvidoso porque os naturalistas que ele conhecia relatavam essa capacidade da salamandra com ceticismo, como um conceito tradicional ou lendário. Mas, em todo caso, a suposta habilidade da salamandra era irrelevante, porque não é uma capacidade que os seres humanos compartilham com as salamandras, e Agostinho teve de recorrer à hipótese de que nas chamas do inferno os maus se tornariam como uma salamandra neste particular. “Embora seja verdade”, escreveu ele, “que neste mundo não haja carne que possa sofrer dor e ainda assim não morrer, mesmo assim no mundo vindouro haverá carne do tipo que não existe agora, como também haverá morte como não existe agora.”

Agostinho, em suma, achou necessário introduzir uma mudança no significado de MORTE para manter sustentável sua crença na infinitude dos tormentos do fogo do inferno; e isto é uma necessidade para todos os que entendem a destruição eterna deste modo, quer considerem que as chamas do inferno devem ser entendidas em um sentido literal, quer não. Estas pessoas podem, de fato, afirmar que estão em boa companhia; mas elas devem estar cientes de que sua interpretação está aberta a questionamentos sérios. Além de isto envolver uma mudança drástica no significado de morte, de maneira que, nesta perspectiva escatológica, significa ser mantido vivo para sofrer punição sem a capacidade de morrer, algumas outras considerações devem ser levadas em conta.

Em primeiro lugar, uma vez que VIDA e MORTE são radicalmente opostas entre si, o adjetivo qualificador ETERNO ou INFINDÁVEL precisa ser entendido de uma maneira apropriada para cada uma, respectivamente. A vida eterna é a existência que continua sem fim, e a morte eterna é a destruição sem fim, isto é, a destruição sem recuperação, a destruição no sentido de obliteração. Tanto a vida como a morte serão eternas, no sentido de que ambas serão irreversíveis: a partir dessa vida não pode haver recaída na morte, e a partir dessa morte não pode haver retorno à vida. A terrível negação e a absoluta finalidade da segunda morte são inequivocamente transmitidas por ela ser descrita como “a punição da destruição eterna e a exclusão da presença do Senhor” (2 Tes. 1:9).

Em segundo lugar, a imortalidade ou ausência de morte, como dissemos, não é inerente à constituição do homem como uma criatura corpóreo-espiritual, ainda que, sendo ele criado à imagem de Deus, o potencial estivesse lá. Esse potencial, que foi perdido pelo pecado, foi restaurado e renovado por Cristo, o Filho encarnado, que “aboliu a morte e trouxe a vida e a imortalidade à luz por meio do evangelho” (2 Tim. 1:10). Já que a imortalidade inerente é unicamente a posse e prerrogativa de Deus:

“a qual Deus fará se cumprir no seu devido tempo. Ele é o bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que é imortal e habita em luz inacessível, a quem ninguém viu nem pode ver. A ele sejam honra e poder para sempre. Amém.” (1 Tim. 6:15, 16).

“Será em virtude de sua graça e poder que, quando Cristo se manifestar em glória, nossa mortalidade, se estivermos vivos, será revestida da imortalidade e nossa corrupção, se estivermos na sepultura, será revestida da incorrupção, para que a morte seja finalmente tragada pela vitória (1Cor. 15:51-57; 2Cor. 5:1-5). E assim, finalmente nos tornaremos verdadeira e totalmente humanos, pois o destino para o qual fomos criados se torna uma realidade eterna naquele que é a Verdadeira Imagem e a Verdadeira Vida. Ao mesmo tempo, os que persistiram na impiedade descobrirão por si mesmos a terrível verdade da advertência de Cristo sobre temer ao Deus, “que pode DESTRUIR TANTO O CORPO COMO A ALMA NO INFERNO” (Mat. 10:28).

Em terceiro lugar, a existência eterna lado a lado do céu e do inferno pareceria incompatível com o propósito e efeito da redenção conseguida pela vinda de Cristo. O pecado, com suas consequências de sofrimento e morte, é estranho ao desígnio da criação de Deus. A renovação da criação exige a eliminação do pecado, do sofrimento e da morte. Assim, temos a certeza de que Cristo “apareceu uma vez por todas no fim dos tempos, para aniquilar o pecado mediante o sacrifício de si mesmo.” (Heb. 9:26; 1João 3:5), que através da sua vinda a morte foi abolida (2 Tim. 1:10), e que no novo céu e na nova terra, isto é, em todo o reino da renovada ordem da criação, não haverá mais choro ou sofrimento, e “não haverá mais morte” (Apo. 21:4). A concepção da imensidão do sofrimento do tormento e da duração da morte “viva” no inferno está em contradição com este ensino. Isto deixa uma parte da criação que, não renovada, existe eternamente em alienação do novo céu e da nova terra. Significa que o sofrimento e a morte nunca serão totalmente abolidos do cenário. A lógica inescapável dessa posição foi aceita, com franqueza chocante, por Agostinho, que afirmou que “depois da ressurreição, quando o julgamento final e universal tiver sido completado, haverá dois reinos, cada um com seus próprios limites distintos, um de Cristo e o outro do diabo, um consistindo do bem, o outro do mal”. A isto deve-se objetar que com a restauração de todas as coisas no novo céu e na nova terra, que envolve a reconciliação de TODAS AS COISAS com Deus, seja na terra ou no céu (Atos 3:21; Col. 1:20), não haverá lugar para um segundo reino de trevas e morte. Onde tudo é luz, não pode haver trevas, pois “não haverá mais noite” (Apo. 22: 5). Quando Cristo preencher tudo em todos e Deus for tudo para com todos (Efé. 1:23; 1Cor. 15:28), como é concebível que possa existir uma seção ou domínio da criação que não pertença a essa plenitude e sua própria presença a contradiz? O estabelecimento do reino eterno de paz e justiça de Deus verá a libertação de toda a ordem criada de sua escravidão à decadência, à medida que usufrui da liberdade gloriosa dos filhos de Deus (Rom. 8:21).

