O Inferno: Um Conceito Incompatível com o Amor de Deus

Muitas instituições religiosas continuam ensinando que existe o inferno tradicional, como um lugar ou condição em que os pecadores impenitentes estão condenados a sofrer por toda a eternidade. Isto significa o seguinte:

  1. Deus teria de tomar a decisão irrevogável de infligir sofrimento a seus filhos desobedientes.
  2. Se o inferno for concebido como tormento físico, isto significaria que Deus transformará a natureza física dos condenados, para que eles experimentem continuamente a dor do fogo, mas sem morrer; ou seja, Deus os privaria da morte como única saída para sua angústia eterna.
  3. Independentemente do tempo decorrido, Deus jamais interviria para evitar o sofrimento de suas próprias criaturas.

Em vista destas implicações, é natural sentir que o castigo do inferno tradicional é, no mínimo, uma reação cruel e excessiva, muito contrária ao que se espera de um Deus amoroso. Portanto, convém perguntar: A Bíblia fala de uma divindade cruel ou de um Deus amoroso?

Ao longo de suas páginas, a Bíblia nos revela a personalidade de Deus. Muitas vezes ela declara explicitamente as qualidades de Deus. Em um número maior de ocasiões, ela nos revela como Deus é por meio de seus atos e relações com a humanidade. E, finalmente, ela se manifesta de maneira absoluta pela conduta de seu Filho (João 14:9).

Comecemos examinando as declarações diretas sobre a personalidade de Deus.

Quantos trechos bíblicos apresentam Deus como cruel?

…Nenhum.

Quantos trechos bíblicos qualificam Deus como amoroso?

Muitíssimos! É o que vemos quando lemos que Deus “é vagaroso em irar-se e rico em bondade” (Números 14:18); “que não deixa de ser leal e bondoso com os vivos e com os mortos” (Rute 2:20); que “é bom e ama a todos no mundo” (Tito 3:4); que é “clemente e compassivo” (Deuteronômio 4:31; 2 Crônicas 30:9; Neemias 9:31; Salmos 116:5); “vagaroso em irar-se e abundante em misericórdia e fidelidade” (Êxodo 34:6; Neemias 9:17; Salmos 86:15); “rico em misericórdia” (Efésios 2:4); com “amor eterno” (1 Crônicas 16:41; 2 Crônicas 5:13) … e, assim por diante; poderíamos encontrar muitas referências diretas ao amor de Deus.

Porém, é ainda mais significativo constatar como a personalidade de Deus é revelada por meio de seus tratos com a humanidade. Existem muitos trechos onde a atitude misericordiosa de Deus é comprovada. Por exemplo, temos o seguinte trecho que fala sobre o relacionamento de Deus com os israelitas:

“… mesmo quando fundiram para si um ídolo na forma de bezerro e disseram: ‘Este é o seu deus, que os tirou do Egito’, ou quando proferiram blasfêmias terríveis. Foi por tua grande compaixão que não os abandonaste no deserto… eles se tornaram arrogantes e desobedeceram aos teus mandamentos. Pecaram contra as tuas ordenanças… E durante muitos anos foste paciente com eles. Mediante o teu Espírito os advertiste por meio de teus profetas. Contudo, não te deram atenção, de modo que os entregaste nas mãos dos povos vizinhos. Graças, porém, à tua grande misericórdia, não os destruíste nem os abandonaste, pois és Deus bondoso e misericordioso.” (Neemias 9:18, 19; 29-31).

Esta reação desmente a atitude impiedosa que se atribui a Deus no ensino do inferno.

