Os Tempos dos Gentios Reconsiderados – Apêndice ao Capítulo 3

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE ERROS DE CÓPIA, LEITURA E ESCRITA EM TABUINHAS CUNEIFORMES

Se vinte anos devem ser acrescentados à Era Neobabilônica, deveria ter sido encontrado um número considerável de textos datados para cada um destes anos. Tal acréscimo jamais resultaria de um ou dois documentos dessa era, datados de maneira estranha. Assim como os escriturários, secretários e guarda-livros da atualidade, os escribas babilônicos às vezes cometiam erros de escrita. Como a escrita era feita enquanto a tabuinha de argila estava mole, alguns erros podiam ser corrigidos antes que ela secasse. Muitas tabuinhas apresentam indícios de riscos e correções. Geralmente os erros encontrados nas tabuinhas têm que ver com detalhes de menor importância, repetições, omissões, etc. Embora os erros às vezes se refiram também à data, é notável que a maioria das datas estranhas encontradas em catálogos modernos das tabuinhas babilônicas é resultante de erros modernos de leitura, cópia e impressão, incluindo leitura ou tipografia errada de nomes de reis.

Em sua tentativa de defender a cronologia da Sociedade Torre de Vigia, algumas Testemunhas, tanto nos Estados Unidos como na Noruega, têm explorado não apenas tais erros de cópia, leitura e escrita nos textos cuneiformes, mas também as datas em alguns documentos, que parecem criar sobreposições de algumas semanas ou meses entre os reinados de alguns dos reis neobabilônicos. Por esta razão, parece necessário examinar atentamente estes problemas.

Erros modernos de cópia e leitura

Conforme indica o Sr. C. B. F. Walker, do Museu Britânico, “leitores modernos com frequência leram errado os nomes e os números dos meses em tabuinhas babilônicas.”20 Nomes de reis são às vezes lidos também de maneira incorreta por eruditos modernos. Uma vez que a datação dentro do período babilônico é baseada em anos de reinado (em vez de ser baseada em períodos) o nome do rei em questão é obviamente crucial.

Desse modo, a tradução publicada dum texto fez referência ao “4º ano de Labashi-Marduque21, um governante babilônico. Depois os eruditos perceberam que o texto se referia na verdade ao rei assírio Samas-sum-iuquin.22 (Há uma enorme diferença em nossa ortografia alfabética dos dois nomes, mas devemos lembrar que estes foram escritos em sinais cuneiformes os quais, neste caso, davam bem maior margem a erro.) Um erro de leitura similar em outra tabuinha resultou na referência ao 21º ano de Sin-shar-ishkun, o penúltimo rei assírio.23 Um reexame posterior desta seção danificada levou à conclusão de que mais provavelmente a referência era ao rei babilônico Nabu-apla-usur (Nabopolassar).24

Erros de escrita

Todavia, nem todas as datas divergentes constituem erros modernos. É bem estabelecido que o rei persa Cambises, filho de Ciro, governou durante oito anos (529/28-522/21 A.E.C.). Ainda assim, um texto do reinado dele (BM 30650) parecia ser datado no “11º ano de Cambises. A princípio o texto causou muita discussão entre os eruditos, mas finalmente se concluiu que ele se refere ao primeiro ano de Cambises. O número “1” tinha sido escrito em cima de um “10” original, que o escriba não tinha conseguido apagar completamente, resultando em um número que facilmente poderia ser lido incorretamente como “11”.25 

Outro documento foi datado no “10º ano” de Ciro, embora se saiba à base de todas as fontes antigas que Ciro só reinou nove anos. O problema foi logo resolvido. No período em questão, os escribas geralmente faziam duplicatas de um acordo, uma para cada parte. Foram encontradas várias de tais duplicatas, incluindo uma para este texto. Porém, em vez de estar datada no décimo ano de Ciro, esta cópia está datada no “2º ano” de Ciro. Evidentemente a primeira cópia continha um erro de escrita.26 

Os dois exemplos citados acima são do período persa. O que dizer do período neobabilônico?

Encontraram-se uns poucos documentos desta era com datas incomuns, que geram alguns problemas. É notável, porém, que os problemas relacionam-se apenas com números referentes a mês, não com números de ano. Em seu extremo esforço de encontrar pelo menos algum apoio para sua posição, alguns defensores da cronologia da Torre de Vigia têm procurado transformar de maneira ilógica estas sobreposições de meses numa prova de que há diferenças que envolvem anos. Como a evidência mostrará, nenhum dos documentos serve para questionar de modo válido a cronologia do período.

