“Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão” – Qual foi o verdadeiro ensino?

O que foi realmente ensinado pela Torre de Vigia e as conseqüências do fracasso dessa predição nos ensinos da organização até os dias atuais.

UM BREVE HISTÓRICO 

O fracasso de tudo o que havia sido predito para 1914 e a morte de Russell em 31 de outubro de 1916, deixou seus seguidores desorientados. Depois de um breve período, Rutherford se tornou o presidente da organização mundial. [1] Rutherford demonstrou capacidade de reerguer a organização e foi capaz de reacender o senso de urgência entre os seguidores remanescentes, ao anunciar através de um discurso público em fevereiro de 1918, que “O Mundo Terminou — Milhões Que Agora Vivem Talvez Jamais Morram”. No mês seguinte, o título do discurso foi mudado para uma declaração mais empolgante: “O Mundo Terminou — Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão”. [2]  

O livro Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus, faz referência a isso na pág. 425:

“Que mensagem empolgante proclamavam — “milhões que agora vivem jamais morrerão!” O irmão Rutherford proferira em 1918 um discurso sobre esse assunto. Era também o título dum folheto de 128 páginas publicado em 1920. De 1920 a 1925, esse mesmo assunto foi abordado vez após vez em todo o mundo em reuniões públicas em todas as regiões em que houvesse oradores, e em mais de 30 idiomas.” 

Embora o discurso tivesse sido proferido originalmente em 1918, a campanha mundial só teve início decisivo a partir de 1920, devido ao fato de Rutherford e seus associados terem ido para a cadeia em maio de 1918, ficando lá até 1919.  

Que razão existe para examinar novamente este assunto? Afinal, estes fatos já são muito conhecidos, tanto entre as Testemunhas de Jeová, como entre os que foram desta organização no passado. A própria liderança da Torre de Vigia já admitiu em parte esse erro na doutrina. Além disso, trata-se de eventos que ocorreram no início do século 20, muitas décadas atrás e que, a princípio, não têm qualquer influência na vida das pessoas hoje.  

O caso é que lendo a breve menção deste discurso no livro Proclamadores, e considerando-se que as previsões para 1925 só são mencionadas de maneira parcial e dispersa neste livro, e não são conhecidas na inteireza pela maioria das Testemunhas de Jeová de hoje, qualquer um poderia pensar que o ano de 1925 foi de pouquíssima importância na história desta organização religiosa. Mas esta foi a profecia que, a bem dizer, definiu a presidência de Rutherford e o fracasso dela teve um impacto na doutrina da Torre de Vigia que perdura até os dias atuais.  

“Milhões que Agora Vivem Jamais Morrerão!” introduziu a previsão de que a ressurreição terrestre ocorreria em 1925, começando pelos homens fiéis da antiguidade, tais como Abraão, Isaque e Jacó. Dizia o folheto Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão!, nas páginas 110 e 111:

“Setenta jubilos de cincoenta annos cada um dará o total de 3.500 annos. Este período de tempo principiando 1.575 annos antes da era Christan, naturalmente terminará no outomno do anno 1925, data esta, na qual termina o typo, e o grande prototypo se iniciará. Qual então será o acontecimento que devemos esperar? Pelo typo, deve haver completa restauração, portanto o grande prótotypo marcará o principio da restauração de todas as cousas. A cousa principal a ser restituída é vida á raça humana; desde que outras escripturas definitivamente estabelecem o facto, de que Abrahão, Isaac e Jacob resussitarão e outros fieis antigos, e que estes seriam os primeiros favorecidos, podemos esperar em 1925 a volta desses homens fieis de Israel, resurgindo da morte e completamente restituído á perfeição humana, os quaes serão visíveis e reaes representantes da nova ordem das cousas na terra.”

O EFEITO DO ENSINO DENTRO DA ORGANIZAÇÃO NA ÉPOCA

Conforme já declarado, além das publicações, o ensino sobre os “milhões” foi veiculado por meio duma série de discursos públicos proferidos por muitos oradores da organização. Estes discursos foram também anunciados em jornais, conforme os exemplos abaixo (scans de recortes da época) mostram:

TRADUÇÕES

Trecho com sublinhados no alto da imagem:

“Num discurso público no Auditorium Theater no domingo à tarde, será provado conclusivamente por muitas profecias bíblicas que se cumpriram nos últimos quatro anos, e por muitas outras ainda em vias de cumprimento, que milhares que agora vivem nesta cidade jamais morrerão.”

