“Três Dias e Três Noites no Coração da Terra”

“Uma geração perversa e adúltera pede um sinal miraculoso! Mas nenhum sinal lhe será dado, exceto o sinal do profeta Jonas. Pois assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre de um grande peixe, assim o Filho do homem ficará três dias e três noites no coração da terra.” – Mateus 12:39,40

INTRODUÇÃO

A expressão “três dias e três noites no coração da terra” foi usada por Jesus Cristo. O objetivo do presente artigo é contestar uma interpretação desta frase que foi trazida ao nosso conhecimento, e reafirmar o entendimento da erudição cristã sobre ela.  

A interpretação que será questionada veio sob a forma apresentada no quadro que segue:

QUANTAS NOITES JESUS PASSOU NO HADES?

Jesus morreu por volta das 15 h de uma sexta-feira e ressuscitou no domingo de manhã. Sendo assim, seu corpo NÃO PASSOU três noites no sepulcro, mas apenas duas, conforme demonstrado na gravura abaixo:

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O dia judaico começava no início da noite, após o pôr-do-sol. Percebe-se que o período entre a morte e a ressurreição compreendeu a tarde da sexta-feira, o sábado inteiro e as primeiras horas do domingo. Os comentaristas bíblicos costumam dizer que não se deve entender literalmente o que Jesus havia falado de passar “três dias e três noites” no coração da terra, pois essa expressão estaria de acordo com a maneira judaica de computar o tempo. Um pedaço do dia podia ser considerado um dia inteiro, o que incluiria até sua noite.

Entendendo-se “dia” como sendo as horas em que há luz do sol, nota-se que o intervalo realmente abrangeu três dias. Entretanto, foram apenas duas noites, conforme indicado no desenho. Mas será que existe algo no Novo Testamento que demonstre que Jesus realmente passou três noites no Hades?

Uma coisa é certa, o corpo de Jesus realmente passou apenas duas noites no sepulcro, e não há como dizer que foi mais tempo. Mas não foi no sepulcro que Jesus disse que passaria três noites. Ele falou que seria no coração da terra. A enciclopédia bíblica das “Testemunhas de Jeová” esclarece que essa expressão significa “no centro da terra”, denotando assim um lugar extremamente profundo no interior do planeta. – Estudo Perspicaz das Escrituras, vol. 1, p. 556.

Essa profunda região é chamada na Bíblia de “Seol” ou “Hades”, sendo ela um local invisível aos olhos humanos e as almas das pessoas que morrem vão para lá. Ao passo que existem muitas sepulturas, só existe um Hades. O corpo físico de Jesus jamais foi para tal lugar, mas ficou numa câmara mortuária acima do nível do chão. O corpo ficou no sepulcro, mas sua alma foi para o Hades (Atos 2:22-28)…

Note agora o que a Bíblia relata sobre o que aconteceu no domingo, após a ressurreição, no dia que precedeu o que seria a terceira noite no Hades:

“Ora, enquanto conversavam e palestravam [numa estrada, a caminho de Emaús], aproximou-se o próprio Jesus e começou a andar com eles; mas os olhos deles foram impedidos de reconhecê-lo. Ele lhes disse: ‘Que assuntos são estes que debateis entre vós enquanto estais caminhando?’ E eles ficaram parados de rostos tristes. Em resposta disse-lhe aquele que tinha o nome de Cléopas: ‘Moras sozinho, como forasteiro, em Jerusalém, e não sabes as coisas que ocorreram nela nestes dias?’ E ele lhes disse: ‘Que coisas?’ Disseram-lhe: ‘As coisas a respeito de Jesus, o nazareno, que se tornou profeta poderoso em obras e palavra perante Deus e todo o povo; e como os nossos principais sacerdotes e governantes o entregaram à sentença de morte e o pregaram numa estaca. Mas nós esperávamos que este homem fosse o destinado a livrar Israel; sim, e além de todas estas coisas, este já é o terceiro dia desde que essas coisas ocorreram”. – Lucas 24:13-21.

Daí, Jesus passou a explicar para aqueles discípulos as profecias a respeito de si mesmo, a fim de que eles compreendessem que todas aquelas coisas tinham mesmo de ter acontecido. O relato prossegue:

“Por fim chegaram perto da aldeia para a qual caminhavam, e ele fez como se fosse caminhar mais para diante. Mas eles exerceram pressão sobre ele, dizendo: ‘Fica conosco, porque já está anoitecendo e o dia já está declinando’. Em vista disso, entrou para ficar com eles. E, ao se recostar com eles à mesa, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e começou a dar-lho. Com isso abriram-se-lhes plenamente os olhos e o reconheceram; e ele desapareceu de diante deles”. – Lucas 24:28-31.

Conforme se vê no relato, tão logo a terceira noite começou o ressuscitado Jesus se desmaterializou instantaneamente na frente daqueles discípulos, depois de ter passado a tarde com eles. Sendo assim, já que reassumiu a forma espiritual, o que impediria Jesus de voltar ao Hades naquela mesma noite para continuar a fazer o que talvez tivesse iniciado nas duas noites anteriores? Afinal, no poder do espírito isto seria totalmente possível. E nem seria preciso ele passar a noite inteira por lá. O tempo que passasse já seria suficiente para cumprir o que ele mesmo dissera, de que passaria três dias e três noites no coração da Terra. Pode ser até que tenha sido nessa terceira e última noite que ele pregou aos espíritos em prisão ou aos anjos confinados no Tártaro.

Portanto, as palavras de Jesus em Mateus 12:40 podem ter tido um cumprimento duplo, referente (1) à sua ressurreição e (2) à sua descida ao Hades.

Infelizmente este é mais um uso indevido duma declaração bíblica (no caso, uma do próprio Jesus) para “provar” teses imortalistas.1 E é também mais um esforço totalmente infrutífero, já que, para começar, a teoria acima apresenta uma série de problemas que serão comentados no tópico que segue.

A – QUESTIONAMENTOS

A1 – Atendendo à “Agenda Imortalista”

Se o objetivo do quadro acima fosse tratar do ‘cumprimento das palavras de Jesus’ e nada além disso, o procedimento mais sábioseguro e erudito seria

1 – apontar o que Jesus, o autor da profecia, disse e fez efetivamente (e não o que ‘talvez continuou fazendo’ ou ‘pode ser que tenha feito’ para cumprir o que disse),

2 – apontar como foi que os ouvintes entenderam a declaração completa (e não isolar uma parte da declaração e daí, com base nisso, propor teorias que se afastam do entendimento deles),

3 – apontar evidências concretas do que ocorreu em cumprimento da profecia (e não especular sobre algum “cumprimento duplo”, que ninguém viu e nem tem relação com o assunto).

Para cada um dos três pontos acima existe abundante evidência, apresentada por muitos comentaristas cristãos credenciados, porém tudo o que eles dizem foi sumariamente ignorado. Por que? Porque a intenção da interpretação sui generis apresentada no quadro não é a que foi apregoada e sim outra, bem diferente: “comprovar biblicamente” que Jesus continuou ativo e consciente enquanto esteve morto e, por extensão, que o mesmo ocorre com todas as pessoas que morrem. Declarado de modo simples e sem rodeios: A frase “três dias e três noites no coração da terra”, está sendo usada para cumprir a agenda imortalista, como se, com esta frase, Jesus tivesse dado algum “aval” para o entendimento deles sobre a condição dos mortos.

A2 – Os Problemas da Interpretação
Jesus morreu por volta das 15 h de uma sexta-feira e ressuscitou no domingo de manhã. Sendo assim, seu corpo NÃO PASSOU três noites no sepulcro, mas apenas duas, conforme demonstrado na gravura abaixo:…

Entendendo-se “dia” como sendo as horas em que há luz do sol, nota-se que o intervalo realmente abrangeu três dias. Entretanto, foram apenas duas noites, conforme indicado no desenho…

Uma coisa é certa, o corpo de Jesus realmente passou apenas duas noites no sepulcro, e não há como dizer que foi mais tempo…

O ponto de partida de toda a argumentação é a alegada diferença entre o número de “dias” e “noites” em que Jesus permaneceu na sepultura.

Em primeiro lugar, é óbvio que se alguém se basear na gravura que foi apresentada, será inevitável a conclusão de que houve mesmo essa diferença. Ocorre que essa gravura não está de acordo com a realidade, o que põe por terra a interpretação, logo de início. A impressão transmitida nela é que num dia de 24 horas há 2/3 de período de luz (manhã e tarde) para apenas 1/3 de escuridão (noite). Como todos sabem, a proporção entre horas de luz e horas de escuridão em qualquer dia típico não é essa, e sim a mesma (1/2 a 1/2), conforme se pode observar abaixo:

Em segundo lugar, como consequência imediata da correção acima e – principalmente – com base no relato evangéliconão é correto afirmar que Jesus “ressuscitou no domingo de manhã”. A ressurreição dele ocorreu, com muito mais probabilidade, em algum momento da madrugada daquele domingo.2 Se tivermos de entender “dia” como “as horas em que há luz do sol” é óbvio que ele “não passou três noites no sepulcro”. Mas é igualmente verdadeiro que ele também não passou três dias lá. A afirmação feita no caso das “noites” (“Uma coisa é certa, o corpo de Jesus realmente passou apenas duas noites no sepulcro”), aplica-se com ainda mais força ao caso dos “dias”. Conforme se pode visualizar no diagrama, ele ficou apenas dois dias lá (na verdade, só a parte final da tarde da sexta-feira e a manhã e a tarde do sábado, ou seja, menos de 15 horas), e também “não há como dizer que foi mais tempo”. Dentro da interpretação proposta, este simples detalhe levanta imediatamente a questão de determinar quando é que teria sido, então, o terceiro dia de Jesus no “coração da terra”.3

Em terceiro lugar, a interpretação invalida a profecia. Quando Jesus predisse o que ocorreria com ele próprio, citou especificamente o que tinha acontecido com Jonas, como exemplo. Jonas, o profeta, sabia que poderia morrer na barriga do peixe; por isso, quando implorou a Deus por ajuda, ele chamou o lugar onde estava de “ventre do Seol” (Jonas 2:2; “ventre do inferno” / “ventre da morte”, conforme outras versões), de modo que quando o peixe o vomitou, aquilo foi, por assim dizer, uma “ressurreição”. Não temos qualquer evidência ou informação de que o profeta teria voltado para dentro do peixe depois de ter saído de lá. Da mesma forma, não há apoio algum – lógico, bíblico ou erudito – para essa ideia de que Jesus teria voltado para o “coração da terra” depois do momento de sua ressurreição. Tanto no caso de Jonas como no de Cristo, os “três dias e três noites” – seja isso um número redondo ou uma cifra integral – foram um período contínuo, sem qualquer interrupção. Nada há em qualquer dos dois relatos que dê margem a alguma “intermitência”. Foi claramente a ressurreição de Cristo que marcou o fim do período de “três dias e três noites no coração da terra”. Alegar que Jesus voltou ao “coração da terra” depois da ressurreição é comparável a alegar que Jonas voltou para dentro do peixe depois de ter sido vomitado. Isto não é só uma simples ‘releitura’ da profecia. É mais do que isso: É desmentir a declaração de Jesus.

Em quarto lugar, a interpretação é nada mais que insistência na tese imortalista; desconsidera a informação que as Escrituras dão sobre a natureza humana e que é atestada pelo consenso da erudição judaico-cristã: não existe essa dicotomia corpo-alma. O ser humano é uma unidade indivisível. O que ocorre com o corpo, ocorre com a alma. Desta forma, simplesmente não é verdade que “o corpo [de Jesus] ficou no sepulcro, mas sua alma foi para o Hades”, nem a referência citada de Atos diz tal coisa. O rei Davi não fez essa distinção, nem o apóstolo Pedro quando aplicou a profecia dele a Cristo. (Atos 2:25-31). Jesus foi para o Hades [sepultura, conforme outras versões] por inteiro – corpo e alma. Jesus, uma alma humana, morreu completamente.

