É o ano 607 AEC bíblico?
Uma “carta de apelação”
Karl Heinrich Geis
Friedrich Heene Str. 3
D-67061 LUDWIGSHAFEN
Sociedade Torre de Vigia
Niederselters, Am Steinfels
D-65618 SELTERS
9 de setembro de 1998
Ref.: Apelação contra a expulsão por apostasia.
Prezados irmãos!
Sinceramente não posso crer que Jerusalém foi destruída em 607 AEC, como é ensinado pela Sociedade Torre de Vigia. Em vez disso, creio que isto ocorreu em 587 AEC, como se deduz da evidência irrefutável baseada no que a ciência realmente reconhece e no que se encontra em todos os livros de história, em todas as enciclopédias e em todas as obras de referência.
O que foi realmente decisivo para mim é que a própria Palavra de Deus nos ensina em Zacarias 7:1-5 que no quarto ano de Dario (518-517 AEC), o próprio Jeová calculou que durante 70 anos os judeus haviam jejuado todos os anos desde a destruição de Jerusalém. Uma vez que 517+70=587, não há dúvida de que a Bíblia indica 587 AEC como a verdadeira data da destruição de Jerusalém. De modo que para mim a questão não é: Se as afirmações da Bíblia e da ciência não corresponderem, em quem você acreditaria? Antes, a questão é: se as declarações da Bíblia e o que a ciência realmente sabe não correspondem ao que diz a “Associação das Testemunhas de Jeová”, em quem você acreditaria?
Como deixei claro que optei por 587 AEC como a data da destruição de Jerusalém porque a Bíblia e a ciência mostram, é por isso que eles querem me expulsar da congregação das Testemunhas de Jeová, só porque eu discordo do ensino da Sociedade Torre de Vigia. Isso não os faz lembrar a história de Galileu e um certo tribunal eclesiástico?
Ainda mais surpreendente é que a acusação de apostasia é a razão bíblica apresentada pela comissão judicativa para seu veredito de expulsão (ou excomunhão). Portanto, apelo contra essa sentença e justifico isso chamando sua atenção para a falsa interpretação dos fatos e da aplicação dos textos bíblicos.
1) 2 João 9-11: “Todo aquele que se adianta e não permanece no ensino do Cristo não tem Deus. Quem permanece neste ensino é quem tem tanto o Pai como o Filho. Se alguém se chegar a vós e não trouxer este ensino, nunca o recebais nos vossos lares, nem o cumprimenteis. Pois, quem o cumprimenta é partícipe das suas obras iníquas.”
Estão me acusando de não “permanecer no ensino do Cristo” sem especificarem em que ou como eu ‘me adiantei’!
Não é antes a Sociedade Torre de Vigia que foi longe demais calculando 1914 com base numa data falsa como a de 607 e pretendendo que esta geração não passaria antes da chegada do fim do mundo? Não avisou Jesus seus discípulos em Lucas 21:8 dizendo: “Acautelai-vos de que ninguém vos desencaminhe; porque muitos virão à base do meu nome, dizendo: ‘Sou eu’, e: ‘Aproximou-se o tempo devido.’ Não vades após eles.”? Vocês sabem muito bem que o segundo volume dos Estudos das Escrituras escrito por Russell era intitulado: “The Time is at Hand” [Está Próximo o Tempo] e que é precisamente nesse livro que se encontram numerosas profecias falsas, entre as quais pelo menos sete sobre o ano de 1914 que não se cumpriram. Caso não se lembrem, permito-me um resumo das previsões da Sociedade Torre de Vigia:
– O início dos “últimos dias” era em 1799, 1874, 1910, 1914.
– O fim dos “últimos dias” era em 1914, 1925, 1975.
– O tempo para a parousia ou presença de Cristo era em 1874, 1914, 1925.
– A revista A Torre de Vigia de Sião afirmou que Jesus tinha voltado em 1874 e começou a reinar em 1878.
– A ressurreição dos “ungidos” ocorreu em 1878, 1918.
– O Armagedom teria de começar em 1874, 1914, 1920, 1925 e 1975.
– O tempo da ressurreição de Abraão, Davi, etc. para viver na terra era em 1925.
– O fim dos 6.000 anos da história humana era em 1872 (depois mudado para 1975).
Sendo assim, não é antes a Sociedade Torre de Vigia que – vez após vez – ‘se adiantou’ e não permaneceu no ensino do Cristo que disse precisamente: “Acerca daquele dia e daquela hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, mas unicamente o Pai.” (Mateus 24:36). Será que sou mesmo um “apóstata” porque não posso mais acreditar nas coisas que vocês dizem sobre 1914 e porque decidi permanecer no ensino de Cristo?