Trecho argolado em vermelho na parte inferior da imagem:

“Eu quero que a declaração “Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão” seja entendida literalmente como ela é, à luz das profecias cumpridas recentemente, uma proposição bíblica comprovável.” – J. F. Rutherford

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Esta predição de que a ressurreição terrestre teria início em 1925 resultou num tremendo crescimento para a organização:

“Isto resultou em que se introduzissem no santuário muitos outros para serem membros deste restante consagrado por Jeová. Isto foi evidenciado pela assistência cada vez maior nas celebrações anuais da refeição noturna do Senhor, sendo que 32.661 participaram em 1922; 42.000 em 1923; 62.696 em 1924, e 90.434 em 1925.” – A Sentinela de 15 de outubro de 1960, pág. 634

Ocorreu o inverso após o fracasso da predição. Depois de 1925 a assistência à celebração anual da Torre de Vigia entrou em rápido declínio, caindo de mais de 88.000 em 1927 para cerca de 17.000 em 1928. Estima-se que aproximadamente 75% dos Estudantes da Bíblia originais haviam saído da Torre de Vigia no final da década de 1920 e é até difícil determinar as assistências à comemoração entre 1929 e 1934, pois nem existem os registros. Em algum momento da década de 1930 os números voltaram a crescer, mas a assistência ainda era de aproximadamente 63.000, dez anos depois de 1925 (e como o assunto foi abafado e não existiam as facilidades de pesquisa de hoje, a maioria desses novos membros não tinha qualquer noção sobre a maneira nada incerta com que as predições sobre 1925 haviam sido feitas poucos anos antes de eles entrarem na organização). [3]

APENAS UMA “PROBABILIDADE”?

As expectativas para 1925 que foram apresentadas no folheto Milhões e em outras publicações incluíam:

·         O fim da Cristandade

·         A transformação da terra num paraíso

·         A ressurreição dos mortos para viver na terra

·         O restabelecimento dos judeus na Palestina

Estes ensinos foram apresentados como sendo “de Deus” e 1925 foi proclamado como uma data “estabelecida definitivamente nas Escrituras”, conforme mostram os nove trechos que seguem, extraídos de publicações lançadas às vésperas daquele ano:

“Então, baseados nas promessas encontradas nas palavras Divinas, chegamos á positiva e indiscutível conclusão de que, milhões que agora vivem jamais morrerão.” – Folheto Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, pág.122

“Esta cronologia não é de homem algum, mas de Deus… o acréscimo de mais provas a remove inteiramente do campo da possibilidade e coloca dentro do da certeza comprovada… a cronologia da verdade atual… não [é] de origem humana” – Revista A Torre de Vigia de 15 de julho de 1922, pág. 217 (em inglês)

“A data 1925 é ainda mais distintamente indicada pelas Escrituras, porque é fixada pela lei que Deus deu a Israel. Em vista da atual situação na Europa, alguém poderia se perguntar como é possível conter a explosão por muito mais tempo; e que mesmo antes de 1925 a grande crise chegará ao auge e provavelmente terá passado.” – Revista A Torre de Vigia de 1º de setembro de 1922, pág. 262  (em inglês)

“Nosso pensamento é que 1925 está estabelecido definitivamente nas Escrituras. Quanto a Noé, os cristãos agora têm muito mais sobre o que basear sua fé do que Noé tinha sobre o que basear a dele na vinda do dilúvio.” – Revista A Torre de Vigia de 1º de abril de 1923, pág. 106  (em inglês)

“Não podemos ser censurados por apresentar, com base nas Escrituras, uma evidência que nos permite acreditar que um determinado evento ocorrerá em certo momento. Algumas vezes o Senhor permitiu que seu povo esperasse a coisa certa na hora errada, e mais freqüentemente eles aguardaram coisas erradas na hora certa. Mas todos os inimigos da causa da verdade atual na terra esperam fervorosamente que os Estudantes da Bíblia não serão tão bem-sucedidos assim em 1925 em esperar a coisa certa na hora certa como o foram em 1914. Se eles forem, no entanto, serão os outros associados que terão o que explicar, não nós.” – Revista A Idade de Ouro de 13 de fevereiro de 1924, pág. 314 em inglês.

“O ano de 1925 é uma data definitiva e claramente marcada nas Escrituras, ainda mais claramente do que a 1914.” – Revista A Torre de Vigia de 1924, pág. 211  (em inglês).

“A Bíblia e “A Bíblia em Pedra” [a Grande Pirâmide de Gizé] fornecem a data de 1914: para o início da grande mudança. A história prova que o processo de expulsão começou pontualmente na hora certa. A profecia indica que 1925-1926 verá a maior parte da expulsão concluída. Todos os estadistas do mundo estão temendo os próximos anos.” – Livro O Caminho Para o Paraíso (1924), pág. 171 em inglês.