Uma sobreposição entre Nabucodonosor e Amel-Marduque?

Duas das tabuinhas que contêm datas problemáticas são do ano de ascensão de Amel-Marduque, filho e sucessor de Nabucodonosor.

O último documento do reinado de Nabucodonosor é datado em 26/VI/43 (dia 26, mês 6, ano 43, correspondendo a 8 de outubro de 562 A.E.C.). Segundo a obra Cronologia Babilônica, de Parker & Dubberstein, publicada em inglês em 1956, o primeiro texto do reinado de seu filho e sucessor, Evil-Merodaque, é datado em 26/VI/asc. (dia 26, mês 6, ano de ascensão), ou seja, no mesmo dia.27

Todavia, desde 1956 foram encontradas duas tabuinhas em Sipar que são datadas um mês antes no ano de ascensão de Evil-Merodaque, ou seja, no quinto mês. Em uma das tabuinhas (BM 58872) o número do dia está danificado e ilegível, mas a outra tabuinha (BM 75322) está claramente datada em 20/V/asc.28 De modo que estes textos indicam que havia uma sobreposição de mais de um mês entre os reinados dos dois reis:

Uma explicação para esta sobreposição é que Nabucodonosor pode ter morrido antes de outubro (o sexto mês do ano civil babilônico, que incluía parte de outubro) e alguns escribas continuaram datando documentos no reinado dele durante algumas semanas, até ficar plenamente claro quem seria o sucessor. Beroso declara que o filho e sucessor dele Amel-Marduque “manobrou os assuntos de maneira ilegal e ultrajante”, e então “enfrentou conspiração e foi morto por Neriglisaros [Neriglissar], marido da irmã dele”, depois de apenas dois anos de reinado.29 Conforme abordado pelo assiriologista polonês Stefan Zawadzki, provavelmente o mau caráter de Evil-Merodaque já era evidente antes de ele tornar-se rei, o que pode ter provocado oposição a que ele assumisse o trono em alguns círculos influentes. Esta pode ter sido a razão por que durante algumas semanas alguns escribas continuaram datando seus documentos no reinado do falecido pai dele.30 (Já se indicou que Nabonido evidentemente encarava Evil-Merodaque como um usurpador.)

Com o objetivo de acrescentar alguns anos ao período neobabilônico, alguém poderia argumentar, como fez uma fonte norueguesa, que as datas acima, em vez de indicarem uma sobreposição, mostram que o quadragésimo terceiro ano de Nabucodonosor não coincidiu com o ano de ascensão de Evil-Merodaque e que ou Nabucodonosor reinou por mais de quarenta e três anos ou houve outro rei desconhecido entre eles.

Todavia, tais suposições são refutadas pela própria Bíblia. Uma comparação de 2 Reis 24:12 e 2 Crônicas 36:10 com Jeremias 52:28 mostra que o exílio de Joaquim começou perto do fim do sétimo ano de reinado de Nabucodonosor. Isto significaria que no momento da morte de Nabucodonosor em seu quadragésimo terceiro ano, Joaquim tinha passado quase trinta e seis anos no exílio (43-7=36), e que o trigésimo sétimo ano de exílio começou naquele mesmo ano, isto é, o ano de ascensão de Amel-Marduque (Evil-Merodaque). E esta é exatamente a informação que se dá em Jeremias 52:31:

Mas no trigésimo sétimo ano da deportação de Joaquin, rei de Judá, no décimo segundo mês, no vigésimo quinto (dia) do mês, Evil-Merodac, rei da Babilônia, no ano em que começou a reinar, concedeu graça a Joaquin, rei de Judá, e o fez sair do cárcere. — BJE. (Compare com 2 Reis 25:27.)

É evidente que a Bíblia não admite qualquer ano adicional entre o quadragésimo terceiro ano de Nabucodonosor e o ano de ascensão de Amel-Marduque.

Uma sobreposição entre Amel-Marduque e Neriglissar?