Em quinto lugar, além de o texto básico em discussão (Mateus 12:40) ter sido invalidado e a referência de Atos ter sido forçada a dizer o que não diz, as outras duas referências bíblicas citadas foram deturpadas tambémpara fazê-las se “ajustar” à interpretação. Na realidade, nenhuma delas diz o que foi sugerido que elas dizem. Embora no quadro acima apareçam frases tais como “a Bíblia relata…” ou “conforme se vê no relato [bíblico]”, o que se fez, na verdade, foi inserir a própria interpretação dentro dos comentários sobre ambas, para induzir os leitores a acreditar que “é a Bíblia que está dizendo” essas coisas. Lucas 24:13-21 de fato fala em “terceiro dia”, mas não diz que esse foi o “dia que precedeu o que seria a terceira noite no Hades“. Da mesma forma, Lucas 24:28-31 realmente fala que ‘já estava anoitecendo’ mas não diz que esse anoitecer era a ‘terceira noite [de Jesus no “coração da terra”] que estava começando’. O artifício usado aí é o bom e velho raciocínio circular: uma premissa é apresentada como se fosse um fato, esse “fato” é introduzido sutilmente dentro das referências bíblicas, e daí os textos adulterados são apresentados para “comprovar” a premissa. Em momento algum foi provado que Jesus voltou ao “coração da terra” depois de ter sido ressuscitado e texto bíblico algum dá essa sugestão. Não, isto é uma especulação, seguida por um esforço para fazer a Bíblia “concordar” de qualquer maneira com ela.

Em sexto lugar, além de a interpretação contradizer o que Jesus disse, ela é também autocontraditória, caindo em inconsistências básicas.

A primeira inconsistência decorre da já mencionada teimosia em apresentar o ser humano em termos dicotômicos (o que está contra o consenso da erudição judaico-cristã, como já visto muitas vezes) e também – principalmente – de se ir “além do que está escrito”; fazendo afirmações sobre o Seol/Hades que não têm respaldo algum nas Escrituras. Primeiro, afirma-se que

… as almas das pessoas que morrem vão para [o Hades].

Em si mesma, esta declaração está correta, pois o Hades é, de fato, o lugar dos mortos. Se as palavras “almas” e “Hades” fossem entendidas pelo que significam biblicamente, a saber, pessoas completas e receptáculo geral dos mortos, respectivamente, não haveria qualquer problema na frase. Mas não, a ideia aí é, como sempre, impor aos leitores que a “alma” seria uma entidade à parte, que “sai do corpo” depois da morte e se mantém ativa e consciente de maneira independente; e Hades seria “um lugar extremamente profundo no interior do planeta Terra”, povoado por “fantasmas errantes e sonolentos”, etc. Todavia, mesmo deixando de lado essas invenções, o fato é que nem a declaração acima é mantida coerentemente, pois, mais adiante, aparece a seguinte pergunta:

… já que reassumiu a forma espiritual [após a ressurreição], o que impediria Jesus de voltar ao Hades naquela mesma noite…?

Ora, se foi afirmado taxativamente que são as “almas” de pessoas mortas que vão para o Hades (enquanto ‘o corpo fica na sepultura’), que base há para essa conversa de que Jesus teria ido para lá vivo e por completocom seu corpo espiritual? Isto é mais um triste exemplo de quão “voláteis” são as “definições” imortalistas.

A segunda inconsistência tem relação com a já mencionada contagem dos “dias” e das “noites” de Jesus no “coração da terra”. Primeiro, admite-se que

O dia judaico começava no início da noite, após o pôr-do-sol.

Mais adiante, citam-se os dois trechos de Lucas (24:13-21 e 24:28-31), nos quais os discípulos disseram

… além de todas estas coisas, este já é o terceiro dia desde que essas coisas ocorreram”… ‘Fica conosco, porque já está anoitecendo e o dia já está declinando’.

Note-se que as frases que importam na discussão foram até grifadas. Todavia, logo em seguida – e surpreendentemente – aparece a seguinte declaração:

“… tão logo a terceira noite começou o ressuscitado Jesus se desmaterializou instantaneamente na frente daqueles discípulos, depois de ter passado a tarde com eles.”

Ora, se reconhecidamente “o dia judaico começava no início da noite” e os homens disseram que aquele momento em que eles conversavam com Jesus ‘já era o terceiro dia desde que aquelas coisas ocorreram’, segue-se que a noite que começou depois disso não poderia ser a “terceira noite”; ela já seria, na verdade, a quarta noite desde os eventos sobre os quais eles conversavam.

Deve-se considerar também que não estava se falando apenas da morte de Jesus; entre as “coisas que ocorreram [em Jerusalém] nestes dias” Cléopas incluiu as circunstâncias que levaram a isso: o julgamento de Jesus que resultou na sentença de morte por parte dos sacerdotes, sua entrega às autoridades governamentais romanas e sua crucificação (Luc. 24:7, 20). O julgamento (junto com os maus tratos e humilhações contra Jesus) ocorreu ao longo da madrugada da sexta-feira, tendo a morte dele sido deliberada pelos sacerdotes ainda de madrugada, antes de o galo cantar (Mat. 26:34, 65, 66, 69-75). Quando eles o entregaram a Pilatos no alvorecer da sexta-feira, o destino de Jesus já estava selado, e esses líderes judaicos tudo fizeram para pressionar o procurador romano a executá-lo. Eles não queriam outra coisa a não ser que a autoridade romana simplesmente ratificasse a sentença deles. Sendo assim, a terceira noite não foi a que começou quando Jesus desapareceu diante daqueles dois discípulos. De jeito nenhum; ela foi a que começou depois do pôr-do-sol do sábado e terminou no final da madrugada do domingo. A tarde em que os discípulos passaram caminhando e conversando com Jesus era a parte concludente do terceiro dia. A noite que começou quando Jesus desapareceu diante deles já era a noite de abertura do quarto dia desde os eventos mencionados, ou seja, a segunda-feira. Assim, o trecho de Lucas 24:13-21, e sua referência a “terceiro dia” não comprova, e sim contraria o que está sendo defendido na interpretação analisada aqui.

B – PRONUNCIAMENTOS DOS ERUDITOS

Conforme já dito no ponto A1, o que os comentaristas cristãos dizem sobre o significado desta declaração contida em Mateus 12:40 foi completamente ignorado. A única coisa dita “de passagem” sobre eles não passa de desinformação. O apelo a frases vagas (“os comentaristas bíblicos costumam dizer…”, “essa expressão estaria de acordo…”), e a maneira bem “casual” como esse comentário foi feito, simplemente não permite que o leitor tenha uma imagem clara da força e da validade da evidência apresentada pelos comentaristas bíblicos, transmitindo a impressão de que eles só fazem ‘dizer‘ isso ou aquilo, limitando-se a pontificar sobre ‘entendimento literal’ de alguma coisa, e nada mais do que isso! Qual é o motivo desse procedimento? É um, e um só: Esconder evidência “indesejável”. Como se verá nos tópicos a seguir, os eruditos cristãos que escreveram sobre esta expressão de Jesus não só fazem muito mais do que ‘dizer’, como também nenhum deles está de acordo com as coisas que foram defendidas na interpretação analisada aqui.4

[Nota: As citações que seguem, no idioma original, podem ser vistas aqui.]

B1 – Os “Três Dias e Três Noites” Como Número Redondo

Três dias e três noites. Esta é uma expressão judaica. Jesus disse em Mateus 16:21, que ele ressuscitaria “no terceiro dia”. Marcos registra isso como “depois de três dias” (Marcos 8:31). No uso judaico, “três dias e três noites”, “no terceiro dia” e “depois de três dias”, todos significam o mesmo período de tempo.5 (Veja 2 Cron. 10:5 e 12; Ester 4:16; e  5:1.) Cristo foi sepultado na sexta-feira à noitinha, esteve no túmulo no sábado e foi ressuscitado da morte muito cedo na manhã de domingo. – Rhoderick D. Ice, The Bible Study New Testament, Volume One The Four Gospels and Acts (Estudo Bíblico – Novo Testamento, Volume Um, Os Quatro Evangelhos e Atos), College Press, Joplin, Missouri, EUA, 1974, pág. 61.

Assim o Filho do homem estará três dias e três noites. Jesus diz (Mat. 16:21) que “ressuscitará no terceiro dia”. Portanto, no uso judaico, o terceiro dia deve significar o mesmo que três dias e três noites. Era e é habitual entre os orientais fazer qualquer parte do dia corresponder ao período completo de vinte e quatro horas. Compare com Mat. 16:21, Mar. 8:31, 2 Crô. 10:5 e 10:12, Ester 4:16, Gênesis 7:4, 12, Êxo. 24:18, 34:28. Um viajante no Oriente escreve: “Finalmente chegou a décima manhã – a décima manhã porque, embora tenhamos ficado nominalmente dez dias de quarentena, ainda eram, na verdade, apenas oito dias. Aterrissamos às nove horas da noite do primeiro dia e fomos liberados às seis horas da manhã do décimo dia, mas foram dez dias de acordo com os costumes do Oriente.” Cristo foi sepultado na noitinha de sexta-feira, ficou no túmulo no sábado e ressuscitou no domingo, partes de três dias, ressuscitou “no terceiro dia” e esteve no túmulo no intervalo de tempo que o costume oriental entendia como três dias e três noites. – B. W. Johnson, The People’s New Testament, With Explanatory Notes (Novo Testamento Popular, Com Notas Explicativas)Christian Publishing Company, St. Louis, MI, EUA, 1891. (Esta capa é da edição de 1940.).

Pois, assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia (Jonas 1:17), assim estará o Filho do homem três dias e três noites no coração da terra… O período durante o qual ele haveria de ficar no túmulo é aqui expresso em números redondos, de acordo com o modo de falar judaico, que considerava qualquer parte do dia, por menor que fosse, como incluída dentro de um período de dias, como um dia inteiro. (Veja 1 Samuel 30:12-13; Ester 4:16; 5:1; Mateus 27:63, 64; etc.). – Jamieson, Robert, D.D.; Fausset, A. R.; Brown, David, Commentary Critical and Explanatory On The Old and New Testaments (Comentário Crítico e Explanatório do Antigo e Novo Testamentos)1878, Vol. II, pág. 42 (A capa acima é de uma edição de 2013 [digital]).

Três dias e três noites. Veja Jonas 1.17. Nosso Senhor esteve na sepultura por menos de trinta e seis horas, mas isso começou antes do final da sexta-feira e terminou na manhã de domingo, e de acordo com o modo de contar o tempo entre os judeus, isso seria considerado três dias, sendo o primeiro e o último dia sempre incluídos. (Comp. com Mat. 17: 1 e 27:63 em diante.) A única dificuldade é que ele não apenas diz “três dias”, mas “três dias e três noites”, quando passou apenas duas noites no túmulo. Mas os judeus consideravam a noite e o dia juntos como constituindo um período, e uma parte desse período era contada como o todo. – An American Commentary on the New Testament. Edited by Alvah Hovey. Commentary on The Gospel of Matthew (Comentário Americano do Novo Testamento. Editado por Alvah Hovey. Comentário ao Evangelho de Mateus), John A. Broadus, American Baptist Publication Society, Philadelphia, PA, EUA, 1886, pág. 276. (A capa acima é de uma edição de 2011).

Assim estará o Filho do homem três dias e três noites no coração da terra… surge alguma dificuldade sobre o tempo da permanência dele ali, e a predição feita aqui está de acordo com o tipo: pois isso foi no sexto dia da semana, que geralmente chamamos de “sexta-feira”, perto do fim, no dia da preparação para o sábado, e quando o sábado despontou, o corpo de Cristo estava no sepulcro; onde ficou no dia seguinte, que era o sábado dos judeus, e o que comumente chamamos de “sábado”; e no início do primeiro dia da semana, geralmente chamado de “domingo”, ou o dia do Senhor, ele ressuscitou dos mortos; de modo que ele só ficou um dia inteiro, e parte de dois dias na sepultura. Para resolver essa dificuldade e colocar o assunto sob uma luz clara, observe-se que os três dias e as três noites significam três dias naturais, consistindo de dia e noite, ou vinte e quatro horas, e são o que os gregos chamam de νυχθημερα, “dias noite”; mas os judeus não têm outra maneira de expressar isso, além de como se faz aqui; e com eles isto é uma regra bem conhecida e usada em todas as ocasiões, como no cálculo de suas festas e período de luto, na observância da páscoa, da circuncisão e de diversas purificações, que מקצת היום ככולו, “uma parte de um dia é como o todo”: e, portanto, tudo o que se fazia antes do pôr-do-sol, ou depois, mesmo que fosse uma hora, ou mesmo um intervalo menor, antes ou depois dele, era considerado como o dia anterior completo ou o seguinte; e não importava se isso fosse na parte da noite, ou na parte do dia da noite, ou dia natural; era contado como o dia inteiro daquela noite: por essa regra, o caso aqui se ajusta facilmente; Cristo foi posto na sepultura no final do sexto dia, um pouco antes do pôr do sol, e sendo parte do dia anterior, é considerado como um todo; ele continuou ali a noite inteira no dia seguinte, sendo o sétimo dia; e ressuscitou cedo no primeiro dia, sendo que depois do pôr-do-sol, embora possa ter sido antes mesmo do nascer do sol, ainda fazendo parte da noite do dia seguinte, deve ser estimado como o todo; e assim o filho do homem deveria estar, e esteve três dias e três noites na sepultura; e isso era muito fácil de ser entendido pelos judeus; e é uma questão se Jonas ficou mais tempo na barriga do peixe. – John Gill, An Exposition of the New Testament (Uma Exposição do Novo Testamento), 1746-1748, Vol. 1, comentário a Mateus 12:40 (A capa acima é de uma edição digital de 2011).