“Quando você se dedicar a um estudo mais avançado da Bíblia, descobrirá que o ano de 1925 AD é marcado particularmente na profecia.” – Livro O Caminho Para o Paraíso, pág. 220 em inglês.

Sem dúvida, muitos meninos e meninas que lêem este livro viverão para ver Abraão, Isaque, Jacó, José, Daniel e aqueles outros homens fiéis do passado surgirem na glória de sua “melhor ressurreição”, perfeitos na mente e no corpo. Não levará muito tempo para que Cristo os nomeie para seus postos de honra e autoridade como seus representantes terrestres.” – Livro O Caminho Para o Paraíso, pág. 226 em inglês.

O que diz a organização sobre isso em publicações mais recentes? Fazendo uso do artifício de citar com aprovação as recordações de uma pessoa apoiadora da organização – e relembradas 50 anos depois – o Anuário das Testemunhas de Jeová de 1976 diz na pág. 146:

“Veio e foi-se o ano de 1925. Os seguidores ungidos de Jesus ainda estavam na terra como classe. Os homens fiéis da antiguidade — Abraão, Davi e outros — não foram ressuscitados para se tornarem príncipes na terra. (Sal. 45:16) Assim como recorda Anna MacDonald: “1925 foi um ano triste para muitos irmãos. Alguns deles tropeçaram, suas esperanças foram despedaçadas. Tinham esperado ver alguns dos ‘antigos dignitários’ [homens da antiguidade, como Abraão] serem ressuscitados. Ao invés de isso ser considerado uma ‘probabilidade’, leram que era uma ‘certeza’, e alguns se prepararam para seus próprios entes queridos, na expectativa de sua ressurreição.”

Pode-se comparar esta declaração com o que as publicações, citadas na amostra acima, realmente diziam sobre 1925. O que significam as frases “positiva e indiscutível conclusão”, “prova”, “evidência com base nas Escrituras”, “certeza comprovada”, “sem dúvida”, “distintamente indicada” / “estabelecido definitivamente” / “definitiva e claramente marcada” nas Escrituras? Que pessoa normal entenderia cada uma dessas frases como expressando nada mais que uma “probabilidade”?

Mas a organização não se limita apenas a essa desonestidade jornalística de sugerir que os irmãos da época tinham ‘lido mais do que estava escrito’. Embora isso, por si só, seja grave, o problema vai bem mais longe. Vejamos como se expressam as seguintes publicações:

Anuário das Testemunhas de Jeová de 1981, pág. 62:

“Havia sido cometido um erro, mas, como declarou o irmão Rutherford, isto não era razão para deixar de servir o Senhor. Contudo, alguns o fizeram, e, assim, aquele período marcou novos peneiramentos dentro do campo francês. Os algarismos publicados na Sentinela francesa mostram que em 1925 havia 93 pessoas presentes à Comemoração na congregação de Mulhouse, na Alsácia, enquanto que em 1927 a assistência à Comemoração havia caído para 23.”

Livro Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus, página 633:

“Embora esses testes resultassem numa peneiração e alguns fossem levados como a palha ao se joeirar o trigo, outros permaneceram firmes. Por quê? Sobre sua própria experiência e a de outros em 1925, Jules Feller explicou: “Os que haviam depositado a sua confiança em Jeová permaneceram firmes e continuaram a sua atividade de pregação.” Eles reconheceram que se havia cometido um equívoco, mas que de modo algum a Palavra de Deus falhara, e, assim, não havia razão para deixar que a sua esperança minguasse ou de esmorecer na obra de apontar para as pessoas o Reino de Deus como a única esperança da humanidade.”

Quanta sinceridade – para não dizer humildade – existe no ato de reconhecer um erro, mas insinuar imediatamente (e mais uma vez fazendo uso de reminiscências de pessoas idosas, apoiadoras da organização) que todos aqueles Estudantes da Bíblia que descontinuaram o apoio à organização promotora do erro haviam ‘perdido a firmeza’, ‘deixado de servir a Deus’, ‘fracassado num teste de fé’, ‘sido peneirados como palha’ e não tinham mais ‘esperança’ alguma, nem ‘confiança em Jeová ou na Bíblia’? (Para um exemplo adicional de desonestidade jornalística, veja o Apêndice deste artigo.)

QUEM ERAM ESSES “MILHÕES” QUE JAMAIS MORRERIAM?