2) 2 Timóteo 2:18: Estes mesmos se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição já ocorreu; e estão subvertendo a fé que alguns têm.” A comissão judicativa citou para mim este texto para apontar-me um prova bíblica de que eu apostatei e me “desviei da verdade”. Gostaria de fazer vocês notarem que neste texto se fala de homens que diziam que a ressurreição já havia ocorrido e que, por isso, a fé de alguns estava sendo subvertida. Não foi a Sociedade Torre de Vigia que ensinou que a ressurreição dos “ungidos” já ocorreu em 1878? E não foi ela também quem subverteu a fé de muitos quando mudou esta data ao dizer que a ressurreição havia ocorrido em 1918? Primeiro eles afirmaram que a ressurreição ocorreu em 1878, o que foi provado absolutamente falso! A quem devemos aplicar este versículo de 2 Timóteo… a mim ou aos dirigentes das Testemunhas de Jeová? Falando dos que fazem essas afirmações sobre a ressurreição, estes mesmos líderes escreveram na revista A Sentinela: “Entretanto, neste único ponto básico, quanto ao que ensinavam a respeito do tempo da ressurreição, Paulo marcou-os corretamente como apóstatas, com os quais os cristãos fiéis não se associariam. (A Sentinela de 1° de abril de 1986, pág. 31)
3) 1 Coríntios 1:10: Exorto-vos agora, irmãos, por intermédio do nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos faleis de acordo, e que não haja entre vós divisões, mas que estejais aptamente unidos na mesma mente e na mesma maneira de pensar.
Por meio deste texto, a comissão judicativa quis me mostrar que causo divisões se não disser a mesma coisa que a Sociedade Torre de Vigia. A unidade estará em perigo!
Deixe-me lembrá-los, com toda a modéstia, que de acordo com a Bíblia não é o ponto de vista ou ensino da Sociedade Torre de Vigia que é o vínculo de união, e sim o amor “é um perfeito vínculo de união” (Colossenses 3:14). Inclusive Russell, o primeiro presidente da Sociedade Torre de Vigia reconheceu:
“Um dos erros que geralmente se cometem é a tentativa de… querer levar todos os membros a pensar da mesma forma sobre o significado da Palavra do Eterno… não se deve insistir que todos cheguem a ver cada detalhe como alguém o vê, nem mesmo como a maioria o vê. “Unidade nas coisas essenciais; amor naquelas que não são”, essa é a regra que devemos seguir.” (Estudos das Escrituras – “A Nova Criação”, págs. 353-355 em inglês).
O apóstolo Paulo, assim como outros escritores bíblicos, reconheceu que os cristãos poderiam muito bem ter uma opinião diferente sobre alguns assuntos. As razões podem ser diferentes graus de maturidade ou conhecimento, bem como vários outros fatores. Ele escreveu:
Um [homem] tem fé para comer de tudo, mas o [homem] que é fraco come hortaliças. Quem come não menospreze ao que não come, e quem não come não julgue aquele que come, pois Deus tem acolhido a esse. Quem és tu para julgares o servo doméstico de outro? Para o seu próprio amo está em pé ou cai. Deveras, far-se-á que ele fique em pé, pois Jeová pode fazê-lo ficar em pé. Um [homem] julga um dia como superior a outro; outro [homem] julga um dia como todos os outros; esteja cada [homem] plenamente convencido na sua própria mente. Quem observa o dia, observa-o para com Jeová. Também, quem come, come para com Jeová, pois dá graças a Deus; e aquele que não come, não come para com Jeová, contudo, dá graças a Deus. (Romanos 14:2-6)
Paulo não vê razão aqui para expulsar um cristão porque ele não compartilha seu ponto de vista!