Antes da publicação dos catálogos CBT em 1986-88 (veja a pág. 376, nota de rodapé 20), a última das tabuinhas conhecidas do reinado de Amel-Marduque era datada em 17/V/2 (7 de agosto de 560 A.E.C.), enquanto a primeira tabuinha do reinado do sucessor dele, Neriglissar, era datada em 21/V/asc. (11 de agosto de 560 A.E.C.). Ou seja, apenas quatro dias separavam a última tabuinha do reinado de Amel-Marduque da primeira tabuinha datada para Neriglissar.31 

Nos catálogos CBT, porém, há dois textos que parecem criar uma considerável sobreposição entre os reinados de Amel-Marduque e Neriglissar. O primeiro (BM 61325) é do reinado de Amel-Marduque e é datado no décimo mês do segundo ano do reinado dele (19/X/2), ou aproximadamente cinco meses depois da última tabuinha do reinado dele que se conhecia anteriormente.32 

Esta sobreposição de cinco meses com o reinado de Neriglissar é prolongada ainda mais pelo segundo texto, BM 75489 que é datado no segundo mês do ano de ascensão de Neriglissar (4/II/asc.), ou aproximadamente três meses e meio antes da mais antiga tabuinha anteriormente conhecida do reinado dele.33 Juntos, estes dois textos parecem criar uma sobreposição de oito meses e meio:

Como se pode explicar esta sobreposição? Mais uma vez, alguém poderia argumentar que as datas acima, em vez de mostrarem uma sobreposição, indicam que o segundo ano de Amel-Marduque não foi o mesmo que o ano de ascensão de Neriglissar, e que ou ele reinou por mais de dois anos ou houve outro, um regente desconhecido entre os dois.

Todavia, não há qualquer evidência que apoie essas suposições. Deve-se ter em mente que cada um dos anos de reinado conhecidos deles é abrangido por numerosas tabuinhas datadas, publicadas ou não. Se Amel-Marduque tivesse reinado mais de dois anos, teríamos um grande número de tabuinhas, comerciais e de outros tipos, datadas para cada um desses anos adicionais.

É de considerável interesse nesta conexão que a Lista de Reis de Uruque (abordada no Capítulo 3, seção B-1b) especifica o reinado de Neriglissar como “‘3’ (anos) e 8 meses”. Uma vez que o reinado de Neriglissar terminou no primeiro mês (nisanu) de seu quarto ano (veja abaixo), ele ascendeu ao trono no quinto mês (abu) três anos e oito meses antes, segundo esta lista de reis. Este é o mesmo mês que já havia sido estabelecido para a ascensão dele, antes de as duas datas estranhas mencionadas acima terem sido descobertas.

Há boas razões para crer que a informação dada na Lista de Reis de Uruque baseou-se em fontes que remontam ao próprio período neobabilônico, incluindo as crônicas. Os números preservados concordam de perto com esses estabelecidos pelos documentos contemporâneos. Isto parece verdadeiro até mesmo quando —  em dois casos — o número de meses é fornecido.

Assim a Lista de Reis de Uruque dá a Labashi-Marduque um reinado de apenas três meses, e os contratos de Uruque datados para o reinado dele, mostram também que ele foi reconhecido naquela cidade como rei por (partes de) três meses. Desse modo, quando a mesma lista de reis indica que Neriglissar ascendeu ao trono no mês de abu, isto também pode muito bem estar correto. Neste momento ele tinha estabelecido firmemente seu reinado e era reconhecido como rei na maior parte dos locais de Babilônia.34  

Se as duas datas estranhas já mencionadas não são simplesmente erros de escrita, a razão para a sobreposição que elas criam no término do reinado de Amel-Marduque pode ser a mesma que a sugerida acima para a sobreposição no início do reinado dele, a saber, a prevalecente oposição ao reinado dele que culminou com a tomada do poder por Neriglissar através de um golpe de estado. Esta explicação foi recentemente proposta com algum detalhe por R. H. Sack em seu livro Neriglissar – Rei de Babilônia (em inglês).35 

Uma sobreposição entre Neriglissar e Labashi-Marduque?

As duas últimas tabuinhas conhecidas do reinado de Neriglissar são datadas em 2/I/4 (12 de abril de 556 A.E.C.) e 6/I?/4 (16 de abril). A primeira tabuinha conhecida do reinado de seu filho e sucessor, Labashi-Marduque, NBC 4534, é datada em 23/I/asc. (3 de maio de 556 A.E.C.), ou seja, vinte e um, ou possivelmente apenas dezessete dias depois. Estas datas não criam qualquer sobreposição entre os dois.

Uma sobreposição entre Labashi-Marduque e Nabonido?

A última tabuinha conhecida do reinado de Labashi-Marduque é datada em 12/III/asc. (20 de junho de 556 A.E.C.), enquanto a primeira tabuinha conhecida do reinado de seu sucessor, Nabonido, é datada um mês antes, 15/II/asc. (25 de maio de 556 A.E.C.). Esta sobreposição de pouco menos de um mês é real.

