A Falta de Fundamento do Ensino sobre 1914


Com o ano de 1914, a fé de toda Testemunha de Jeová se sustenta ou cai, porque se 1914 não for verdade, não vivemos no “tempo do fim” e todas as expectativas do fim dos tempos em algum momento específico dos nossos dias perdem qualquer fundamento. Mas, como muitos ensinos das Testemunhas de Jeová, essa data central também está em um terreno muito instável.

O autor deste artigo examinou o assunto, baseando-se, em grande parte, no livro Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, de Carl Olof Jonsson.

Introdução

A organização Torre de Vigia (JW.org) criou o que pode ser chamado de estrutura teológica para as Testemunhas de Jeová (TJ). Como veremos, essa estrutura se baseia inteiramente na data de 1914. Atualmente, as TJ creem que Jesus Cristo sentou-se num trono celestial em 1914 e começou a reinar “no meio de seus inimigos” (Salmo 110:2). O fim do mundo começou naquele ano.

Até a edição de 1º de novembro de 1995 da revista A Sentinela, a JW.org sustentava que alguns dos que foram testemunhas oculares dos eventos de 1914 estariam também vivos para ver o fim do sistema. Como esse ensino foi abandonado, a importância de 1914 diminuiu. Mas, até hoje alguns ensinos importantes ainda giram em torno do ano de 1914:

– A JW.org alega que a liderança da TJ, os chamados “ungidos”, foram escolhidos por Cristo como seu único canal de comunicação com a humanidade e que isso aconteceu em 1919. Isso se baseia na premissa de que Cristo retornou em 1914 e inspecionou grupos cristãos por três anos e meio, enviou a liderança da organização para o “Cativeiro Babilônico” (na verdade, eles foram para a cadeia) e finalmente os escolheu em 1919. Sem 1914, a JW.org não tem uma posição definida em relação a Cristo.

– As TJ afirmam que só elas cumprem Mateus 24:14 ao pregarem as “boas novas” em todo o mundo em nossa época. Essas “boas novas” são que Cristo começou a reinar em 1914 e que “em breve” virá o fim. Se isto não for verdade, as TJ estão pregando um falso evangelho (Gal 1:6-9).

– A interpretação que as TJ fazem da maior parte da Bíblia baseia-se na ideia de que Cristo voltou invisivelmente em 1914. Se isto não for verdade, a interpretação deles está errada e qualquer alegação de serem guiados diretamente por Deus será provada como terrivelmente errada.

– Não há evidência de que nossa época seja particularmente diferente na profecia bíblica se as afirmações sobre 1914 não forem verdadeiras.

– Até mesmo doutrinas como o sistema de “duas classes” – uma interpretação que só as TJ tem – dependem do ano de 1914. A JW.org afirma que o “ajuntamento” da “grande multidão” (os não ungidos que viverão na Terra) começou por volta de 1935 e que isso aconteceu depois que o “tempo do fim” começou. Sem essa cronologia, esse estranho ensinamento também cai por terra. (Nota do tradutor: Isto era ensinado na época em que este artigo foi escrito (final do século 20). Embora as Testemunhas de Jeová ainda achem que há duas classes de cristãos (“ungidos” e “grande multidão”, a ideia de que o ajuntamento dos “ungidos” terminou em 1935 foi abandonada pela organização em 2007. O ano de 1935 não tem qualquer significado para as Testemunhas de Jeová hoje, como tinha no século passado.)

As TJ afirmam que o ano de 1914 foi predito por Charles Taze Russell, o fundador do movimento, desde a década de 1870, e isso é considerado como a principal evidência de que Russell era guiado por Deus.

Tempos dos Gentios – A História de uma Doutrina

É verdade que Russell encarava 1914 como uma parte importante de sua cronologia. Ele previu o fim do mundo e o pleno estabelecimento do Reino de Deus na Terra naquela época. Isto não aconteceu, mas ainda assim as TJ argumentam que algo importante aconteceu quando a Primeira Guerra Mundial começou.

Que evidência cronológica Charles Taze Russell usou? O argumento dele com relação à cronologia foi inteiramente tomado emprestado de Nelson Barbour, um Segundo Adventista.

Eles tinham uma longa lista de datas específicas, e uma delas era 1914. Nelson Barbour baseou todos os seus argumentos em sua cronologia bíblica completa, que colocava a criação de Adão em 4127 A.E.C. Barbour (e Russell) achava que vários versículos bíblicos contendo números eram mensagens “codificadas” de Deus sobre o momento de vários eventos.

Um desses textos era Daniel, capítulo 4, em que o profeta Daniel diz ao rei Nabucodonosor:

Daniel 4:25: “O senhor será expulso do meio dos homens e a sua morada será com os animais selvagens; receberá vegetação para comer, como os touros, e será molhado pelo orvalho dos céus; e passarão sobre o senhor sete tempos, até que reconheça que o Altíssimo é Governante no reino da humanidade e que ele o dá a quem quiser.” (TNM, 2015)

De alguma forma, Barbour (e as TJ hoje) interpretou isso como significando mais do que os anos (ou estações) em que Nabucodonosor estaria louco. O termo “tempos” é também usado nas traduções de Apocalipse 12:6, 14. Aqui isso pode ser interpretado como “três tempos e meio”, o que equivale a 1.260 dias. Um “tempo” é interpretado como 360 dias, e sete vezes é então 2520 dias. Em seguida, a JW.org aplica a regra de “um dia por um ano” com base em Números 14:34 e Ezequiel 4:6 (curiosamente, a JW.org não aplica mais essa regra a Apocalipse 12!) e chega a 2.520 anos.

Mas, o que durou 2520 anos? Sem qualquer evidência, Barbour aplicou esse período às palavras de Jesus sobre a queda de Jerusalém, que aconteceu em 70 E.C:

Lucas 21:24: E eles cairão pelo fio da espada e serão levados cativos para todas as nações; e Jerusalém será pisada pelas nações até se cumprirem os tempos determinados das nações.

Apesar do fato de a palavra de Jesus, “será” indicar que o início desses “tempos determinados das nações” ou “tempos dos gentios” (de acordo com a maioria das traduções) seria quando Jerusalém caísse no futuro, Barbour argumentou que esses “tempos dos gentios” começaram quando Jerusalém caiu nas mãos dos babilônios séculos antes, no 19º ano do reinado do rei Nabucodonosor. (Jeremias 52:12) Quando foi isso?

Barbour disse que Jerusalém foi destruída em 606 A.E.C. Se contarmos 2520 anos a partir do ano 606 a.C., chegaremos ao ano de 1914, certo? Errado. Barbour, assim como Russell, sabia muito pouco sobre cronologia e história. Quando o calendário que usamos (o juliano e, mais tarde, o gregoriano melhorado) foi criado, não havia ano 0, de modo que o ano 1 A.E.C. foi diretamente seguido pelo ano 1 E.C. 2520 anos a partir de 606 A.E.C. nos levaram a 1915, o ano que Russell de fato usou por alguns anos, em vez de 1914. Mas a Primeira Guerra Mundial começou em 1914 e Russell havia previsto algo para 1914; algo de fato aconteceu, então Russell achou que estava certo. Então, Russell “esqueceu” o ano 0 e mudou a cronologia de volta para 1914.

Porém, mais cedo ou mais tarde, isso teria de ser corrigido. Como? Alterando a data da destruição de Jerusalém em um ano, de 606 para 607 A.E.C. No papel pode-se fazer isso facilmente.

O livro da JW.org intitulado Revelação – Seu Grandioso Clímax Está Próximo! (1988) cita o antigo livro de Barbour na página 105:

“Foi em 606 AC que terminou o reino de Deus, que se removeu o diadema e toda a Terra foi entregue aos gentios. 2.520 anos contados desde 606 AC terminarão em AD 1914.” — The Three Worlds, publicado em 1877, página 83.

Uma nota no quadro da mesma página nos informa:

“Providencialmente, esses Estudantes da Bíblia não se haviam dado conta de que não existe ano zero entre “AC” e “EC” (ou “AD”). Mais tarde, quando uma pesquisa feita tornou necessário ajustar 606 AC para 607 AEC, eliminou-se também o ano zero, de modo que ainda valia a predição de “AD 1914”. — Veja “A Verdade Vos Tornará Livres”, publicado em português em 1946 e distribuído pela Sociedade Torre de Vigia, página 242.”