Quando se demonstra que suas profecias são falsas, a Sociedade sempre diz que aquelas eram datas sem importância. Por um lado, se a liderança da organização está errada, não importa, mas por outro lado, se uma Testemunha de Jeová não acredita em uma data errada como 607 AEC, isto é grave ao ponto de ser preciso expulsá-la! O irmão F. W. Franz, nosso presidente já falecido, não disse em uma assembléia e publicamente sobre a cronologia que ela poderia ser aceita ou rejeitada? (“Poderão aceitá-la ou rejeitá-la.” – A Sentinela de 15/02/1967, página 127). Foi o irmão Franz expulso porque incentivou os irmãos publicamente e na frente de muitas testemunhas a rejeitar a cronologia se quisessem? De modo algum! Então, por que fazer isso comigo agora? Não deveria haver a mesma lei para os grandes e para os pequenos? A lei de Deus não dizia: “Não deveis fazer injustiça no julgamento. Não deves tratar com parcialidade ao de condição humilde e não deves dar preferência à pessoa do grande. Com justiça deves julgar o teu colega.”? (Levítico 19:15)
4) A revista A Sentinela de 01/04/1986 págs. 30, 31: Ao final, os anciãos da comissão judicativa encontraram a base para me expulsar, mas não na Bíblia. Foi num artigo em que se levantou a questão: “Por que desassociaram (excomungaram) as Testemunhas de Jeová por apostasia a alguns que ainda professam crer em Deus, na Bíblia e em Jesus Cristo?”
A resposta foi esta: “A associação aprovada com as Testemunhas de Jeová requer:
[1] a aceitação de toda a série dos verdadeiros ensinos da Bíblia,
[2] inclusive as crenças bíblicas singulares das Testemunhas de Jeová.
Como exemplo, o artigo citado disse: “Que 1914 marcou o fim dos Tempos dos Gentios e o estabelecimento do Reino de Deus nos céus, bem como o tempo da predita presença de Cristo…”
É exatamente esta a divisão:
[1] A Palavra de Deus, e também
[2] os ensinos dos homens.
Mas isto é o que Jesus condenou fortemente em Marcos 7:9 e 13 dizendo: “Jeitosamente pondes de lado o mandamento de Deus, a fim de reterdes a vossa tradição” [Por exemplo, Jesus disse: “Vigiai, pois não sabeis quando vem o dono da casa.” Mas vocês dizem: “1874, 1878, 1914, 1925, 1975”] e assim invalidastes a palavra de Deus pela vossa tradição que transmitistes. E fazeis muitas coisas semelhantes a esta.”
Continua claro que não há qualquer razão bíblica para me expulsar. O ensino que vem dos homens e segundo o qual o tempo do fim teria começado em 1914 e que esta geração veria o fim do mundo desonrou a Deus e Jesus Cristo fazendo com que muitas pessoas zombassem deles. É esta tradição humana, que foi herdada de Russell e que ele mesmo adotou do adventista Barbour” [e que, diga-se de passagem, não posso aceitar], é o cerne da questão, a verdadeira razão da minha expulsão!
Por tudo o que foi exposto, entendo que minha apelação contra a decisão da comissão judicativa está suficientemente justificado. Não vejo necessidade de comentar aqui todo o desenvolvimento do processo judicativo de 29/08/1998 perante a comissão. No sábado, 5 de setembro, dois anciãos da comissão judicativa vieram me visitar para perguntar se eu havia me arrependido por dizer que a Sociedade Torre de Vigia estava desencaminhando as pessoas com a data de 607 AEC. e das afirmações relativas a 1914. Homens, irmãos! Como vou me arrepender se a própria Bíblia mostra todas as falsas profecias da “Associação das Testemunhas de Jeová” e em Deuteronômio 18:21, 22 diz:
E caso digas no teu coração: “Como saberemos qual a palavra que Jeová não falou?” Quando o profeta falar em nome de Jeová e a palavra não suceder nem se cumprir, esta é a palavra que Jeová não falou. O profeta proferiu-a presunçosamente. Não deves ficar amedrontado por causa dele.’
Estão me pedindo para seguir a Sociedade para onde quer que ela vá. Será que me tornei um apóstata porque, em vez disso, escolhi “seguir o Cordeiro para onde quer que ele vá” (Apocalipse 14:4)? Um dos anciãos, que estava predisposto a testemunhar contra mim, disse-me numa conversa particular que seguiria a Sociedade mesmo que ELA estivesse errada, porque ELA seria a responsabilizada. Chamei então a atenção dele para o fato de que, no Tribunal de Nuremberg este foi exatamente o argumento apresentado como defesa por aqueles que ‘estavam só cumprindo ordens’. Depois de um longo silêncio, ele me disse: “Sim, você está certo, cada um de nós terá de responder por si mesmo.” Com base nisso, cada um também deve verificar por si mesmo e foi exatamente isso que fiz e é por isso que agora duvido da veracidade do ensinamento de 1914 baseado em 607 AEC. (1 Tes. 5:21) Não seria mais correto que os anciãos da comissão seguissem o conselho bíblico: “Continuai, também, a mostrar misericórdia para com alguns que têm dúvidas; salvai-os por arrebatá-los do fogo.” (Judas 22, 23), em vez de serem estritamente dogmáticos? Pessoalmente não tenho dúvidas sobre a Bíblia, e sim sobre os ensinos humanos! Um dos anciãos da comissão judicativa me disse [na presença dos outros dois]: “Você sabe que nós também temos dúvidas.”