Todavia, ela pode ser explicada facilmente, por meio das circunstâncias que conduziram Nabonido ao trono. Conforme explicado por Beroso, Labashi-Marduque era “só uma criança” na época da morte de Neriglissar. “Devido à iniquidade dele ter se tornado evidente de muitos modos, formou-se uma conspiração e ele foi brutalmente assassinado por seus amigos. Depois que ele tinha sido morto, os conspiradores se reuniram e conferiram conjuntamente o reino a Nabonnedus [Nabonido], um babilônio e membro da conspiração”.36 Este relato está de acordo com a Estela de Hila, na qual Nabonido dá uma descrição semelhante do caráter de Labashi-Marduque e de sua própria entronização.37 

A evidência é que a rebelião que trouxe Nabonido ao poder irrompeu quase imediatamente após a ascensão de Labashi-Marduque, e que ambos reinaram simultaneamente durante algumas semanas, mas em lugares diferentes. Deve-se notar que todas as tabuinhas conhecidas do reinado de Labashi-Marduque são de apenas três cidades: Babilônia, Uruque e Sipar, e que não havia qualquer sobreposição entre os dois reinados em alguma destas cidades:

 NipurBabilôniaUruqueSipar
Labashi-Marduque, última tabuinha:1º de junho19 de junho20 de junho
Nabonido, primeira tabuinha:25 de maio14 de julho?1º de julho26 de junho

O Dr. Paul-Alain Beaulieu aborda com certa profundidade os dados disponíveis, concluindo que, “Considerando-se toda esta evidência, a reconstituição usual da ascensão de Nabonido parece correta. Provavelmente ele foi reconhecido como rei já em 25 de maio na Babilônia central (Babilônia e Nipur), mas as regiões afastadas teriam reconhecido Labashi-Marduque até o final de junho.”38 

Assim, há uma explicação bem fundamentada para a breve sobreposição entre os reinados de Labashi-Marduque e Nabonido. A ascensão do jovem e — pelo menos em alguns círculos influentes — impopular Labashi-Marduque causou uma rebelião e Nabonido, fortemente apoiado por camadas influentes em Babilônia, tomou o poder e estabeleceu uma realeza rival. Por um breve período houve uma realeza dupla, embora em diferentes locais do reino, até Labashi-Marduque ser finalmente assassinado e Nabonido poder ser oficialmente coroado como rei.

Em conclusão, as datas estranhas em algumas tabuinhas do período neobabilônico não geram qualquer problema importante. Nenhuma delas acrescenta quaisquer anos ao período, uma vez que as “sobreposições” criadas pelas datas estranhas dizem respeito a meses apenas, não a anos. E conforme se mostrou acima, é possível encontrar explicações razoáveis para todas as três sobreposições, sem curvar-se a teorias forçadas e comprovadamente insustentáveis sobre anos e reis adicionais durante o período.39 

COMENTÁRIOS ADICIONAIS SOBRE AS INSCRIÇÕES REAIS

A Estela de Hila (Nabon. Nº. 8)

Segundo a Estela de Hila, cinquenta e quatro anos se passaram desde a desolação do templo Ehulhul em Harã, no décimo sexto ano de Nabopolassar (610/609 A.E.C.), até o ano de ascensão de Nabonido (556/555 A.E.C.).

Numa tentativa de minar a credibilidade desta informação, pelo menos um dos defensores da cronologia da Sociedade Torre de Vigia alegou que os cinquenta e quatro anos referiram-se ao período de desolação do templo de Ehulhul, e que Nabonido declara que ele foi reconstruido imediatamente após o fim deste período. Como a reconstrução do templo não foi realmente completada até vários anos depois de a Estela de Hila ter sido inscrita, alegou-se que o período de cinquenta e quatro anos é fictício.

Tal interpretação da estela é uma grosseira distorção do assunto. Embora seja verdade que o templo permanecera desolado por cinquenta e quatro anos quando Nabonido, em seu ano de ascensão, concluiu que os deuses tinham lhe ordenado que o reconstruisse, ele não diz que foi reconstruido imediatamente. Conforme é indicado por vários textos, a restauração do templo foi evidentemente um prolongado processo que durou vários anos, talvez até o décimo terceiro ano de Nabonido.