Revelação – Seu Grandioso Clímax Está Próximo! , pág. 105

Isso é impressionante! “Providencialmente” – sob a direção de Deus – eles cometeram dois erros que se anularam! Que “pesquisa feita” alterou essa data? Nenhuma, é claro. Se examinarmos os livros da organização, não encontraremos qualquer evidência para essa nova data. Essa mudança foi necessária para manter a data de 1914, sobre a qual repousa toda a superestrutura do ensino da organização. O fato é que Jerusalém caiu nas mãos dos babilônios em 587 AEC, não em 607. A ignorância de Barbour e Russell sobre cronologia e história criou um enorme problema para a JW.org. A Encyclopaedia Britannica (versão online), uma fonte frequentemente usada pela JW.org, diz:

587/586 A.C. a cidade e o templo foram completamente destruídos por Nabucodonosor, e o cativeiro começou. Ele terminou em 538 A.C., quando Ciro II, o Grande da Pérsia, que havia derrotado Babilônia, permitiu que os judeus liderados por Zorobabel, da casa davídica, retornassem a Jerusalém.

É claro que a JW.org admite que está praticamente sozinha no mundo ao afirmar que Jerusalém caiu em 607 A.E.C. A organização argumenta que isso acontece porque é a única que realmente coloca a Bíblia acima das fontes “mundanas”. Eles escreveram no livro Venha o Teu Reino (1981), página 187:

Os cristãos, que crêem na Bíblia, têm vez após vez encontrado que a palavra dela suporta a prova de muita crítica e tem-se mostrado exata e fidedigna. Reconhecem que, sendo a Palavra inspirada de Deus, ela pode ser usada como medidor na avaliação da história e dos conceitos seculares.

Isso pode parecer muito nobre para um cristão, mas será que é honesto? Será que a JW.org realmente considera a Bíblia “exata e fidedigna”? Será que ela usa mesmo a Bíblia como um “medidor de avaliação”?

Ensina a Bíblia que Jerusalém caiu em 607 A.E.C.?

A Bíblia não contém datas absolutas porque nosso calendário ainda não havia sido inventado quando qualquer parte do Antigo Testamento foi escrita. Portanto, não é possível datar eventos diretamente. Entretanto, a Bíblia fornece muitas datas relativas. Exemplo:

No terceiro ano do reinado de Jeoiaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei de Babilônia, chegou a Jerusalém e a sitiou. (Dan. 1:1)

Segue-se um relato de como os vasos sagrados do Templo foram levados para Babilônia e também de como alguns israelitas proeminentes – incluindo Daniel – foram levados como cativos. Nesse ponto, Jerusalém ainda não havia sido destruída. Em Daniel 2:1, também encontramos um evento datado do segundo ano de Nabucodonosor. Logicamente, isso significa que a deportação de Daniel e outros ocorreu no ano da ascensão de Nabucodonosor ao trono (ou teoricamente no primeiro ano, mas o versículo 5 mostra o contrário, pois há um período de treinamento de três anos entre 1:1 e 2:1).

É assim que os eventos eram datados nos tempos bíblicos. Se pudermos datar os anos de reinado dos reis – no caso aqui Jeoiaquim e Nabucodonosor – podemos datar os eventos. Portanto, qualquer datação requer evidências independentes e não bíblicas. Só se pode extrair datas relativas da Bíblia. Veremos mais adiante como encontrar essas datas absolutas.

Será que a JW.org defende a cronologia bíblica?

Como vimos, a JW.org afirma que segue a Bíblia e a defende contra críticas. É verdade isso? Às vezes, mas nem sempre.

Observamos que Daniel 1:1 diz que Nabucodonosor levou cativos no terceiro ano de Jeoiaquim (o ano de ascensão ao trono é contado como o primeiro ano do reinado). Segundo a cronologia da JW.org, isso não é nem mesmo possível.

A enciclopédia da JW.org, Estudo Perspicaz das Escrituras, Volume 2, página 33, declara:

Evidentemente, é a este terceiro ano de Jeoiaquim como rei vassalo de Babilônia que Daniel se refere em Daniel 1:1. Não podia ser o terceiro ano do reinado de 11 anos de Jeoiaquim sobre Judá, pois, naquele tempo, Jeoiaquim não era vassalo de Babilônia, mas sim do Faraó Neco, do Egito.

“Evidentemente”, diz o texto. Alguém que não seja versado na Bíblia pode pensar que é possível que Daniel se refira ao “terceiro ano” a partir de um determinado evento no reinado de um rei. Mas se soubermos como o tempo era contado naquela época, entenderemos como isso é altamente improvável. Por exemplo: Seria provável alguém hoje datar o início da Segunda Guerra Mundial em 1869 (em vez de 1939) só porque achou que a queda de Jerusalém para os romanos (70 DC) é uma data mais interessante para usar como ponto de partida do calendário? Se Daniel tivesse feito uma declaração tão estranha assim, ele saberia que quase certamente seria mal interpretado. Também é verdade que Daniel e muitos outros escritores bíblicos usam essa datação com frequência (Daniel 7:1; 8:1; 9:1; 10:1; 11:1).

Daniel 2:1 mostra o profeta interpretando um sonho de Nabucodonosor em seu segundo ano. Mais uma vez, a JW.org tem de recorrer a acrobacias, porque o próprio texto “no segundo ano do reinado de Nabucodonosor” diz uma coisa altamente inequívoca.

Essa recusa em considerar a Bíblia mais importante do que o dogma da organização torna-se particularmente irritante no livro Venha o Teu Reino, que num apêndice tenta refutar as críticas à cronologia da JW.org. Na página 188, faz-se uma tentativa de refutar o valor das Crônica Babilônica de Beroso:

Embora Beroso afirme que Nabucodonosor levou cativos judaicos no seu ano de ascensão, não há nenhum documento cuneiforme que confirme isso.

É realmente surpreendente ver como, apenas alguns parágrafos depois de se proclamar a única defensora da Bíblia, a organização ignora deliberadamente que a própria Bíblia, em Daniel, apóia Beroso contra a cronologia da JW.org.

Estes certamente não são os únicos exemplos. O profeta Zacarias dá o maior golpe contra a cronologia deles.

Zacarias 1:7: No dia 24 do décimo primeiro mês, isto é, o mês de sebate, no segundo ano de Dario, o profeta Zacarias, filho de Berequias, filho de Ido, recebeu a palavra de Jeová….

Dessa vez, a JW.org concorda com todas as fontes que o evento deve ser datado em fevereiro de 519 A.E.C. Afinal, a organização baseia o ano de 607 A.E.C. no reinado de Ciro como um “ponto fundamental”; portanto, seria insensato negar esse fato.

O que o profeta Zacarias viu e ouviu?

Em vista disso, o anjo de Jeová disse: “Ó Jeová dos exércitos, até quando negarás tua misericórdia a Jerusalém e às cidades de Judá, com as quais ficaste indignado por esses setenta anos?” (Zacarias 1:12)

Sim, por 70 anos Deus condenou as cidades de Judá. Isso nos leva a 589 A.E.C. De acordo com a cronologia da JW.org, nada significativo aconteceu naquele ano. Na cronologia geralmente aceita, esse foi o ano em que Nabucodonosor começou o cerco a Jerusalém (2 Reis 25:1; Ezequiel 24:1, 2; Jeremias 52:4).

Além disso, não faria sentido o anjo dizer que essas cidades estavam condenadas por “setenta anos” se esse período tivesse começado dezoito anos depois da destruição completa da capital (607 A.E.C.)! Por outro lado, se o anjo estava falando de um período de setenta anos de 607 A.E.C. a 537 A.E.C. – como as Testemunhas de Jeová sem dúvida argumentarão – por que o anjo perguntaria: “Até quando” em 519 A.E.C.? Estas palavras mostram que, naquela época, a ‘indignação’ de Deus ainda não havia terminado. E como ela ainda estava em andamento, deve ter começado com o evento principal em 589 AEC.