O Filho do homem estará três dias e três noites no coração da terra. I. Os escritores judaicos estendem o memorável episódio do sol imóvel na oração de Josué a trinta e seis horas; como diz Kimchi sobre aquela passagem: “De acordo com uma interpretação mais exata, o sol e a lua ficaram parados por trinta e seis horas: pois quando a luta estava na véspera do sábado, Josué temia que os israelitas violassem o sábado: Por isso, estendeu as mãos para que o sol se detivesse no sexto dia, conforme a medida do dia do sábado, e a lua, conforme a medida da noite do sábado e da passagem do sábado; o que equivale a trinta e seis horas.”II. Se forem computadas as horas que se passaram desde que nosso Salvador entregou o espírito na cruz até a ressurreiçãoencontraremos quase o mesmo número de horas; e ainda assim esse intervalo é chamado por ele de “três dias e três noites”, quando se passaram só duas noites e só um dia completo. Contudo, ao passo que ele diz essas palavras, não deixa de ter o aval tanto das escolas judaicas como de seus cálculos. – John Lightfoot, Horae Hebraicae et Talmudicae: Hebrew and Talmudical exercitations upon the Gospels, the Acts, some chapters of St. Paul’s Epistle to the Romans, and the First Epistle to the Corinthians, (Horas Com as Escrituras Hebraicas e Talmúdicas: exercícios hebraicos e talmúdicos sobre os Evangelhos, os Atos, alguns capítulos da Epístola de São Paulo aos Romanos e a Primeira Epístola aos Coríntios), Cambridge, Inglaterra, 1658. (Esta citação é da edição de 1859, Oxford University Press, Inglaterra, Vol. II, págs. 209, 210.).

Três dias e três noites – Será visto no relato da ressurreição de Cristo que ele só esteve na sepultura duas noites e uma parte de três dias. Veja Mat. 28:6. Este cálculo está, porém, estritamente de acordo com o modo judaico de contagem. Se não estivesse, os judeus teriam entendido isso e teriam acusado nosso Salvador de ser um falso profeta, pois era amplamente conhecido entre eles que ele havia proferido essa profecia, Mat. 27:63. Essa acusação, porém, nunca foi feita; e é claro, portanto, que o que se quis dizer com a predição se cumpriu. Era uma máxima, também entre os judeus, no que se refere a contagem de tempo, que uma parte de um dia seria contada como um todo. Muitos exemplos desse tipo ocorrem na história sagrada e profana. Veja 2 Crô. 10:5, 12; Gen. 42:17-18. Compare Ester 4:16 com 5:1. – Albert Barnes, Notes Explanatory & Practical on the Gospels (Notas Explicativas e Práticas Sobre os Evangelhos), Harper & Brothers Publishers, Nova Iorque, EUA, 1847, Vol. I, pág. 150. (Esta capa é de uma edição de 2013).

“Três dias e três noites” pode significar simplesmente três dias no discurso popular. Jesus ressuscitou “no terceiro dia” (Mat. 16:21), não “no quarto dia”. Isto é só uma forma mais completa de “depois de três dias” (Marcos 8:31; 10:34). – Archibald Thomas Robertson, Word Pictures in the New Testament  (Quadros Verbais no Novo Testamento), 1927, Vol. 1 (Mateus – Marcos). (Este conjunto de volumes é de uma edição de 1982).

40 pois assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim o Filho do homem estará três dias e três noites no coração da terra. Jesus ficou um dia inteiro, duas noites inteiras e partes de outros dois dias na sepultura. Mas, como os judeus consideravam parte do dia como um dia inteiro, quando isso ocorria no início ou no final de uma série, ele foi corretamente mencionado como estando três dias na sepultura. Os judeus tinham três frases, a saber: “no terceiro dia”, “depois de três dias” e “três dias e três noites”, que significavam todas a mesma coisa; isto é, três dias, dois dos quais podem ser dias fracionários. Com eles, três dias e noites completos seriam contados como quatro dias, a menos que a contagem começasse ao pôr do sol, o começo exato de um dia (Atos 10:1-30). Para exemplos da contagem judaica de dias, veja Gen. 13:17, 18; 1 Reis 12:5, 12; Est. 4:I6; 5:1; Mat. 27:63, 64. – J. W. McGarvey and Philip Y. Pendleton, The Fourfold Gospel (O Evangelho Quádruplo), Standard Publishing Company, Cincinnati, Ohio, EUA, 1914, pág. 306. (Esta capa é de uma edição de 2010).

Jonas passou “três dias e três noites” no peixe (Jon. 1:17). mas se a sequência normal da Semana da Paixão estiver correta…, Jesus esteve no túmulo só por umas trinta e seis horas. Uma vez que elas incluíram partes de três dias, pela contagem judaica Jesus esteve sepultado por “três dias”, ou, em outras palavras, ele ressuscitou “no terceiro dia” (16:21). Mas isto não abrange mais de duas noites. Alguns defendem uma data de crucificação na quarta-feira…; mas, embora isso permita os “três dias e três noites”, cria  dificuldade com “no terceiro dia”. No pensamento rabínico, um dia e uma noite formam um onah, e parte de um onah é o todo… Assim, de acordo com a tradição judaica, “três dias e três noites” não precisam significar mais do que “três dias” ou a combinação de qualquer parte de três dias distintos. – Donald Arthur Carson, Expositor’s Bible Commentary (Comentário Bíblico do Expositor), editado por Frank E. Gaebelein, Zondervan, MI, EUA, 1984, Vol. 8, pág. 296.

B2 – Os “Três Dias e Três Noites” Como Período Integral

À base do que foi apresentado no ponto B1, é evidente que os eruditos em geral não veem qualquer problema em entender a expressão “três dias e três noites de acordo com o modo judaico de contagem.6 Existem eruditos, porém, que defendem que Jesus pode ter se referido de fato a um período completo quando usou a frase “três dias e três noites”. As citações que seguem apresentam exemplos da argumentação em prol desta alternativa, que vale a pena ser explorada:

Mateus associou o período de “três dias e três noites” à atribulada descida que Jonas experimentou, que culminou na libertação da morte. Jesus é maior do que Jonas, mas ele é também maior do que Salomão e o templo (Mt 12:6, 42). Jesus afirmou que os “três dias” correspondiam à reconstrução do templo (João 2:19), que somente o sucessor messiânico de Salomão poderia fazer. Assim, foi durante o período de três dias em que Cristo estava “no coração da terra” que ele inaugurou a nova criação que o templo antecipava simbolicamente. O leitor não precisa presumir que essa nova iniciativa só começou depois que Jesus foi enterrado no chão. Mesmo antes de sua morte, Jesus havia iniciado o processo de redenção que inaugurou a nova era; de fato, todo o seu ministério cumpriu o papel messiânico de suportar as fraquezas da raça humana (Mat. 8:17; compare com Isa. 53:1–10). No entanto, ao se aproximar a hora de sua morte, Jesus sentiu profundamente o fardo de sua missão: ficou profundamente angustiado – até o ponto da morte (Mat. 26:38; Marcos 14:34; compare com Lucas 22:45). A descida de Jesus ao Seol (morte) começou antes de ele ser colocado na cruz; a onda das forças mundanas e do mal o levou profundamente ao abismo do reino de Satanás. Ele foi espancado sem piedade, acusado injustamente, ridicularizado detestavelmente e cruelmente assassinado. Enquanto pendurado na cruz, seu grito de abandono se elevou como o grito de banimento de Jonas (Mat. 27:46; Marcos 15:34; Jonas 2:4). A angústia de Jesus na cruz (antes de sua morte) foi paralela ao sofrimento de Jonas no mar. Então, quando Jesus morreu, o próprio templo foi aberto e muitos dos mortos foram libertados de seus túmulos (Mat. 27:50–54, lembrando o anseio de Jonas pelo templo e sua libertação do grande peixe). Assim, a descida de Jesus à morte (ou seja, ao “coração da terra”) começou antes de ele morrer, e a jornada que parecia sem esperança terminou na ressurreição vitoriosa.Entendidos dessa maneira, os “três dias e três noites” começaram no Getsêmane, onde Jesus aceitou o plano do Pai, apesar do sofrimento necessário. Não há necessidade de considerar isso como um período impreciso; nem somos obrigados a modificar a sequência tradicional de eventos durante a semana da paixão. Jesus entendeu sua provação em termos da descida de Jonas às profundezas do mar e, como Jonas, Jesus olhou para o Pai em busca de seu resgate. Os discípulos perceberam após a ressurreição que também sofreriam por causa de Cristo, e que também encontrariam esperança em meio ao sofrimento, independentemente de ele trazer ou não a morte.

– Michael W. Andrews, The Sign of Jonah: Jesus in the Heart of the Earth (O Sinal de Jonas: Jesus no Coração da Terra), Journal of the Evangelical Theological Society (Revista da Sociedade Teológica Evangélica), publicada pela Evangelical Theological Society (Sociedade Teológica Evangélica), Chicago, IL , EUA, 61.1 (2018), págs. 118, 119.

Assim como outros eruditos, Andrews situou o início do período pouco depois da Páscoa, no momento em que Jesus caiu em profunda angústia no Getsêmane. Há, porém, quem situe o início dos “três dias e três noites” ainda mais cedo do que isso. A exposição apresentada a seguir é representativa dessa linha de argumentação. Embora este erudito esteja de acordo com o conceito da maior parte dos comentaristas, ele acrescenta o seguinte:

Embora o que eu disse aqui [sobre o modo hebraico de contar os dias] possa satisfazer um leitor razoável, eu ainda observaria também que a sinédoque7 não se refere tanto aos três dias e às três noites quanto se aplica à permanência real no coração da terra. De fato, as Escrituras frequentemente definem um determinado intervalo e expressam não todo o assunto que ocupou comensurável e exatamente esse tempo, e sim uma parte do assunto com duração mais longa do que as demais partes; como, por exemplo, os quatrocentos e trinta anos de permanência no Egito, Êxodo 12:40; e do mesmo modo ao longo do livro inteiro dos Juízes. Neste trecho, portanto, a permanência no coração da terra, ou seja, no sepulcro, é expressa, mas ao mesmo tempo todo o período da paixão está implícito, certamente pela agonia no Getsêmane, quando Jesus caiu na terra em que Ele deveria entrar no dia seguinte e a partir da captura pela qual os judeus iniciaram o empreendimento de destruir o templo (como Erasmus pensa, Annot. F. 134). Assim, o início glorioso dos três dias na quinta-feira está claramente sugerido, em João 13:31 [comp. Harmon. Evang. p. 310, 366], datando do momento em que os judeus barganharam pelo Salvador, que deveria ser entregue à terra. O período restante na terra, tomado em uma significação mais ampla, inclui todas essas coisas; veja o Salmo 71:20. Pois o Filho do homem foi um sinal para aquela geração, não apenas em seu sepulcro, mas de modo mais especial em sua paixão; veja João 8:28. Dessa maneira, os três dias e as três noites se completam exatamente desde o amanhecer de quinta-feira até o amanhecer de domingo.8 O período da morte das duas testemunhas é definido exatamente em Apocalipse 11, como três dias e meio; portanto, devemos considerar que os três dias e as três noites remanescentes de nosso Senhor no meio da terra também foram definidos com exatidão. O meio, ou coração, da terra não precisa ser procurado com precisão; mas estas frases são opostas à própria terra, na superfície da qual Cristo habitou por mais de trinta anos.