Por outro lado, os cinquenta e quatro anos terminaram evidentemente no ano de ascensão de Nabonido, quando, segundo a inscrição de Adade-Gupi, “a ira do coração dele [do deus Sin] acalmou-se. Para com E-hul-hul, o templo de Sin que (fica) em Harã, o domicílio do deleite do coração dele, ele foi reconciliado, teve consideração. Sin, o rei dos deuses, olhou por mim e por Nabonido (meu) filho único, o fruto do meu ventre, para a realeza ele chamou”.40 

A declaração na Estela de Hila, segundo a qual Sin “voltou ao seu lugar” neste momento não deve ser entendida como significando que o templo foi reconstruido neste momento. Em vez disso, pode significar quer Sin, o deus-lua, “retornou ao seu lugar” no céu, conforme sugerido por Tadmor. Os babilônios não só sabiam que os fenômenos lunares tais como eclipses ocorriam frequentemente a cada período de dezoito anos (o chamado “ciclo Saros”), como também que eles ocorriam, e com um grau muito maior de confiabilidade, a cada período de cinquenta e quatro anos (três “ciclos Saros”). Os astrônomos babilônicos até mesmo usaram estes e outros ciclos para predizer eclipses lunares. Na época em que Nabonido ascendeu ao trono, um ciclo completo da lua tinha passado desde a destruição do templo da lua em Harã, e Nabonido pode ter visto isto como uma notável coincidência e um presságio favorável. Uma vez que Sin tinha agora “voltado ao seu lugar” no céu, não teria chegado o tempo para ele voltar também ao domicílio terrestre dele em Harã? Assim Nabonido concluiu que o templo tinha de ser reconstruido.41 

A inscrição de Adade-Gupi (Nabon. Nº. 24)

É bem conhecido que a inscrição de Adade-Gupi contém um erro de cálculo em certo ponto. Como os defensores da cronologia da Sociedade Torre de Vigia enfatizam este erro numa tentativa de diminuir o valor da inscrição, parece necessário fazer alguns comentários sobre o problema.

Acredita-se geralmente que Assurbanipal tenha começado seu reinado na Assíria em 668 A.E.C. Seu vigésimo ano, é, então, datado em 649/48 A.E.C. Se Adade-Gupi nasceu nesse ano, e se ela continuou viva até o começo do nono ano de Nabonido, 547 A.E.C., ela teria 101 ou 102 anos de idade por ocasião de sua morte, não 104 anos como diz a inscrição. Peritos que examinaram a inscrição, concluíram então que a estela contém um erro de contagem de aproximadamente dois anos. “Todos concordam neste ponto”, dizem os peritos P. Garelli e V. Nikiprowetsky.42 

Mais adiante, a inscrição parece dar ao rei assírio Assur-etil-ili um reinado de três anos, o que foi considerado como um problema, uma vez que há uma tabuinha de contrato datada no quarto ano deste rei.43 Desde que C. J. Gadd publicou sua tradução do texto, outros peritos examinaram estes problemas. O Dr. Joan Oates propõe uma solução que foi aceita por outros peritos como sendo provavelmente a mais correta:44 

Como é evidente à base da inscrição, Adade-Gupi viveu primeiro em território assírio (talvez em Harã) servindo sob os reis assírios até o terceiro ano de Assur-etil-ili, quando ela se mudou para Babilônia, servindo sob os reis babilônicos a partir de então. Como explica Oates, isto não significa que o terceiro ano de Assur-etil-ili foi seu último. Se Assur-etil-ili começou a reinar na Assíria depois da morte de seu pai em 627 A.E.C., o terceiro ano dele foi 624/23 A.E.C. Desse modo, seu segundo e terceiro anos de reinado na Assíria coincidiram com o primeiro e segundo anos de Nabopolassar em Babilônia (625/24 e 624/23 A.E.C.). Ao calcular a idade de Adade-Gupi, Nabonido (ou o escriba que fez a inscrição) simplesmente somou os anos de reinado sem levar em conta esta sobreposição do reinado de Assur-etil-ili com o de Nabopolassar.45 

A solução de Oates foi apoiada em 1983 por Erle Leichty. Discutindo uma nova inscrição do reinado de Assur-etil-ili, ele mostrou que concorda com a conclusão de Oates de que “o terceiro ano de Assur-etilli-ilani é o mesmo que o segundo ano de Nabopolassar”, acrescentando, “acredito que a cronologia de Oates provavelmente voltará a ser a correta, mas o julgamento final tem de esperar pelo resto da evidência”.46 

Qualquer que seja o caso, o erro na inscrição é um problema secundário que não afeta os reinados dos reis neobabilônicos conforme fornecidos na inscrição de Adade-Gupi. Ela surgiu da tentativa de estabelecer a idade de Adade-Gupi, a qual teve de ser calculada, porque, conforme indicado por Rykle Borger, os babilônios (assim como as Testemunhas de Jeová hoje!) “nunca celebravam seus aniversários, e dificilmente sabiam sua própria idade”.47 

Notas

20 – Carta de Walker a Jonsson, 1º de outubro de 1987. Isto se reflete também nos catálogos CBT na coleção de Sipar do Museu Britânico, mencionada no capítulo 3 deste livro, nota de rodapé 60, a qual lista uns 40.000 textos. Um bom número de datas estranhas são apenas erros de impressão, enquanto muitas outras na coleção são resultantes de erros de leitura. Uma lista com correções e acréscimos é mantida no museu pelo Sr. Walker.