Qualquer Testemunha de Jeová de hoje pode ser facilmente levada a crer que a expressão “milhões que agora vivem jamais morrerão” aplica-se – e sempre se aplicou – às pessoas da “grande multidão”, associadas à organização Torre de Vigia, as quais a organização ensina agora que viverão para sempre na terra. Com apenas uma exceção, esta é basicamente a ideia que tem sido transmitida pelas publicações da organização, já por décadas. Consideremos estas citações, como amostra:

A Sentinela de 15 de maio de 1963, pág. 294 (em inglês):

“O slogan “Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão” aplicava-se apenas à “grande multidão” de “outras ovelhas”, mencionadas nas Escrituras em Revelação 7:9 e João 10:16, cujo destino é um paraíso terrestre.”

A Sentinela de 15 de julho de 1970, pág. 441:

Em março de 1918 veio o que parecia ser uma resposta bem tangível às nossas perguntas. Anunciou-se e divulgou-se amplamente uma conferência pública. Esta se intitulava “Findou o Mundo, É Possível que Milhões Que Agora Vivem Jamais Morram!”. Ela foi divulgada por discursos e por folhetos impressos em todo o país e no estrangeiro. De fato, foi a primeira publicação que tive o privilégio de oferecer ao público à base duma contribuição. Alguns duvidavam naquele tempo da possibilidade de milhões de pessoas serem ajuntadas à organização do povo de Deus. Eu, da minha parte, sempre achava que ‘a Jeová nada é impossível’. (Mat. 19:26) Estava disposto a esperar, a trabalhar e a ver o que ia acontecer.

Note-se a frase “alguns duvidavam naquele tempo”. Na realidade ninguém tinha essa dúvida, já que o ensino não era este. Conforme se verá a seguir, estar associado à “organização do povo de Deus” não era um requisito “essencial” para a sobrevivência ao Armagedom.

A Sentinela de 15 de agosto de 1980, pág. 19:

No congresso geral de 1923, realizado em Los Angeles, Califórnia, E. U. A., o presidente da Sociedade Torre de Vigia (dos E. U. A.), então já por quatro anos livre do encarceramento na penitenciária de Atlanta (Geórgia), considerou a ilustração das ovelhas e dos cabritos. Esta não precisava esperar até o reino milenar de Jesus Cristo para o começo do seu cumprimento. A classe das pessoas semelhantes a ovelhas já se estava formando. Membros dela já apareciam no cenário e estavam fazendo o bem ao restante dos “irmãos” espirituais do glorificado Jesus Cristo. O tema da conferência pública “Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão” costumava ser aplicado a tais. Eles pertenciam às “outras ovelhas” mencionadas por Jesus em João 10:16.

A Sentinela de 1º de março de 1985, pág. 14:

“O Senhor fala a respeito de uma classe de pessoas a quem ele ‘livrará no dia do mal e a conservará viva e abençoada na terra’. (Sal. 41:1, 2) Esta deve ser a classe de pessoas da qual amiúde se fala como ‘os milhões que agora vivem que jamais morrerão’.” Hoje, é emocionante ver na realidade milhões de tais pessoas sendo marcadas para a preservação, ao passo que se revestem da verdadeira personalidade cristã, numa relação dedicada com Jeová por meio de Cristo Jesus… Apresentaram-se naquela ocasião provas conclusivas que identificavam a “grande multidão” de Revelação 7:9 com as “outras ovelhas” de João 10:16, com a classe de Jonadabe, com os marcados na testa para a sobrevivência, com os milhões dos que agora vivem e que nunca morrerão, e com as “ovelhas” separadas dos “cabritos”, as quais herdarão a vida eterna no domínio terrestre do Reino de Deus.”

Estas declarações nas 4 publicações precedentes não poderiam estar mais longe da verdade. O ensino da Torre de Vigia não era que a “grande multidão” de associados à organização nunca morreria. O ensino era exatamente o contrário disso.

Na época a organização estava ensinando que os poucos milhares de Estudantes da Bíblia morreriam e iriam para o céu, independentemente de fazerem parte do “pequeno rebanho” ou da “grande multidão” (sendo que esta última era entendida como uma “classe celestial secundária”). Os componentes desses dois grupos passariam pela experiência da morte. Os ‘milhões que jamais morreriam’ não se referiam a nenhuma pessoa desses dois grupos e sim ao resto da humanidade.

Charles Russell havia proposto que todos os seguidores da Torre de Vigia estavam destinados a ir para o céu, enquanto a maioria da humanidade – que não tinha qualquer associação com a organização Torre de Vigia – sobreviveria ao Armagedom para que as pessoas fossem instruídas pessoalmente por Jesus no paraíso terrestre:

“Ele [Jesus Cristo] assume a humanidade como a encontrar, e durante a era milenial lidará com cada pessoa do mundo de acordo com a própria condição particular dela, tendo misericórdia dos fracos e exigindo mais dos fortes …” – Estudos das Escrituras VI – A Nova Criação, pág. 114 em inglês.

