“Removam do Meio de Vocês a Pessoa Má” – Análise de 1 Coríntios 5:13

Sobre o assunto da “desassociação” e o texto de 1 Coríntios 5:13, um leitor escreveu:

Sou membro inativo da organização das Testemunhas de Jeová, mas não me considero membro dessa religião nem me identifico como tal desde que afastei. Assim como vocês, gosto muito de pesquisar e considerar ao máximo algum ponto bíblico. Gosto muito do vosso site e os artigos, são muito úteis. Mas vos escrevo, porque estive lendo os artigos relacionados à desassociação (excomunhão), encontrei três, a saber, “Um Cristão Pode Ser Excomungado?”, “A Política da Desassociação e Suas Consequências” e “‘Sou desassociada e meus parentes Testemunhas de Jeová não falam comigo. O que fazer?'”, são só estes?

Meus motivos não são para contestá-los ou atacá-los de alguma forma, longe disso, assim como é o propósito do site, gostaria de saber qual opinião/visão de vocês sobre um determinado ponto relacionado com esse assunto de desassociação. Por favor, não me interpretem mal e perdoem-me se lhes parecer grosseiro, não é minha intenção.

Nos três artigos citados que li sobre o assunto, um não faz referência bíblica e outros dois sim. Referem-se à 1 Coríntios 5:9-11, como texto-base usado pela Torre de Vigia, além de 2 João 9-11 e outros, para ensinar e legislar na organização sobre o tratamento a membros desassociados. Nunca concordei com esse tipo de tratamento ainda quando eu era uma Testemunha de Jeová ativa, mas o que sempre me intrigou é o que diz o versículo 13, sobre o qual nunca encontrei comentários. Citarei 4 versões diferentes, apenas para comparação, mas em todas que comparei nenhuma dá margem a uma possível interpretação diferente nem encontrei na internet algum artigo que pudesse dizer algo diferente.

1 Coríntios 5:13

  • “ao passo que Deus julga os de fora? “Removam do meio de vocês a pessoa má.”” (Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada)
  • “Os de fora, porém, Deus julgará. Retirai o homem mau do meio de vós.” (Novo Testamento, Versão Restauração)
  • “Deus julgará os de fora. Apenas expulsem esse perverso do meio de vocês.” (Bíblica Judaica Completa)
  • “Os de fora, Deus os julgará. Afastai o mau do meio de vós.” (Bíblia de Jerusalém)

O ponto é exatamente o trecho “Removam do meio de vocês a pessoa má”. Em todas essas versões esse trecho tem como referência a lei mosaica, registrada em Deuteronômio 13:6, a única diferença é que Paulo não faz referência à pena de morte, obviamente. Mas e aí, é certo expulsar um co-crente de nossa eclesia (congregação/grupo, seja doméstico ou não) sabendo que ele é um pecador (no sentido, por exemplo, de ter consciência e até mesmo prova de que ele esteja traindo o cônjuge)?

Consequentemente me ocorreu outra questão, com base no versículo 12, que diz: “não são vocês que julgam os de dentro…?”, aqui Paulo parece dizer quer era comum que os membros de uma congregação julgassem um transgressor, ele até repreende os coríntios por expressar nos versículos 2 e 3 sua indignação e inconformidade de como eles ainda não tinham feito nada a respeito e diz no versículo 3 que ele mesmo já havia julgado o transgressor.

Resumindo o que eu entendi a respeito. Não há necessidade de um conselho ou comissão judicativa (grupo de pessoas para isso), a congregação como um todo pode julgar, e se for o caso, remover (desassociar) o transgressor do grupo (congregação).

Resposta

É um prazer poder analisar e responder agora às questões que levantou. A primeira parte de uma de suas perguntas foi esta:

“… é certo expulsar um co-crente de nossa eclesia (congregação/grupo, seja domestico ou não)…?”

Para responder diretamente à pergunta: Não. Não é correto o procedimento de expulsão. Passaremos a explicar detalhadamente o porquê disso, com base bíblica.