– John Albert Bengel, Gnomon of the New Testament (Gnômon do Novo Testamento), Edimburgo, Escócia, 1873, Vol. 1, págs. 277, 278. (A capa acima é de uma edição de 2004).

B3 – “Coração da terra” – Uma “região extremamente profunda”?

Estão os eruditos de acordo com a ideia de que a expressão “coração da terra” significa um lugar de grande profundidade, tal como o centro da terra? As seguintes citações são pertinentes:

O coração da terra é uma expressão figurativa para a sepultura, que também é chamada de “as partes mais baixas da terra” (Salmos 63:9; Efésios 4:9). – James Burton Coffman CommentariesMatthew, Vol. 1 (Comentários de James Burton Coffman, Mateus, Volume 1), Abilene Christian Univ Press, Texas, EUA, 1974 (versão online).

Coração da terra – Visto que nosso Senhor não foi enterrado no solo, e sim encerrado num túmulo rocha, alguns entenderam pela frase coração da terra, o lugar dos espíritos que partiram, aos quais nosso Senhor desceu por ocasião de sua morte. Mas certamente a rocha é uma parte da terra, tão verdadeiramente quanto o solo. O seio de uma rocha é denominado de maneira muito expressiva o coração da terra. – Daniel Denison Whedon, A Popular Commentary on the New Testament (Comentário Popular do Novo Testamento) Os Evangelhos: I (Mateus – Marcos), Londres, Inglaterra, 1874, pág. 160 (Esta capa é de uma edição de 2012).

Pois, assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia (Jonas 1:17), assim estará o Filho do homem três dias e três noites no coração da terra. Este foi o segundo anúncio público de sua ressurreiçãotrês dias depois de sua morte. (Para o primeiro, veja João 2:19.) O caso de Jonas foi análogo a isso, como um sinal de julgamento de Deus; revertido em três dias; e seguido por uma missão gloriosa aos gentios. A expressão “no coração da terra”, sugerida pela expressão de Jonas em relação ao mar (Jonas 2:3, na Septuaginta), significa simplesmente a sepultura, mas essa é considerada a expressão mais enfática do sepultamento real e completo. – Jamieson, Robert, D.D.; Fausset, A. R.; Brown, David, Commentary Critical and Explanatory On The Old and New Testaments (Comentário Crítico e Explanatório do Antigo e Novo Testamentos)1878, Vol. II, pág. 42 (A capa acima é de uma edição de 2013 [digital]).

No coração da terra. Esta expressão provavelmente foi usada com referência àquela de Jonas 2:3, “coração dos mares”; comp. Deut. 4:11, “até o coração dos céus”, Sal. 46:2, “no coração dos mares” (todos estes trechos na Versão Revisada e em notas marginais na Versão Comum.) A referência é ao enterro de nosso Senhor, e os trechos comparados mostram que não há qualquer propriedade em insistir, como muitos fazem, que a linguagem é forte demais para essa ideia simples e, portanto, deve se referir ao que é chamado de “descida ao Hades”. – An American Commentary on the New Testament. Edited by Alvah Hovey. Commentary on The Gospel of Matthew (Comentário Americano do Novo Testamento. Editado por Alvah Hovey. Comentário ao Evangelho de Mateus), John A. Broadus, American Baptist Publication Society, Philadelphia, PA, EUA, 1886, pág. 276. (A capa acima é de uma edição de 2011).

Assim estará o Filho do homem três dias e três noites no coração da terra. Que Cristo se refere a si mesmo como “filho do homem”, não há razão para duvidar; e o fato de ele ser posto em um túmulo, escavado em uma rocha, é suficiente para responder esta frase, “o coração da terra”, distinto da superfície dela;… e assim o filho do homem deveria estar, e esteve três dias e três noites na sepultura; e isso era muito fácil de ser entendido pelos judeus; e é uma questão se Jonas ficou mais tempo na barriga do peixe. – John Gill, An Exposition of the New Testament (Uma Exposição do Novo Testamento), 1746-1748, Vol. 1, comentário a Mateus 12:40 (A capa acima é de uma edição digital de 2011).

No coração da terra – os judeus usavam a palavra coração para denotar o interior de uma coisa, ou para falar de estar em uma coisa. Aqui, significa estar no túmulo ou sepulcro. – Albert Barnes, Notes Explanatory & Practical on the Gospels (Notas Explicativas e Práticas Sobre os Evangelhos), Harper & Brothers Publishers, Nova Iorque, EUA, 1847, Vol. I, pág. 150. (Esta capa é de uma edição de 2013).

A expressão “coração da terra” não significa seu centro. Os judeus usavam a palavra “coração” para denotar o interior de qualquer coisa (Eze. 28:2). A frase é usada aqui para indicar enfaticamente o real enterro de Cristo. – J. W. McGarvey and Philip Y. Pendleton, The Fourfold Gospel (O Evangelho Quádruplo), Standard Publishing Company, Cincinnati, Ohio, EUA, 1914, pág. 307. (Esta capa é de uma edição de 2010).

o coração da terra = na terra: isto é, o sepulcro, ou tumba, Mateus 27:60. Marcos 15:46. Lucas 23:53. João 19:40. Atos 13:29. É a figura de linguagem Pleonasmo (um hebraísmo), App-6, = o meio ou “dentro”. Veja Êxodo 15:8. Salmos 46:2. 2 Samuel 18:14. Deuteronômio 4:11. De qualquer forma, não é “o centro”, assim como o coração não está no centro do corpo, e sim próximo do topo. Devemos concluir que o Senhor estabelece “a validade literal da história de Jonas”, na medida em que falou “não Suas próprias palavras, mas apenas as palavras do Pai” (veja João 7:16; 8:28, 8:46, 8:47; 12:49; 14:10, 14:24; 17:8); de modo que as afirmações dos críticos modernos estão perigosamente próximas da blasfêmia contra o próprio Deus. – Ethelbert William Bullinger, The Companion Bible, 1909, pág. 1335. (Esta capa é de uma edição de 1993).

B4 – O Sentido Ampliado da Expressão “Coração da Terra”

Na interpretação contestada aqui aparece a seguinte frase:

… não foi no sepulcro que Jesus disse que passaria três noites. Ele falou que seria no coração da terra.

Todavia, na mesma exposição aparecem declarações divergentes:

… será que existe algo no Novo Testamento que demonstre que Jesus realmente passou três noites no Hades?… o que impediria Jesus de voltar ao Hades naquela mesma noite para continuar a fazer o que talvez tivesse iniciado nas duas noites anteriores?

Da mesma forma que Jesus não disse que passaria “três dias e três noites” no sepulcro, ele também nunca falou que passaria este período no Hades. Enfatizando o que foi dito: “Ele falou que seria no coração da terra.” A argumentação apresentada na exposição tratada aqui baseia-se na premissa de que “coração da terra” equivale a Hades, sendo que esse “Hades” significaria, conforme já vimos, “um lugar extremamente profundo no interior do planeta [Terra]”. Toda a literatura imortalista que já foi trazida à nossa atenção têm a tendência de tomar literalmente uma série de palavras e expressões usadas na Bíblia em conexão com a condição dos mortos. E, infelizmente, às vezes ainda se faz pior do que isso: Atribue-se esse erro aos que discordam das interpretações imortalistas, como se fossem essas pessoas que literalizassem trechos bíblicos figurativos!

Por exemplo, nenhum erudito cristão jamais afirmou que “Seol” é “uma simples sepultura”. Quando os eruditos traduzem a palavra hebraica “Seol” (ou a palavra grega “Hades”) como “sepultura”, eles estão falando em sentido geral. Nada está se falando sobre uma sepultura específica. Aliás, a própria palavra “sepultura” na linguagem cotidiana não tem necessariamente esse significado. Quando se diz que “Fulano de Tal foi para a sepultura”, não é obrigatório o entendimento de que está se falando do túmulo dessa pessoa. Não, a ideia básica que está sendo transmitida é que o indivíduo morreu. Onde ele teria sido enterrado, especificamente, não vem ao caso. A referência aqui é ao “domínio da sepultura”, não a um túmulo específico.

Como exemplos dos absurdos gerados pela literalização indevida, apresentam-se a seguir dois trechos extraídos de exposições imortalistas, confrontados com o que os eruditos dizem sobre os textos bíblicos citados neles.

TRECHO 1:

… Jacó disse que queria morrer para se juntar a José no Seol, indicando claramente que Seol não é uma sepultura, mas um lugar inacessível nas profundezas da Terra para onde vão as almas dos mortos, conforme dito pelo salmista:“Tu, que me fizeste passar muitas e duras tribulações, restaurarás a minha vida, e das profundezas da terra de novo me farás subir”. – Salmos 71:20, NVI.(O grifo é do autor.)

Em primeiro lugar, Jacó nunca disse que “queria morrer para se juntar a José no Seol”. Isto é uma deturpação injustificável das palavras dele. Quando Jacó disse que ‘desceria pranteando por seu filho ao Seol’, o que ele estava querendo dizer, basicamente, era que ‘choraria por seu filho até morrer’. Em segundo lugar, conforme acabamos de ver, ninguém falou que o Seol “é uma sepultura”. O Seol é o “domínio da sepultura”, não um túmulo específico. Em terceiro lugar, não são apenas “as almas dos mortos” (‘separadas do corpo’) que estão neste domínio, e sim a pessoa completa.9 E em quarto lugar, os eruditos não entendem o Salmo 71:20 da maneira que foi apresentada acima. O quadro que segue contém pronunciamentos encontrados em cinco obras eruditas, representando adequadamente o conceito deles:

O QUE OS ERUDITOS DIZEM SOBRE A EXPRESSÃO “PROFUNDEZAS DA TERRA” (Salmos 71:20)

Albert Barnes: A ideia aqui é que, em vez de estar no topo da montanha, em um local seguro, ele afundou até o ponto mais baixo; ele havia afundado “na” própria terra.Porém, a partir daquela condição rebaixada, ele se sentiu seguro de que Deus o levantaria e o colocaria em uma condição de felicidade e segurança. Este é um dos muitos exemplos que temos nos Salmos, em que o salmista com grandes problemas expressa toda a confiança de que Deus interviria em seu favor.

John Gill: expressivo de uma condição muito baixa, seja do corpo ou da mente, para o qual ele fora levado; ver Salmo 130: 1. Se o salmo for entendido como aplicado a Cristo, esta e a sentença anterior poderiam ser aplicadas à sua ressurreição dentre os mortos; veja Efésios 4:9; e à ressurreição dos santos; na qual a fé de Cristo e seu povo é depositada.

Jamieson-Fausset-Brown: profundezas da terra – condição degradada, inferior.

Matthew Poole: isto é, do túmulo; pois eu estava como um morto e sepultado, e além de toda esperança de libertação, sem a tua ajuda onipotente.

Spence-Jones, Joseph Exell: ‘As “profundezas da terra” são uma metáfora para o extremo da miséria e da depressão (compare com o Sal. 88:6; Sal. 130:1).

TRECHO 2:

Quando se diz que a cidade [Tiro, cidade fenícia] desceria como quem desce ao poço, até a “terra mais baixa”, é uma referência da descida de seus habitantes ao Seol, lugar descrito como sendo tão profundo debaixo da Terra que se assemelha às profundezas oceânicas: “Tu vais me dar a vida novamente, me erguendo das águas profundas do mundo subterrâneo”. – Salmos 71:20, Bible in Basic English.“[Deus disse:] Você já foi até as nascentes do mar, ou já passeou pelas obscuras profundezas do abismo? As portas da morte lhe foram mostradas? Você viu as portas das densas trevas?”. – Jó 38:16, 17, NVI, colchetes acrescentados.Embora fisicamente falando a cidade antiga [Tiro] nunca tenha saído de onde estava, espiritualmente ela foi transferida para o reino dos mortos. Sentido semelhante está nas palavras a seguir de Jesus:“Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem ocorrido em Tiro e Sídon as obras poderosas que ocorreram em vós, há muito se teriam arrependido em saco e cinzas. Conseqüentemente, eu vos digo: No Dia do Juízo será mais suportável para Tiro e Sídon do que para vós. E tu, Cafarnaum, serás por acaso enaltecida ao céu? Até o Hades descerás; porque, se as obras poderosas que ocorreram em ti tivessem ocorrido em Sodoma, ela teria permanecido até o dia de hoje. Conseqüentemente, eu vos digo: No Dia do Juízo será mais suportável para a terra de Sodoma do que para ti”. – Mateus 11:21-24.Perceba que Jesus se referiu a uma cidade que não existia mais como se ela ainda existisse. Isto é assim porque ele não estava falando literalmente de cidades físicas que virariam ruínas, mas de seus habitantes que aguardariam julgamento no Hades.