É interessante que mesmo depois que se tornou presidente, Rutherford continuou a promover este ensino por vários anos. No novo sistema, livre da influência de Satanás, Jesus ensinaria diretamente todas as pessoas e daria a cada um a oportunidade de escolher se queria viver para sempre, servindo-o. A salvação não dependia de se tornar um seguidor da Torre de Vigia, ou mesmo um crente em Cristo antes do Armagedom. Na verdade, as igrejas eram até criticadas por Rutherford, pelo fato de cada uma delas ensinar a seus membros que só eles seriam salvos. Eis como se expressou o folheto Milhões:

“As seitas religiosas querem que o povo acredite que sómente serão salvos aquelles que pertencem ou tornam-se membros das egrejas. Na Biblia não se encontra esta doutrina… Jesus morreu não somente por aquelles que são membros da egreja, mas por todos. S. João, claramente declarou: “Elle é a propiciação pelos nossos peceados, e não sómente pelos nossos, mas tambem pelos de todo mundo”. (1° S. João, 2:2)… Assim temos a certeza que Jesus morreu para salvar todos os homens, não sómente para poucos… Seria portanto, impossível á raça humana acceitar ou receber a dádiva da vida eterna antes de ser offerecida. Sómente será offerecido no tempo determinado por Deus, e o plano Divino demonstra que este tempo é depois do desenvolvimento da semente da promessa, depois do estabelecimento do Reino; então cada um na sua ordem, terá conhecimento de que existe um plano de redempção, e ha um meio pelo qual elle póde acceitar as condições e viver… Durante a época do Evangelho, sómente os christãos tiveram este conhecimento, e todos os que guardaram estas palavras e as cumpriram fielmente até o fim, terão vida eterna no plano Divino (Apocalipse, 2:10). Os outros da raça humana não ouviram, portanto não podiam guarda-lo. No emtanto, elles ouvirão no tempo determinado depois do Reino estabelecido… Baseado nos argumentos até aqui apresentados, isto é, que a ordem velha das cousas, o velho mundo está se findando e desapparecendo, e que a nova ordem ou organização está se iniciando, e que 1925 será a data marcada para ressurreição dos anciões dignos e fieis, e o principio da reconstrucção, chega-se á conclusão razoável de que milhões dos que vivem agora na terra, ainda estarão vivos no anno de 1925. Então, baseados nas promessas encontradas nas palavras Divinas, chegamos á positiva e indiscutível conclusão de que, milhões que agora vivem jamais morrerão.” – Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, págs.118, 120, 121, 122 (grifos acrescentados)

O livro A Harpa de Deus (publicado originalmente em inglês no ano de 1921) tinha na capa a frase “Prova Conclusiva de que Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão”. Este livro explicou detalhadamente a generosidade de Deus em salvar a maioria da humanidade para ser instruída neste novo sistema de coisas. Depois de descrever a vida num novo sistema com referência a Isaías 35:4-6, o livro disse na pagina 331 (em inglês):

“… quando estes grandes milagres começarem a ser efetuados na terra, espera-se então, que os mais céticos acreditarão que o Senhor Jesus reina.”

A página 333 prosseguia descrevendo a promessa de Deus a Noé de nunca mais “arruinar todos os seres vivos”, como prova de que o Armagedom não resultaria numa grande carnificina humana. “A maioria da humanidade pratica a injustiça” (pág. 334 em inglês) e estes são os que terão a oportunidade de aprender a praticar a justiça durante o reinado do Messias. Este era um conceito justo que mostrava o amor e a razoabilidade de Deus para com a humanidade.

Traduções dos cartazes da parte superior:

MILHÕES QUE AGORA VIVEM JAMAIS MORRERÃO Convenção Mundial – 5 a 13 de setembro de 1922 – Cedar Point – Ohio – AIEB [Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia]

O MUNDO FINDOU! A IDADE DE OURO ESTÁ AQUI! MILHÕES QUE AGORA VIVEM JAMAIS MORRERÃO Ouça o discurso – Leia o folheto! Você pode ser um deles! – Sof. 2:3

MILHÕES QUE AGORA VIVEM JAMAIS MORRERÃO Isto significa o que diz – É um fato – Investigue

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Depois que alguns dissidentes da organização das Testemunhas de Jeová demonstraram qual era realmente o ensino da organização, esta decidiu providenciar algum esclarecimento dos fatos, na tentativa de neutralizar os efeitos desta exposição. Em relação aos “milhões”, o livro Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus, finalmente admitiu na pág. 163:

“Uma vez terminados os Tempos dos Gentios, eles [os Estudantes da Bíblia] achavam que o tempo da restauração estava muito próximo; portanto, de 1918 a 1925, proclamavam: “Milhões que agora vivem jamais morrerão.” Sim, entendiam que as pessoas que viviam naquele tempo — a humanidade em geral — tinham a oportunidade de sobreviver, de entrar no tempo da restauração e receber então instruções concernentes aos requisitos de Jeová para a vida. Sendo obedientes, atingiriam gradativamente a perfeição humana. Sendo rebeldes, seriam, com o tempo, destruídos para sempre.” (O grifo é nosso.)