Nessa questão da defesa dos princípios cristãos dentro do ambiente da congregação, é importante que nosso pensamento seja moldado pelo que dizem todas as referências bíblicas pertinentes ao assunto. Para o propósito desta resposta a você, destacamos, para começar, os seguintes três “casos” (NVI, com grifos foram acrescentados):

  1. “Quanto a vocês, irmãos, nunca se cansem de fazer o bem. Se alguém desobedecer ao que dizemos nesta carta, marquem-no e não se associem com ele, para que se sinta envergonhado; contudo, não o considerem como inimigo, mas chamem a atenção dele como irmão.” (2 Tessalonicenses 3:13-15)
  2. “Mas agora estou lhes escrevendo que não devem associar-se com qualquer que, dizendo-se irmão, seja imoral, avarento, idólatra, caluniador, alcoólatra ou ladrão. Com tais pessoas vocês nem devem comer.” (1 Coríntios 5:11)
  3. “Todo aquele que não permanece no ensino de Cristo, mas vai além dele, não tem Deus; quem permanece no ensino tem o Pai e também o Filho. Se alguém chegar a vocês e não trouxer esse ensino, não o recebam em casa nem o saúdem. Pois quem o saúda torna-se participante das suas obras malignas.” (2 João 9-11)

É verdade que o versículo de 1 Coríntios 5:13 poderia dar a impressão de que a congregação deve tomar uma ação definida de realmente expulsar um membro transgressor da comunidade. E a maneira como este versículo foi traduzido em algumas versões bíblicas parece confirmar que é isso mesmo o que a congregação deveria fazer, pois tais versões até usam o verbo “expulsar” ou “expelir”.

Em nenhum momento, porém, Paulo disse que deveria ser convocado algum tipo de “tribunal da igreja” para decidir a expulsão sumária de alguém duma congregação cristã. A ênfase dele – em todo e qualquer caso – sempre foi no sentido de se ‘evitar a associação’ com pessoas que fizessem cada uma das coisas descritas acima. É isso, basicamente, o que significa a instrução “removam do meio de vocês a pessoa má.” (como foi traduzido na TNM revisada). Este procedimento de evitar a associação pode ser seguido naturalmente por todos os cristãos que conhecem a vida e a situação daquela pessoa transgressora, sem a necessidade de que alguém determine oficialmente que esses cristãos façam isso.

Na primitiva congregação cristã, as reuniões eram realizadas nos lares e todos os que frequentavam um determinado grupo se conheciam bem. Além destas reuniões de adoração, as pessoas costumavam se encontrar em outras ocasiões sociais, que normalmente também ocorriam nas casas e geralmente envolviam refeições.

Caso se tornasse conhecido que uma determinada pessoa estivesse envolvida em conduta anticristã, o dono daquela casa tinha todo o direito de, inclusive, não convidar ou mesmo não admitir o ingresso dessa pessoa numa reunião ou em algum outro encontro social realizado na casa dele. E todos os demais cristãos fiéis que frequentassem regularmente aquele grupo não teriam qualquer motivo para discordar da decisão do dono da residência, já que todos eles saberiam do procedimento daquela pessoa desordeira e teriam bem em mente estas instruções apostólicas.

Enfatizamos, porém, que esse procedimento descrito acima não equivale a uma “expulsão”. A pessoa transgressora não estaria “expulsa” da comunidade pelo fato de sua presença não ser admitida nas reuniões espirituais e sociais pelo dono da casa (com o apoio dos demais cristãos que respeitassem essas instruções).

Queira notar que, em cada um dos “casos” acima, a posição do transgressor dentro da comunidade não é a mesma. Esta posição varia. No primeiro caso, ele ainda ‘é um irmão’, apesar de sua conduta ser indisciplinada. No segundo caso, ele apenas ‘diz ser irmão’, mas sua conduta está negando isso (pelo menos naquele momento). No terceiro caso, esta pessoa deixou de ser um irmão, já que ‘não permaneceu no ensino de Cristo’. Se esta pessoa ‘não tem Deus’, ela necessariamente não é mais um cristão.

Porém, apesar dessa diferença de grau, note que nos três casos, a associação com esta pessoa é descontinuada. Mas não porque se organizou algum “tribunal de julgamento” ou se fez alguma “votação” para decidir isso para o grupo inteiro. Essa decisão de não se associar mais com aquela pessoa é uma decisão consciente de cada cristão fiel que está naquele grupo e conhece a situação dessa pessoa. Cada cristão do grupo tem a liberdade de decidir isso por si mesmo, tendo em mente os princípios estabelecidos na Bíblia. A seguinte referência é pertinente a este assunto:

“Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, [“os que param de se associar com pessoas desonrosas”, God’s Word Translation; “se uma pessoa se mantiver livre do aviltamento por parte dos últimos”; The Complete Jewish Bible] será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra.” 2 Timóteo 2:20,21 (ACF)

Isso mostra que o grau de associação que se manterá com determinadas pessoas na congregação é algo a ser decidido individualmente. Isso não é uma decisão grupal. O texto acima não sugere nada sobre decisão coletiva. Ele diz “alguém”, referindo-se ao cristão individual, o qual deverá decidir por si mesmo se terá ou não terá associação com determinadas pessoas (referidas aí como “vasos para desonra”) que estão na congregação. Caso um cristão entenda que determinada pessoa (ou pessoas) que estão na congregação é uma “má associação” e que ela poderá ‘estragar bons costumes’ 1 Coríntios 15:33, esse cristão poderá decidir por si mesmo não manter associação com esta pessoa. E a decisão dele deve ser respeitada por todos os demais.

Sua outra questão foi referente à palavra “julgar”, usada por Paulo. Aplica-se isso a um “procedimento judicativo”, tal como existe na organização das Testemunhas de Jeová?

Paulo escrevendo 1 Coríntios 5:13
São Paulo escrevendo suas cartas por Valentin de Boulogne

Não. Não existe evidência de que Paulo tinha isso em mente. Vejamos a referência, na íntegra:

“Consta geralmente que há fornicação entre vós, e tal fornicação qual nem ainda entre os gentios, de modo que há quem vive com a mulher de seu pai. Estais vós inchados, e não pranteastes, para que fosse tirado do meio de vós aquele que tal ação praticou? Pois eu, na verdade, ausente em corpo, mas presente em espírito, já tenho, como se estivesse presente, julgado aquele que assim se portou…”  1 Coríntios 5:1-3 (SBB; “já condenei aquele que fez isso”, NVI)

O apóstolo Paulo não poderia estar falando de alguma “comissão judicativa”. Note que ele “julgou” e “condenou” à distância o homem que fazia isso, com base no simples conhecimento do caso. Isso mostra que qualquer cristão está livre para fazer o mesmo; isso não era uma prerrogativa exclusiva de Paulo (nem é apenas dos “anciãos” de alguma igreja).

Todo cristão adulto sabe muito bem o que é “fornicação”, “adultério”, “idolatria”, “mentira”, “ganância”, etc.; ninguém precisa definir essas coisas para ele. Com base em sua consciência, este cristão tem plena condição de “julgar” e considerar “condenável” a ação de qualquer pessoa que esteja fazendo alguma dessas coisas e por acaso esteja associada ao seu grupo. E, conforme mostramos acima, este cristão poderá descontinuar por si mesmo a associação com tal pessoa, sem necessidade de esperar pela conclusão de algum “processo judicativo” humano. Isso é tudo o que pode ser tirado dessas palavras de Paulo.

Aplicando agora toda a análise acima ao caso específico de seu grupo, conforme a informação que você deu em sua mensagem, diremos, para concluir, o que segue. Sua pergunta completa foi:

“… é certo expulsar um co-crente de nossa eclesia (congregação/grupo, seja domestico ou não) sabendo que ele é um pecador (no sentido, por exemplo, de ter consciência e até mesmo prova de que ele esteja traindo o cônjuge)?”

Conforme já dissemos, um procedimento formal de expulsão , decretando “oficialmente” que a pessoa transgressora ‘não é mais cristã’, que ‘não é mais para ser cumprimentada’, etc, não tem base bíblica. O ‘remover a pessoa má do meio da congregação’ é no sentido de cada cristão fiel que compõe o grupo decidir por si mesmo descontinuar sua associação com o transgressor. (Entendemos que um chefe de família, por exemplo, tem o direito de orientar sua família a evitar a associação com determinada pessoa, já que cabe a ele a responsabilidade de proteger a espiritualidade de sua família.).

Para o momento é o que temos a dizer. Caso algum ponto desta resposta não tenha ficado suficientemente claro, volte a contatar-nos.

Imagem: Revista A Sentinela (Edição de Estudo). Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania. Abril/2015, pág 29.

2 thoughts on ““Removam do Meio de Vocês a Pessoa Má” – Análise de 1 Coríntios 5:13

  • fevereiro 4, 2024 em 9:47 am
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    Oi sou Adriano do canal O PUBLICADOR EX TESTEMUNHA DE JEOVÁ! Gostaria de saber se poderia usar seus artigos do site no meu canal, irei dar os devidos créditos ao site! Obrigado! Aguardo uma resposta e que o Pai Celestial abençoe este trabalho!

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    • fevereiro 14, 2024 em 5:18 pm
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      Olá Adriano, agradecemos pelo contato. Você pode fazê-lo, sem problemas!

      Resposta

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