Em quarto lugar, a vinda gloriosa de Cristo anunciará a morte da morte. Por sua cruz e ressurreição, Cristo já fez a conquista da morte, de modo que para o crente o medo e o aguilhão da morte foram removidos (Heb. 2:14; 1Cor. 15:54-57), a passagem da morte para a vida é uma realidade presente (João 5:24), e o poder da ressurreição de Jesus já está em ação dentro dele, não importa quão severamente ele possa ser afligido e incomodado externamente (2Cor. 4:11, 16). Ainda não vemos tudo em sujeição ao Filho (Heb. 2:8); mas nada é mais certo do que o fato de que todo reino e autoridade e poder hostis serão finalmente destruídos, inclusive a própria morte, daí a certeza de que “o último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Cor.15:24-26). Sem a abolição da morte, o triunfo da vida e da imortalidade não pode ser completo (2 Tim. 1:10). Este é o significado da SEGUNDA MORTE: será a abolição não só do pecado e do Diabo e seus seguidores, mas também da própria morte, visto que no julgamento final, não somente a Morte e o Hades entregarão seus mortos para condenação, mas também a Morte e o próprio Hades serão lançados com eles no lago de fogo (Apo. 20:13-15). Daí a promessa clara de que “não haverá mais morte” (Apo. 21:4):

O mar entregou os mortos que nele havia, e a morte e o Hades entregaram os mortos que neles havia; e cada um foi julgado de acordo com o que tinha feito. Então a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de fogo é a segunda morte. Se o nome de alguém não foi encontrado no livro da vida, este foi lançado no lago de fogo. (Apo. 20:13-15)

Então vi um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham passado; e o mar já não existia. Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, preparada como uma noiva adornada para o seu marido. Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: “Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus. Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou”. (Apo. 21:1-4)

Embora defendido por muitos, a alegação de que se a sentença de morte pronunciada no julgamento final contra o não regenerado significasse sua aniquilação, os maus seriam eliminados suavemente e se sentiriam encorajados a não ter medo da conseqüência de seus pecados é uma alegação vazia. (Pode-se interpor muito mais prontamente que a expectativa do infindável tormento de criaturas finitas levanta a questão de para que finalidade poderia servir esse tipo de retribuição.) Não há margem para duvidar que, em primeiro lugar, no julgamento final Deus determinará a punição merecida de acordo com a santidade absoluta de seu ser, e em segundo lugar, as Escrituras não deixam margem alguma para que os ímpios se sintam complacentes, à medida em que se aproximam daquele dia terrível em que estarão diante do tribunal de seu Criador Justo. Este dia final do Senhor é descrito como um dia de terror indescritível para os maus, que então serão confrontados com a verdade do ser de Deus, que tinham suprimido injustamente e experimentarão a ira divina que eles haviam ridicularizado. Eles aprenderão em primeira mão que “é uma coisa terrível cair nas mãos do Deus vivo” (Heb. 10:31). Não há nada de leve ou hilário no terrível cenário testemunhado por S. João em sua visão apocalíptica:

Então os reis da terra, os príncipes, os generais, os ricos, os poderosos — todos os homens, quer escravos, quer livres, esconderam-se em cavernas e entre as rochas das montanhas. Eles gritavam às montanhas e às rochas: “Caiam sobre nós e escondam-nos da face daquele que está assentado no trono e da ira do Cordeiro! Pois chegou o grande dia da ira deles; e quem poderá suportar?” (Apo. 6:15-17)

O horror da destruição eterna será agravado, além disso, pela insuportável agonia da exclusão. Serem inexoravelmente excluídos da presença do Senhor e da glória de seu reino, verem-se excluídos da alegria e felicidade transcendente dos santos glorificando seu resplandecente Redentor em luz eterna, à semelhança do qual eles estão agora totalmente e para sempre transformados, e serem mergulhados no abismo da destruição irreversível, fará com que os não regenerados da humanidade caiam na mais amarga angústia de lamento e no choro e ranger de dentes. Eles desejarão tarde demais que tivessem vivido e acreditado de maneira diferente. O destino que eles criaram para si mesmos os lançará sem esperança no abismo da extinção. A sorte desses, cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro, é a destruição da segunda morte. Assim, a criação de Deus será livrada de toda a falsidade e contaminação, e se cumprirá a antiga promessa de que ‘as coisas antigas não serão lembradas nem virão à mente quando a multidão dos remidos se alegrar e regozijar para sempre na perfeição do novo céu e da nova terra’ (Isa. 65:17 em diante; Apo. 21:1-4).

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