Como em muitos outros casos, a liderança da organização não fez aqui um reconhecimento claro dos seus ensinos. Em vez disso, além de apresentar a informação de maneira dispersa no livro, ainda recorreu ao freqüentemente utilizado expediente de transferir a responsabilidade, afirmando que eram os “Estudantes da Bíblia” da época que “achavam” isso ou “entendiam” aquilo (como se o ensino tivesse se originado nas mentes deles).

Mas, será que depois desse “reconhecimento” a organização pelo menos pôs fim a essa prática de tentar associar os “milhões que agora vivem jamais morrerão” com a “grande multidão”? O exame de publicações posteriores ao livro Proclamadores (que foi lançado nos congressos de 1993) responde facilmente a esta questão. As três citações que seguem são representativas do que as publicações continuaram dizendo depois de 1993:

Revista A Sentinela de 15 de fevereiro de 1995, pág. 8:

Apesar dos últimos avanços na medicina, a morte ainda reina até mesmo hoje. Embora isso não seja nenhuma surpresa, alguns talvez tenham ficado um tanto desapontados quando afinal se viram diante deste inimigo de longa data. Por quê? Bem, lá nos anos 20, a Sociedade Torre de Vigia proclamou a mensagem: “Milhões que agora vivem jamais morrerão.” Quem seriam esses milhões? As “ovelhas” mencionadas por Jesus nas suas observações sobre as ovelhas e os cabritos. (Mateus 25:31-46) Profetizou-se que essas pessoas que são como ovelhas surgiriam no tempo do fim, e que sua esperança seria a de ter vida eterna na terra paradísica. Com o passar do tempo, o povo de Deus obteve um entendimento melhor da posição que essas “ovelhas” têm nos propósitos de Jeová. Foi entendido que esses obedientes seriam separados dos obstinados “cabritos”, e que, depois da destruição desses últimos, as ovelhas herdariam o domínio terrestre do Reino, preparado para elas.

O leitor é facilmente induzido a pensar que esses conceitos grifados estavam todos expressos no discurso. Na verdade não se fez a mínima referência a eles e esse ‘desapontamento’ mencionado no parágrafo ocorreu justamente porque as verdadeiras afirmações feitas no discurso não se concretizaram.

Revista A Sentinela de 1º de janeiro de 1997, pág. 11:

“No começo dos anos 20, um discurso público de destaque, apresentado pelas Testemunhas de Jeová, teve por tema “Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão”. Este talvez fosse otimista demais naquela época. No entanto, hoje se pode fazer esta declaração com plena confiança.”

Usa-se aqui mais ou menos o mesmo artifício usado na Sentinela de 15 de julho de 1970, citada acima (que falou em ‘dúvidas’ de algumas pessoas não-identificadas). Não haveria como algum Estudante da Bíblia achar esse discurso “otimista demais”. Alguém só poderia ter achado isso se o entendimento daquela época fosse que os “milhões” se referiam à “grande multidão” de associados à Torre de Vigia, como essa Sentinela pretende insinuar, e que só eles sobreviveriam ao Armagedom (que é o ensino de hoje).

Revista A Sentinela de 15 de fevereiro de 2010, págs. 15, 16:

Os seguidores ungidos de Cristo já fazem o convite desde 1918. Naquele ano, o discurso público “Milhões que agora vivem talvez jamais morram” apresentou a esperança de que muitos ganharão a vida eterna numa Terra paradísica depois da batalha do Armagedom.

Tecnicamente esta afirmação grifada está correta, mas ela induz o leitor a pensar que este sempre foi o ensino da organização, ou pelo menos que esta era a mensagem básica do discurso. Omite-se aqui que esta não era a “esperança” apresentada nele. Os ‘milhões que então viviam jamais morreriam’ porque sobreviveriam ao Armagedom, (independentemente de estarem ou não associados com a Torre de Vigia e independentemente até de serem cristãos), e não porque ganhariam a vida eterna “depois da batalha do Armagedom”, muitos dos quais tendo passado pela experiência da morte e precisando ser ressuscitados.