Embora seja evidente que os textos citados não podem ser tomados literalmente (por exemplo: será que o mar tem “nascentes”? Acaso a morte e as trevas teriam “portas”?, etc.), é exatamente isso o que se faz na exposição acima. Alega-se que os textos estão falando de descida literal de pessoas a algum “lugar profundo debaixo da terra”! Novamente, o sentido que os eruditos dão a estes trechos é bem diferente disso. O quadro que segue contém igualmente pronunciamentos encontrados em outras cinco obras eruditas, sendo focalizada especificamente a última referência que foi citada (a condenação de Jesus contra as cidades de Corazim, Betsaida e Cafarnaum):

O QUE OS ERUDITOS DIZEM SOBRE A EXPRESSÃO ‘DESCER AO HADES [INFERNO]’ (Mateus 11:23)

Albert Barnes: Serás lançada no inferno – Isto não significa que todo o povo [de Cafarnaum] iria para o inferno, e sim que a cidade que florescera com tanta prosperidade perderia sua prosperidade e ocuparia o “lugar mais baixo” entre as cidades. A palavra “inferno” é usada aqui, não para indicar um lugar de punição no mundo futuro, e sim uma condição de “desolação e destruição”. Está em contraste com a palavra “céu”. Como serem enaltecidas até o céu não significava que todas as “pessoas” seriam salvas ou habitariam no céu, então ser lançada no “inferno” refere-se à desolação da “cidade”. Seus privilégios, honras, riquezas, etc. seriam retirados e afundariam nas cidades tão baixo quanto antes de elas serem enaltecidas.

James B. Coffman: Exaltada ao céu … refere-se à prosperidade e favor geral em que Cafarnaum repousava. Isto resulta do fato de que sua degradação não deve ser na Geena, e sim no Hades, indicando uma perda de sua posição e destruição de sua beleza.

John Gill: serás lançada no inferno; significando, deve ser tratada com providências muito humildes, reduzida a uma condição muito baixa, veja Isaías 14:15 ser destruída e assolada, como uma cidade, como foi nos tempos de Vespasiano; e seus habitantes não apenas punidos com a destruição temporal, e sim eterna;

Jamieson-Faussett-Brown: serás exaltada até o céu – Nem mesmo de Corazim e Betsaida se diz isso. Pois visto que em Cafarnaum Jesus teve sua morada declarada durante todo o período de sua vida pública que passou na Galiléia, ela foi o local mais favorecido da terra, o mais exaltado em privilégios.Serás lançada no inferno – destruída por suas profanações.

McGarvey e Pendleton: Ao Hades descerás. “Hades” significa a morada dos mortos. Está em contraste figurativo com o céu e indica que Cafarnaum seria levada à ruína total. Embora Jesus não estivesse descontente com as paredes e as casas, e sim com os que habitavam nelas, os locais incertos dessas cidades são marcados apenas por ruínas e mostram ao viajante que procura entre as ervas daninhas as pedras desgastadas pelo tempo a ira de Deus contra as pessoas que antes moravam lá. Em menos de trinta anos, essas três cidades [Corazim, Betsaida e Cafarnaum] foram destruídas. O pecado destrói cidades e nações, e a prosperidade temporal permanente depende da justiça.10

E o que dizer do “coração da terra”? Será que é obrigatório entendermos tal expressão literalmente (por exemplo, “centro da terra”)? Não haveria a possibilidade de Jesus tê-la usado igualmente em sentido figurativo, tendo em mente mais situações além de seu enterro? Segundo alguns eruditos, sim! Apresenta-se a seguir a exposição de um deles. Inclusive, neste trecho que será apresentado inicialmente, o autor mostra adicionalmente porque o entendimento de “coração da terra” como “centro da terra” não é válido:

Outra teoria popular é que o coração da terra refere-se ao mundo inferior onde Jesus pregou aos espíritos em prisão (1 Pedro 3:19, 20). O problema é que esse domínio jamais é chamado de coração da terra.

Dito isto, posso entender por que alguns chegam a essa conclusão. Na mente moderna, a Terra é entendida como um planeta, e seu coração, com muita facilidade, pode ser entendido como seu núcleo. Isso, no entanto, é baseado em uma nomenclatura falaciosa. A verdade é que a definição moderna de terra não é um sinônimo perfeito da definição antiga.

Terra, na Bíblia, significa simplesmente terra seca. Isto é definido pelo próprio Deus no primeiro capítulo de Gênesis.

E disse Deus: “Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça a parte seca”. E assim foi. À parte seca Deus chamou terra, e chamou mares ao conjunto das águas. E Deus viu que ficou bom. (Gênesis 1:9,10)

Note-se também que, ao longo das Escrituras o mar e a terra são distinguidos. Observemos como Moisés os trata distintamente em seu resumo do relato da criação.

Pois em seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe (Êxodo 20:11)

Isto não faria sentido com o entendimento moderno do planeta Terra, que é uma unidade terrestre-marítima. A Bíblia, no entanto, define a terra como terra, e sempre a diferencia do mar (Nee 9:6, Sal. 69:34, Sal. 96:11, Sal. 135:6, Sal. 146:6, Eze. 38:20, Amós 9:6, Atos 4:24, Atos 14:15, Rev. 10:6, Rev. 12:12, Rev. 14:7, Rev. 21:1).

Além disso, quando entendemos terra como uma referência à terra seca na Bíblia, muitos mal-entendidos desaparecem. A frase extremidades da terra [ou confins da terra], por exemplo, usada pelos céticos para impor ideias de terra plana à Bíblia, perde completamente sua eficácia. Extremidades da terra é simplesmente uma referência às linhas costeiras.

O mesmo deve ser verdade no caso da frase coração da terra, que, literalmente, deve ser entendida como coração da terra [seca]. Não pode ser uma referência ao núcleo do nosso planeta, nem a algum reino espiritual que isso possa significar, metaforicamente. Literalmente, isto significaria o meio de uma massa de terra como o termo moderno “coração da terra”. Na Bíblia, o coração de Israel e o coração do Egito se referem a localizações geográficas nessas nações. Metaforicamente, o coração (ou meio) do Egito se refere às autoridades dominantes do Egito, o que me leva ao meu próximo ponto.

What did Jesus mean by 3 days and 3 nights in the heart of the earth? (O Que Jesus Quis Dizer Por 3 Dias e 3 Noites no Coração da Terra?), Talk Genesis (www.talkgenesis.org), Jan/2019.

Le jugement du matin [O julgamento pela manhã], James Jacques Joseph Tissot (1886-94) – Brooklyn Museum

Nesta mesma exposição, ele propõe o entendimento ampliado da expressão “coração da terra”:

Jesus foi crucificado na sexta-feira de manhã, mas foi preso e levado cativo na noite anterior no Getsêmane. Foi aí que o horror da paixão começou. Foi quando ele entrou no ventre do peixe, por assim dizer.

Jesus morreu por nós, mas também foi tornado pecado por nós (2 Cor. 5:21). Sugiro que isso começou na noite de quinta-feira, no momento em que ele se deixou ser capturado e julgado por homens terrenos (pecadores). Os governantes e fariseus tentaram encarcerá-lo muitas vezes, mas Jesus não permitiu isso até a fatídica noite da quinta-feira no Getsêmane. Foi quando ele voluntariamente se entregou aos líderes terrenos para julgamento. Foi quando ele entrou no coração da terra (encarceramento, julgamento, crucificação, morte, enterro), onde permaneceu até sua ressurreição no domingo de manhã.

Creio que isso transmite o verdadeiro significado do coração da terra e, se eu estiver certo, encontramos a nossa noite faltante! Abaixo está a linha do tempo do coração da Terra, de acordo com o entendimento moderno dos dias.11

Mas, o que dizer do resto do Novo Testamento? Será que o próprio Jesus incluiu os eventos de quinta-feira à noite na linha do tempo da ressurreição? Algum dos outros escritores corrobora isso?

Na verdade, todos eles confirmaram. Voltemos a Lucas 24 e examinemos atentamente o testemunho de Cléopas.

Os chefes dos sacerdotes e as nossas autoridades o entregarampara ser condenado à morte, e o crucificaram;… E hoje é o terceiro dia desde que tudo isso aconteceu. (Grifo meu)

Observe que ele incluiu não só a crucificação, mas a entrega de Jesus às autoridades terrenas. Segundo Cléopas, o domingo era o terceiro dia desde que “tudo isso aconteceu”.

Esse é o padrão que encontramos nos Evangelhos.

Todos os trechos abaixo fazem referência ao encarceramento, crucificação e ressurreição de Cristo no terceiro dia.

“Desde aquele momento Jesus começou a explicar aos seus discípulos que era necessário que ele fosse para Jerusalém e sofresse muitas coisas nas mãos dos líderes religiosos, dos chefes dos sacerdotes e dos mestres da lei, e fosse morto e ressuscitasse no terceiro dia.” (Mat. 16:21)

“Reunindo-se eles na Galiléia, Jesus lhes disse: “O Filho do homem será entregue nas mãos dos homens. Eles o matarão, e no terceiro dia ele ressuscitará.” (Mat. 17:22, 23)

“… o Filho do homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e aos mestres da lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos gentios para que zombem dele, o açoitem e o crucifiquem. No terceiro dia ele ressuscitará” (Mat. 20:18,19, Mar. 10:33, 34))

“E [Jesus] disse: “É necessário que o Filho do homem sofra muitas coisas e seja rejeitado pelos líderes religiosos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos mestres da lei, seja morto e ressuscite no terceiro dia”. (Luc. 9:22)

“Ele será entregue aos gentiosque zombarão dele, o insultarão, cuspirão nele, o açoitarão e o matarão. No terceiro dia ele ressuscitará”. (Luc. 18:32,33)

“‘É necessário que o Filho do homem seja entregue nas mãos de homens pecadores, seja crucificado e ressuscite no terceiro dia’”. (Luc. 24:7).

Note-se que essa entrega de Jesus às autoridades terrenas raramente é deixada de fora da linha do tempo da ressurreição. É difícil encontrar uma referência ao terceiro dia que não a inclua.

A meu ver, isto resolve o problema. O coração da terra não é unicamente uma referência ao túmulo. Esta expressão abrange todos os eventos da paixão, do encarceramento à ressurreição.

CONCLUSÃO

Com base em tudo o que foi discutido, principalmente nos pontos B2 e B4, propomos o seguinte diagrama, com a sequência de eventos que assinalaram os “três dias e três noites” referidos por Jesus:

Tudo considerado, embora haja variações no entendimento que os eruditos têm da expressão “coração da terra”, existe um ponto no qual há acordo unânime: esta expressão supõe, necessariamente, uma condição de absoluto rebaixamento, degradação e humilhação. Provavelmente isto constitui o mais inapelável argumento contra se aventar qualquer hipótese de Jesus ter voltado para o “coração da terra” (não importa o que ele tenha querido dizer, exatamente, com esta expressão) depois que foi ressuscitado. O “coração da terra” definitivamente não seria um lugar para o Filho ressuscitado de Deus, um ser que agora tinha a glória que teve antes de existir o universo, e que já estava revestido de “toda a autoridade no céu e na terra”.