21 – Um Catálogo de Antigas Tabuinhas Babilônicas na Biblioteca Bodleian, Oxford IV, R. Campbell Thompson (em inglês – Londres: Luzac e Co., 1927), tabuinha nº. A 83.

22 – Carta do Dr. D. J. Wiseman a Jonsson, 19 de junho de 1987.

23 – Textes Cunéiformes, Tome XII, Contrats Néo-Babyloniens, I, G. Contenau (Paris: Librarie Orientaliste, 1927), pág. 2 + Pl. X, tabuinha nº 16; Archiv für Orientforschung, Vol. 16, 1952-53, pág. 308; Journal of Cunéiform Studies, Vol. 35:1-2, 1983, pág. 59.

24 – Carta da Dra. Béatrice André, do Museu do Louvre, para C. O. Jonsson, 20 de março de 1990. Como Nabopolassar, o pai de Nabucodonosor, reinou durante 21 anos, esta leitura do nome do rei não gera qualquer problema. Nos primórdios da Assiriologia a leitura dos nomes dos reis era uma tarefa muito mais árdua. Em 1877, por exemplo, Wt. St. Chad Boscawen encontrou duas tabuinhas no arquivo da casa comercial babilônica de Egibi, que pareciam mencionar dois reis neobabilônicos anteriormente desconhecidos: Marduk-shar-uzur e La-khab-ba-si-kudur. Todavia, mostrou-se depois que os dois nomes eram leituras incorretas de Nergal-shar-uzur [Neriglissar] e Labashi-Marduque. Segundo o banqueiro Bosanquet, que financiou o trabalho de Boscawen nas tabuinhas, havia também uma tabuinha no arquivo de Egibi, datada no 11º ano de Nergal-shar-uzur. Todavia, nenhuma tabuinha assim foi encontrada desde então na coleção do Museu Britânico. Mui provavelmente era outra leitura incorreta, e o próprio Bosanquet não fez mais referência a isso, quando apresentou depois sua própria cronologia da Era Neobabilônica, a qual era totalmente insustentável e especulativa. — Transações da Sociedade de Arqueologia Bíblica, Vol. 6 (em inglês – Londres 1878), págs. 11, 78, 92, 93, 108-111, 262, 263; “George Smith e as “Tabuinhas de Egibi””, S. M. Evers, Iraque, Vol. LV em inglês, 1993, pág. 110.

25 – Zeitschrift der Deutschen Morgenländischen Gesellschaft, F. H. Weissbach, Vol. LV em inglês, 1901, págs. 209, 210, com referências.

26 – Weissbach, Ibid., pág. 210.

27 – Cronologia Babilônica: 626 A.C. – 75 A.D., R. A. Parker e W. H. Dubberstein (em inglês – Providence: Editora da Universidade Brown, 1956), pág. 12.

28 – Uma tradução do primeiro texto (BM 58872) foi publicada por R. H. Sack em 1972 (Nº. 79 em Amel-Marduk 562-560 A.C., Ronald H. Sack, Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1972, págs. 3, 106, em inglês). Para o segundo texto (BM 75322), veja CBT (cf. a pág. 376 deste Apêndice, nota 20), Vol. VIII, pág. 31. Dois outros textos publicados por Sack (numerados como 56 e 70 na obra dele) parecem ser datados no “4º mês” do ano de ascensão de Evil-Merodaque, o que significaria uma sobreposição de dois meses com o reinado do pai dele. Todavia, o Sr. Walker, na citação, confirmou que o nº. 56 (BM 80920) está datado no “7º mês”, como se mostra também em CBT VIII, pág. 245. Em Sack nº. 70 (UCBC 378), o mês está também danificado, e talvez seja 7 em vez de 4”. (Citação do Prof. Niek Veldhuis, de Berkeley, Califórnia, em 2 de outubro de 2007.) Além disso, no BM 65270 (alistado em CBT VII) o nome do mês é difícil de ser lido, e “talvez seja mais provável que o mês é 7 em vez de 4.” — Carta de Walker a Jonsson, 13 de novembro de 1990. Cf. também Nabucodonosor e Babilônia, D. J. Wiseman (em inglês – Oxford: Editora da Universidade de Oxford, 1985), págs. 113, 114.