Mas, uma verdade bíblica não se baseia em um único texto ou trecho; ela deve ser evidente na Bíblia inteira. Por isso, vale a pena destacar a abundância de trechos em que o amor e a misericórdia são explícita e implicitamente apresentados como características intrínsecas e imutáveis de Deus. Aqui estão alguns dos mais representativos:

A Indulgência ao Rei Manassés

Manassés foi um rei que por muitos anos pecou gravemente contra Deus: fez altares em Jerusalém a deuses falsos, adorou os corpos celestes, praticou feitiçaria, adivinhação, bruxaria e teve tratos com médiuns e espíritas; ele até sacrificou seus filhos no fogo; ele “fez o que o Senhor reprova, provocando-o à ira.” (2 Crônicas 33:2-7). Porém, depois que Deus o puniu, Manassés “buscou o favor do Senhor, o seu Deus, e humilhou-se muito diante do Deus dos seus antepassados.”. E “o Senhor o ouviu e atendeu o seu pedido; de forma que o trouxe de volta a Jerusalém e a seu reino” (2 Crônicas 33:12, 13). Observe que, apesar de suas muitas e graves ofensas, Deus “o ouviu e atendeu o seu pedido”. Isto é um sinal da indulgência de Deus, mesmo com aqueles que pecam gravemente contra Ele.

A Clemência com a Cidade de Nínive

Por causa da maldade que existia em Nínive, Deus pretendia arrasar essa grande cidade (Jonas 1:2). Contudo, “Quando Deus viu que o povo havia parado de fazer coisas más, ele teve pena e não os destruiu conforme planejado.” (Jonas 3:10CEV)

Como  disse Jonas: “tu és Deus misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio de amor e que promete castigar mas depois se arrepende. (Jonas 4:2); ou como o profeta Joel disse: “ele é misericordioso e compassivo, muito paciente e cheio de amor; arrepende-se, e não envia a desgraça. (Joel 2:13)

Um Amor Superior ao de Qualquer Pai Humano

Deus nos dotou com a faculdade de amar, e quando falamos em amar, muitas vezes tomamos como exemplo o amor que os pais têm pelos filhos. Apoiando-se nesta experiência, Jesus nos dá este ensinamento:

Qual pai, entre vocês, se o filho lhe pedir um peixe, em lugar disso lhe dará uma cobra? Ou se pedir um ovo, lhe dará um escorpião? Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai que está no céu dará o Espírito Santo a quem o pedir! (Lucas 11:11-13)

Jesus ensinou que só Deus pode ser chamado de Bom (Marcos 10:18). Entendemos então que, comparativamente, os pais humanos são descritos como “maus”. A partir disso, extraímos uma lição importante: O amor paternal de Deus está muito acima do que qualquer pai humano pode mostrar.

Agora raciocinemos: Que pai normal sonharia em aplicar uma punição de sofrimento eterno, por mais depravada que tenha sido a conduta do filho? Se o amor de pais comparativamente “maus” os impede de idealizar esse castigo, como podemos imaginar nosso Bom Pai celestial fazendo uma coisa dessas com algum de seus filhos?

O Paralítico de Betesda

Vejamos um caso em que a compaixão de Jesus é muito perceptível. É sobre a cura do paralítico de Betesda:

Um dos que estavam ali era paralítico fazia trinta e oito anos. Quando o viu deitado e soube que ele vivia naquele estado durante tanto tempo, Jesus lhe perguntou: “Você quer ser curado?”

Quando o enfermo lhe respondeu,

Jesus lhe disse: “Levante-se! Pegue a sua maca e ande”. Imediatamente o homem ficou curado, pegou a maca e começou a andar… Mais tarde Jesus o encontrou no templo e lhe disse: “Olhe, você está curado. Não volte a pecar, para que algo pior não lhe aconteça”. (João 5:5-9; 14)

Antes de considerar este relato, é conveniente observar que no caso de quase todos os outros milagres, Jesus os realizou a pedido do próprio enfermo, de sua família ou amigos. Mas não neste caso. Este paralítico não pediu que ele o curasse; de fato, ele nem sabia que era Jesus. Foi depois que ficou sabendo que o homem ficara paralisado por um longo tempo que Jesus tomou a iniciativa e o curou. O que o motivou a fazer isso? A compaixão. Jesus não podia tolerar a ideia de que esse homem continuasse em uma situação tão infeliz depois de tanto tempo, apesar do fato de que a causa da doença era precisamente a prática do pecado; algo que se depreende das palavras finais de Jesus: “Não volte a pecar, para que algo pior não lhe aconteça”.