Como se isso não fosse o bastante, Zacarias depois dá um golpe ainda maior na cronologia da JW.org:

E, no quarto ano do rei Dario, Zacarias recebeu a palavra de Jeová, no dia quatro do nono mês, isto é, o mês de quisleu. O povo de Betel enviou Sarezer e Regem-Meleque com seus homens, para suplicar o favor de Jeová dizendo aos sacerdotes da casa de Jeová dos exércitos e aos profetas: “Devo chorar no quinto mês e jejuar, como tenho feito por tantos anos?” Recebi novamente a palavra de Jeová dos exércitos: “Diga a todo o povo desta terra e aos sacerdotes: ‘Quando vocês jejuavam e lamentavam no quinto e no sétimo mês, durante 70 anos, era realmente para mim que jejuavam? (Zacarias 7:1-5)

As evidências cronológicas nesses versículos são surpreendentes e nos fornecem uma grande quantidade de informações. Até as publicações da JW.org têm de admitir que esses eventos pelos quais os judeus estavam lamentando e jejuando estão claramente marcados na Bíblia. Eles jejuavam no quinto mês “a fim de comemorar que naquele dia Nebuzaradã, chefe da guarda pessoal de Nabucodonosor, depois de dois dias de inspeção, havia queimado a cidade de Jerusalém e seu templo.”, como diz o livro da JW.org O Paraíso Restabelecido Para a Humanidade — Pela Teocracia!, página 235. Eles também jejuaram no sétimo mês “para comemorar o assassinato do Governador Gedalias, que era da casa real do Rei Davi, e a quem Nabucodonosor constituíra em governador do país, para os judeus pobres que se permitiu que permanecessem depois da destruição de Jerusalém.” (O Paraíso Restabelecido Para a Humanidade — Pela Teocracia!, página 235).

Isso cria um problema óbvio para a JW.org, pois eles afirmam que isso aconteceu em 607 A.E.C. Novembro de 518 A.E.C., no quarto ano de Dario, quando Zacarias teve essa visão, foi 90 anos depois de 607 A.E.C. A JW.org admite que os setenta anos de lamentação começaram quando Jerusalém foi destruída. O texto bíblico acima mostra, da maneira mais clara possível, que os setenta anos se estenderam até o ano 518 A.E.C. Os israelitas perguntaram se deveriam continuar com seu jejum. Se eles tivessem parado vinte anos antes, essa pergunta não faria sentido. Em Zacarias 1:12, os setenta anos foram chamados de “estes setenta anos”, em vez de “aqueles setenta anos”, que é o que teria sido dito se eles tivessem terminado vinte anos antes. (em Zac 7:5 a NVI, por exemplo, diz “durante os últimos setenta anos”).

Como a JW.org responde a essa séria objeção à sua cronologia? Com relação ao anjo em Zacarias, capítulo 1, eles dizem:

“Portanto, queria aquele anjo de Jeová dizer que aqueles setenta anos ainda não haviam terminado ou que acabavam de terminar? Historicamente, não podia ser assim.” (O Paraíso Restabelecido Para a Humanidade — Pela Teocracia!, página 131. Grifo acrescentado)

Extraordinário! Todos os historiadores e comentários bíblicos afirmam que 587/6 A.C. é a data correta para a queda de Jerusalém – sendo isso apoiado por milhares de tábuas cuneiformes e documentos e inscrições antigas. Agora, quando Deus e um anjo dizem a mesma coisa por meio do profeta Zacarias, a organização JW.org diz corajosamente: “Historicamente, não podia ser assim.”

Não seriam necessários outros exemplos para mostrar até que ponto a JW.org apóia a Bíblia. Porém, vamos examinar os argumentos deles em apoio à sua data de 607 A.E.C.

Os Setenta Anos para Babilônia

Para se contrapor à abundância de evidências contra sua cronologia, a JW.org invoca algumas passagens bíblicas. No livro Venha o Teu Reino, páginas 187-188,eles afirmam:

O profeta Jeremias predisse que os babilônios destruiriam Jerusalém, e transformariam a cidade e o país numa desolação. (Jeremias 25:8, 9) Ele acrescentou: “E toda esta terra terá de tornar-se um lugar devastado, um assombro, e estas nações terão de servir ao Rei de Babilônia por setenta anos.” (Jeremias 25:11) Os 70 anos expiraram quando Ciro, o Grande, no seu primeiro ano, libertou os judeus e estes voltaram à sua pátria. (2 Crônicas 36:17-23) Cremos que a leitura mais direta de Jeremias 25:11 e de outros textos é que os 70 anos contam desde quando os babilônios destruíram Jerusalém e deixaram a terra de Judá desolada.

Os setenta anos em Jeremias são aqui totalmente aplicados ao período desde a época da destruição de Jerusalém por Nabucodonosor até o momento em que os judeus foram autorizados a retornar de Babilônia. A queda de Babilônia diante de Ciro foi em 539 A.E.C. Não há dúvidas quanto a isso. A JW.org argumenta que os judeus voltaram para casa em 537 A.E.C.. Isso é possível, embora 538 A.E.C. seja considerado mais provável. Segue-se, argumenta a JW.org, que Jerusalém caiu 70 anos antes, em 607 A.E.C.

Os setenta anos são um período profético em Jeremias, portanto, vale a pena examinar como essa expressão é usada no livro dele. Já vimos que ela é mencionada pela primeira vez em Jeremias 25:11. Esse texto não diz o que a JW.org afirma que ele diz.

E toda esta terra será reduzida a ruínas e se tornará um motivo de terror, e essas nações terão de servir ao rei de Babilônia por 70 anos. (Jeremias 25:11)

Nota-se imediatamente que em nenhum lugar Jeremias diz que Jerusalém ficou arruinada por setenta anos. Esses setenta anos foram um período de servidão, não de destruição. Embora o contexto fale de arruinamento, os setenta anos se aplicam apenas à servidão. O texto citado acima no livro Venha o Teu Reino ignora completamente este fato. Além disso, a servidão não se limitaria aos israelitas; “estas nações” significa muitas, se não todas, as nações daquela área sírio-palestina.

O que Jeremias quis dizer com expressão “setenta anos”? É claro que isso poderia significar exatamente 70 anos, em vez de 71 ou 69 anos. É assim que a JW.org entende isso, e é muito provável que esteja correto.

Mas também pode ser apenas um número redondo, aplicando-se a um período de tempo aproximado. Um exemplo disso é o texto do Salmo 90:10: “A duração da nossa vida é de setenta anos.”. Ninguém diria, com base nesse texto, que a duração da vida humana é exatamente setenta anos. Em Isaías 23:15, vemos que “setenta anos” é ‘o tempo de vida de um rei’, o que, obviamente, é só aproximadamente verdadeiro. Esse princípio, que Jeremias conhecia, pode simplesmente significar que ele estava dizendo que as nações teriam de servir a Babilônia durante a vida de um homem, cerca de setenta anos.

“Estas nações” começaram a servir Nabucodonosor no máximo em 605 A.E.C., quando – como vimos – ele ainda estava levando cativos e saques de Jerusalém. Naquele ano, Nabucodonosor derrotou o Faraó Neco (Jeremias 46:2), e as nações daquela região tiveram de pagar tributo ao rei da Babilônia a partir daquele ano. Esse período terminou abruptamente em 539 A.E.C., quando Babilônia caiu diante de Ciro. Esse período é de 66 anos, e ninguém pode negar que se trata de aproximadamente 70 anos.

No entanto, é bem possível situar o início dos setenta anos em 609 A.E.C., e isto seria exatamente setenta anos. Naquele ano, Harã caiu e o Império Assírio claramente deu lugar a Babilônia como a potência dominante naquela área. Assim, em 609 A.E.C., a supremacia sobre “estas nações” mudou da Assíria para Babilônia. Algumas nações caíram imediatamente sob o domínio de Babilônia, outras caíram pouco depois.1

Naturalmente não é possível saber com certeza o que Jeremias quis dizer. Mas não importa qual interpretação seja escolhida para os setenta anos – a “leitura mais direta” de Jeremias 25:11 é que os setenta anos terminam em 539 A.E.C., quando Babilônia caiu diante de Ciro. E o início desses anos não teve relação alguma com a queda de Jerusalém, e sim com a supremacia de Babilônia.

Jeremias menciona os setenta anos em outro versículo:

“Pois assim diz Jeová: ‘Quando se completarem 70 anos em Babilônia, voltarei a minha atenção para vocês e cumprirei a minha promessa, trazendo-os de volta para cá.’ (Jeremias 29:10 [TNM])

Nesse ponto, a Tradução do Novo Mundo demonstra seu viés em favor da interpretação da JW.org. Deve-se notar, entretanto, que na discussão dos “setenta anos” este é o único lugar em que a Tradução do Novo Mundo é contestável.