Mas foi nesta condição que ele ficou nos últimos dias de sua existência como humano. Ao longo daqueles dias ele foi traído da maneira mais vil possível por um de seus próprios associados íntimos, suou sangue na expectativa das coisas terríveis que o aguardavam, foi negado três vezes por outro associado íntimo, foi preso, julgado e condenado por meros pecadores vis, cuspiram nele, foi surradozombadocravejado com espinhos, e sofreu as agonias duma execução indescritivelmente dolorosa e que só era imposta aos piores criminosos. E depois foi entregue à terra, como acontece com qualquer pecador ordinário. O Filho de Deus, aquele que tinha sido poderoso, glorificado nos céus e amado pelo Pai desde o princípio, e por meio de quem todas as coisas tinham vindo a existir, desceu ao fundo do poço, sim, passou três dias e três noites no coração da terra.

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APÊNDICEA Hora da Execução de Jesus

Embora seja incontestável que Jesus já chegou às mãos de Pilatos previamente sentenciado à morte, não existe esta mesma certeza quanto ao horário em que ele foi executado. Isso porque as informações dadas pelos evangelistas parecem divergir neste ponto. João afirma que Jesus estava em julgamento na “sexta hora” (João 19:14). Todavia, Marcos situa a crucificação de Jesus na “terceira hora” (Marcos 15:25). Em vista disso, surge a pergunta: Como Jesus poderia ter sido executado na terceira hora, se João relatou que ele ainda estava sendo julgado por volta da sexta hora?

Há muita discussão publicada sobre esta questão. Há quem admita, inclusive, a possibilidade de ter havido algum “erro de cópia” no texto grego (quer no relato de Marcos, quer no de João), de maneira que “terceira hora” seria na verdade “sexta hora”, ou vice-versa. A maior parte dos eruditos (assim como nós) não dá crédito a esta possibilidade e, em vez disso, propõe soluções conciliatórias. Apresentam-se abaixo algumas propostas que são frequentes entre os comentaristas.

Há quem defenda que os três primeiros evangelistas seguiram o sistema de contagem judaico (do nascer do sol ao pôr-do-sol), ao passo que João usou o romano (da meia-noite ao meio-dia e do meio-dia à meia-noite)Desta forma, os eventos relatados por ele ocorreram antes da terceira hora judaica (algo entre 8h e 9h da manhã, em nossa contagem), de modo que essa “terceira hora” é que teria sido a da crucificação. A exposição abaixo representa esta alternativa de entendimento:

Um estudo cuidadoso do texto bíblico revela o fato de que João (que escreveu perto do final do primeiro século, vários anos depois dos escritos dos autores sinópticos, longe da Palestina e dirigindo-se a uma audiência helênica eclética) baseou seus cálculos no horário civil romano. Mateus, Marcos e Lucas, por outro lado, computaram suas referências a dias e horas de acordo com o horário judaico (cf. Smith, 1869, 2: 1102; Robertson, 1922, pág. 285; Lockhart, 1901, pág. 28; Geisler e Howe, 1992, pág. 376; Brewer, 1941, págs. 330-331; McGarvey, 1892, 2: 181-182).

À luz destes fatos, leiamos o contexto da referência de João à “sexta hora”:

Ouvindo, pois, Pilatos esse dito, levou Jesus para fora e assentou-se no tribunal, no lugar chamado Litóstrotos, e em hebraico o nome é Gabatá. E era a preparação da Páscoa e quase à hora sexta; e disse aos judeus: Eis aqui o vosso rei. Mas eles bradaram: Tira! Tira! Crucifica-o! Disse-lhes Pilatos: Hei de crucificar o vosso rei? Responderam os principais dos sacerdotes: Não temos rei, senão o César. Então, entregou-lho, para que fosse crucificado. E tomaram a Jesus e o levaram. (João 19:13-16, grifo acrescentado).

Na verdade, João não se refere à hora da crucificação, e sim apenas aos procedimentos que antecederam a crucificação, especificamente, o período geral em que Pilatos entregou Jesus aos guardas romanos para iniciar os procedimentos de execução. Neste ponto, ainda havia uma jornada torturante e demorada até o local da execução. Esses eventos começaram a ocorrer “quase às 6h da manhã”.

A contagem de Marcos tem a seguinte redação:

E constrangeram um certo Simão Cireneu, pai de Alexandre e de Rufo, que por ali passava, vindo do campo, a que levasse a cruz. E levaram-no ao lugar do Gólgota, que se traduz por lugar da Caveira. E deram-lhe a beber vinho com mirra, mas ele não o tomou. E, havendo-o crucificado, repartiram as suas vestes, lançando sobre eles sortes, para saber o que cada um levaria. E era a hora terceira, e o crucificaram. (Marcos 15:21-25, grifo acrescentado).

Usando a contagem judaica, a “terceira hora” de Marcos é 9:00 da manhã – três horas depois da “sexta hora” de João (veja também Miller, 2007). Há margem de tempo suficiente para os eventos que antecederam a crucificação real, a sequência apropriada é preservada e a historicidade primitiva da Bíblia é vindicada.

(Dave Miller, At What Hour was Jesus Crucified? [A Que Horas Jesus Foi Crucificado?], 2016.)

Já outros comentaristas defendem que nenhum evangelista usou o sistema romano; todos usaram o judaico, mas falaram em termos gerais, sendo que, ao dizer “terceira hora”, Marcos teve em mente o início do processo de execução, não a execução em si. Esta só teria ocorrido umas duas horas depois, já próximo do meio dia. A exposição abaixo é típica desta corrente de argumentação:

Afinal de contas, excluindo-se talvez a suposição de que haja algum erro no texto, toda a dificuldade [da aparente divergência entre Marcos e João] pode ser removida pelas seguintes declarações:

(1) O Calvário ficava fora dos muros de Jerusalém. Era uma distância considerável do lugar onde Jesus foi julgado e condenado. Levaria mais ou menos algum tempo para ir até lá e nas medidas preliminares para crucificá-lo.

(2) não é necessário entendermos que Marcos está dizendo que foi precisamente às nove horas, de acordo com nossa expressão. Com os judeus eram seis até sete; era a terceira hora até a quarta começar; era a nona até que chegasse a décima. Eles incluíam na terceira hora o período completo, da terceira à quarta. O mesmo procedimento que adotavam na contagem dos seus dias. Veja as notas sobre Mateus 12:40.

(3) não é forçar indevidamente o assunto supormos que Marcos falou do momento em que o processo da crucificação começou, isto é, quando ele foi condenado; quando eles deram abertura nela; quando eles fizeram a preparação. Entre isso e o momento em que ele foi levado para fora de Jerusalém ao Monte Calvário, e quando ele foi realmente pregado no madeiro, não é improvável supor que possa ter havido um intervalo de mais de uma hora. De fato, presume-se que passaria muito mais tempo do que isso.

(4) conforme foi observado, João não pretende ser estritamente preciso. Ele diz que “era por volta da sexta hora”, etc.

(5) pode-se supor que João pretendeu indicar a hora em que ele foi realmente pregado na cruz; que ele falou da crucificação; que denota o ato de pendurar, aplicado efetivamente a ele, e não há qualquer dificuldade. Quaisquer outros dois homens – quaisquer testemunhas – poderiam dar um relato exatamente assim agora. Um homem falaria do momento em que o processo de execução começou; outro, talvez, do próprio ato da execução e ambos estariam falando disso em termos gerais, e diriam que um homem foi executado naquele momento; e a variação circunstancial provaria que não houve conluio, nenhum acordo para induzir um tribunal – que eles eram testemunhas honestas. Isso está provado aqui.

(6) que este é o verdadeiro relato do assunto, fica claro à base dos próprios evangelistas e especialmente em Marcos. Os três primeiros evangelistas estão de acordo em afirmar que houve uma escuridão notável em toda a terra, da sexta à nona hora, Mateus 27:45; Marcos 15:33; Lucas 23:44. Esse fato – como o qual Marcos concorda – parece indicar que a crucificação propriamente dita continuou só durante esse período – que Jesus foi, de fato, pendurado por volta da sexta hora, embora os preparativos para crucificá-lo estivessem em andamento (Marcos) por duas horas antes. O fato de Marcos mencionar (Mar. 15:33) essa escuridão como tendo início na sexta e não na terceira hora é uma das circunstâncias que parecem significar que a crucificação tinha realmente ocorrido naquele momento – embora os vários arranjos para isso (Mar. 15:25) tinham estado em andamento desde a terceira hora.

Uma coisa fica conclusivamente comprovada por isso – que os evangelistas não conspiraram entre si para se impor ao mundo. Eles são testemunhas independentes e eram homens honestos; e a circunstância envolvida aqui é uma que seria de grande valor no testemunho nos tribunais de justiça – variação circunstancial com acordo essencial.

(Albert Barnes, Barnes’ Notes on the New Testament – Complete and Unabridged in One Volume (Notas de Barnes ao Novo Testamento, Edição Integral em Um Volume), Kregel Publications, Grand Rapids, MI, EUA, 1962, pág. 176, grifos acrescentados.)

Existem outras alternativas de entendimento. Para irmos um pouco além nesta discussão, apresenta-se abaixo outra proposta conciliatória, que vale a pena ser explorada. Ela foi feita por Agostinho, e tende a confirmar que as discussões e deliberações em torno da execução de Jesus ocuparam quase todo o período da manhã daquela fatídica sexta-feira, tendo ele sido executado perto do meio-dia:

Consideremos agora por que Marcos disse: “Era a terceira hora“.

Ele já havia dito positivamente: “E, havendo-o crucificado, repartiram as suas vestes;” assim como os outros também declaram que quando Ele foi crucificado, suas vestes foram divididas. Ora, se Marcos quisesse fixar a hora do que foi feito, teria sido suficiente dizer: “E era a terceira hora”. A razão de ele ele acrescentar “e eles o crucificaram”, não é outra a não ser que ele desejou apontar para algo que havia acontecido antes e que, se investigado, seria explicado, já que a mesma Escritura seria lida numa época em que a Igreja inteira sabia a que horas nosso Senhor foi crucificado, o que significa que qualquer erro poderia ser eliminado e qualquer falsidade seria refutada.

Mas, visto que ele sabia que o Senhor foi pregado na cruz não pelos judeus, e sim pelos soldados, como João mostra claramente, ele quis indicar que os judeus o crucificaram, pois clamaram: “Crucifique-o”, em vez de aqueles que executaram as ordens de seu chefe, de acordo com seu dever. Portanto, está implícito que ocorreu na terceira hora em que os judeus gritaram: “Crucifica-o”, e é mais verdadeiramente demonstrado que eles o crucificaram, quando clamaram. Mas, na tentativa de Pilatos de salvar o Senhor, e a tumultuosa oposição dos judeus, entendemos que um intervalo de duas horas se passou e que a sexta hora começou, antes do fim da qual aquelas coisas que estavam relacionadas ocorreram, a partir do momento em que Pilatos desistiu do Senhor, e as trevas se espalharam pela terra.

Então, quem se dedicar a essas coisas, sem a dureza da impiedade, verá que Marcos colocou isso adequadamente na terceira hora, no mesmo local em que está relacionada a ação dos soldados que foram os executores dela. Portanto, para que ninguém transfira em seus pensamentos um crime tão grande dos judeus para os soldados, ele disse que “era a terceira hora e eles o crucificaram”, para que a culpa pudesse ser lançada sobre eles por um investigador cuidadoso, que descobriria que na terceira hora eles havia clamado por sua crucificação, enquanto ao mesmo tempo seria constatado que o que foi feito pelos soldados foi feito na sexta hora.