Agora vamos pensar: Se Jesus Cristo não pôde admitir que o homem continuasse afligido por 38 anos, podemos conceber que Deus fique impassível diante do sofrimento eterno de suas criaturas? Isto é inimaginável! Mas os defensores da ideia do inferno não só ensinam que Deus permite essa situação eternamente, como também que ele decidiu assim. Não é simplesmente uma aberração atribuir tal ação ao nosso Bom Pai celestial?

O Supremo Ato de Amor

E temos o supremo ato de amor de Deus pela humanidade:

“Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3:16) O amor que Deus tem pela humanidade é tão grande que ele demonstrou “seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores.” (Romanos 5:8).

A fim de resgatar a humanidade obediente da morte, Deus fez um sacrifício que muitos pais não estariam dispostos a fazer. Ele se separou de seu Filho unigênito para que este vivesse como homem; e provando-se fiel e sem pecado, ele se deixaria ser assassinado em uma morte redentora. O motivo desse grande sacrifício não era outro senão o grande amor que Ele tinha pelo mundo inteiro. Alguém que mostra seu amor por nós até esse ponto, seria capaz de obrigar alguém a sofrer pela eternidade?

Amar a Deus de Todo o Coração

Os relatos bíblicos considerados são apenas alguns exemplos nos quais, sem dúvida, percebe-se a personalidade amorosa e compassiva de Deus. Depois de considerá-los, poderia ser descrito como uma blasfêmia aberrante até mesmo insinuar que Deus idealize e mantenha um lugar ou condição onde suas criaturas sofram por séculos sem possibilidade de redenção. Mas, além de aberrante, o ensino tradicional do inferno é claramente contraditório ao senso comum mais básico que Deus nos deu. Para vê-lo, examinemos uma declaração de Jesus, que poderíamos qualificar adequadamente como a essência do cristianismo:

Quando alguém perguntou a Jesus qual é o grande mandamento da Lei, Jesus respondeu: “Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento’. Este é o primeiro e maior mandamento.” (Mateus 22:37, 38)

O amor é um sentimento pessoal livre e espontâneo; e amar alguém com todo o seu coração e mente significa amá-lo sem reservas e sem temor. Só podemos amar a Deus quando O conhecemos e somos atraídos por Sua personalidade amorosa; algo impossível se houvesse um inferno de sofrimento eterno, onde, além disso, provavelmente estariam alguns de nossos familiares e conhecidos.

Consideração Final

É muito familiar para nós sentir pena de alguém que esteja sofrendo devido a uma situação e está em nossas mãos ajudá-lo a sair dessa condição. Quando nos sentimos compelidos a ajudar, não consideramos se essa pessoa fez por merecer nossa ajuda. Fazemos isso porque queremos que ela saia desse sofrimento, sem mais considerações. É o que acontece se vemos alguém que sofreu um acidente. Não perguntamos sobre o  histórico da pessoa; fazemos o possível para ajudá-la, chamando prontamente os serviços de emergência, aplicando logo os primeiros socorros, etc. Muitos estão até mesmo dispostos a ajudar os animais. Ousaríamos pensar que Deus tem menos humanidade do que nós, meras criaturas pecadoras?

Dias depois da morte de Lázaro, sua irmã Maria foi a Jesus; e “ao ver chorando Maria e os judeus que a acompanhavam, Jesus agitou-se no espírito e perturbou-se. “Onde o colocaram?”, perguntou ele. “Vem e vê, Senhor”, responderam eles. Jesus chorou.” (João 11:33-35) Se Jesus manifestou sua viva compaixão ao se perturbar e chorar ao ver o sofrimento de perder um ente querido, como ele iria tolerar o sofrimento eterno de qualquer criatura humana, estando em sua mão cessá-lo?

Tudo considerado, temos abundantes amostras do caráter amoroso e benevolente de Deus; e, é claro, não há nada que sugira um deus vingativo e cruel, capaz de enviar suas criaturas para uma situação de sofrimento eterno. Talvez esta informação seja suficiente para rejeitar a crença no inferno de tormentos; mas, de qualquer forma, deveria pelo menos servir para sentirmos a necessidade de repensar seriamente uma doutrina que afeta enormemente nosso conceito sobre Deus.