Com uma única exceção, a Versão Rei Jaime (ou Versão Autorizada) de 1611, e traduções mais recentes derivadas dela, a TNM está sozinha em sua leitura “em Babilônia”. Todas as outras traduções disponíveis dizem “para Babilônia” ou algo similar:

Assim diz o Senhor: “Quando se completarem os setenta anos da Babilônia, eu cumprirei a minha promessa em favor de vocês, de trazê-los de volta para este lugar. (Nova Versão Internacional)

Assim diz Jeová: Logo que forem cumpridos para Babilônia setenta anos, visitar-vos-ei e cumprirei a minha boa palavra dada a vós, fazendo-vos voltar para este lugar. (Tradução Brasileira)

Assim diz o Senhor: Logo que se cumprirem para a Babilônia setenta anos, atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a minha boa palavra, tornando a trazer-vos para este lugar. (Almeida Revista e Atualizada)

Carl Olof Jonsson enviou cartas a vários reconhecidos eruditos em língua hebraica na Escandinávia, perguntando qual era o significado exato da expressão hebraica “Le Babel” que ocorre aqui. Sem exceção, eles responderam que a tradução “para Babilônia” é a correta. Estes eruditos foram o Dr. Seth Erlandson em Uppsala, Dr. Hans M. Berstad, Prof. Tryggve Mettinger e Dr. Tor Magnus Amble. Os eruditos são unânimes nesta questão, o que deveria ser óbvio pelo fato de toda tradução moderna ter este significado.

Fora isso, não é de forma alguma possível interpretar esse texto como significando que os setenta anos seriam desde a queda de Jerusalém até o momento em que Ciro libertou os judeus de Babilônia. Este é o contexto do versículo: ele faz parte de uma carta que Jeremias enviou a pessoas levadas cativas de Jerusalém na segunda deportação (de três) (2 Reis 24:10-17; 2 Crônicas 36:10). Isto ocorreu dez anos antes da destruição de Jerusalém. Nessa carta (Jeremias 24:9-11), ele diz aos cativos para se estabelecerem em Babilônia e não esperarem um retorno rápido, como alguns falsos profetas haviam previsto. Eles permaneceriam em Babilônia até que setenta anos fossem “cumpridos para Babilônia”. Só então eles retornariam. Isto só faria sentido se os setenta anos já tivessem começado. Esta interpretação de Jeremias 29:10 é apoiada pelo Dr. Avigdor Orr:

O sentido do original hebraico poderia até mesmo ser traduzido da seguinte forma: “Depois que setenta anos forem completados para (o domínio de) Babilônia, etc.”. Os setenta anos contados aqui obviamente se referem à Babilônia e não aos judeus e seu cativeiro. Eles significam setenta anos de domínio da Babilônia, ao final dos quais haverá a libertação dos exilados.”2

Se os setenta anos fossem começar no futuro, dez anos depois das palavras de Jeremias terem sido escritas, isso significaria que Deus já havia decidido que Jerusalém seria destruída. Neste caso, as advertências posteriores de Jeremias não teriam a menor razão de ser:

Jeremias disse então a Zedequias: “Assim diz Jeová, o Deus dos exércitos, o Deus de Israel: ‘Se você se render aos príncipes do rei de Babilônia, a sua vida será poupada, e esta cidade não será queimada com fogo; você e os da sua casa serão poupados. Mas, se você não se render aos príncipes do rei de Babilônia, esta cidade será entregue aos caldeus, eles a queimarão com fogo, e você não escapará das mãos deles.’” (Jeremias 38:17,18)

Ora, se Deus tivesse decidido queimar a cidade dez anos antes de fazer isso, esta advertência não teria o menor sentido. O exemplo do livro de Jonas mostra que Deus também pode mudar seus planos quando se manifesta o arrependimento humano.

Vimos que Jeremias jamais fala de setenta anos de desolação para Jerusalém. Devemos ter isso em mente quando examinarmos os dois próximos trechos em que Daniel e Esdras aplicam essas palavras. É claro que nenhuma interpretação destes textos deveria contradizer as palavras do próprio Jeremias.

O profeta Daniel vivenciou o dramático cumprimento da profecia de Jeremias. Ele provavelmente estava entre os judeus cativos que receberam a carta de Jeremias (Jeremias 29:4-14). Pelo menos ele conhecia o conteúdo dessa carta, que prometia o retorno à Terra Santa após setenta anos de domínio babilônico.

Certa noite, em 539 A.E.C., havia chegado a hora do fim do poderoso Império Babilônico quando o rei da Babilônia viu a inscrição na parede – literalmente. Daniel expôs essa escrita misteriosa:

E estas são as palavras que foram escritas: MENE, MENE, TEQUEL e PARSIM. “Esta é a interpretação das palavras: MENE: Deus contou os dias do seu reino e o fez chegar ao fim. “TEQUEL: o senhor foi pesado na balança e achado em falta. “PERES: seu reino foi dividido e dado aos medos e aos persas.” (Daniel 5:25-28)

Sim, Deus havia ‘contado os dias [do reino babilônico]’. Exatamente setenta anos depois de finalmente derrotarem os assírios, os medos e os persas, sob o comando do rei Ciro, puseram fim ao domínio babilônico. Daniel conclui dizendo: “Naquela mesma noite Belsazar, o rei caldeu, foi morto.”. (Dan. 5:30).

Não há dúvida de que isso se refere à profecia de Jeremias. É claro que essa ‘contagem de dias’ foi revelada de antemão e não foi mantida em segredo:

Pois o Soberano Senhor Jeová não fará coisa alguma sem ter revelado seu assunto confidencial aos seus servos, os profetas. (Amós 3:7)

Observe a ordem dos eventos, conforme descritos por Jeremias:

E toda esta terra será reduzida a ruínas e se tornará um motivo de terror, e essas nações terão de servir ao rei de Babilônia por 70 anos.”’ “‘Mas, quando se completarem 70 anos, ajustarei contas com o rei de Babilônia e aquela nação por causa dos seus erros’, diz Jeová, ‘e farei da terra dos caldeus um deserto desolado para sempre. (Jeremias 25:11,12)

Primeiro, os setenta anos terminariam e, depois, o rei da Babilônia seria chamado a prestar contas. De acordo com a interpretação da JW.org, os setenta anos terminaram dois anos depois que o rei foi chamado a prestar contas. Isso, como se pode ver facilmente, contradiz o texto.

Os judeus no exílio babilônico sem dúvida se alegraram com o fim do Império Babilônico. Eles sabiam que isso teria de acontecer antes que pudessem retornar a Jerusalém e reconstruir o templo e a cidade. Então, como Jeremias havia dito, eles voltariam. Deus havia prometido: “cumprirei a minha promessa, trazendo-os de volta para cá.’”. (Jer. 29:10)

Foi isso o que Daniel descobriu quando começou a investigar essas profecias logo depois da queda de Babilônia:

“… no primeiro ano do seu reinado [o de Dario], eu, Daniel, compreendi pelos livros o número de anos para se cumprir a desolação de Jerusalém, conforme mencionado na palavra de Jeová dirigida ao profeta Jeremias; seriam 70 anos.” (Daniel 9:2)

A JW.org tem usado frequentemente estas palavras para apoiar sua interpretação dos setenta anos como sendo o período desde a destruição de Jerusalém até o retorno dos judeus. Em algumas traduções, a escolha das palavras é infeliz (a NVI é um exemplo) dando a impressão de que devem ter passado setenta anos enquanto Jerusalém estava em ruínas. A TNM, entretanto, preserva fielmente o texto ambíguo do original.

Daniel só disse que setenta anos teriam de se passar antes que a desolação de Jerusalém pudesse terminar. Ele não disse que esses setenta anos começaram quando Jerusalém foi destruída. Observe a tradução a seguir:

“… no primeiro ano do seu reinado, eu, Daniel, entendi pelos livros o número dos anos, a saber, setenta anos, de que falou a palavra de Jeová ao profeta Jeremias, em que se haviam de cumprir as desolações de Jerusalém. (Dan. 9:2, Tradução Brasileira)

Outra tradução precisa:

“no primeiro ano do seu reinado, eu, Daniel, esforçava-me por entender, nas Escrituras, o número de anos que, segundo a palavra do Senhor ao profeta Jeremias, haveriam de completar-se sobre as ruínas de Jerusalém, isto é, setenta anos.” (Dan. 9:2, Bíblia de Jerusalém)

Note-se que tanto a TNM (de 1986) como as versões citadas acima usam o plural “devastações”, “desolações” ou “ruínas”. A organização JW.org insiste que a devastação de Jerusalém ocorreu quando a cidade foi destruída por Nebucodonosor. Mas Daniel fala a respeito de várias devastações.