29 – A Babiloníaca de Beroso. Fontes do Antigo Oriente Próximo, Stanley Mayer Burstein, Vol. 1, fascículo 5 (em inglês – Malibu, Califórnia.: Publicações Undena, 1978), pág. 28.

30 – “A Situação Política em Babilônia Durante o Reinado de Amel-Marduque”, Stefan Zawadzki em Shulmu IV: O Cotidiano no Antigo Oriente Próximo: Documentos Apresentados na Conferência Internacional, Poznan, 19-22 de setembro de 1989, editado por J. Zablocka e S. Zawadzki (em inglês – Poznan: Editora da Universidade Adam Mickiewicz, 1993), págs. 309-317. Que Nabucodonosor provavelmente morreu antes do sexto mês de seu 43º ano é também apoiado por um texto neobabilônico de Uruque, YBC 4071, datado no dia 15 de abu (o quinto mês), do 43º ano da “Dama de Uruque, Rei de Babilônia” (sendo a “Dama de Uruque” Istar, a deusa de guerra e do amor, cujo grande templo situava-se em Uruque). O Dr. David B. Weisberg, que publicou este texto em 1980, conclui que Nabucodonosor evidentemente estava morto neste momento, embora “escribas cautelosos continuassem a datar para ele mesmo após sua morte, esperando prudentemente para ver quem seria seu sucessor. Todavia, alguém pode ter preferido a opção de datar para A Dama de Uruque, ‘Rei’ de Babilônia”. — Textos da Época de Nabucodonosor, D. B. Weisberg, Séries Orientais de Yale, Vol. XVII (em inglês – New Haven e Londres: Editora da Universidade de Yale, 1980), pág. xix. Cf. Zawadzki, op. cit., pág. 312.

31 – “Nergal-sharra-usur, Rei de Babilônia, conforme visto em fontes cuneiformes, gregas, latinas e hebraicas”, Ronald H. Sack, Zeitschrift für Assyriologie, Vol. 68 (Berlim, 1978), pág. 132.

32 – CBT VII, pág. 36. No catálogo consta dia “17”, que está corrigido para “19” na lista de Walker.

33 – CBT VIII, pág. 35. Walker, que confrontou ambas as tabuinhas em várias ocasiões, indica que “os meses estão registrados com muita clareza em ambos os casos”. — Carta de Walker a Jonsson, 26 de outubro de 1990.

34 – Documentos de Uruque mostram que Labashi-Marduque foi reconhecido como rei nessa cidade nos meses de nisanu, ayaru e simanu. — O Reinado de Nabonido, Rei de Babilônia 556-539 A.C., Paul-Alain Beaulieu (em inglês – New Haven e Londres: Editora da Universidade de Yale, 1989), págs. 86-88. Os comentários críticos sobre a Lista de Reis de Uruque que Ronald H. Sack faz na página 3 de seu trabalho, Neriglissar – Rei de Babilônia (= Alter Orient und Altes Testament, Band 236, Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1994), estão errados, uma vez que são baseados em uma apresentação inadequada da lista, a qual também está em desacordo com as fontes mencionadas em sua nota de rodapé.

35 – R. H. Sack, op. cit., págs.  25-31. Há alguma evidência de que Neriglissar, antes de tomar o poder, mantinha o cargo mais alto (qipu) no templo de Ebabara em Sipar, e que sua rebelião começou naquela cidade. Isto explicaria por que os mais antigos textos datados no reinado dele são de Sipar, indicando que ele foi reconhecido primeiro naquela área, enquanto Amel-Marduque ainda era reconhecido nos demais locais por vários meses. — S. Zawadzki, op. cit. (nota de rodapé 30 deste capítulo), também J. MacGinnis na Revista da Sociedade Oriental Americana, Vol. 120:I (em inglês – 2000), pág. 64.

36 – Burstein, op. cit., pág. 28.

37 – Antigos Textos do Oriente Próximo Relativos ao Velho Testamento [sigla em inglês: ANET], editado por James B. Pritchard (em inglês – Princeton, Nova Jersey: Editora da Universidade de Princeton, 1950), pág. 309. Para detalhes adicionais, veja o Capítulo 3 deste livro, seção B-4-e.