Assim, o reconhecimento expresso no livro Proclamadores foi apenas momentâneo. Afirmando diretamente, ou usando os mais variados artifícios para induzir os leitores ao erro, a organização ainda persiste em apresentar às Testemunhas de Jeová de hoje nada mais que um revisionismo completo do ensino que foi transmitido lá naquele período entre 1918 e 1925, e que fracassou completamente.

O EFEITO PERMANENTE DESSE FRACASSO NA DOUTRINA DA TORRE DE VIGIA

Depois da não concretização da profecia, o presidente Rutherford deu início a uma dramática revisão da doutrina da Torre de Vigia, afastando cada vez mais seus seguidores de Russell. Quase todas as predições de Russell relacionadas com a cronologia foram descartadas. Houve uma mudança no nome dos seguidores da organização de “Estudantes da Bíblia” para “Testemunhas de Jeová”. Além disso, afirmou-se que entre 1918 e 1919 Jesus “purificou” a organização (o que deixa subentendido que no tempo de Russell ela era impura), e foi já sob a direção de Rutherford que Jesus teria escolhido a organização como sua única provisão para a salvação. Rutherford também distanciou seus seguidores dos outros cristãos, por declarar como errados e pagãos a maioria dos símbolos e feriados da cristandade. Por fim, a grande multidão deixou de ser vista como “classe celestial secundária” e foi trazida para a Terra, afirmando-se que ela se comporia dos únicos sobreviventes ao Armagedom.

É claro que estas alterações facilitaram a introdução do conceito de “salvação exclusiva”, ou seja, a ideia de que só umas poucas pessoas dentre a população mundial eram as únicas merecedoras da salvação. O que antes era um ensino, não da Bíblia, mas das “seitas religiosas”, foi justamente o que passou a ser defendido cada vez mais pela Torre de Vigia: Todos os que quisessem sobreviver teriam de ingressar na única organização terrestre que estava destinada à salvação (a Torre de Vigia, obviamente). O que dizem textos bíblicos tais como Romanos 5:6 e 2 Coríntios 5:14, e 1 João 2: 2 (sendo que este último havia sido inclusive citado no folheto Milhões para contradizer estas crenças das “seitas”), de repente se tornaram letra morta. [4] Em outras palavras, se antes a maioria da humanidade sobreviveria ao Armagedom para jamais morrer, agora Deus estaria disposto a exterminar bilhões de pessoas, grande parte das quais nunca tinham sequer ouvido falar na organização Torre de Vigia. [5]

O sistema de crenças estabelecido pela organização das Testemunhas de Jeová depois de 1925 removeu o valor do sacrifício de Cristo para “todos” e colocou os seguidores desta organização como os únicos merecedores de seus benefícios. Este infeliz conceito anula o valor do sacrifício de Jesus para a maior parte daqueles que estiverem vivos por ocasião do “Armagedom” e ainda retrata Deus como uma pessoa extremamente cruel e injusta. Estas crenças não têm apoio, nem na lógica nem nas Escrituras, e são, na verdade, muito comuns entre grupos religiosos fundamentalistas, devido a constituirem uma maneira bem eficaz de incentivar a adesão organizacional e intimidar os associados, desencorajando-os de deixarem de seguir tais grupos.

APÊNDICE – A declaração de Rutherford na Suíça, em 1926

Uma desonestidade jornalística similar às citadas neste artigo pode ser identificada no Anuário das Testemunhas de Jeová de 1981. A citação do Anuário, na página 62, está assim:

“Indicação destas provações foi a sessão de perguntas realizada pelo irmão Rutherford durante a assembléia da Basiléia, Suíça, realizada de 1° a 3 de maio de 1926. O relatório deste congresso declarou:

Pergunta: Retornaram os merecedores da antiguidade?’

Resposta: Certamente não retornaram. Ninguém os viu e seria tolice fazer tal declaração. Foi declarado no livro ‘Milhões’ que poderíamos razoavelmente esperar que retornassem pouco depois de 1925, mas isto era simplesmente uma opinião expressa.”

Quem conhece o conteúdo do folheto Milhões, sabe muito bem que o assunto não havia sido apresentado só como algo ‘razoável para se esperar’, e muito menos como ‘simples opinião’. Tampouco o folheto falara alguma coisa sobre “pouco depois de 1925”. O exame dos trechos que tratavam das predições relativas ao ano de 1925 demonstra quão longe da verdade estão as declarações dessa citação acima.