A palavra para “devastação” é chorbah. Ela não significa, como veremos, destruição completa. Vimos que Nabucodonosor já tinha levado prisioneiros e saque de Jerusalém em 605 A.E.C., no seu ano de ascensão. Todos os anos depois que o exército dele atravessou a terra, sem duvida alguma causava mais destruição, e a Bíblia fala até mesmo a respeito de guerrilhas de saqueadores de nações diferentes que causaram assolamento naquela época (veja 2 Reis 24:2; Jeremias 35:11).

Se verificarmos como esta expressão é usada em todos os outros lugares na Bíblia, o argumento da JW.org cai por terra completamente. O profeta Ezequiel fala sobre “os habitantes destes lugares devastados” (Ezequiel 33:24, 27), e estas palavras foram escritas 10 anos antes da destruição de Jerusalém.

Vimos agora que Daniel 9:2 não dá apoio algum à interpretação da JW.org.

Em primeiro lugar, Daniel em momento algum diz que os setenta anos começaram quando Jerusalém foi finalmente destruída.

Em segundo lugar, as devastações de Jerusalém começaram muitos anos antes da destruição final em 587 A.E.C.

Por fim, examinaremos um versículo bíblico relacionado ao cumprimento da profecia de Jeremias sobre os setenta anos. Novamente, devemos ter em mente as palavras de Jeremias. O escritor Esdras conclui suas crônicas sobre os reis de Judá da seguinte forma:

2 Crônicas 36:20,21: Além disso, ele levou cativos a Babilônia os que foram deixados pela espada, e eles vieram a ser servos dele e dos seus filhos até o começo do reinado da realeza da Pérsia; para se cumprir a palavra de Jeová pela boca de Jeremias, até que a terra tivesse saldado os seus sábados. Todos os dias em que jazia desolada, guardava o sábado, para cumprir setenta anos.

Essas palavras também podem significar que a terra ficou desolada por setenta anos. Como vimos acima, as desolações começaram antes da destruição final de Jerusalém; portanto, de qualquer maneira isso também não apoia a interpretação da JW.org.

Além disso, Esdras não disse que o período de setenta anos era paralelo com o período em que a terra ficou desolada. Ele simplesmente afirmou que os setenta anos teriam de acabar antes que o período de desolação acabasse. Isto também se aplica à menção de Esdras sobre os sábados.

Em nenhum lugar Jeremias menciona os anos sabáticos em conexão com os setenta anos. Sem dúvida, Esdras estava se referindo à profecia em Êxodo 26:33-35. Ele não iguala o tempo necessário para saldar os sábados com os setenta anos. Ele se refere a duas profecias diferentes e afirma que dois períodos de tempo precisavam se completar antes que os judeus pudessem retornar: o descanso sabático da terra e os setenta anos de domínio de Babilônia.

Com relação ao descanso sabático, dois princípios são dignos de nota. Se a terra teria de descansar por setenta anos, isso significaria que os judeus não haviam guardado o descanso sabático por 490 (7×70) anos. De 587 A.E.C., isto nos leva de volta ao ano 1077 A.E.C. (ou 1097 na cronologia da JW.org). Isso foi antes do reinado do justo Davi, antes mesmo de Saul ser o primeiro rei. Será provável que o país não tenha guardado o sábado por um ano sequer durante os reinados de Saul, Davi, Salomão e Josias, por exemplo? Por outro lado, se usarmos a cronologia aceita, a terra ficou desolada por 50 anos (nesse sentido, ou seja, não foi usada para a agricultura). De 587 A.E.C., 350 (7×50) anos nos levam de volta a 937 A.E.C., muito próximo da época da divisão do reino atribuída à infidelidade do rei. É de valor duvidoso atribuir muita importância aos detalhes dessa profecia, mas isto é pelo menos digno de consideração.

A Bíblia ensina 587 A.E.C. como a data da destruição.

A conclusão a se tirar de tudo isso é que a Bíblia em momento algum contradiz a cronologia aceita (“secular”) que coloca o ano de ascensão de Nabucodonosor em 605 A.E.C. A Bíblia diz que a queda final e destruição de Jerusalém ocorreu no 19º ano do reinado de Nabucodonosor (Jeremias 52:12; 2 Reis 25:1-4; 2 Crônicas 26:11,19). Isso foi em 587 A.E.C.3

Por outro lado, a JW.org não estabeleceu um sistema que seja internamente consistente com o testemunho da Bíblia sobre os setenta anos. Além disso, sua cronologia contradiz diretamente as declarações claras nos livros de Daniel e Zacarias.

A Bíblia por si só é suficiente para rejeitar a cronologia da JW.org. Porém, examinaremos a enorme quantidade de material arqueológico em apoio da cronologia histórica estabelecida.

As evidências arqueológicas

(Veja o resumo da evidência e a tabela cronológica abaixo).

Como já vimos, a Bíblia não contém datas absolutas. Ela contém datas e períodos de tempo relativos, e só se pudermos conectar pelo menos um dos eventos com a data correspondente do nosso calendário é que chegaremos a uma data absoluta.

É claro que a JW.org também se defronta com esse problema. Eles tomaram como base uma data-chave; um evento atestado em fontes históricas seculares, bem como na própria Bíblia: A queda da Babilônia diante do rei Ciro em 539 A.E.C.

Como se chegou a essa data? Os historiadores usaram as listas de reis de Ptolomeu e Beroso. Elas são consideradas precisas e confiáveis e datam o reinado de Ciro sobre a Babilônia em 539 A.E.C. Isto foi confirmado pelo método de datação mais confiável conhecido pelos historiadores: documentos contemporâneos contendo observações astronômicas.

Observações astronômicas

A fonte mais confiável de datas absolutas são as inscrições contemporâneas que contenham observações astronômicas. Os babilônios, assim como muitos outros povos, davam grande ênfase à astrologia, observavam cuidadosamente os fenômenos celestes e anotavam as posições exatas dos planetas em relação ao zodíaco. Essas inscrições eram datadas com precisão em relação ao reinado de um rei. É possível encontrar muitas dessas observações em inscrições individuais, e elas formam uma “impressão digital” única para um ano, pois as observações não poderiam se repetir por milênios, antes ou depois. Os astrônomos da atualidade podem calcular com precisão os fenômenos descritos nas inscrições astronômicas e confirmar que essas observações não podem ser falsificadas ou relacionadas a um ano diferente.

Portanto, a única possibilidade de uma inscrição com dados astronômicos corretos ser uma “falsificação” seria a de ter sido datada incorretamente. Como a cronologia da JW.org data uniformemente os eventos vinte anos antes, seria necessário datar incorretamente os registros astronômicos contemporâneos em vinte anos. Alguém consegue imaginar astrólogos e cronistas do período neobabilônico fazendo isso? O trabalho envolvido na falsificação de até mesmo uma dessas tábuas astronômicas é enorme, considerando que elas mencionam inúmeras datas e eventos na vida de um rei, e apenas uma mudança nas observações ou nas próprias datas faria com que essa observação não se encaixasse mais em qualquer constelação ou em fenômenos astronômicos na história conhecida.

A JW.org considera esses cálculos astronômicos extremamente confiáveis:

Certa tabuinha babilônica de argila é útil para relacionar a cronologia babilônica com a cronologia bíblica. Esta tabuinha contém a seguinte informação astronômica sobre o sétimo ano de Cambises II, filho de Ciro II: “Ano 7, tamuz, noite de 14, 1 2⁄3 hora dupla [três horas e vinte minutos] após o cair da noite, um eclipse lunar; visível no seu trajeto inteiro; abrangeu a parte setentrional do disco [da lua]. Tebete, noite de 14, duas e meia horas duplas [cinco horas] à noite, antes da madrugada [na última parte da noite], o disco da lua ficou eclipsado; o trajeto inteiro visível; o eclipse atingiu as partes meridional e setentrional.” (Inschriften von Cambyses, König von Babylon [Inscrições de Cambises, Rei de Babilônia], de J. N. Strassmaier, Leipzig, 1890, N.º 400, linhas 45-48; Sternkunde und Sterndienst in Babel [Astronomia e Veneração das Estrelas em Babel], de F. X. Kugler, Münster, 1907, Vol. I, pp. 70, 71) É evidente que estes dois eclipses lunares podem ser identificados com os eclipses lunares visíveis em Babilônia em 16 de julho de 523 AEC e em 10 de janeiro de 522 AEC. (Canon of Eclipses [Cânon de Eclipses], de Oppolzer, traduzido para o inglês por O. Gingerich, 1962, p. 335) De modo que essa tabuinha indica que foi na primavera de 523 AEC que começou o sétimo ano de Cambises II. (Estudo Perspicaz das Escrituras, Vol. 1, pág. 608)

Esta data confirmada astronomicamente deve, sem dúvida, estar correta. Se não estivesse, a data-chave da JW.org, 539 A.E.C. para a queda da Babilônia diante de Ciro não teria base alguma. Mas a JW.org é bem desonesta quando aceita essa evidência como inequívoca e inquestionável, mas ao mesmo tempo rejeita exatamente o mesmo tipo de evidência para o período neobabilônico. Veremos que a evidência astronômica para a cronologia neobabilônica é ainda mais direta e mais forte.

Um diário astronômico abrangente, o VAT 4956, que é do 37º ano do reinado de Nabucodonosor, contém observações inequívocas que não se encaixam em qualquer outro ano além de 568 A.E.C. Isso está além de dúvida; nenhum ano, milhares de anos antes ou depois desse ano, se encaixa em todas essas evidências, e a possibilidade de que evidências forjadas se encaixem nesse ano nem precisa ser considerada. Como a Bíblia diz que Jerusalém caiu no 19º ano de Nabucodonosor (Jeremias 52:12; 2 Reis 25:1-4; 2 Crônicas 26:11,19), isso deve ter acontecido em 587/6 A.E.C. e certamente não 20 anos antes.

Mas a JW.org não pode aceitar isto, por isso eles tentam por em dúvida esse diário:

VAT 4956: Trata-se duma tabuinha cuneiforme que fornece informações astronômicas datando até 568 A.E.C. Diz que as observações eram desde o 37.º ano de Nabucodonosor. Isto corresponderia à cronologia que coloca seu 18.º ano de reinado em 587/6 A.E.C. Todavia, essa tabuinha é admitidamente uma cópia feita no terceiro século A.E.C., de modo que é possível que sua informação histórica seja simplesmente a que era aceita no período selêucida. (Venha o Teu Reino, págs. 186, 187)

O VAT 4956 trata-se, de fato, de uma cópia, mas não é de forma alguma “possível” que as informações históricas sejam as que eram aceitas nesse místico “período selêucida” que, como vemos novamente, é supostamente um período de tempo duvidoso no qual as evidências cronológicas foram supostamente falsificadas. O copista não acrescentou qualquer informação adicional, o que é evidente pelo fato de que em dois lugares onde a tabuinha estava danificada, o copista inseriu as palavras “quebrado, apagado”. Isso mostra como é extremamente improvável que o copista tenha inserido detalhes cronológicos “aceitos” posteriormente. Além disso, há quarenta datas no texto, e deveria estar além de qualquer contestação que um copista tão escrupuloso a ponto de indicar onde a fonte original é ilegível se envolveria em falsificação em grande escala, inserindo o nome de um rei que já estaria morto em 568 A.E.C.

Isso está além de qualquer dúvida, pois  foi descoberto um outro diário astronômico com a designação BM 32312. Este contém observações astronômicas exatas de 652/51 A.E.C. Nenhum copista poderia ter feito alterações nas datas aqui porque o diário estava quebrado! No entanto, a tabuinha menciona a batalha de Hirit no “mês 12, dia 27”, na qual o rei de Babilônia esteve envolvido. E um diário mais conhecido, a Crônica de Akitu, observa que essa data foi no 16º ano do reinado do rei Samas-sum-iuquim (667-648 A.E.C.). Assim, temos uma confirmação recente e independente, incluindo duas evidências confiáveis, de que a cronologia aceita do período neobabilônico está correta. Outra curiosidade à parte: esse texto babilônico nos diz que o rei de Babilônia perdeu a batalha, o que enfraquece a alegação estereotipada da JW.org de que os cronistas babilônicos eram desonestos.

O que vemos é que, embora a JW.org aceite evidências que apoiam sua cronologia, ela rejeita o mesmo tipo de evidência quando ela contradiz suas ideias. Além disso, a tabuinha do reinado de Cambises II só estabelece indiretamente a data da conquista de Babilônia por Ciro, mediante a consulta à lista de reis para saber por quanto tempo Ciro reinou e que ele foi sucedido por seu filho Cambises II em 529 A.E.C. O VAT 4956, por outro lado, estabelece diretamente o reinado de Nabucodonosor, e alguém que não queira duvidar da cronologia bíblica não pode rejeitar esse fato. Portanto, se a JW.org estivesse certa ao afirmar que a Bíblia estabelece 70 anos desde a queda de Jerusalém até o retorno dos judeus (o que, como vimos, não é verdade!), eles teria de rejeitar a data 539 A.E.C., mas não 587/6 A.E.C. Porém, naturalmente eles perderiam 607 A.E.C. como uma data-chave, e seria ingênuo acreditar que todos esses malabarismos de evidências por parte da JW.org foram por qualquer outro motivo a não ser manter a data de 607 A.E.C., só para salvar 1914.

Listas de reis

Uma das principais evidências contra a cronologia da JW.org são as listas de reis de acordo com Beroso e Ptolomeu. Beroso foi um sacerdote babilônico que viveu no século III A.C. Ele escreveu uma história de Babilônia em três volumes, da qual apenas fragmentos são conhecidos por meio de citações em obras posteriores, como as de Josefo e Eusébio. Ptolomeu (70-161 D.C.) foi um estudioso polivalente que viveu no Egito. Ptolomeu escreveu uma obra matemática chamada Almagesto em latim, na qual incluiu o Cânon, uma lista de reis. A Enciclopédia Britannica (versão on-line) diz:

A fonte a partir da qual o estudo da cronologia mesopotâmica começou é um texto chamado Cânon Ptolomaico. Essa lista de reis abrange um período de aproximadamente 1.000 anos, começando com os reis de Babilônia após a ascensão de Nabonassar em 747 AEC. O texto em si pertence à época do Império Romano e foi escrito por um astrônomo grego que viveu no Egito. As evidências da precisão básica do cânon ptolomaico vieram de antigas tábuinhas cuneiformes desenterradas na Mesopotâmia, incluindo algumas referentes a eventos astronômicos, principalmente eclipses lunares. Assim, quando as escavações começaram, já se tinha um quadro bem detalhado da cronologia babilônica para o período após 747 A.E.C. (sob o título “Babylonian and Assyrian Mesopotamian Chronology, 747 to 539 BC [Cronologia da Mesopotâmia Babilônica e Assíria, 747 a 539 A.C.])

Beroso e Ptolomeu, que viveram em épocas diferentes, em diferentes partes do mundo, e são ambos considerados fontes confiáveis por historiadores antigos e modernos, fornecem as mesmas datas para os reinados dos reis:

ReisBerosoPtolomeuData AC
Nabopolassar21 anos21 anos625-605
Nabucodonosor43 anos43 anos604-562
Evil-Merodaque2 anos2 anos561-560
Neriglissar4 anos4 anos559-556
Labashi-Marduque(9 meses)556
Nabonido17 anos17 anos555-539

Portanto, não admira que a organização JW.org tente desacreditar essas fontes. Mas mesmo isso não ajudaria muito se pudesse ser demonstrado que essas fontes são independentes umas das outras. Por exemplo, em sua enciclopédia bíblica Ajuda ao Entendimento da Bíblia, de 1971, eles afirmam que Ptolomeu copiou Beroso:

Ao preparar seu cânon, acredita-se que Ptolomeu tenha usado os escritos de Beroso, que se acredita ter sido um sacerdote babilônico do deus Bel. (página 328 [da edição em inglês])

O apelo ao sujeito indeterminado “acredita-se” esconde o fato de que só os escritores da JW.org “acreditam” nisso! Há evidência substancial de que Ptolomeu se baseou em registros anteriores. Depois que esse argumento foi exposto, a JW.org teve de recorrer a outro:

“Ptolomeu evidentemente baseou sua informação histórica em fontes que datavam do período selêucida, o qual começou mais de 250 anos depois de Ciro ter capturado Babilônia. Portanto, não surpreende que as cifras de Ptolomeu concordem com as de Beroso, sacerdote babilônico do período selêucida.” (Venha o Teu Reino – pg. 186)

É difícil entender como se pode desacreditar Ptolomeu e Beroso associando-os ao “período selêucida”, como se esta fosse uma época em que os relatos eram falsificados em grande escala. A própria JW.org se apóia 100% na data 539 AEC. Como vimos, essa data também vem de Ptolomeu e de Beroso. A JW.org entende esse problema e tem buscado maneiras estranhas de encontrar apoio adicional, depois que Ptolomeu foi desacreditado:

Pode-se chegar à data de 539 AEC para a queda de Babilônia não somente pelo cânon de Ptolomeu, mas também por outras fontes. O historiador Diodoro, bem como Africano e Eusébio, mostram que o primeiro ano de Ciro, como rei da Pérsia, correspondia à Olimpíada 55, ano 1 (560/559 AEC), ao passo que o último ano de Ciro é situado na Olimpíada 62, ano 2 (531/530 AEC). Tabuinhas cuneiformes atribuem a Ciro um governo de nove anos sobre Babilônia, o que, portanto, corroboraria o ano 539 como a data em que ele conquistou Babilônia. — Handbook of Biblical Chronology (Manual de Cronologia Bíblica), de Jack Finegan, 1964, pp. 112, 168-170; Babylonian Chronology, 626 B.C.–A.D. 75, p. 14. (Estudo Perspicaz das Escrituras, Vol. 1, pág. 610)

Isso é bem interessante, pois Diodoro (1° século D.C.) viveu depois do “período selêucida” e usou fontes daquela época. Um dos problemas com Diodoro é que ele muitas vezes não cita o nome de suas fontes, o que reduz a possibilidade de verificá-las. Africano é um escritor do século 3 D.C. Ele recorre a Diodoro como fonte. E, finalmente, Eusébio, que diz ter usado Diodoro e Africano como fontes, viveu nos séculos 3 e 4 D.C.!

É claro que isto não significa que a data de 539 A.C. não seja aceitável. O fato, porém, é que essa data é menos segura do que a data de 586/7 A.C. para a destruição de Jerusalém.

Documentos Comerciais

Uma das evidências mais abrangentes e esmagadoras é a enorme quantidade de documentos comerciais e administrativos desenterrados do período neobabilônico. Estes são documentos contemporâneos, não cópias posteriores, e provavelmente existem uns 50.000 (!) desses documentos, muitos deles armazenados no Museu Britânico em Londres. Alguns milhares deles estão documentados. A JW.org admite:

Tabuinhas Comerciais: Milhares de tabuinhas cuneiformes, neobabilônicas, contemporâneas, foram encontradas com simples registros de transações comerciais, mencionando o ano do rei babilônico em que ocorreu a respectiva transação. Tabuinhas desta espécie foram encontradas para todos os anos de reinado dos reis neobabilônicos conhecidos na cronologia aceita do período.” (Venha o Teu Reino, pág. 187)

Portanto, existem documentos contemporâneos para cada ano conhecido daquele período. No entanto, a JW.org insiste que estão faltando vinte anos. Onde estão os documentos comerciais desse período? Não há um sequer. Se um rei reinou por mais tempo do que os anos atribuídos a ele nas listas de reis reconhecidos, ou se algum rei desconhecido reinou por vinte anos (ou uma combinação de ambos), então deveria haver centenas, se não milhares, de documentos comerciais que podem ser datados desse período. Mas, de fato, não existe algum. Os documentos contêm centenas de milhares de transações comerciais triviais e não tão triviais – compra e venda – e a ideia de que isso não aconteceu durante esse período é absurda. Além disso, as transações comerciais podem ser rastreadas desde a entrega das mercadorias até o pagamento por essas mesmas mercadorias. Podemos descobrir quem administrou uma empresa em um determinado ano. É óbvio que a crença de que a cronologia da JW.org pode ser mantida contra essas evidências torna uma infame “conspiração” ainda mais provável em comparação. Isto não só envolveria centenas de escribas, cronistas, oficiais e astrólogos desde o período neobabilônico e os séculos seguintes, como também exigiria um silêncio conspiratório de milhares de homens de negócios em todo o império!

É mais do que evidente que não há registros para os “vinte anos perdidos” porque não houve qualquer ano perdido. Nem um único texto cuneiforme jamais sugeriu que eles existiram. Nenhum cronista ou astrólogo ouviu falar deles. E foi demonstrado que a própria Bíblia se contradiria em muitos detalhes cronológicos se esses anos existissem e a profecia de Jeremias não tivesse se cumprido.

Inscrições Reais Contemporâneas

Foram encontradas evidências ainda mais diretas do período neobabilônico. Uma inscrição do período selêucida, a Lista de Reis de Uruque, descoberta em 1959/60, confirma os reinados de Nabopolassar, Nabucodonosor, Evil-Merodaque e Labashi-Marduque. Infelizmente, outras partes do texto estão danificadas. Embora não tenhamos essas listas de reis de épocas anteriores, há várias inscrições que confirmam a cronologia de forma mais direta.

Nabon nº 18 menciona um eclipse lunar que situa o segundo ano de Nabonido em 554/53 A.C., confirmando assim a cronologia histórica.

O Nabon nº 8 (estela de Hilá) confirma a cronologia de toda uma era, de Nabopolassar a Nabonido, e fornece todo o período dos reis, conforme reconhecido por todas as outras fontes. Ela também fornece detalhes de eventos astronômicos que confirmam ainda mais as datas absolutas do reinado de Nabonido.

A JW.org admite:

“Estela de Nabonido, de Harã (NABON H 1, B): Esta estela ou coluna contemporânea com uma inscrição foi descoberta em 1956. Menciona os reinados dos reis neobabilônicos Nabucodonosor, Evil-Merodaque e Neriglissar. As cifras para estes três concordam com as do Cânon de ptolomeu.” (Venha o Teu Reino, pág. 186)

A cópia posterior da mesma estela (B) nos dá detalhes sobre os trechos onde a original estava danificada. Ela também fornece detalhes sobre o rei assírio Assurbanipal e sobre Nabopolassar, confirmando ainda mais a cronologia neobabilônica.

A Crônica de Nabonido (BM 35382) é frequentemente usada pela JW.org para argumentar em favor da exatidão da Bíblia em detalhes históricos (veja Estudo Perspicaz das Escrituras – Volume 1, páginas 174, 347, 501 e muitas outros trechos). Obviamente, não é a ignorância que os leva a não mencionarem essa famosa crônica na discussão. O fato é que essa crônica fornece os reinados de todos os reis desse período, e eles são exatamente os mesmos que os de Ptolomeu e Beroso. Assim, todos os argumentos de que os cronistas posteriores usaram a cronologia “popular” em sua lista são destruídos porque essa crônica é contemporânea ao período dos próprios reis neobabilônicos! Não admira que a JW.org não queira mencionar essa evidência condenatória, embora eles saibam muito bem o que ela diz.

Textos Sobre Eclipses Lunares

Como vimos, a JW.org está mais do que ansiosa para aceitar a evidência “secular” para a era persa posterior, da qual depende para sua própria cronologia, mas rejeita a mesma – e mais forte – evidência que estabelece a cronologia da era neobabilônica. Examinaremos agora uma evidência que a JW.org não menciona, mas que nos leva diretamente do período neobabilônico para o período persa posterior, sem qualquer possibilidade de “interrupção” por “vinte anos perdidos” que a JW.org precisa para manter a data de 607 A.E.C.

Alguns textos babilônicos, conhecidos como “textos Saros” ou textos de eclipses lunares, contêm detalhes desses eclipses. Os eclipses aparecem em grupos que se repetem em aproximadamente a cada 18 anos. Eles podem ser associados com precisão a datas absolutas específicas porque as observações exatas são únicas e não podem se repetir por milênios. Um documento em particular abrange o período do 17º ano de Nabopolassar até o 18º ano do rei persa Artaxerxes!