De consensu evangelistarum (3,13) [A Harmonia dos Evangelhos], Agostinho. (Grifo acrescentado)

NOTAS

1 E este – é triste dizê-lo – tem sido o caso da maior parte das “evidências bíblicas” apresentadas em prol do conceito da “sobrevivência da alma após a morte” que foram trazidas à nossa atenção ao longo dos anos. O padrão da argumentação é invariavelmente o mesmo: O inverso do que deveria ser. Primeiro, lança-se no ar uma conjectura e só depois de feito isso é que se tenta fazer surgir algum “apoio bíblico” (ou “endosso erudito”) para ela. Se a conjectura carece de qualquer evidência por parte de ambos, isto não parece importar. Se a especulação chega mesmo a contradizer frontalmente todo o resto das Escrituras e não há um só erudito que a apóie, isto não parece causar preocupação alguma. Se a interpretação for autocontraditória; a bem dizer “caindo sobre suas próprias pernas” e tais inconsistências já tiverem sido apontadas (inclusive por eruditos imortalistas), quem a propôs simplesmente finge que os questionamentos não existem e insiste na mesma interpretação que já foi cabalmente refutada (aparentemente imaginando que a mera insistência nela vai tornar verdadeiro o que é uma rematada falsidade). Tais procedimentos estranhos têm sempre uma motivação oculta: Na realidade, o que está sendo protegido é a ideia que se deseja “comprovar” por meio da interpretação problemática, a saber, “que a alma sobrevive independentemente depois da morte do indivíduo e mantém-se ativa e consciente”. É preciso forçar a Bíblia a dizer isso de qualquer maneira e nada deve colocar esse “axioma” imortalista em dúvida, nem que para isso os erros primários das “evidências comprobatórias” sejam todos ignorados, as Escrituras e os eruditos bíblicos sejam todos contraditosfilosofias e lendas pagãs sejam colocados em pé de igualdade com declarações bíblicas genuínas e até se chegue ao cúmulo de colocar palavras na boca de Cristo e do próprio Deus!

2 O fato de os Evangelhos não fornecerem qualquer informação que nos permita estabelecer com precisão o horário da ressurreição de Cristo dá margem a mais de uma possibilidade. Há quem argumente, inclusive, que ele foi ressuscitado já na noite do sábado. A princípio não haveria nada contra esta hipótese, pois, tecnicamente falando, qualquer momento a partir do pôr-do-sol do sábado já seria “depois do sábado”, o “primeiro dia da semana” e o “terceiro dia” depois da morte de Cristo. É verdade que os evangelistas relatam que as mulheres só visitaram o túmulo “no primeiro dia da semana [domingo] bem cedo”, mas isto não diz nada quanto ao horário da ressurreição, já que não se informa quanto tempo havia passado desde a ressurreição até o momento em que alguém chegou ao túmuloAssim, o “grande terremoto” mencionado por Mateus (Mat. 28:2), que provavelmente coincidiu com a ressurreição, pode ter ocorrido num horário avançado da noite do sábado, no final da madrugada do domingo, ou em qualquer hora entre estes dois pontos. É evidente que o terremoto já tinha terminado quando o túmulo foi visitado, mas não se informa se ele tinha acabado de ocorrer, ou se já havia terminado horas antes disso. Tudo o que se pode afirmar com certeza, à base da informação bíblica, é que a ressurreição não ocorreu antes do pôr-do-sol no sábado, nem depois do nascer do sol no domingo. Lucas afirma que as especiarias aromáticas foram levadas ao túmulo “de madrugada” (Luc. 24:1, PER; “bem de madrugada”, EP; “muito de madrugada”, ACF; “alta madrugada”, ARA, e muitas outras), e Jesus já estava vivo quando isso foi feito. Algumas versões modernas até incluem um trecho depois de Marcos 16:8, que começa dizendo que Jesus ressuscitou “na madrugada do primeiro dia da semana” e “apareceu primeiramente a Maria Madalena” (CNBBNVIEPBJ, etc.). Todavia, a autenticidade destes versículos (Marcos 16:9-20) tem sido fortemente questionada pelos eruditos, por isso diversas versões os omitem. De qualquer maneira, a informação combinada dos quatro evangelhos canônicos leva inevitavelmente à conclusão de que o sol ainda não havia nascido quando Maria Madalena compareceu ao túmulo. João informa que ‘ainda estava escuro’ no momento em que ela chegou lá. (João 20:1; “estando ainda escuro”, NVI; “bem de madrugada, quando ainda estava escuro”, Vozes, etc.). Portanto, embora ninguém possa ser específico quanto a horários, tudo indica que o “grande terremoto”, a abertura do túmulo pelo anjo (que deixou os guardas de Pilatos paralisados de terror) e a ressurreição de Cristo ocorreram necessariamente antes do nascer do sol no domingo.

É claro que algum malabarismo poderia ser tentado para “situar” o “terceiro dia” depois da ressurreição de Cristo também, e assim “escapar” desse problema. Poder-se-ia alegar, por exemplo, que toda vez que o ressuscitado Jesus não estava conversando com alguém durante aquele domingo é porque ele tinha voltado ao “coração da terra” para “continuar a fazer” alguma coisa por lá. Esta seria uma solução bem “criativa”, deve-se admitir, porém inútil para “salvar” a interpretação, já que seria simples insistência em contradizer a declaração. Jesus nada falou sobre voltar ao “coração da terra” depois de sair de lá; ele disse, simplesmente, que permaneceria “três dias e três noites no coração da terra”. Nada se falou sobre “pausas” dentro desse período, ou que no “terceiro dia” ele ficaria se “alternando” entre o “coração da terra” e outro lugar. Tampouco adiantaria apelar para o fato de que estando Jesus “no poder do espírito” isto “seria totalmente possível”. Esta é uma argumentação bem cômoda, porém demonstravelmente falaciosa. Toda e qualquer afirmação, por mais mirabolante que seja, poderia ser “comprovada” apelando-se a esse raciocínio! Isso é o mesmo que imaginar qualquer ideia absurda e daí esquivar-se do questionamento dizendo que “Deus pode fazer isso, por um ato especial da vontade dele” já que “para Ele todas as coisas são possíveis”. Ninguém que creia em Deus duvida do poder dele. Porém, assim como é verdade que Deus pode fazer qualquer coisa e nada o limita, é também verdade que Ele faz a vontade delenão a de homens. Deus não está obrigado a realizar “ato especial” algum para satisfazer caprichos de quem quer que seja.

4 É inimaginável que quem elaborou essa interpretação sabia desde o princípio que a gravura usada como recurso visual está errada, que a interpretação invalida a declaração de Cristo, e que nem um só erudito bíblico jamais prolongou os “três dias e três noites no coração da terra” além do momento da ressurreição, porém, não só publicou como ainda está disposto a manter isso publicado assim mesmo, sabendo também que qualquer leitor pode perceber essas inconsistências derivadas dum diagrama mal desenhado e verificar facilmente o que os eruditos dizem. O mais provável é que essa interpretação foi mais uma daquelas elaboradas apressadamente (na ânsia desesperada de apresentar “provas bíblicas” de que “a alma permanece ativa e consciente depois da morte do indivíduo”). Infelizmente, em nossa experiência com essa discussão sobre a condição dos mortos temos visto muitos exemplos de como o esforço frenético de apresentar “evidências bíblicas” desse tipo, sem refletir cuidadosamente sobre o que as Escrituras e os comentaristas bíblicos dizem sobre o tema sempre ocasiona erros similares aos que estão sendo discutidos aqui. Ainda que se comprove cabalmente que aquilo que foi apresentado como “evidência bíblica” está cheio de problemas e na realidade não prova coisa alguma, fica difícil reconhecer isso e abandonar a interpretação, já que não é só uma simples “possibilidade de entendimento” dum trecho bíblico qualquer que está sendo deixada de lado. Não, há mais em jogo. Descartar a interpretação significaria abrir mão duma “evidência bíblica” da “sobrevivência consciente da alma após a morte”Isto pode ser algo doloroso de fazer, principalmente se a tal “evidência bíblica” foi acalentada por muito tempo.

A interpretação contestada aqui consiste em nada mais que focalizar a expressão “três noites”, e isolá-la do contexto, para daí transmitir a impressão de que Jesus quis dizer “algo mais” com ela, além de especificar o intervalo que levaria para ele ser ressuscitado depois de entrar no “coração da terra”. É sempre uma boa prática de exegese bíblica interpretar a exceção à luz da maneira usual de dizer as coisas – e não o contrário. Nas Escrituras, a expressão que é associada com a ressurreição de Jesus com muito mais frequência é “terceiro dia”. Três ocorrências encontram-se em Mateus (16:21, 17:23 e 20:19), quatro em Lucas (9:22, 18:33, 24:7 e 24:46), uma em Atos (10:40) e uma em 1 Coríntios (15:4). E Jesus jamais deixou qualquer dúvida sobre o que ele queria dizer com isso. Por exemplo, o seguinte foi o que ele respondeu a certos fariseus que vieram avisá-lo de que Herodes queria matá-lo:

“Vão dizer àquela raposa: ‘Expulsarei demônios e curarei o povo hoje e amanhã, e no terceiro dia estarei pronto’. Mas, preciso prosseguir hoje, amanhã e depois de amanhã, pois certamente nenhum profeta deve morrer fora de Jerusalém! (Lucas 13:32, 33, NVI)

qualquer ouvinte da época de Jesus entenderia muito bem que a expressão “terceiro dia” significava exatamente isso: o dia seguinte ao dia seguinte (“depois de amanhã”). Este entendimento comum fica claro também à base de algo que Jesus disse a certos líderes judaicos:

Então os judeus lhe perguntaram: “Que sinal miraculoso o senhor pode mostrar-nos como prova da sua autoridade para fazer tudo isso?” Jesus lhes respondeu: “Destruam este templo, e eu o levantarei em três dias“. Os judeus responderam: “Este templo levou quarenta e seis anos para ser edificado, e o senhor vai levantá-lo em três dias?” Mas o templo do qual ele falava era o seu corpo. Depois que ressuscitou dos mortos, os seus discípulos lembraram-se do que ele tinha dito. Então creram na Escritura e na palavra que Jesus dissera. (João 2:18-22)

Depois que Jesus já estava morto, o pedido que os sacerdotes fizeram a Pilatos deixa claro como é que eles entendiam a expressão “três dias”:

No outro dia, que era o seguinte ao da Preparação, os chefes dos sacerdotes e os fariseus dirigiram-se a Pilatos e disseram: “Senhor, lembramos que, enquanto ainda estava vivo, aquele impostor disse: ‘Depois de três dias ressuscitarei’. Ordena, pois, que o sepulcro dele seja guardado até o terceiro dia, para que não venham seus discípulos e, roubando o corpo, digam ao povo que ele ressuscitou dentre os mortos. Este último engano será pior do que o primeiro”. (Mat. 27:62-64).

Assim, não é simplesmente o caso de “os comentaristas bíblicos costumam dizer” alguma coisa. A informação dada nas próprias Escrituras atesta – sem qualquer margem para dúvida – o mesmo que o erudito declarou nesta referência: que as expressões “três dias e três noites”, “no terceiro dia” e “depois de três dias”, neste contexto, são equivalentes. E, independentemente de qual das três seja usada, o período abrangido terminou necessariamente no momento da ressurreição de Cristo. É inútil qualquer tentativa de estendê-lo além desse evento.

6 Como tentativa de solucionar a aparente discrepância entre a expressão “três dias e três noites no coração da terra” e o período em que Jesus ficou efetivamente enterrado de acordo com o entendimento da maior parte dos comentaristas bíblicos (a saber, aproximadamente um dia e meio), há quem argumente que Jesus teria morrido na quarta-feira e ressuscitado no sábado, pouco depois do pôr-do-sol e, dessa forma, ele teria ficado exatamente 3 dias e 3 noites no túmulo. É o caso, por exemplo, de Ethelbert W. Bullinger. Ele defendia que só estaríamos autorizados a entender a expressão como um número redondo se Jesus tivesse dito apenas “três dias”. Nas palavras de Bullinger, “‘três dias’ poderia significar qualquer parte do dia, mas ‘três noites’ impede esta interpretação”. Ou seja, segundo ele a frase de Jesus deve significar, necessariamente, um período completo. [Para detalhes, veja os comentários dele a Mateus 12:40 (pág. 1335) e a argumentação acompanhante nos Apêndices 144 e 156 de sua The Companion Bible].

Embora Bullinger manifestasse um profundo respeito pela autoridade das Escrituras, tenha sido um erudito cristão de primeira linha e essa ideia dele faça algum sentido, a hipótese de Jesus ter sido enterrado na quarta-feira gera um questionamento difícil. Isso foi apontado por outro erudito, Peter Pett. Ao apoiar o entendimento majoritário dos três dias e três noites como número redondo, ele disse:

“Três dias e três noites”. Para os judeus, uma parte de um dia poderia ser descrita como “um dia e uma noite” igualmente para um dia inteiro, porque eles não contavam cientificamente. Eles encaravam a parte como incluída dentro do todo. Por exemplo, por volta de 100 DC, um bem conhecido rabino declarou: “um dia e uma noite formam um ‘onah’ (dia de vinte e quatro horas), e a parte de um ‘onah’ é contada como um ‘onah'”. Assim, na terminologia judaica, de sexta a domingo seriam ‘três dias e três noites’. Alguns, porém, consideram que Jesus morreu na quarta-feira, entendendo isso como tendo sido no dia da preparação do sábado pascoal, e não no dia da preparação do sábado semanal. Todavia, isto não se ajusta ao fato de as mulheres terem ido ungir o corpo de Jesus no primeiro dia da semana, pois, se Jesus tivesse sido crucificado na quarta-feira, elas teriam procurado ungi-lo quando o sábado festivo terminasse na sexta-feira. Elas não teriam esperado mais dois dias até o corpo já estar putrefato.