38 – Paul-Alain Beaulieu, op. cit.  (nota 34 deste capítulo), págs. 86-88. Cf. também W. Röllig em Reallexikon der Assyriologie und vorderasiatischen Archäologie, editado por D. O. Edzard, Vol. VI (Berlim e Nova Iorque: Walter de Gruyter, 1980), pág. 409.

39 – Se os defensores da cronologia da Sociedade Torre de Vigia insistem que tal “sobreposição” de alguns meses entre dois reis neobabilônicos indica que houve anos adicionais ou talvez até mesmo um rei adicional entre os dois, eles deveriam — a bem da consistência — dar a mesma explicação para “sobreposições” semelhantes encontradas entre reis do período persa. Por exemplo, a última das tabuinhas do reinado de Ciro é datada em 20/VIII/9 (5 de dezembro de 530 A.E.C.), enquanto o primeiro dos textos do reinado de seu sucessor, Cambises, é datado em 12/VI/asc. (31 de agosto de 530 A.E.C.). Isto significaria que houve uma sobreposição de mais de três meses entre os dois reis! (“Ciro ‘rei de países’, Cambises ‘rei de Babilônia’: a co-regência contestada”, Jerome Peat, Revista de Estudos Cuneiformes, Vol. 41/2, outono de 1989, pág. 210 em inglês; Iranianos na Babilônia Aquemênida, M. A. Dandamaev, Cosa Mesa, Califórnia e Nova Iorque: Mazda Publishers, 1992, págs. 92, 93 em inglês.) Como a Sociedade Torre de Vigia data a queda de Babilônia em 539 A.E.C. por contar para trás a partir do reinado de Cambises, ela certamente não gostaria de ter qualquer ano adicional inserido entre Ciro e Cambises, uma vez que isso recuaria a data da queda de Babilônia em muitos anos! (Veja Estudo Perspicaz das Escrituras, Vol. 1, 1990, pág., 607.) Dandamaev (op. cit., 1992, pág. 93) dá a seguinte explicação muito plausível para a sobreposição:  “Parece que Ciro designou Cambises como rei adjunto antes de sua expedição contra os Massagetas”. Isto está de acordo com a declaração de Heródoto (VII, 3) de que era o costume dos reis persas designar seus sucessores no trono antes de partirem para uma guerra, na qual poderiam ser mortos nas batalhas.

40 – “As Inscrições de Nabonido em Harã”, C. J. Gadd, Estudos Anatolianos, Vol. VIII, 1958, págs. 47-49.

41 – “As Inscrições de Nabonido: Arranjo Histórico”, Hayim Tadmor em Estudos em Honra de Benno Landsberger Pelo Seu Septuagésimo Quinto Aniversário [Estudos Assiriológicos, No. 16], editado por H. Güterbock & T. Jacobsen (em inglês – Chicago: Editora da Universidade de Chicago, 1965), pág. 355. — Em relação à superioridade do ciclo de 54 anos, veja “Períodos de Eclipse e a Predição de um Eclipse Solar por Tales. Verdade histórica e Mito Moderno”, Dr. W. Hartner em Centaurus, Vol. 14, 1969, págs. 60-71 em inglês.

42 – Le Proche-Orient Asiatique, P. Garelli e V. Nikiprowetsky (Paris: Presses Universitaires de France, 1974), pág. 241. Uma exceção é M. Gerber em ZA 88:1 (1998), págs.  72-93.

43 – C. J. Gadd, op.  cit., págs.  70 e seguintes.

44 – “Cronologia Assíria”, 631-612 A.C.”, Joan Oates, Iraq, Vol. 27, 1965, págs.  135-159 (em inglês).

45 – Evidentemente o Dr. Paul-Alain Beaulieu, em sua discussão destes problemas, não tinha conhecimento da solução de Oates. Desse modo, seus comentários são confusos e o questionamento que ele faz da precisão dos dados cronológicos da estela é claramente não comprovado. — O Reinado de Nabonido, Rei de Babilônia 556-539 B.C., Paul-Alain Beaulieu (em inglês – New Haven e Londres: Editora da Universidade de Yale, 1989), págs. 139, 140.

46 – Erie Leichty na Revista da Sociedade Oriental Americana, Vol. 103, 1983, pág. 220, nota 2.

47 – “Mespotamien in den Jahren 629-621 v. Chr.”, Rykle Borger, Wiener Zeitscchrift für die Kunde des Morgenlandes, Vol. 55, 1959, pág. 73.

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