Como é possível que juízes que também têm dúvidas expulsem alguém que tem dúvidas?
O que eles me pediram é para ser hipócrita. Se eu me calar, nada acontece. Mas, assim como os apóstolos ante o Sinédrio, eu disse a esses anciãos da comissão judicativa:
“Se é justo, à vista de Deus, escutar antes a vós do que a Deus, julgai-o vós mesmos. Mas, quanto a nós, não podemos parar de falar das coisas que vimos e ouvimos… Temos de obedecer a Deus como governante antes que aos homens.” (Atos 4:19, 20; 5:29)
A revista A Sentinela de 15 de julho de 1974, páginas 419-421, descreve perfeitamente a situação em que me encontro:
Quando há pessoas em grande perigo, duma fonte de que não suspeitam, ou quando são desencaminhadas por aqueles que consideram ser seus amigos, será que é desamoroso adverti-las, Talvez prefiram não acreditar na advertência. Podem até mesmo ressentir-se dela. Mas livra isso alguém da responsabilidade moral de dar tal advertência?
Se estiver entre os que procuram ser fiéis a Deus, as questões suscitadas por tais perguntas lhe são vitais hoje. Por quê? Porque os servos de Deus, em cada período da história, tiveram de enfrentar o desafio apresentado por tais questões. Tiveram de expor a falsidade e o proceder errado, bem como advertir as pessoas contra perigos e fraude — não só de modo geral, mas sim de modo específico, no interesse da adoração pura. Teria sido muito mais fácil ficar calados ou dizer apenas o que as pessoas queriam ouvir. Mas a fidelidade a Deus e o amor ao próximo induziram-nos a falar. Sabiam que “melhor a repreensão revelada do que o amor escondido”. — Pro. 27:5.
Jesus sabia da elevada posição de fé e confiança que aqueles líderes religiosos ocupavam aos olhos do povo. Fez isso com que permanecesse calado e não avisasse os outros? Não, mas ele os expôs vigorosa e publicamente como traidores de Deus e do homem, como amantes da popularidade e do louvor, como “hipócritas”, “guias cegos” que eram como “sepulcros caiados”, belos por fora, mas cheios de imundície por dentro, perseguidores dos que falavam a verdade da parte de Deus. — Leia Mateus 23:1-36.
Embora aqueles homens, de modo assassino, tramassem a morte de Jesus, a fidelidade deste a Deus fez com que divulgasse a verdade para o bem de todos os que amavam a justiça. Seus apóstolos seguiram o mesmo proceder fiel, não se deixando calar. — Atos 5:27-32, 40-42.
Acredita que as mentiras não devem passar incontestadas? Então, que dizer das falsidades ditas a respeito de Deus, das deturpações de seus propósitos anunciados?… Talvez concorde que se deva expor a transgressão. Mas que dizer quando a transgressão é praticada por pessoas religiosas, talvez por pessoas de sua própria igreja? Fará a fidelidade a Deus com que fale a favor do que é direito?
Assim como Jesus e seus apóstolos não puderam ficar calados, eu também não posso ficar calado! “Pois bem, tornei-me vosso inimigo porque estou falando a verdade?” (Gálatas 4:16)
O assunto está nas mãos de vocês. Sei que os anciãos da comissão judicativa nada farão sem suas instruções. O que quer que vocês decidam, lembrem-se de que Jesus previu essas situações:
“[Os] homens vos expulsarão… De fato, vem a hora em que todo aquele que vos matar [por exemplo, arruinando a reputação de um crente chamando-o de apóstata] imaginará que tem prestado um serviço sagrado a Deus.” (João 16:2).
Quanto a mim, confio inteiramente no Pai, sabendo que se realizarão as seguintes palavras de seu Filho: “não os temais; pois não há nada encoberto que não venha a ser descoberto e não há nada secreto que não venha a ser conhecido.” (Mateus 10:26).
Que a benignidade imerecida e a sabedoria de nosso Senhor Jesus Cristo estejam com o espírito que vocês mostram.
Karl-Heinrich Geis, 1998
Uma cópia está sendo enviada à Comissão Judicativa
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Imagem em destaque: Livro O Reino de Deus já Governa! (Watchtower Bible and Tract Society of New York, Inc. – Wallkill, Nova Iorque, E.U.A.), 2014, pág. 2 (“Carta do Corpo Governante”)