_______________________

Tradução do artigo El infierno: lo más alejado del amor de Dios (em Buscando la verdad bíblica) e postado com permissão.

2 thoughts on “O Inferno: Um Conceito Incompatível com o Amor de Deus

  • março 24, 2021 em 10:52 am
    Permalink

    Olá, bom dia.
    É certo que este tema sobre o castigo eterno acerca dos impenitentes, ainda é um assunto que causa dúvidas. No entanto, o que eu discordo é a forma de punição a qual o Senhor irá imputar e não a condenação nas suas intensidades.
    Vejam bem, em Mateus 11. 24, Jesus disse que os carfanaitas estarão numa condição sentencial pior em relação aos Sodomitas. Neste ponto, sabe-se que esses habitantes não se encontram mais vivos, todavia, o Messias nos esclarece que ambos irão receber o juízo de Deus.
    Conforme o exposto, só o fato deles ressucitarem a ponto de receberem a sua condenação espiritual definitiva, não soaria como uma posição incoerente?
    Digo-lhes isto, pois uma vez vivos, não faria sentindo Deus imputar uma punição a qual visassem exterminá-los, pois daria demonstração de que uma vez feito isso, jamais tais impenitentes teriam a consciência de que receberam o juízo discricionário divino.

    Resposta
  • março 24, 2021 em 1:58 pm
    Permalink

    Ah! Ainda sobre o assunto, gostaria de tecer outras observações das quais não expus.
    Os amados citam Romanos 5.8 para sustentar o amor que Ele teve e tem pelas pessoas. É de admirar!!Mas este amor não é resultante de mérito humano, mas da graça do Pai.
    Pois segundo o texto em questão esclarece que, “…… Cristo morreu por nós quando ainda vivíamos no pecado”.
    Neste sentindo há um constrate envolvendo duas naturezas: a carnal e a espiritual.
    Em Romanos 6.1-2, diz que morremos para o pecado. Será que aqui, o morrer é físico? Não, é espiritual. Vejam os versos 19,20 e 21 do mesmo capítulo.
    Tomando como base essas informações, era o que estava ocorrendo com o rei Manasses, ele estava morto em sentindo espiritual, porém, o próprio sofrimento o levou ao arrependimento sincero a ponto de voltar-se para o Pai.
    Do contrário, seria sim morto fisicamente, sem o perdão de Deus.
    O que eu quero aludir é o seguinte, claro que medidas as proporções em face aos erros do rei Manasses, por exemplo, um homem como Hitler que foi responsável pelo assassinato de milhões de pessoas, preferiu morrer sem nenhum arrependimento a ponto de suicidar-se, de modo que tal ação, não o inseta dos males que cometeu perante a sociedade.
    Neste ponto, pode-se depreender que uma vez sendo responsável pelos crimes, haverá a necessidade de
    ser ressucitado para receber a punição merecedora do que fez. Pergunta-se : seria coerente o Criador aniquila-lo conforme a crença aniquilacionista , já que nesse instante os mortos estão no pó, pois estão inconscientes? Daniel 12.2
    Portanto, cabe o Criador por meio da justiça e da sua prerrogativa, determinar a FORMA com que o impenitentes receberão o castigo eterno e não a nós.
    O Pai celestial deu-nos o senso moral de escolha a ponto de termos a liberdade de optar pelo certo ou pelo errado, porém as consequências das nossas escolhas têm retornos gravíssimos , perante a ira de Deus. Romanos 5.9
    O motivo de o Criador não ter aceito o retorno do casal (Adão e Eva) ao Edem, deve-se pelo fato de que, caso viessem a comer o fruto da árvore da vida, ambos tornariam-se pecadores imortais, vivendo segundo os seus desejos e afastados da presença do Criador. Gênesis 3.22-24
    O Messias nos veio nos libertar da morte espiritual ( desobediência advinda do casal), contudo, a morte física e suas consequências, foi resultante da punição impostas pelo poder da palavra do Criador, já que tudo que ele profere acontece. João 3.16 e veja Gênesis 3.16-19

    A paz messiânica a todos vocês!!

    Cordialmente.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *