Parte 3: 90 “Tabuinhas Anômalas” Neobabilônicas?

Cronologia Assíria, Babilônica e Egípcia

(Análise Crítica do Volume II do Livro Cronologia Assíria, Babilônica, Egípcia e Persa, Comparada com a Cronologia da Bíblia – Oslo, Noruega: Awatu Publishers, 2007)

Parte 3: Existem cerca de 90 “tabuinhas anômalas” do período neobabilônico?

Há apenas duas maneiras possíveis de estender o período neobabilônico para incluir os 20 anos a mais exigidos pela cronologia da Torre de Vigia, e, portanto, também pela chamada “Cronologia de Oslo” de Rolf Furuli: Ou (1) os reis neobabilônicos conhecidos governaram mais tempo do que o indicado por Beroso, no Cânon Real (muitas vezes chamado incorretamente de “Cânon de Ptolomeu”), e pelos documentos cuneiformes neobabilônicos, ou (2) houve outros reis desconhecidos que pertenceram ao período neobabilônico, além dos estabelecidos por essas fontes antigas. Praticamente todos os argumentos expostos pelos apologistas da Torre de Vigia, como Rolf Furuli, pertencem a uma ou ambas estas duas categorias. Após um exame mais atento, porém, os argumentos usados acabam por ser nada mais que debates inúteis sobre palavras.

No capítulo 3 de seu segundo livro sobre cronologia, Furuli discute muitos contratos datados (documentos comerciais, jurídicos e administrativos) do período neobabilônico (626-539 AEC). Como dezenas de milhares dessas tabuinhas datadas deste período de 87 anos foram encontradas, existem centenas de tabuinhas datadas para cada um desses anos. Ainda assim, até agora não se encontraram tabuinhas datadas para qualquer um dos 20 anos que a organização Torre de Vigia acrescentou ao período. Isso gera um problema enorme para a sua cronologia e, portanto, também para a “Cronologia de Oslo” de Furuli. Ainda que um dia fossem encontradas uma ou duas tabuinhas com algum ano estranho, isso não resolveria o problema, porque teriam de ser encontradas milhares de tabuinhas datadas para este período de 20 anos.

Conforme o próprio Furuli admite, “um ou dois achados contraditórios não necessariamente destroem uma cronologia que foi apoiada por centenas de descobertas independentes.” (Furuli, A Cronologia Persa e a Duração do Exílio Babilônico dos Judeus, Oslo, 2003, pág. 22) A única explicação razoável para um par dessas tabuinhas com datas estranhas seria que as datas contêm erros de copistas.

Embora não se tenha encontrado qualquer tabuinha comercial que acrescente algum ano ao período neobabilônico, existem alguns tabuinhas que parecem acrescentar alguns dias, semanas, ou – em dois casos – alguns meses aos reinados neobabilônicos conhecidos. Essas datas estranhas podem fazer surgir uma curta sobreposição entre o último ano de um rei e o ano de ascensão de seu sucessor. Furuli, que afirma ter encontrado “cerca de 90” tabuinhas do período neobabilônico com “datas anômalas” (págs. 65, 86), tenta usar essas curtas sobreposições para argumentar que anos extras devem ser inseridos entre os dois reis. Ele diz, na página 18:

“A conclusão natural a se tirar quando as primeiras tabuinhas da ascensão de um rei são datadas antes das últimas tabuinhas do último ano do antecessor, é que o ano de ascensão do sucessor não é o mesmo ano da morte do antecessor. No caso de Nabucodonosor II e Evil-Merodaque essa conclusão destruiria a cronologia de Ptolomeu, e, dessa forma, os eruditos mencionados acima [R. H. Sack, D. J. Wiseman, S. Zawadzki] não consideraram esta possibilidade mais natural.”

A conclusão de Furuli está longe de ser a explicação “mais natural” para as curtas sobreposições entre os reinados de alguns governantes neobabilônicos. Nem é verdade que os eruditos rejeitaram esta ideia porque isso “destruiria a cronologia de Ptolomeu”, como se a lista de reis popularmente, embora erroneamente, chamada de “Cânon de Ptolomeu” fosse a única ou melhor prova que temos sobre os reinados neobabilônicos. A melhor evidência é fornecida por muitos documentos anteriores, incluindo as tabuinhas cuneiformes, muitas das quais são contemporâneas ao próprio período neobabilônico. A principal razão pela qual os eruditos modernos têm em tão alta consideração a lista de reis mencionada acima (mais corretamente conhecida como “Cânon Real”), usada por Cláudio Ptolomeu e outros astrônomos antigos, é o fato de que ela concorda com a cronologia estabelecida por fontes anteriores, incluindo os documentos cuneiformes contemporâneos aos períodos neobabilônico e persa.

Estas fontes anteriores incluem os períodos de reinados dos reis babilônicos comprovados pela Babyloniaca de Beroso, a lista de reis de Uruque e as inscrições reais neobabilônicas; pela evidência fornecida por documentos cuneiformes prosopográficos contemporâneos, pelas junções de interligação cronológica fornecidas por várias tabuinhas contemporâneas, sincronismos com a cronologia da 26ª dinastia egípcia contemporânea, numerosas datas absolutas neobabilônicas estabelecidas por pelo menos dez tabuinhas cuneiformes astronômicas, e também as informações bíblicas sobre a duração do reinado do rei Nabucodonosor. (2 Reis 24:12; 25:27) É bem compreensível que os eruditos que estão cientes desta enorme carga de evidência não vêem qualquer razão para aceitar a explicação rebuscada que Furuli dá para as breves sobreposições de alguns dias, semanas ou meses entre alguns dos reinados dos governantes neobabilônicos.

Na verdade, a maioria das “datas estranhas” citadas por Furuli não são estranhas de modo algum. Conferências recentes mostraram que a maioria delas contém erros dos escribas ou foram mal interpretadas pelos eruditos modernos, ou ainda se resumem a erros modernos de cópia, transcrição, ou impressão. Furuli acautela contra aceitar datas sem questionar, enfatizando na página 54 que “as datas que estão fora do esquema tradicional devem ser muito claras, para serem aceitas.” Por isso, é necessário que as tabuinhas supostamente “datadas de modo estranho” sejam conferidas novamente. Furuli cita três exemplos de trabalhos eruditos sobre as tabuinhas que se descobriu terem sido mal interpretadas pelos eruditos modernos.

Infelizmente, Furuli não aplicou esta “palavra de cautela” à própria pesquisa dele. Nas tabelas das páginas 56-64, ele apresenta uma série de tabuinhas aparentemente datadas de maneira estranha do período neobabilônico, a maioria das quais se revelou como tendo sido mal interpretada, ou lida de maneira errada. A questão é qual foi o motivo de ele ter usado essas tabuinhas em apoio de sua “Cronologia de Oslo” sem conferi-las. Basear uma revisão radical da cronologia estabelecida de um dos períodos da antiguidade mais bem estabelecidos cronologicamente em leituras e interpretações erradas dos documentos utilizados, sem conferência, não depõe a favor da qualidade da pesquisa realizada.

Vamos primeiro visualizar a cronologia tradicional da dinastia neobabilônica:

ReisPeríodos de ReinadoAnos AEC
Nabopolassar21 anos625-605
Nabucodonosor43 anos604-562
Evil-Merodaque2 anos561-560
Neriglissar4 anos559-556
Labashi-Marduque2 a 3 meses556
Nabonido17 anos555-539

Na consideração a seguir, vamos verificar atentamente cada ascensão de um novo monarca durante o período neobabilônico e as “sobreposições” de reinado que Furuli acredita ter encontrado.

(1) De Kandalanu a Nabopolassar

Antes da conquista de Babilônia por Nabopolassar em 626 AEC a cidade e o país tinham sido controlados pela Assíria na maior parte dos 120 anos anteriores. Após a morte do rei assírio Esar-Hadom, em 669 AEC, o Império Assírio foi governado por dois de seus filhos, Assurbanipal na Assíria e Samas-sum-iuquin em Babilônia. Após a morte de Samas-sum-iuquin em 648 AEC, Babilônia foi governada por um rei assírio fantoche chamado Kandalanu, que morreu em seu 21º ano de reinado, em 627 AEC. Assurbanipal, ao que tudo indica, morreu no mesmo ano.

A morte de Kandalanu foi seguida por um período de desordem geral e guerra entre vários pretendentes ao trono em Babilônia. Um deles foi Nabopolassar, o fundador da dinastia neobabilônica, que conseguiu libertar Babilônia do controle assírio no final de 626. A crônica babilônica BM 25127 fala da transição de Kandalanu para Nabopolassar:

“Durante um ano não havia rei no país. No mês de arasamnu [= mês VIII], dia vinte e seis, Nabopolassar ascendeu ao trono” [= 23 de novembro de 626 no calendário juliano]. (Jean-Jacques Glassner, Crônicas Mesopotâmicas, Atlanta: Sociedade de Literatura Bíblica, 2004, pág. 217 em inglês)

A lista de reis de Uruque, no entanto, dá o ano sem rei a dois contendores assírios, Sin-sum-lisir, um alto oficial assírio, e Sinshar-ishkun, um filho de Assurbanipal. Alguns escribas computaram o mesmo ano por prolongar artificialmente o reinado de Kandalanu por mais um ano depois da morte dele, sendo a última destas tabuinhas (BM 40039) datada no dia 2 do mês VIII, shattu 22kam arki Kandalanu, ou seja, “22 anos depois de Kandalanu.” Esta tabuinha, que é de Babilônia, é datada 24 dias antes da entronização de Nabopolassar naquela cidade, no dia 26 do mês VIII, segundo a crônica. – J. A. Brinkman & D. A. Kennedy, “Evidência Documental para a Base Econômica da Primitiva Sociedade Neobabilônica”, Revista de Estudos Cuneiformes, Vol. 35 (1983), pág. 49.