ReiAno do ReinadoData (AC)
Nabopolassar17º609/8
Nabucodonosor14º591/0
Nabucodonosor32º573/2
Nabonido555/4
Ciro537/6
Dario519/8
Dario21º501/0
Xerxes483/2
Xerxes21º465/4
Artaxerxes18º447/6

A importância dessa evidência, por si só, é impressionante. Temos diante de nós um registro contínuo de observações astronômicas. Todas elas podem ser fixadas com precisão em datas absolutas correspondentes e, devido às características de nosso sistema solar, nada pode ser deslocado vinte anos sem afetar essa longa lista de datas de eclipses lunares que levam a um período de tempo em que a JW.org concorda com a cronologia “do mundo”. Mais uma vez, temos diante de nós uma confirmação independente e confiável da cronologia histórica, que, na realidade, não deixa margem para a data da JW.org de 607 A.E.C. para a destruição de Jerusalém.

Concordância com a Cronologia Egípcia

Como vimos, a cronologia neobabilônica está firmemente apoiada em suas próprias bases. Mas, temos uma excelente oportunidade de testar as evidências acumuladas em relação a um conjunto de evidências completamente independente. A cronologia contemporânea do Egito foi elaborada com base em um conjunto de evidências completamente diferente. Já concedemos muito espaço às evidências detalhadas da cronologia babilônica e, portanto, será suficiente para o presente artigo observar que essas evidências [da cronologia egípcia] consistem em várias lápides, no escriba grego Heródoto e no sacerdote egípcio Maneto (século III D.C.) e em vários papiros, incluindo alguns detalhes astronômicos (Papiro Demótico Berlim 13588). Essa cronologia tem uma ampla base e é, além disso, completamente independente da cronologia neobabilônica.

A cronologia da JW.org também diverge consistentemente da cronologia egípcia em 20 anos.

Há vários sincronismos entre as cronologias bíblica, egípcia e babilônica e, com base neles, fica claro que a cronologia da JW.org está errada. 2 Reis 23:29 nos permite saber que Josias morreu durante o reinado do faraó Neco. Neco começou seu reinado em 610 A.C., mas, de acordo com a JW.org, Josias morreu 19 anos antes. Jeremias 46:2 nos informa sobre uma batalha entre Nabucodonosor e o Faraó Neco no quarto ano de Jeoaquim. Na cronologia da JW.org, isso seria em 625 A.C., mas, como já vimos, o reinado de Neco só começou em 610! Jeremias 44:30 nos diz que, logo depois da morte de Gedalias, o faraó Hofra (também chamado de Apriés) era rei no Egito. Ele governou o Egito de 589 a 570, portanto, isso se encaixa perfeitamente na datação da queda de Jerusalém em 587, não em 607. Por fim, há o texto cuneiforme BM33041 que nos diz que Nabucodonosor empreendeu uma campanha contra o faraó egípcio Amásis em seu 37º ano de reinado. Amásis governou de 570 a 526, portanto, essa campanha não pode ter ocorrido em 588/87, como afirma a cronologia da JW.org. Eles admitem:

A diferença entre as datas acima e as geralmente atribuídas pelos historiadores hodiernos chega a um século, ou mais, quanto ao Êxodo, e depois se reduz a uns 20 anos no tempo do Faraó Neco. (Estudo Perspicaz das Escrituras, Vol. 1, pág. 606)

Seria uma coincidência inédita se a cronologia da JW.org estivesse correta e todas as evidências fossem falsas. Isso faz lembrar a mãe orgulhosa de um escoteiro exclamando durante um grande desfile: “Imagine, de 3.000 escoteiros, só o meu filho está no passo correto!”

Resumo das Evidências Arqueológicas em Favor da Cronologia Histórica

1 – Crônicas, registros historicos, e inscrições reais do período Neobabilônico, começando com o reinado de  Nabopolassar e terminando com os reinados de Nabonido e Belsazar, mostram que o período abrangeu de 626 a 539 AEC, e não de 645 a 539 AEC como afirma a JW.org.

  • 1 – Beroso
  • 2 – Ptolomeu
  • 3 – Varias crônicas babilônicas tais como a crônica de Nabonido
  • 4 – Nabon N.º 18
  • 5 – A estela de Hilá, Nabon N.º 8
  • 6 – A estela de Adade-Gupe, Nabon H1,B

2 – Documentos Comerciais e Administrativos

Tabuinhas existentes que são datadas para cada ano do Período Neobabilônico conforme estabelecido por Beroso, Ptolomeu e estelas contemporâneas; nenhuma tabuinha está datada inconsistentemente. Cerca de 5.000 foram publicadas e restam umas 50.000. Estes são documentos contemporâneos do Período Neobabilônico.

3 – Diários Astronômicos

  • 1 – VAT 4956 fixa o 37º ano de Nabucodonosor em 568 AEC mediante um jogo único de observações astronômicas, estabelecendo o seu ano de ascensão em 605 AEC.
  • 2 – BM 32312 mais a Crônica de Akitu colocam o 16º ano de Samas-sum-iuquim (um rei babilônico anterior ao Período Neobabilonico) em 652/1 AC. Isto, combinado com documentos comerciais, o cânon de Ptolomeu, a crônica de Akitu e a Lista de Reis de Uruque datam o reinado de Nabucodonosor em 605/4-562/1, com o seu 18º ano (destruição de Jerusalém, Jer. 52:28-30) em 587/6 AEC.

4 – Textos Saros (Eclipses Lunares)

Quatro textos independentes fornecem datas absolutas dentro do período Neobabilônico. O 18º ano de Nabucodonosor é fixado em 587/6 AC.

5 – Sincronismos com a cronologia egípcia contemporânea mostra que a cronologia da JW.org está consistentemente errada em 20 anos.

  • 1 – Josias morreu durante o reinado do faraó Neco, que começou em 610 AC. A JW.org data a morte de Josias em 629 AC.
  • 2 – Alguns judeus fugiram para o Egito sob o faraó Hofra (Apriés) logo depois da destruição de Jerusalém. Visto que ele começou a reinar em 589 AEC, Jerusalém não poderia ter sido destruida em 607 AEC.
  • 3 – Um texto cuneiforme fragmentário menciona uma batalha de Nabucodonosor no seu 37º ano contra o faraó Amásis, que começou a reinar em 570 AEC. A JW.org diz que Nabucodonosor morreu em 582 AEC.

Período Neobabilônico – confronto entre a cronologia da JW.org e a cronologia histórica

ObservaçãoAno de ascensão: Nas crônicas babilônicas, o ano que um rei ascende ao trono é chamado de ano de ascensão, o ano seguinte é o primeiro ano e assim por diante. Isto é chamado de sistema ascensional. Crônicas Judaicas, seguindo um  sistema sem ano de ascensão, conta o ano inicial como o primeiro ano de regência, o ano seguinte como o segundo e assim por diante. O terceiro ano do reinado de Jeoiaquim nas crônicas babilônicas seria o quarto ano nas crônicas de judaicas.

Notas

1 – A queda de Harã em 609 AC é geralmente entendida em relação ao livro de Jeremias. Veja o Professor D. J. Wiseman no The New Bible Dictionary, [Novo Dicionário Bíblico] 2ª ed, 1982, pág. 101; e Prof. Guy P. Couturier em The Jerome Biblical Commentary, Englewood Cliffs, NJ, 1968, p. 300; Dr. J. A. Thompson: The Book of Jeremiah,[O Livro de Jeremias], Grand Rapids, Michigan, 1980, págs. 21, 533.

2 – Avigdor Orr: The Seventy Years of Babylon [Os Setenta Anos de Babilônia], Vetus Testamentum, Vol VI, 1956, pág. 305. O mesmo argumento de que os setenta anos foi o período da supremacia de Babilônia e não o do exílio judaico é também enfatizado por outros eruditos. Veja o Dr. Peter R. Ackroyd no Journal of Near Eastern Studies [Revista de Estudos do Oriente Próximo], Vol XVII, 1958, pág. 23; Prof. Norman K. Gottwald: All the Kingdoms of the Earth [Todos os Reinos da Terra], Nova Iorque, Evanston, Londres 1964, págs. 265, 266; Dr. Otto Plöger: Aus der Spätzeit des Alten Testaments, Göttingen, 1971, pág. 68.

3 – De fato, algumas fontes dizem 586 AC, o que só é causado por uma aparente contradição entre 2 Reis 24, 25 e Jeremias 52:12 de um lado e Jeremias 52:28-30 do outro. Visto que o livro de Jeremias foi obviamente completado por um judeu que vivia em Babilônia, ele deve ter também usado o sistema ascensional, enquanto Jeremias que escreveu o livro dos Reis deve ter usado o sistema Judaico.

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