Porém, de novo o problema aqui não se resume a isso. Um exame atento revela que este Anuário só citou parcialmente a declaração de Rutherford. A declaração completa dele pode ser encontrada numa revista A Torre de Vigia de 1926. Só a metade do parágrafo da revista foi citada no Anuário (com um ponto final substituindo um ponto-e-vírgula). Vejamos a citação completa, na página 196 (em inglês):

Pergunta: Retornaram os merecedores da antiguidade?’

Resposta: Certamente não retornaram. Ninguém os viu e seria tolice fazer tal declaração. Foi declarado no livro ‘Milhões’ que poderíamos razoavelmente esperar que retornassem pouco depois de 1925, mas isto era simplesmente uma opinião expressa; além disso 1925 acabou de passar. Não há qualquer boa razão pela qual devamos esperar que os merecedores da antiguidade só retornem quando a igreja estiver completa e a obra da igreja na terra estiver feita. Neste momento o trabalho não está completo e é bem evidente que muitos membros do corpo de Cristo ainda estão aqui.

Esse trecho deixa bem claro que, mesmo após o fracasso da predição, ainda se fez esforço para manter as pessoas na expectativa em conexão com esta data de 1925. De fato, embora a própria data de 1925 tenha sido finalmente descartada, Rutherford continuou esperando o retorno desses “merecedores da antiguidade” até o fim de sua vida, em 1942. O livro Santificado Seja o Teu Nome (publicado em 1961) confirma isso nas páginas 336, 337:

“Em 7 de dezembro de 1941, Rutherford estava de cama no litoral do Pacífico, quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial. Dois homens do restante ungido (um desde 1913 e outro desde 1922) e um das “outras ovelhas” (desde 1934), foram chamados da sede em Brooklyn à cabeceira do acamado Rutherford, no lugar chamado “Beth-sarim”, em San Diego, Califórnia. Em 24 de dezembro de 1941 ele deu aos três as suas instruções finais. Por anos ele tinha esperado ver os profetas, inclusive Elias e Eliseu, ressuscitados dos mortos, e instalados no Reino como “príncipes por toda terra”, no novo mundo de Deus. (Salmo 45:16) Mas em 8 de janeiro de 1942, Rutherford morreu com 72 anos de idade, sendo fiel testemunha de Jeová Deus, e completamente dedicado aos interesses do reino de Deus. Foi destemido em apoiar o lado de Jeová na questão todo-importante do domínio universal.”

Além dele próprio, todos os associados à organização Torre de Vigia na época foram mantidos nessa mesma expectativa por muitos anos. O ensino sobre o retorno desses “merecedores” para serem “príncipes por toda a terra” só foi abandonado oficialmente pela organização em 1950 (veja o Anuário das Testemunhas de Jeová de 1976, págs. 213, 214).

NOTAS

[1] O Testamento de Russell aparece na revista A Torre de Vigia de Sião que se seguiu à morte dele e também em Estudos das Escrituras – Volume I – O Plano das Eras, Edição de 1927 em inglês, págs. 8 a 14, no tópico “Biografia”. Ele instruiu ali que em vez de uma única pessoa ter o controle completo do que seria publicado pela organização, uma Comissão Editora de cinco pessoas (os nomes dos componentes aparecem no Testamento) estaria encarregada disso. Rutherford desconsiderou isso e, depois de assumir a presidência, com o tempo assumiu o controle completo sobre tudo o que era publicado. Uma tradução comentada do Testamento completo de Russell encontra-se disponível no Mentes Bereanas.

[2] “1918 – O discurso “O Mundo Terminou — Milhões Que Agora Vivem Talvez Jamais Morram” é proferido pela primeira vez, em 24 de fevereiro, em Los Angeles, Califórnia. Em 31 de março, em Boston, Massachusetts, o discurso é intitulado “O Mundo Terminou — Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão”.” – Livro Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus, pág. 719 (O itálico na palavra “jamais” é deles.)

[3] Livro Apocalipse Adiado, de M. James Penton, pág. 61 e livro Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus, pág. 717

[4] Romanos 5:6: “Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios.” (Almeida Revista e Atualizada2 Coríntios 5:14: “Porque somos dominados pelo amor que Cristo tem por nós, pois reconhecemos que um homem, Jesus Cristo, morreu por todos, o que quer dizer que todos tomam parte na sua morte.” 2 João 2:2: “E ele é um sacrifício propiciatório pelos nossos pecados, contudo, não apenas pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro.” (Tradução do Novo Mundo)

[5] Para uma consideração detalhada do ensino que a Torre de Vigia mantém há muitas décadas, referente à salvação, veja o folheto A Organização Torre de Vigia e a Salvação – Crêem as Testemunhas de Jeová Que Só Elas Serão Salvas?, disponível no site Mentes Bereanas.

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