Apesar das diferentes maneiras de abranger o ano de interregno, o ano em questão é o mesmo em todas essas fontes e corresponde a 626. O 1º ano do reinado de Nabopolassar começou em nisã do ano seguinte, 625 AEC.

Furuli alega que a data de ascensão de Nabopolassar, fornecida pela crônica babilônica, ou seja, o dia 26 do mês VIII, é contrariada por duas tabuinhas econômicas que datam a ascensão dele antes:

“Uma tabuinha é datada no dia 10 do mês IV de seu ano de ascensão, e outra tabuinha, NCBT 557, que provavelmente é do reinado de Nabopolassar, é datada no dia ? no mês II de seu ano de ascensão.” (Furuli, pág. 55)

Na nota 62 da mesma página, Furuli enfatiza que os sinais do nome real na segunda tabuinha estão danificados e “poderiam se referir a Nabu-apla-idina  do nono século. Todavia, nenhum outro texto comercial é tão antigo, por isso Beaulieu acredita que o rei é Nabu-apla-usur. Isso é aceito aqui.” Isso geraria uma sobreposição de cerca de seis meses entre a primeira tabuinha datada de Nabopolassar e a última tabuinha datada para arki (“depois de”) Kandalanu:

Meses12345678
arki Kandalanu Última data: 22/02/VIII
Ano de Ascensão de Nabopolassar Primeira data: ?/II/asc. Entronizado: 26/VIII/Ano de ascensão.

Este é o primeiro exemplo onde Furuli aplica sua tese de que uma sobreposição de algumas semanas ou meses entre um rei e seu sucessor significa que um ou mais anos devem ser acrescentados entre os dois reis. Ele diz:

“Se tomarmos o texto da crônica que menciona um ano sem rei pelo seu valor nominal, não há um, e sim dois anos lunissolares entre Nabopolassar e o rei que o antecedeu.” (Furuli, pág. 56)

Com relação a se ler o nome real em NCBT 557 como Nabopolassar em vez de Nabu-apla-idina (887-855 AEC), Furuli entendeu mal o que Beaulieu disse. Ele não disse que “nenhum outro texto comercial é tão antigo.” O fato é que foram encontrados vários textos comerciais desde o reinado de Nabu-apla-idina. Em seu site (atualmente indisponível) Janos Everling alistou 17 textos datados no reinado de Nabu-apla-idina  que haviam sido publicados até 2000. Dos textos em que a proveniência está preservada, todos, exceto um, são de Babilônia. A exceção, OECT 1, pl.20f: W.-B. 10, parece ser de Uruque. O que Beaulieu disse foi que nenhuma outra tabuinha de Uruque foi encontrada a partir do reinado dele. (Paul-Alain Beaulieu, “O quarto ano das hostilidades na terra”, Baghdader Mitteilungen, Vol. 28, 1997, pág. 369.) O texto datado no dia 10 do mês IV do ano de ascensão de Nabopolassar, PTS 2208, é de Uruque, assim como o NBCT 557, do 2º mês.

Se ambas as tabuinhas realmente pertencem a Nabopolassar, não há qualquer contradição entre as suas datas e a declaração na crônica babilônica BM 25127 de que Nabopolassar foi oficialmente instalado no trono em Babilônia alguns meses depois. Conforme Beaulieu aponta no mesmo artigo, “Uruque pode ter sido originalmente a base do poder de Nabopolassar, e talvez até sua cidade natal.” Isso já havia sido defendido também pelo assiriologista W. G. Lambert. (Beaulieu, pág. 391 + nota 56) Se a rebelião de Nabopolassar começou em Uruque, é razoável concluir que ele foi reconhecido como rei naquela cidade, antes de ser instalado no trono de Babilônia, após capturá-la. Esta é uma explicação muito mais natural da “sobreposição” do que a teoria de Furuli de que a explicação “mais natural” para as sobreposições é que “anos a mais” devem ser acrescentados, uma explicação que entra em conflito com outras fontes do período e, portanto, deve ser rejeitada.

Dois anos sem rei, em vez de um ano antes de Nabopolassar não acrescentaria, é claro, qualquer ano a mais ao período neobabilônico, já que este período começou com Nabopolassar. A “Cronologia de Oslo” de Furuli exige que 20 anos sejam acrescentados depois do reinado de Nabucodonosor, porque nesta cronologia a desolação de Jerusalém no 18º ano dele é recuada de 587 para 607 AEC. O resultado disso é que o reinado de 21 anos do pai dele, Nabopolassar, é recuado de 625-605 AEC para 645-625 AEC. E isso, por sua vez, também recua o início do reinado de Kandalanu em 20 anos, de 647 para 667 AEC.

Esse prolongamento da cronologia, porém, é impedido pela astronomia. Existem várias tabuinhas cuneiformes que contêm registros de observações astronômicas datadas em anos de reinado específicos dentro do período neobabilônico e antes disso. Uma dessas tabuinhas que consiste de duas partes quebradas, BM 76738 e BM 76813, registra observações consecutivas das posições do planeta Saturno em seus primeiros e últimos aparecimentos nos primeiros 14 anos do reinado de Kandalanu (647-634 AEC). O assiriologista C. B. F. Walker, que examinou e traduziu esta tabuinha, assinala que os ciclos idênticos de observações datadas de Saturno nas mesmas datas dentro do calendário lunar da Babilônia “se repetem em intervalos de pouco mais de 17 séculos.” (C. B. F. Walker, “As Observações Babilônicas de Saturno durante o Reinado de Kandalanu”, em N. M. Swerdlow [ed.], Astronomia, Antiga e Divinação Celestial, Cambridge, Massachusetts, e Londres: Editora do MIT, 2000, págs. 61-76) Em outras palavras, o reinado de Kandalanu é tão firmemente estabelecido por esta tabuinha que não pode ser adiantado ou recuado um único ano, muito menos 20.

Para neutralizar esta evidência, Furuli argumenta que Nabopolassar não era outro senão o próprio Kandalanu! Segundo esta teoria, a tabuinha de Saturno recua o reinado de Nabopolassar cerca de 20 anos e o identifica com o reinado de Kandalanu! (Furuli, págs. 128, 129, 329-343) Esta teoria foi discutida e completamente refutada na Parte II desta resenha crítica.

(2) De Nabopolassar a Nabucodonosor

Segundo a crônica babilônica BM 21946 (= Crônica 5 em A. K. Grayson, Crônicas Assírias e Babilônicas, 1975, págs. 99-102; doravante referida como “Grayson, ABC”) a transição de Nabopolassar para seu filho e sucessor Nabucodonosor foi suave e sem problemas. Furuli começa fazendo uma referência a esta crônica:

“Segundo a Crônica Babilônia 5, 9-11, Nabopolassar morreu no dia 8 do mês IV de seu 21º ano, e Nabucodonosor II ascendeu ao trono no dia 1º do mês VI do mesmo ano.” (Furuli, pág. 57)

Mas Furuli imediatamente passa a mencionar uma tabuinha que aparentemente gera um problema:

“No entanto, pode haver alguns problemas com esta sucessão também. Por exemplo, há uma tabuinha datada após a morte de Nabopolassar, no dia 20 do mês V de seu 21º ano (PTS 2761).” (Furuli, pág. 57)

Se Nabopolassar morreu “no dia 8 do mês IV de seu 21º ano”, como poderia uma tabuinha ainda ser datada no reinado dele 42 dias (um mês e 12 dias) depois”, no dia 20 do mês V”?

Infelizmente Furuli, sem dúvida acidentalmente, citou erroneamente a Crônica Babilônica. Ela não diz que Nabopolassar morreu “no mês IV”, e sim no mês V:

“Durante 21 anos Nabopolassar governou Babilônia. No dia oito do mês de ab [= mês V] ele morreu. No mês de elul [= mês VI] Nabucodonosor (II) retornou a Babilônia e no primeiro dia do mês de elul, ele ascendeu ao trono em Babilônia.” (Grayson, ABC, págs. 99, 100)

De modo que a tabuinha PTS 2761 não é datada 42, e sim apenas 12 dias depois da morte de Nabopolassar. É isso realmente uma “sobreposição” com o reinado de Nabucodonosor?

Quando seu pai morreu, Nabucodonosor estava ocupado numa campanha militar na Síria (e, provavelmente, Palestina). Quando ele foi informado sobre a morte de seu pai, Nabucodonosor se apressou a voltar para Babilônia tão rápido quanto pôde (atravessando o deserto com alguns companheiros, segundo Beroso). Ele foi entronizado, diz a Crônica, em 1º de elul, ou seja, 22 dias depois da morte de seu pai. Como a tabuinha PTS 2761 é datada 10 dias antes da coroação de Nabucodonosor, ela não prova que há alguma sobreposição entre os dois reis. Era natural que os escribas continuassem datando seus documentos para Nabopolassar até seu sucessor chegar e se instalar no trono.

Por fim, Furuli faz referência a outras quatro tabuinhas que fornecem datas tanto no reinado de Nabopolassar como no reinado de Nabucodonosor:

“Alguns tabuinhas também mencionam tanto Nabopolassar como Nabucodonosor: A BM 92742 menciona o mês II, ano 21 de Nabopolassar, e o mês VII, ano de ascensão de Nabucodonosor; A BM 51072 menciona o ano 21 de Nabopolassar, e o ano quatro de Nabucodonosor; a RSM 1.889,103 menciona o ano 21 de Nabopolassar, e os anos 1 a 4 de Nabucodonosor; a BE 7447 menciona o dia 24, do mês XII, do ano de ascensão de Nabucodonosor, e o ano 19 de Nabopolassar” (Furuli, pág. 57).

É estranho Furuli fazer referência a estas tabuinhas, já que nenhuma delas indica que houve uma sobreposição entre os dois reis. Furuli admite que, “Os dados sugerem que Nabucodonosor começou a reinar no mesmo ano em que o pai dele morreu”, mas ele continua a afirmar que “os dados acima podem também sugerir que houve algum tipo de co-regência, ou que houve um ano entre eles.”

É claro que Furuli não conferiu qualquer uma dessas quatro tabuinhas, o que ele também admite indiretamente, afirmando na nota 68 da mesma página (pág. 57) que todas as tabuinhas são mencionadas no catálogo de D. A. Kennedy, publicado na Revista de Estudos Cuneiformes, Vol. 38/2, 1986, págs. 211, 215. Apenas uma das datas em cada tabuinha refere-se à data da tabuinha. As outras datas se referem a eventos tratados no texto. A última das quatro tabuinhas (BE 7447), por exemplo, trata da compra de uma casa em Babilônia. A tabuinha é datada no dia 24 do mês XII, do ano de ascensão de Nabucodonosor, mas termina com a informação de que o pagamento para a casa tinha sido recebido cerca de dois anos antes, no dia 24 do mês VIII do 19º ano de Nabopolassar. (Eckhard Unger, Babilônia, Berlin und Leipzig: Walter de Gruyter & Co., 1931, págs. 308, 309) Nada disso sugere “um tipo de co-regência” ou um ano a mais entre estes reis.

Como os dados apresentados por Furuli não sugerem nada disso, a afirmação dele não é nada além de um desejo pessoal de que as coisas sejam assim, que é contrariado por todas as evidências que temos sobre a transição do reinado de Nabopolassar para o de Nabucodonosor.

(3) De Nabucodonosor a Evil-Merodaque (Amel-Marduque)

(A) O “livro-razão” NBC 4897:

Furuli aborda a transferência do reinado de Nabucodonosor para seu filho Evil-Merodaque nas páginas 57-59 de seu livro. Ele começa comentando sobre a tabuinha cuneiforme NBC 4897, um “livro-razão”, que abrange 10 anos sucessivos, do 37º ano de Nabucodonosor ao 1º ano de Neriglissar. O “livro-razão”, que é considerado brevemente nas páginas 153-156 do meu livro, Os Tempos dos Gentios Reconsiderados (4ª edição, 2004; doravante referido como TGR4), estende uma ponte cronológica entre os reinados de Nabucodonosor, Evil-Merodaque e Neriglissar. Naturalmente, Furuli não pode aceitar o testemunho claro desse “livro-razão”:

“Até onde sei, há apenas uma tabuinha cuneiforme, NBC 4897, cujo conteúdo pode ser usado para argumentar que Evil-Merodaque sucedeu Nabucodonosor II em seu 43º ano, que Evil-Merodaque reinou por dois anos, e que Neriglissar o sucedeu em seu segundo ano. No entanto, um exame minucioso dessa tabuinha mostra que ela tem pouco valor como testemunha cronológica.” (Furuli, pág. 57)

Estas declarações contêm dois erros. Em primeiro lugar, no que se refere à transição de Nabucodonosor para Evil-Merodaque, eu não apresentei apenas uma, e sim quatro tabuinhas cuneiformes diferentes, as quais mostram que Evil-Merodaque sucedeu Nabucodonosor em seu 43º ano de reinado. (TGR4, págs. 152-156) Furuli preferiu ignorar todas, exceto uma das quatro tabuinhas. Em segundo lugar, a afirmação dele de que a NBC 4897 “tem pouco valor como testemunha cronológica” é falsa. As poucas afirmações críticas dele na página seguinte (58) são seguidas por uma referência ao “Apêndice A para uma análise detalhada do conteúdo da NBC 4897.” Este Apêndice, com sua análise tendenciosa e conclusões sem base é examinado criticamente em outra parte desta resenha crítica.

(B) Métodos de datação bíblicos versus babilônicos:

Em seguida, Furuli tenta encontrar apoio na Bíblia para sua ideia de que Nabucodonosor reinou mais de 43 anos. Ele faz referência à primeira captura de Jerusalém por Nabucodonosor, que a Crônica Babilônica BM 21946 data em seu “sétimo ano”. A crônica diz que neste ano o rei de Babilônia “sitiou a cidade de Judá, e no segundo dia do mês de adar ele capturou a cidade (e) prendeu (seu) rei”, isto é, o rei Joaquim, o penúltimo rei de Judá. – Grayson, ABC, pág. 102.

Como o mês de adar era o 12º e último mês do ano de reinado babilônico, Joaquim foi feito prisioneiro quase um mês inteiro antes do fim do sétimo ano de reinado de Nabucodonosor.

A Bíblia dá uma descrição semelhante desses mesmos eventos em 2 Reis 24:10-12:

“Naquela ocasião os oficiais de Nabucodonosor, rei da Babilônia, avançaram até Jerusalém e a cercaram. Enquanto seus oficiais a cercavam o próprio Nabucodonosor veio à cidade. Então Joaquim, rei de Judá, sua mãe, seus conselheiros, seus nobres e seus oficiais se entregaram; todos se renderam a ele. No oitavo ano do reinado do rei da Babilônia, ele levou Joaquim como prisioneiro.” (Nova Versão Internacional)

Ambos os registros enfatizam que o rei judeu foi “aprisionado” ou “levado” como prisioneiro, mas só a crônica babilônica fornece o mês e o dia do evento, mostrando que isso aconteceu quase um mês antes do fim do sétimo ano de Nabucodonosor. A diferença mais notável, porém, é que segundo o livro bíblico de 2 Reis, isso aconteceu, não no sétimo, mas no oitavo ano de Nabucodonosor. A melhor explicação para essa diferença de um ano é, como muitos eruditos têm argumentado, que Judá não aplicava o sistema de ano de ascensão, mas contava o ano da ascensão como primeiro ano de reinado. http://home.swbell.net/rcyoung8/jerusalem.pdf (TGR4, págs. 368-375; veja também a consideração detalhada e convincente feita pelo Dr. Rodger Young: http://home.swbell.net/rcyoung8/jerusalem.pdf)

Furuli não dá qualquer explicação para essa diferença de um ano entre a maneira bíblica e a babilônica de contagem de anos de reinado, mas opta por ignorar a data da Crônica Babilônica. Isto permite que ele aumente o reinado de Nabucodonosor de 43 para 44 anos. Ele diz:

“Jeremias 52:28-31 menciona que Joaquim foi liberto da prisão no 37º ano de seu exílio, no ano em que Evil-Merodaque se tornou rei. A palavra galut significa ‘exílio’, e o momento mais provável do início do período de 37 anos deve ter sido quando Joaquim chegou a Babilônia e seu exílio começou ou, menos provavelmente, quando ele foi capturado. Ambos os eventos ocorreram no 8º ano de Nabucodonosor, e 37 anos a partir disso terminaria no 44º ano do reinado de Nabucodonosor, e não no 43º ano, quando se supõe que ele morreu.” (Furuli, pág. 58. ênfase acrescentada. Na nota 70, na mesma página, Furuli cita com aprovação o cálculo de J. Morgenstern do 37º ano, mas ele ignora o fato de que Morgenstern afirmou que os anos de reinado judaicos eram contados a partir de tisri, não de nisã.)

Todavia, a discrepância de um ano entre a maneira bíblica e babilônica de contar anos de reinado não pode ser ignorada. Como tem sido apontado muitas vezes, a mesma discrepância é também encontrada em outros lugares na Bíblia. Outro exemplo é a batalha de Carquemis, quando o Faraó Neco do Egito foi decisivamente derrotado por Nabucodonosor “no quarto ano do rei Jeoiaquim.” (Jeremias 46:2) Este “quarto ano do rei Jeoiaquim” é igualado ao “primeiro ano do rei Nabucodonosor” em Jeremias 25:1.

A mesma crônica babilônica citada acima (BM 21946) também registra essa batalha decisiva em Carquemis. Mas lá ela é datada, não no primeiro ano de Nabucodonosor, e sim no 21º e último ano do pai dele, Nabopolassar. Naquele tempo ainda se dizia que Nabucodonosor era “seu filho mais velho (e) príncipe herdeiro.” Mais tarde no mesmo ano, Nabopolassar morreu, e Nabucodonosor o sucedeu, no que a partir de então foi chamado de seu “ano de ascensão”, e não seu primeiro ano, como faz Jeremias. – Grayson, ABC, págs. 99, 100.

Portanto, quando a Bíblia data a batalha de Carquemis no primeiro ano de Nabucodonosor, isso tem de ser entendido como seu ano de ascensão no sistema de datação babilônico. E quando a Bíblia diz que Joaquim foi feito prisioneiro e levado para o exílio, no oitavo ano de Nabucodonosor, isto tem de ser entendido como seu sétimo ano no sistema ascensional de Babilônia. Como o exílio de Joaquim começou no 7º ano de Nabucodonosor, o 37º ano de exílio abrangeu parcialmente o 43º ano do reinado de Nabucodonosor e o ano de ascensão de Evil-Merodaque. Quando a diferença entre os métodos bíblico e babilônico de contagem de anos de reinado é levada em consideração, percebe-se que a Bíblia e os documentos extra-bíblicos estão de pleno acordo. Só ignorando essa diferença é que Furuli consegue aumentar o reinado de Nabucodonosor de 43 para 44 anos. (Para uma consideração mais detalhada sobre esta diferença, veja TGR4, págs. 368-375).

(C) Nove supostas “tabuinhas anômalas” do ano de ascensão de Evil-Merodaque

Em uma tabela na página 59 (“Tabela 3.3”) Furuli enumera nove tabuinhas do ano de ascensão de Evil-Merodaque, que ele alega terem sido datadas antes das últimas tabuinhas datadas no reinado do pai dele, Nabucodonosor. Ele conclui:

”Estas nove tabuinhas representam uma forte evidência em favor de uma expansão dos anos do Império Neobabilônico.” (Furuli, pág. 59)

A tabela começa com cinco tabuinhas datadas no mês IV e quatro tabuinhas datadas no mês V do ano de ascensão de Evil-Merodaque, seguidas por três tabuinhas datadas nos meses VI, VIII e X do 43º ano do reinado de Nabucodonosor. Se todas essas 12 datas fossem reais, elas indicariam uma sobreposição de seis meses entre os reinados de Nabucodonosor e Evil-Merodaque.

Porém, a tabela de Furuli é totalmente enganosa. A principal razão para isso é que Furuli não tomou o cuidado de conferir as datas nas tabuinhas originais, nem pediu a profissionais especializados em escrita cuneiforme para fazer isso por ele. Se ele tivesse feito isso, teria descoberto que a maior parte das datas que ele publicou está errada.

As primeiras cinco tabuinhas na tabela dele, datadas no mês IV do ano de ascensão de Evil-Merodaque, são:

Dia/mês/anoTabuinha nº.
?/IV/asc.BM 66846
?/IV (ouVI)/asc.BM 65270
5/IV/asc.BM 65270
20/IV/asc.BM 80920
29/IV/asc.UCBC 378

Todas as tabuinhas, exceto a última, estão alistadas nos catálogos CBT do Museu Britânico, Vols. VI-VIII, 1986-1988. (CBT = Catálogo de Tabuinhas Babilônicas no Museu Britânico). As datas nas tabuinhas do MB foram conferidas novamente lá em 1990, com os seguintes resultados:

BM 66846:

Quando C. B. F. Walker do Museu Britânico conferiu a data nesta tabuinha, lá em 1990, ele descobriu que o número do dia é “1”, mas que o nome do mês está danificado e ilegível. A tabuinha, portanto, não apóia a data fornecida na tabela de Furuli, ?/IV/ Asc. (C. B. F. Walker, “Correções e Acréscimos a CBT 6-8”, 1996, pág. 6)

BM 65270 (alistada duas vezes):

Estranhamente, Furuli alista essa tabuinha, duas vezes, com três datas diferentes! Esta confusão deve-se provavelmente ao fato de que o mês está danificado e difícil de ler. Depois de repetidas conferências, Walker afirmou que “talvez seja mais provável que o mês é 7 em vez de 4.” (Carta Walker-Jonsson, 13 de novembro de 1990; veja TGR4, pág. 379, nota 28; veja também Walker em “Correções…”, 1996, pág. 5: “o mês está danificado, possivelmente mês 7, não mês 6, conforme sugerido anteriormente.”) Na pág. 1 de sua lista de “correções” de 1996, Walker dá o seguinte aviso:

”Note que em textos neobabilônicos sempre há a possibilidade de confusão (devido à imprecisão na leitura ou escrita) entre os meses IV, VII e XI, entre os meses V e X, e entre os meses IX e XII. Os manuais que sugerem que estes nomes dos meses são claramente distinguíveis na escrita cuneiforme não alertam sobre a possível margem de erro que provenha de escrita desleixada, deficiente ou cursiva. As leituras que são cruciais para a cronologia deveriam ser conferidas vez após vez, de preferência por diferentes assiriólogos experientes no trabalho com textos neobabilônicos.”

Outro assiriologista, Stefan Zawadzki, também conferiu a tabuinha BM 65270. Ele rejeita mês 4 (IV) e traduz a data na tabuinha como “o quinto [dia] do mês de ululu/tasritu (?) [mês 6 ou 7] do ano de ascensão de Amel-Marduque, rei de Babilônia.” (Stefan Zawadzki, “Dois Documentos Neobabilônicos de 562 AC,” Zeitschrift für Assyriologie, Band 86, 1996, pág. 218)

BM 80920:

A data 29/IV/asc. é a lida por R. H. Sack em seu trabalho sobre Evil-Merodaque (Amel-Marduque 562-560 AC [= AOATS 4], 1972, texto nº. 56). O catálogo CBT VIII, pág. 245, no entanto, apresenta mês VII, e na conferência Walker descobriu que esta última é a correta. O mês é 7, não 4, assim a data é 20/VII/asc. “AOAT 4 nº. 56 deve ser corrigido”, diz ele. (Walker, “Correções …”, 1996, pág. 8, ver também TGR4, pág. 379, nota 28).

UCBC 378:

A quarta tabuinha na tabela de Furuli, a UCBC 378, datada como “29.IV.00” na cópia de Henry Frederick Lutz, foi publicada em 1931. (H. F. Lutz, Textos Cuneiformes Selecionados, Berkeley: Editora da Universidade da Califórnia, 1931, págs. 53 + 94, 95) O número completo do texto publicado é “UCP 9-1-2, 29.” O número atual no museu é HMA 9-02507 (HMA = sigla em inglês para Museu de Antropologia Hearst). O número usado por Furuli “UCBC 378”, foi um número provisório usado por Lutz, que guardava as tabuinhas em seu escritório e usava o seu próprio sistema numérico antes de as tabuinhas que ele traduziu serem oficialmente admitidas no museu.

Uma transliteração com uma tradução de R. H. Sack foi publicada em 1972, como texto nº. 70, no trabalho de Sack sobre Evil-Merodaque (op. cit., pág. 99-100). R. H. Sack parece não ter verificado a tabuinha original, e sim baseado sua tradução na cópia de H. Lutz. Sack também dá a mesma data de Lutz, “mês de duzu [mês 4], dia vinte e nove, ano de ascensão de Amel-Marduque, rei de Babilônia.”

Para ter a tabuinha original conferida novamente, um correspondente meu enviou um email a Niek Veldhuis, Professor Associado de Assiriologia no Departamento de Estudos Sobre o Oriente Próximo, Universidade da Califórnia, Berkeley, e perguntou se a data poderia ter sido lida errado por Lutz. Em um e-mail de 3 de outubro de 2007, Veldhuis disse:

“Verifiquei a peça ontem e você pode muito bem estar certo. Os dois nomes de mês (4 e 7) são bem semelhantes em escrita cuneiforme, um escrito SHU, e o outro DU6. A tabuinha está desgastada e o sinal não é muito claro. Eu tenho pouca experiência neste período – então vou ter de olhar para ela novamente, mas eu certamente não excluo a leitura DU6 (isto é, mês 7)”.

Assim, a data nesta tabuinha, também está danificada, e o mês pode muito bem ser 7, não 4. De modo que a alegação de que a data é anômala não pode ser provada.

Em conclusão, não se pode demonstrar que alguma dessas tabuinhas foi datada já no mês IV do ano de ascensão de Evil-Merodaque. A primeira tabuinha do reinado dele com uma data clara ainda é a BM 75322, datada no dia 20 do mês V de seu ano de ascensão, conforme é também mostrado no livro TGR4, págs. 378, 379.

E quanto às três tabuinhas datadas no reinado de Nabucodonosor, após a ascensão de Evil-Merodaque no mês V? Segundo a tabela de Furuli, estas três tabuinhas são datadas nos meses VI, VIII e X do 43º ano de Nabucodonosor:

 Dia / mês / ano:Tabuinha nº:
 26/VI/43Contenau XII.58
 ? /VIII/43Krückmann 238
 ? /X/43BM 55806

Vou começar pela última das três tabuinhas.

BM 55806:

Lá em 1987 eu escrevi ao Professor D. J. Wiseman em Londres e pedi-lhe para conferir cerca de 20 tabuinhas datadas de modo estranho que eu tinha encontrado alistadas no então recém-publicado catálogo CBT VI do Museu Britânico (1987). Wiseman verificou todas as 20 tabuinhas e me enviou suas observações em uma carta de 7 de outubro de 1987. A maior parte das datas nada mais era que erros modernos de impressão ou leitura. Com relação à data da 55806, ?/X/43, Wiseman disse que, “A leitura parece ser ab (é este um erro para shu?)”.

Ab é o mês V, e shu (SHU = duzu) é o mês IV.

A tabuinha foi também conferida em 1990 por C. B. F. Walker, que faz os seguintes comentários em sua lista de “Correções…”, pág. 3:

“O mês parece estar escrito ITU.AD; o número referente ao ano é altamente incerto, e parcialmente apagado. Pinches, CT 55, 138, copiou ITU.AB = mês 10. Se o ano é realmente 43, então o mês deve ser entendido como AD = abu”.

Conforme é demonstrado pelos comentários de Walker, a data está severamente danificada. Não só o dia e o mês, mas também o ano é altamente incerto. (Isso é realmente admitido pelo próprio Furuli na página 18!) A CT 55, mencionada por Walker, refere-se ao volume 55 de uma série de publicações do Museu Britânico, Textos Cuneiformes de Tabuinhas Babilônicas no Museu Britânico, Vols. 55, 56 e 57, que contêm textos econômicos copiados por T. G. Pinches entre os anos 1892-1894, publicados 90 anos depois pela British Museum Publications Ltda., em 1982. Conforme foi mostrado acima, conferências da tabuinha original por especialistas modernos mostram que Pinches evidentemente descaracterizou o nome do mês, o qual provavelmente é V, em vez de X. Não se pode demonstrar que a tabuinha foi datada após a ascensão de Evil-Merodaque.

Krückmann 238:

“Krückmann” refere-se a Neubabylonishe Rechts-und Verwaltungstexte, de Oluf Krückmann, publicado em Leipzig em 1933. É também referido como TuM 2/3, assim como Vol. 2/3 na série Texte und Materialien der Frau Professor Hilprecht Collection of Babylonian Antiquities im Eigentum der Universität Jena. O Vol. 2/3 contém cópias de 289 tabuinhas cuneiformes, muitas das quais são fragmentárias. As tabuinhas são descritas brevemente em uma tabela cronológica, e quando as datas, ou pelo menos parte delas, são legíveis, elas são fornecidas em três colunas separadas (dando mês, dia e ano, respectivamente). A nº. 238 está alistada na página 16 como uma das tabuinhas datadas para Nabucodonosor. A data está evidentemente muito fragmentária, pois Krückmann colocou tanto o mês como o ano entre parêntesis, enquanto que o número do dia é apresentado como ilegível:

Monat Tag Jahr

(IX) – (42)

Como se pode ver, o número do ano sugerido é “42”, não “43”.

Então, por que Furuli data a tabuinha em ?/VIII/43? A razão, obviamente, é que Furuli nunca consultou o trabalho de Krückmann. Como demonstrei em meu comentário sobre o primeiro livro de Furuli sobre cronologia antiga, a maioria das datas apresentadas nas tabelas dele foram simplesmente emprestadas de listas publicadas pelo assiriologista húngaro Janos Everling. As listas de Everling (atualmente elas não estão disponíveis na internet) se basearam em obras que haviam sido publicadas por todo o período desde a última parte do século 19 até por volta de 2000. As listas contêm mais de 7.000 tabuinhas só do período neobabilônico. Na introdução à lista dele, Everling alerta explicitamente que as datas nas listas não foram conferidas nem comparadas com as tabuinhas originais. O resultado é que as listas de Everling contêm inúmeros erros. Em minha análise do livro de Furuli, mostrou-se que ele usou extensivamente dados das listas de Everling sem conferir, resultando em os erros nas listas de Everling se repetirem nas tabelas de Furuli.

Isso é também verdade no caso da referência que Everling faz a Krückmann 238, a quem ele cita erroneamente como segue:

“TuM 2/3, 238. (Nbk. 43.08.0, <N.>)”

Furuli parece ter simplesmente tomado a data das listas de Everling, sem conferir e sem verificar o trabalho de Krückmann. Se ele não tivesse feito nada disso, teria descoberto que Everling tinha citado errado Krückmann 238.

Contenau XII.58:

A data desta tabuinha, 26/VI/43, está correta e é a última tabuinha datada do reinado de Nabucodonosor. Como a tabuinha mais antiga conhecida do ano de ascensão de Evil-Merodaque é datada em 20/V/asc. (BM 75322), a sobreposição entre os dois governantes é reduzida de seis meses, segundo as tabelas de Furuli, para um mês e seis dias, conforme se mostra também no livro TGR4, páginas 378-380. Conforme argumentei lá, a razão para esta breve sobreposição é que provavelmente Nabucodonosor morreu antes, mas a ascensão de Evil-Merodaque não foi logo  aceita em geral devido ao caráter perverso dele. Alguns escribas, portanto, continuaram a datar as tabuinhas para o reinado de Nabucodonosor durante algumas semanas. Esta é uma explicação muito mais natural para a “sobreposição” do que a ideia de que “anos adicionais” tem de ser acrescentados entre os dois reinos – uma ideia que entra em conflito com todas as outras fontes relevantes deste período.

(4) De Evil-Merodaque a Neriglissar

“90 tabuinhas anômalas”?

Conforme já mencionado, Rolf Furuli afirmou repetidamente, tanto neste livro (págs. 65, 86) como em outros lugares, que existem cerca de 90 “tabuinhas anômalas” que contradizem a cronologia neobabilônica tradicional e, portanto, requerem um alongamento desta cronologia. Na página 86 ele afirma que essas 90 tabuinhas são “mencionadas no capítulo 3”. Cerca de uma dúzia dessas tabuinhas que ele alega serem anômalas já foram discutidas acima, nove das quais foram apresentadas na Tabela 3.3 de Furuli, na página 59. Conferências recentes feitas por eruditos competentes mostraram que a maioria delas não tinha quaisquer “datas anômalas”.

A tabela mais longa com essas supostas “datas anômalas”, porém, é a Tabela 3.4, nas páginas 60-62. Ela começa nas primeiras duas colunas com 17 tabuinhas, datadas continuamente em cada um dos meses II, III, IV e V do 2º e último ano de Evil-Merodaque, sendo a última das tabuinhas datada em 17/V/02 (dia 17, mês 5, ano 2). Estas datas são então seguidas nas próximas duas colunas por 37 tabuinhas, datadas seqüencialmente em cada um dos meses V, VI, VII, VIII e IX do ano de ascensão de Neriglissar, sendo a primeira tabuinha datada em 21/V/asc., ou apenas quatro dias depois da última tabuinha do reinado de Evil-Merodaque. Isto indica fortemente que a transição de Evil-Merodaque para Neriglissar ocorreu na última parte do mês V do 2º ano Evil-Merodaque.

Todavia, Furuli alista também outras nove tabuinhas que parecem não se encaixar nesse padrão. As duas primeiras são datadas no primeiro e início do segundo mês do ano de ascensão de Neriglissar, ou seja, antes das 17 tabuinhas datadas nos meses II-V do 2º e último ano de Evil-Merodaque, aparentemente criando uma sobreposição de cerca de quatro meses entre os dois reinados. O normal seria encarar as duas datas iniciais como anômalas. Mas Furuli evidentemente pressupõe que essas duas datas são corretas e considera as 17 tabuinhas seguintes como anômalas!

Além disso, Furuli alista três tabuinhas datadas nos meses X, XI e XII do 2º ano de Evil-Merodaque, ou seja, após as 37 tabuinhas datadas nos meses V-IX de Neriglissar. Isso aumentaria a sobreposição entre os dois reinados para mais de 10 meses, da ascensão de Neriglissar no mês I até a última tabuinha de Evil-Merodaque, datada no início do mês XII. Em vez de considerar as três tabuinhas como anômalas, Furuli considera as 37 tabuinhas anteriores do ano de ascensão de Neriglissar como anômalas!

Por fim, Furuli alista em sua tabela quatro outras tabuinhas que também parecem apoiar uma sobreposição entre os dois reinados. Duas delas são colocadas no início do mês V do reinado de Neriglissar e as outras duas no mês VII do reinado de Evil-Merodaque. Segundo a maneira de contar de Furuli, as duas últimas tabuinhas aumentariam o número de tabuinhas anômalas dos meses finais do último ano do reinado de Evil-Merodaque de 17 para 19. Sobre o número de tabuinhas anômalas do ano de ascensão de Neriglissar, Furuli afirma que existem “pelo menos 41 tabuinhas datadas no ano de ascensão da Neriglissar antes da última tabuinha datada para Evil-Merodaque.” (Furuli, pág. 60) Se estas 41 tabuinhas e também as 19 tabuinhas anteriores forem todas contadas como anômalas, obteríamos 60 “tabuinhas anômalas” durante a sobreposição entre Evil-Merodaque e Neriglissar!

Assim, das nove tabuinhas com datas aparentemente estranhas, Furuli consegue criar 60 tabuinhas com “datas anômalas”!

Vamos verificar atentamente as nove tabuinhas que realmente parecem ser datadas de modo estranho. São elas:

Neriglissar:

Dia/mês/ano:Nº tabuinha:
(1)26/I/asc.AOAT 236, 97
(2)4/II/asc.BM 75489
(3)?/V/asc.BM 60150
(4)6/V/asc.BM 30419

Evil-Merodaque:

Dia/mês/ano:Nº tabuinha:
(5)VII/08/02BM 58580
(6)VII/08/02BM 75106
(7)X/17/02BM 61325
(8)XI/15/02?
(9)XII/02/03BM 58580

Não parece que o próprio Furuli tenha conferido qualquer uma destas tabuinhas ou tenha pedido a especialistas com experiência em escrita cuneiforme para conferi-las. Se ele tivesse feito isso, teria descoberto que a maioria das “datas estranhas” desaparece.

Tabuinha nº 1 é publicada como nº 97 em um trabalho de Ronald H. Sack em sua obra, Neriglissar – Rei de Babilônia (Neukirchen-Vluyn, 1994). Este é o Band 236 na série Alter Orient und Altes Testament, o que explica a referência à tabuinha como AOAT 236, 97. O número no Museu Britânico é BM 60231. A transliteração e tradução da tabuinha por Sack, na página 235, revelam que o sinal referente ao mês está danificado. Por isso, Sack acrescenta um ponto de interrogação após o nome do mês e coloca-o entre semi colchetes: ⌐Nisanu(?)¬. Embora numa tabela nas páginas 59-61 Sack forneça o ano, o mês e o dia da tabuinha como asc/I/26, ele deixa de fora o mês em seu “Catálogo e Descrição de Textos Datáveis” nas páginas 49-54, dando o ano / mês / dia como “asc… 25”. (Sack, pág. 54)

Para saber quão danificado está o nome do mês na tabuinha, enviei um e-mail ao Dr. Jon Taylor, curador do Departamento do Oriente Médio no Museu Britânico, e pedi-lhe para conferir a data. Num e-mail recebido em 24 de junho de 2008, ele explicou:

“Verifiquei a tabuinha, e também a mostrei a várias pessoas com mais experiência do que eu em textos neobabilônicos. O sinal em questão não está só danificado, mas também justo no canto da tabuinha, e assim provavelmente distorcido. Quanto mais você olha para ele, mais sinais diferentes poderiam ser. Nenhum de nós foi capaz de decidir com certeza o que ele realmente é. Se gostaria de ver por si mesmo, eu posso lhe enviar uma foto.”

Obviamente, não se pode afirmar que a data nesta tabuinha seja realmente anômala.

Tabuinha nº 2, BM 75489, é publicada como nº 91 na obra de Sack sobre Neriglissar. A tabuinha é claramente datada no mês II, dia 4, do ano de ascensão de Neriglissar. Isto foi confirmado por C. B. F. Walker, que conferiu a tabuinha várias vezes, uma delas junto com dois outros assiriólogos, o Dr. G. van Driel e o Sr. Bongenaar, em 9 de novembro de 1990. (Walker, “Correções”, 1996, pág 7, veja também TGR4, pág 381, nota 33) A data desta tabuinha, então, é claramente anômala. Naturalmente, se ela está correta ou é um erro de escriba, é outra questão.

Tabuinha nº 3, BM 60150, é datada no mês V, mas o número do dia está danificado e ilegível. Como a transição entre Evil-Merodaque e Neriglissar ocorreu entre o dia 17 e o dia 21 do mesmo mês (mês V), não se pode demonstrar que essa tabuinha é datada antes disso, e seria errado afirmar que sua data é anômala.

Tabuinha nº 4, BM 30419, é datada por Furuli no mês V, dia 6, do ano de ascensão de Neriglissar. Esta é também a data fornecida por R. H. Sack em seu livro sobre Neriglissar (publicada como texto nº 12, nas págs. 150 e 151). Todavia, “mês V (ITI.NE)” parece ser uma má interpretação moderna. A tabuinha foi examinada em 1990 por C. B. F. Walker junto com outro assiriologista, o Dr. van Driel. Walker explica que, “só o começo do nome do mês está preservado, mas nós dois concordamos que ITI.N[E] parece estar fora de questão e que ITI.Z[IZ], mês XI, pode ser o melhor palpite no momento.” (Carta Walker-Jonsson, 13 de novembro de 1990, pág. 2) De novo, não se pode demonstrar que a tabuinha seja anômala.

Tabuinha nº 5 e nº 9, BM 58580, está alistada duas vezes na tabela de Furuli, mas com duas datas diferentes: VII/08/02 e XII/02/03. Ambas as datas estão erradas. O Professor D. J. Wiseman, que conferiu a tabuinha em 1987, escreveu: “Não é ano três, possivelmente é 2/2/2” (dia 2, mês 2, ano 2). (Carta Wiseman-Jonsson, 7 de outubro de 1987) C. B. F. Walker, em “Correções”, de 1996, pág. 3, confirma a leitura de Wiseman “2/2/2”. De modo que a tabuinha não é anômala.

Tabuinha nº 6, BM 75106, datada em VII/08/02 na tabela de Furuli, é realmente datada no mês IV, segundo as “Correções” de C. B. F. Walker, de 1996, pág. 7. A data não gera qualquer problema.

Tabuinha nº 7, BM 61325, foi conferida por C. B. F. Walker, Dr. van Driel e o Sr. Bongenaar em 9 de novembro de 1990. Walker diz que, “O mês está ligeiramente danificado, mas parece ser claramente ITI.AB (mês X) em vez de ITI.NE (mês V). E não é dia 17 como afirmado anteriormente.” O número do dia é 19. A data nesta tabuinha, então, é X/19/02. Isto não significa necessariamente que ela está correta. Pode ser um erro do escriba.

Por fim, a Tabuinha nº 8 é datada em XI/15/02 na tabela de Furuli. Furuli aponta numa nota (pág. 62, nota 79) que o número de inventário está faltando, de modo que ele não foi capaz de identificá-la. No entanto, ele faz referência à tabela de W. St. Chad Boscawen na página 52 de Realizações da Sociedade de Arqueologia Bíblica, Vol. VI (Londres, janeiro de 1878). A data lá tem dia 5, não dia 15 como na tabuinha de Furuli.

Na verdade, uma cópia desta tabuinha feita por B. T. A. Evetts foi publicada quatro anos depois, como nº 66 em seu Babylonische Texte (Leipzig, 1892). Conforme mostrado na página 3 da mesma obra, Evetts lê tanto o número do ano como o nome do rei de forma diferente: Ele data em XI/05/03 de Neriglissar, não de Evil-Merodaque! Uma transliteração e tradução da mesma tabuinha por Ronald H. Sack foi também foi incluída em sua obra Neriglissar – Rei de Babilônia (= AOAT, Band 236 Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1994), págs. 205-206. O número no museu é BM 30577. Sack, que conferiu de novo a tabuinha, confirma a leitura de Evetts. Obviamente, Boscawen tinha se enganado com a tabuinha. A data dela não gera problemas.

Na consideração acima, as 60 tabuinhas supostamente “anômalas” datadas na transição de Evil-Merodaque para Neriglissar, apresentadas na “Tabela 3.4” de Furuli foram primeiramente reduzidas a nove tabuinhas que pareciam estar em conflito com a cronologia convencional. Destas, apenas duas tabuinhas podem ser demonstradas como tendo datas claramente anômalas, ou seja, a nº 2 (BM 75489), datada em II/04/asc. de Neriglissar, e a nº 7 (BM 61325), datada em X/19/02 de Evil-Merodaque. Este resultado é o mesmo que o apresentado em TGR4 (págs. 381-383). Como se pode explicar essas duas tabuinhas? Será que elas “sugerem fortemente que o ano de ascensão de Neriglissar não é o mesmo que o segundo ano de Evil-Merodaque, e sim que um ou mais anos devem ter decorrido entre os reinados deles”, como afirma Furuli na página 60? Esta não é certamente a conclusão correta a se tirar, pois estaria em contradição com muitos outros documentos do período, incluindo as tabuinhas astronômicas.

Deve-se notar que as datas dessas duas tabuinhas estão isoladas das outras datas na transição entre os dois reinados. A tabuinha datada no mês II do ano de ascensão de Neriglissar não é seguida por quaisquer tabuinhas datadas no reinado dele nos dois meses seguintes, III e IV, enquanto temos várias tabuinhas datadas em todos os meses de seu ano de ascensão, do mês V em diante. Da mesma maneira, temos várias tabuinhas publicadas e não publicadas em cada mês datado no reinado de Evil-Merodaque até o mês V do 2º ano dele, enquanto a tabuinha do mês X de seu 2º ano é uma data isolada que aparece cinco meses depois. Normalmente, deveríamos ter várias tabuinhas de cada um dos quatro meses datados no reinado dele, entre o V e o X, mas não temos nenhuma. O que isso indica?

O Dr. G. van Driel, em sua consideração sobre a primeira das duas tabuinhas (AOAT 236, 91 = BM 75489), diz:

“O texto de Sipar, Neriglissar nº. 91, de R. H. Sack, datado no dia 4 do mês II do ano de ascensão, sugeriria uma considerável sobreposição com o rei anterior Avil-Marduque, para quem textos posteriores de Sipar (listados por Sack na pág. 26, nota 19) são datados. Um erro na data de AOAT 236, nº 91 é a solução mais fácil. Note-se que a Lista de Reis de Uruque (J. J. A. van Dijk, UVB 18 [1962] págs. 53-60 obv. 9) dá N. 3 anos e 8 meses, o que poderia se referir excepcionalmente ao reinado propriamente dito e não a um reinado começando com o início do primeiro ano completo.” – G. van Driel em Reallexikon der Assyriologie und Vorderasiatischen Archäologie, Band 9 (Berlim, Nova Iorque: Walter de Gruyter, 1998-2001), pág. 228. Grifo acrescentado. (Veja os comentários semelhantes em TGR4, págs. 381-383. Na nota 35 da pág. 383 uma solução alternativa é também considerada.)

Portanto, a explicação mais fácil e natural é que as duas datas estranhas são erros de escribas. Como o próprio Furuli admite em seu primeiro livro sobre cronologia, “uma ou duas descobertas contraditórias não necessariamente destroem uma cronologia que tem sido apoiada por centenas de descobertas independentes.” (Rolf Furuli, A Cronologia Persa e a Duração do Exílio Babilônico dos Judeus, Oslo, 2003, pág. 22) Isto é certamente verdadeiro no caso das duas tabuinhas anômalas consideradas acima.

(5) De Neriglissar a Labashi-Marduque

Na Tabela 3.5 da página 62 de seu livro, Furuli apresenta dez tabuinhas que ele alega sobreporem o final do reinado de Neriglissar com os reinados dos dois últimos reis do período neobabilônico, seu filho Labashi-Marduque e Nabonido. As datas das quatro últimas tabuinhas do 4º ano do reinado de Neriglissar, alistadas na tabela são:

Dia/mês/ano:Tabuinha nº:
02/I/04BM 41401
06/I?/04YBC 3433
02/II/04BM 30334
01/II/04?

As duas primeiras tabuinhas do reinado do sucessor de Neriglissar, Labashi-Marduque, são datadas 11+/I/asc. (Pinches 55, 432 = BM 58432) e 23/I/asc. (NBC 4534), o que parece ser algumas semanas antes das duas últimas tabuinhas do reinado de Neriglissar na tabela acima, BM 30334 e “?”. Furuli diz:

“A primeira tabuinha do reinado de Labashi-Merodaque é datada no dia 11+ do mês I do ano de ascensão dele, mas isso não pode ser harmonizado com a tabuinha datada no mês II do ano 4 de Neriglissar”.

Porém, a data da BM 30334 na tabela de Furuli está errada. Uma cópia da tabuinha por B. T. A. Evetts foi publicada pela primeira vez como nº. 69 em Babylonische Texte (1892). Numa tabela na página 3 ele apresenta a data como 02/I/04. A data na tabuinha foi conferida e confirmada por Ronald H. Sack, cuja transliteração e tradução da tabuinha aparecem na página 208 de sua obra Neriglissar – Rei de Babilônia (1994). A data não gera qualquer sobreposição entre os dois reinados.

Infelizmente, a última tabuinha na tabela de Furuli sobre Neriglissar, datada em 01/II/04, não tem número. Conforme Furuli admite na página 63, ele não conseguiu identificar a tabuinha e verificar a data. Ele encontrou a data num velho artigo de F. H. Weissbach, publicado na Zeitschrift der Deutschen Morgenländischen Gesellschaft, Band 62, 1908, página 630. Mas Weissbach não dá qualquer referência adicional. A data provavelmente acabou por estar errada. Ela não foi incluída por R. A. Parker e W. H. Dubberstein em sua Cronologia Babilônica 626 A.C. – 75 AD (1956), nem se fez referência a ela em artigos posteriores sobre Neriglissar ou no trabalho de R. H. Sack sobre este rei. A data tem de ser rejeitada até que Furuli possa provar sua exatidão. A conclusão na página 383 do meu livro (TGR4), portanto, continua de pé:

“As duas últimas tabuinhas conhecidas do reinado de Neriglissar são datadas em 2/I/4 (12 de abril de 556 A.E.C.) e 6/I?/4 (16 de abril). A primeira tabuinha conhecida do reinado de seu filho e sucessor, Labashi-Marduque, NBC 4534, é datada em 23/I/asc. (3 de maio de 556 A.E.C.), ou seja, vinte e um, ou possivelmente apenas dezessete dias depois. Estas datas não criam qualquer sobreposição entre os dois.”

(6) De Labashi-Marduque a Nabonido

Segundo a Tabela 3.5 de Furuli, a última tabuinha do reinado de Labashi-Marduque é datada em 12/III/asc., enquanto que a tabuinha mais antiga do reinado de seu sucessor, Nabonido, é datada no mês anterior, em 15/II/asc.:

As últimas duas tabuinhas do reinado de Labashi-Marduque:

Dia / mês / ano:Nº. da tabuinha:
11/III/asc. (= 19 de junho)YBC 3817
12/III/asc.(= 20 de junho)Evetts, Lab. No. 1 (PD pág 13.)

As duas primeiras tabuinhas do reinado de Nabonido:

Dia/mês/ano:Nº. da tabuinha:
15/II/asc. (= 25 de maio)Clay 1908, 39 (= BE VIII, 39)
18/III/asc. (= 26 de junho)Strassm. 1889, 1 (= Nbn 1)

À primeira vista estas tabuinhas parecem mostrar uma sobreposição de 26 dias entre os dois reinados. Porém, um exame mais detalhado dos textos mostra que este não é o caso, se a proveniência das tabuinhas for levada em consideração.

A Lista de Reis de Uruque atribui a Labashi-Marduque um reinado de apenas três meses, o que é confirmado pelas tabuinhas comerciais contemporâneas, que são datadas apenas para (partes dos) meses I, II e III. Segundo Beroso, houve uma conspiração contra o rei, e ele foi assassinado por causa de seu mau procedimento. A rebelião irrompeu quase imediatamente após a ascensão dele, evidentemente antes que ele tivesse assumido o controle sobre todo o reino. Esta conclusão é apoiada pelo fato de que as tabuinhas datadas no reinado dele procedem de apenas quatro lugares: Babilônia, Uruque, Sipar, e Borsipa (uma tabuinha).

As primeiras tabuinhas datadas de Nabonido são de Nipur. Nenhuma tabuinha datada de Labashi-Marduque é dessa cidade. E as últimas tabuinhas datadas para ele de Babilônia, Uruque, Sipar, e Borsipa são todas mais antigas do que as primeiras tabuinhas dessas cidades datadas para Nabonido. Assim, não há sobreposições entre os dois reis em qualquer desses lugares. O professor Wolfgang Röllig conclui:

“Ambos, então, governaram, ou alegaram direito ao trono ao mesmo tempo, embora em lugares diferentes.” – W. Röllig em Reallexikon der Assyriologie und vorderasiatischen Archäologie, Band 6 (Berlim e Nova Iorque, 1980), pág. 409. Itálico acrescentado. (Veja também TGR4, págs. 383-385)

Isso é mostrado na tabela a seguir:

NipurBabilôniaUruqueSiparBorsipa
Labashi-Marduque, últimas tabuinhas22/II/asc.(= 1 de junho)11/III/asc.(= 19 de junho)12/III/asc. (= 20 de junho)26/II/asc.(= 5 de junho)
Nabonido, primeiras tabuinhas15/II/asc.(= 25 de maio)06/IV/asc.(14 de julho?)23/III/asc.(= 1 de julho)18/III/asc.*(= 26 de junho)27/VII/asc.(= 31 de outubro)

*Na página 13, Parker e Dubberstein mencionam um texto, VAS VI 65, datado em 01/III/asc. de Nabonido (9 de junho de 556). Embora Sipar não seja mencionada no texto, relata-se que a inscrição foi encontrada lá. É uma inscrição de um edifício. Embora ela não tenha qualquer data, F. X. Kugler (Sternkunde und Sterndienst in Babel, II:II:2, 1924, págs 405-408) argumentou que ela descreve o trabalho de restauração feito em Sipar do dia 1º do mês III do ano de ascensão de Nabonido em diante. Este conceito é rejeitado por P.-A-Beaulieu, cujo estudo cuidadoso mostra que as obras de restauração ocorreram em Sipar “no segundo, décimo e décimo sexto ano de Nabonido”, mas não no ano de ascensão dele. (Beaulieu, O Reinado de Nabonido, Rei de Babilônia 556-539 AC, New Haven e Londres: Editora da Universidade de Yale, 1989, pág 6. Veja a Tabela 2 dele, na pág 42)

A alegação de Furuli (na pág. 63) de que “dificilmente podemos evitar a conclusão de que houve um ou mais anos entre Neriglissar e Nabonido”, não tem nenhuma evidência fatual. A suposta sobreposição entre Neriglissar e Labashi-Marduque baseia-se em interpretação errada das tabuinhas, e a “sobreposição” entre Labashi-Marduque e Nabonido, que desaparece em nível local, explica-se facilmente pelas circunstâncias políticas que levaram Nabonido ao trono.

(7) De Nabonido a Ciro

Segundo a Crônica de Nabonido (traduzida por A. K. Grayson como Crônica 7 em sua obra Crônicas Assírias e Babilônicas, Locust Valley, Nova Iorque: J. J. Augustin Publisher, 1975, págs 104-111), Babilônia foi capturada pelo exército de Ciro em 16 de tisri (= mês VII), evidentemente no 17º ano do reinado de Nabonido (=11/12 de outubro de 539 AEC, o ano está danificado e ilegível). Esta data, então, marcou o fim do reinado de Nabonido. O próprio Ciro entrou em Babilônia no dia 3 do mês VIII, arasamnu (= 28/29 de outubro). A mais antiga tabuinha existente do reinado de Ciro (CT 57:717) é datada no dia 19, mês VII (tisri) do ano de ascensão dele, ou seja, três dias depois da queda de Babilônia.

Furuli, porém, tenta argumentar que Nabonido pode ter governado mais de 17 anos. Ele afirma que “algumas tabuinhas anômalas o[n]de os reinados se sobrepõem existem realmente, mas as datas de duas [de] estas tabuinhas são explicadas ad hoc por P & D, como as notas de rodapé mostram.” (Furuli, pág. 63) Conforme será demonstrado a seguir, esta acusação é falsa.

Na Tabela 3.6 das páginas 63 e 64, ele apresenta quatro tabuinhas que, segundo ele, são datadas para Nabonido depois da queda de Babilônia em 16/VII/17:

Dia/mês/ano:Tabuinha nº:
10/VII/17Strassm. Nab 1054
xx/IX/17Strassm. Nab 1055
17/XII/17CT 57.168
06/VI/18Contenau 1927, 122

A primeira data contém um erro de digitação e deve ser 10/VIII/17. Na verdade, já se sabe desde 1990 que nenhuma destas quatro tabuinhas têm datas anômalas, e é bem surpreendente que Furuli não saiba disso. Todas as datas são consideradas, por exemplo, em meu livro. Tudo o que posso fazer, então, é repetir as informações apresentadas nas páginas 416-419 de TGR4 e na nota 62 da página 140:

 “10/VIII/17” (Strassm. Nab 1054 = BM 74972):

Conforme Furuli explica na nota 84, PD rejeitaram esta data porque “o sinal referente ao mês está sombreado” na cópia de J. N. Strassmaier do texto, publicada em 1889. (PD = Parker & Dubberstein, Cronologia Babilônica, 1956, pág 13; a tabuinha está alistada como nº 1054 em J. Strassmaier, Inschriften von Nabonidus, König von Babylon, Leipzig, 1889) Eles tinham boas razões para fazer isso porque F. H. Weissbach, que conferiu a tabuinha em 1908, explicou que o nome do mês era altamente incerto e “em todo o caso não é arasamnu” (mês VIII).

Na verdade, há um erro ainda mais grave com a data. Lá em 1990 eu pedi a C. B. F. Walker no Museu Britânico para verificar novamente a data na tabuinha original. Ele fez isso em conjunto com dois outros assiriólogos. Todos concordaram que o ano é 16, não 17. Walker diz:

“Sobre o texto Nabonido nº. 1054 mencionado por Parker e Dubberstein pág. 13 e Kugler, SSB II 388, eu conferi essa tabuinha (BM 74972) e estou convencido de que o ano é 16, não 17. Ela foi verificada também pelo Dr. G. Van Driel e pelo Sr. Bongenaar, e ambos concordam comigo.” – Carta de Walker a Jonsson, 13 de novembro de 1990.

 “xx/IX/17” (Strassm. Nab 1055):

Este texto não fornece qualquer número do dia, a data acima sendo dada apenas como “quislimu [= mês IX], ano 17 de Nabonido”. Na verdade, o texto contém quatro datas diferentes deste tipo, na seguinte desordem cronológica: Meses IX, I, XII e VI do “ano 17 de Nabonido”. Nenhuma dessas datas se refere ao momento em que a tabuinha foi registrada. Essa data está realmente ausente na tabuinha. Conforme F. X. Kugler explicou, a tabuinha pertence a uma categoria de textos contendo datas de prestação ou datas de entrega (maššartum). (F. X. Kugler, Sternkunde und Sterndienst in Babel, Vol. II:2, 1912, págs. 388, 389) Essas datas eram dadas com pelo menos um mês, e muitas vezes com vários meses de antecedência. É por isso que Parker & Dubberstein explicam que “essa tabuinha é inútil para fins de datação.” (Parker & Dubberstein, Cronologia Babilônica, pág. 14) Conforme demonstrado por seu conteúdo, o Nº. 1055 é um texto administrativo que dá as datas para as entregas de certas quantidades de cevada no 17º ano de Nabonido. – P. – A. Beaulieu na Revista de Estudos Sobre o Oriente Próximo, Vol. 52:4 (1993), págs. 256, 258.

“17/XII/17” (CT 57.168 = BM 55694):

Esta tabuinha foi copiada por T. G. Pinches na década de 1890 e foi finalmente publicada em 1982 como CT 57:168. (CT 57:168 = Textos Cuneiformes de Tabuinhas Babilônicas no Museu Britânico, Parte 57, 1982, nº 168) Ela é também alistada na CBT 6, onde a data é fornecida como “Nb(-) 19/12/13+” (dia 19, do mês 12, do ano 13+). (Erle Leichty, ed., Catálogo das Tabuinhas Babilônicas no Museu Britânico [CBT], Vol. 6, 1986, pág. 184 [82-7-14, 51]) Tanto o nome do rei como o número do ano estão obviamente danificados e só parcialmente legíveis. “Nb(-)” mostra que o nome do rei começa com “Nabu”. Isto poderia referir-se a Nabopolassar, Nabucodonosor ou Nabonido. Se for Nabonido, o número do ano danificado, “13+”, pode se referir a qualquer ano entre o 13º e o 17º ano dele.

“06/VI/18” (Contenau 1927, 122):

Esta tabuinha foi copiada por G. Contenau e foi publicada como número 121 (“122” na tabela de Furuli é um erro) em sua obra Textes Cuneiformes, Tome XII, Contrats Néo-Babyloniens, I (Paris: Librarie Orientaliste, 1927), Pl. LVIII. A linha 1 dá a data como “06/VI/17”, mas quando é repetida na linha 19 do texto ela é dada como “6/VI/18.” PD (Parker & Dubberstein, pág 13.) presumiu que “ou foi um erro do escriba ou um erro de Contenau”. O assunto foi resolvido pela Dra. Béatrice André, que a pedido meu conferiu a original no Museu do Louvre, em Paris, em 1990: “A última linha tem, assim como a primeira, ano 17, e o erro foi de Contenau.” – Carta André-Jonsson, 20 de março de 1990. (Veja TGR4, pág. 140, nota 62).

Pode-se mencionar também outro erro semelhante na página 117 do catálogo CBT mais recente (M. Sigrist, R. Zadok, e C. B. F. Walker [eds.], Catálogo das Tabuinhas Babilônicas no Museu Britânico, Vol. III, Londres: Editora do Museu Britânico, 2006), onde o texto 486 (= BM 26668) é datado “Nbn 18/III/18” (dia 18, mês III, ano 18). A pedido meu o Dr. Jonathan Taylor, que é curador do Departamento do Oriente Médio no Museu Britânico, conferiu a tabuinha. Num e-mail de 15 de janeiro de 2008, ele explicou:

“Um ano 18 para Nabonido seria de fato muito interessante. Infelizmente, 18 é um erro de digitação aqui e a tabuinha está datada simplesmente para o ano 8.”

Nenhuma das quatro tabuinhas alistadas por Furuli tem uma data anômala. Portanto, nenhuma delas pode “sugerir que houve um ou mais anos entre Nabonido e Ciro, ou que os anos de reinado de Nabonido poderiam ser calculados de modo diferente do esperado.” (Furuli, pág. 63)

Resumo

Se um erudito acha que é possível apresentar uma revisão radical da cronologia geralmente aceita de um período histórico da antiguidade bem conhecido, ele deve ser capaz de apresentar uma forte evidência disso, e tem de ser muito cauteloso em verificar se sua evidência é válida antes de ser publicada. Furuli não fez nada disso. Sua afirmação de que há “cerca de 90 tabuinhas anômalas” do período neobabilônico é comprovadamente falsa. E a maioria das “datas anômalas” que ele cita mostraram não ser anômalas de modo algum. Conferências recentes mostraram que a maioria delas contêm erros dos escribas ou foram mal interpretadas por eruditos modernos, ou são apenas erros modernos de cópia, transcrição e impressão.

A questão é por que motivo Furuli usou essas tabuinhas em apoio de sua “Cronologia de Oslo” sem conferi-las. Fazer uma revisão radical da cronologia estabelecida para um dos períodos da antiguidade mais bem estabelecidos cronologicamente, baseando essa revisão em erros e más interpretações dos documentos utilizados não diz muito em favor da qualidade da pesquisa feita.

Imagem: Inscrição de Behistun (Irã), que foi fundamental para a decifração da antiga escrita cuneiforme.

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