À base do relato sobre a ressurreição de Lázaro (João 11), sabemos que Marta relutou em deixar que fosse retirada a pedra que selava o túmulo do irmão, pois ele tinha sido sepultado quatro dias antes (João 11:39). Sendo assim, conforme Pett assinalou acima, dificilmente as mulheres iriam deixar para ungir o corpo de Jesus quatro dias depois do sepultamento dele, com o processo de decomposição já em pleno andamento. O entendimento de que Jesus permaneceu morto por apenas 36 horas (aproximadamente), harmoniza-se com a profecia de Davi de que o Filho de Deus ‘não seria abandonado no Hades [sepulcro] nem sua carne veria a corrupção‘ (Sal. 16:10, Atos 2:31).

Vale lembrar que a expressão “três dias e três noites” também pode ser tomada como um intervalo exato (como Bullinger defendia), e ainda continuar aplicável ao caso de Jesus ter sido enterrado na sexta-feira. Isto porque a expressão acompanhante (“coração da terra”) também admite mais de uma alternativa de entendimento. Para uma discussão sobre isso, remetemos o leitor ao ponto B4 deste artigo.

7 Sinédoque é uma figura de linguagem caracterizada pela substituição da parte pelo todo, ou do todo pela parte, sem qualquer comprometimento no entendimento ou contradição dentro da frase onde é usada. Esta figura de linguagem tem uma aplicação muito ampla. Por exemplo, embora a frase “O engenheiro Fulano de Tal construiu o prédio” não seja “tecnicamente” correta (já que nenhum engenheiro constrói, e sim os pedreiros), ninguém criaria caso com esta frase, já que o prédio foi de fato idealizado e projetado pelo engenheiro, o qual teve um papel fundamental na edificação. O autor cita o exemplo bíblico dos “quatrocentos e trinta anos” da morada dos israelitas no Egito (Exo. 12:40). Rigorosamente falando, os filhos de Israel só ficaram lá por aproximadamente metade desse tempo. Quando falou em “quatrocentos e trinta anos” Moisés contou desde o tempo em que o “pai da nação” (Abraão) foi pela primeira vez residir por algum tempo no Egito (devido a uma fome em Canaã). O período de sofrimento e escravidão dos israelitas no Egito foi bem menor do que isso (aproximadamente cento e cinquenta anos), mas este período de escravidão, que terminou com a libertação sob Moisés, foi o mais importante para o assunto tratado no livro do Êxodo. Moisés disse que eles residiram no Egito por quatrocentos e trinta anos; não disse que eles foram escravos lá por todo esse tempo. De maneira similar, o fato de Jesus não ter permanecido enterrado por todo o período de “três dias e três noites” (72 horas) não contradiz a declaração dele. Houve outras ocorrências dentro desse intervalo, durante as quais Jesus estava vivo, mas o intervalo em que ele esteve enterrado foi o de duração mais longa (abrangendo quase metade do período, ou seja, umas 36 horas), e o mais característico da condição de estar no “coração da terra”.

8 A razão de alguns autores situarem o início da contagem dos “três dias e três noites no coração da terra” no anoitecer da quinta-feira, quando Jesus celebrou a Páscoa com seus discípulos, decorre do entendimento da expressão “coração da terra” em sentido figurativo, significando “nas mãos de homens pecadores” e do fato de Judas ter saído no meio da celebração para fazer exatamente isso: entregar Jesus “nas mãos de homens pecadores” (Lucas 24:7). Vale lembrar, porém, que embora a saída de Judas do meio deles para ir buscar a tropa que prenderia Jesus tenha se dado naquele momento, na verdade este era o ato final da traição. Jesus estava bem consciente dessa traição “desde o princípio”; estava bem apercebido de que a ação traiçoeira de Judas já estava “a todo vapor” quando o mandou sair. Isso definitivamente não estava começando naquele momento, tanto é que ele disse a Judas: “Faze depressa o que estás fazendo.” (João 13:27, BJ, TNM, etc.).

A questão é: Se não foi naquele momento que Judas “entregou Jesus nas mãos de homens pecadores”, quando foi que isto se deu?

Embora, de acordo com o registro, a combinação inicial entre Judas e os sacerdotes tenha ocorrido dois dias antes da Páscoa, na quarta-feira (Mat. 26:2, 3, 14-16), Judas não consumou sua traição de imediato. Ele sabia que aqueles homens queriam capturar Jesus sem alarde, para evitar o protesto popular (Mat. 26:4, 5, Mar. 14:2, Luc. 22:2), por isso, ele ‘ficou esperando surgir uma oportunidade para entregar Jesus’ de maneira que aqueles homens conseguissem prendê-lo discretamente, longe da vista do povo (Mat. 26:16). Judas não precisou esperar muito tempo, pois logo surgiu uma oportunidade que deve ter lhe parecido perfeita. Os evangelistas informam que foi só no dia da celebração que os discípulos perguntaram a Jesus onde, exatamente, ele gostaria de cear e Jesus deu-lhes instruções específicas neste sentido (Mat. 26:17-19). É evidente que Judas teve certeza de que Jesus sairia da cidade depois da celebração, indo para um local específico do Monte das Oliveiras, o Getsêmane (ou por experiência, ou talvez porque o próprio Jesus tenha manifestado claramente sua intenção de ir lá), tanto é que Judas conduziu a tropa diretamente para aquele local, que ele conhecia muito bem (João 18:1, 2). Os evangelistas não informam em que hora da manhã da quinta-feira Jesus passou estas instruções, mas, se isto foi logo depois que amanheceu, Judas pode ter se dirigido imediatamente aos sacerdotes para informá-los, com antecedência suficiente para arquitetarem detalhadamente seu plano maléfico contra Jesus. De forma que, embora Judas já tivesse intenções traiçoeiras há mais tempo, a traição propriamente dita só se concretizou na quinta-feira, o dia anterior à morte de Cristo. Se Judas tomou esta ação ainda na parte inicial da manhã da quinta-feira, e se a ressurreição de Jesus ocorreu  no final da madrugada do domingo, temos um intervalo completo de três dias e três noites.

9 Na interpretação analisada aqui afirmou-se confiantemente que o corpo de Jesus “ficou numa câmara mortuária acima do nível do chão”. O único propósito de se mencionar isso é apresentar uma “evidência” de que o corpo e a “alma” de Cristo teriam ido para ‘locais diferentes’ depois da morte dele (ficando o corpo “acima do nível de chão” e a “alma” ‘muitos quilômetros abaixo’, numa ‘profunda região do planeta Terra’).

Além de isto ser, como já visto, nada mais que insistência em contrariar o entendimento bíblico do ser humano como uma unidade, a própria alegação, em si, é desprovida de qualquer base. A verdade é que ninguém sabe sequer qual foi o local exato do sepultamento de Cristo. Tanto é assim que há dois lugares na Jerusalém moderna que tem sido apontados como os locais “corretos”. Segundo a tradição protestante-evangélica, Jesus teria sido enterrado no chamado “Túmulo do Jardim” (ou “Jardim do Túmulo”, Figuras 1 e 2), enquanto que os católicos romanos e ortodoxos creem que ele foi colocado no mundialmente famoso “Santo Sepulcro”, em torno do qual se construiu muito tempo depois uma capela. Nenhum desses dois jazigos está “acima do nível do chão”. Ambos são escavações na rocha. A câmara mortuária do “Túmulo do Jardim” está ligeiramente abaixo do nível do solo, e, embora o “Santo Sepulcro” atual esteja no mesmo nível da superfície, a evidência arqueológica indica que a área onde está agora a “Capela do Santo Sepulcro” encontrava-se abaixo do nível do solo no primeiro século (Figura 3).

Fig. 1 – O “Túmulo do Jardim”

Fig. 2 (Tradução da inscrição: “ELE NÃO ESTÁ AQUI – POIS RESSUSCITOU”)

Fig. 3

10 Com toda a sinceridade e sem qualquer intenção de ofender alguém: Quando observamos a naturalidade com que diversas expressões bíblicas claramente metafóricas referentes ao Seol, sua ‘profundidade’, etc., são interpretadas ao pé da letra em algumas apologias imortalistas e o completo descaso para com os muitos absurdos advindos deste procedimento, bem que se pode perguntar: E se a Bíblia contivesse expressões metafóricas usadas na atualidade, tais como “Fulano desceu ao fundo do poço“? Será que haveria essa mesma disposição em tomar tais expressões literalmente também? Que pessoa mentalmente sã insistiria obstinadamente que expressões assim devem ser entendidas ao pé da letra?

11 Diferente do que está sendo proposto aqui, o autor do artigo citado entende que os “três dias e três noites” tiveram início ao pôr-do-sol da quinta-feira e terminaram no amanhecer do domingo (isto fica claro no diagrama que ele apresenta no artigo). A argumentação dele é a seguinte:

O dia termina imediatamente ao entardecer (noite) e a noite termina imediatamente ao amanhecer (manhã). Mas a mudança da luz para a escuridão, como todos sabem, é gradual. A luz persiste por um curto período depois do final do dia e a escuridão persiste por um curto período depois do final da noite. Chamamos esses períodos de transição de crepúsculo.A questão é que a manhã ou a aurora não começa ao nascer do sol, e sim no crepúsculo da manhã. O argumento acima supõe que a manhã começa ao nascer do sol, mas tecnicamente começa uns 30 a 45 minutos antes, quando a escuridão começa a diminuir. Isso também é verdade no pensamento moderno…É verdade que o crepúsculo da noite começa ao pôr do sol, que é quando a luz começa a passar para a escuridão. Mas o crepúsculo da manhã começa antes do amanhecer, quando a escuridão começa a passar para a luz. É quando a noite termina oficialmente e o dia começa na perspectiva bíblica. Assim, se Cristo ressuscitou no crepúsculo da manhã, seria muito natural que Maria Madalena relatasse que a escuridão persistia.

– What did Jesus mean by 3 days and 3 nights in the heart of the earth? (O Que Jesus Quis Dizer Por 3 Dias e 3 Noites no Coração da Terra?), Talk Genesis (www.talkgenesis.org), Jan/2019.

Embora esta informação seja válida, a questão é que a inclusão da manhã do domingo entre os “três dias e três noites” referidos por Jesus dependeria de as ocorrências mencionadas por Mateus (o “grande terremoto”, a abertura do túmulo e a ressurreição) terem se dado todas dentro desses 30 a 45 minutos do crepúsculo. É claro que isto não seria impossível, mas, conforme foi discutido na Nota 2, não temos qualquer informação bíblica que nos garanta que foi assim que sucedeu. Não há como inferirmos o intervalo entre a ressurreição e a chegada de Maria Madalena. Jesus tanto pode ter voltado à vida minutos antes da chegada dela, como horas antes da alvorada do domingo. Além disso, uma vez que o erudito não prolonga os “três dias e três noites” além do momento da ressurreição (no que ele está correto, diga-se de passagem), o “terceiro dia” se resumiria no máximo a um intervalo de aproximadamente meia hora, e ainda por cima dentro do qual “a escuridão persistia”.

Por estas razões, parece mais lógico situar os “três dias e três noites” entre a manhã da quinta-feira (quando evidentemente a traição de Judas Iscariotes estava em andamento ao longo do período inteiro e em plena luz do dia) e a madrugada do domingo, ainda no período de escuridão completa (quando Jesus foi ressuscitado, segundo todas as indicações). Embora seja prerrogativa do leitor decidir qual das duas alternativas adotará, e não possamos apresentar nossa proposta como um “dogma”, pelo menos esta alternativa é mais coerente com o entendimento dos “três dias e três noites” como um período integral.

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