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O Relacionamento Entre o Pai e o Filho

Prefácio

No decorrer dos anos, tenho ouvido muitos cristãos expressarem franca confusão acerca da natureza do relacionamento entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Esta situação parece inapropriada para os adoradores de um Deus que nada reteve de nós, nem mesmo o seu amado Filho unigênito. Jesus orou: “Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” (João 17:3) Esta declaração de Jesus sugere que nem Deus nem Seu Filho deveriam ser pessoas misteriosas para seus filhos.

Algumas questões levantadas neste tratado podem nem mesmo ter ocorrido à maioria dos cristãos associados com as igrejas tradicionais. Mas estas questões são muito importantes para as Testemunhas de Jeová, e especialmente para aquelas que deixaram a organização Torre de Vigia, mas ainda anseiam por associação cristã e tentam encontrar isso em outras igrejas cristãs principais.

Por muitos anos, temos estado ativamente envolvidos em ajudar essas pessoas que estão deixando a organização Torre de Vigia a lerem sua própria Bíblia e a confiar em Deus para revelar Sua mensagem a elas. Incentivamos as pessoas a deixarem que as próprias Escrituras substituam os ensinamentos da estrutura de autoridade religiosa em que elas antes baseavam sua orientação espiritual e interpretação da Bíblia. Cremos também que os cristãos precisam de outros cristãos, e encorajamos as ex-Testemunhas de Jeová a encontrar uma comunidade de cristãos com a qual se associar. Infelizmente, porém, muitas vezes essas ex-Testemunhas constatam que os cristãos numa ampla variedade de igrejas são dogmáticos sobre doutrinas que não são ensinadas diretamente nas Escrituras, mas se desenvolveram na Igreja pós-apostólica, tanto quanto os líderes da Torre de Vigia são dogmáticos nas interpretações deles.

Para as Testemunhas de Jeová, que dão uma importância muito grande ao “ensino correto” (a forma de ortodoxia delas), a doutrina da Trindade está errada. O grau em que isso é verdadeiro tem menos importância do que o efeito que essa percepção tem nas Testemunhas que deixam a organização Torre de Vigia, buscam sinceramente a verdade e querem e precisam de associação com uma comunidade de cristãos, mas relutam em fazer isso porque acreditam que uma comunidade de crentes que aceita e ensina erros não pode ser aprovada por Deus.

O problema destas ex-Testemunhas de Jeová aumenta devido às palavras e ao comportamento dos cristãos que fazem da aceitação da doutrina da Trindade uma espécie de “pedra de toque” para distinguir os “verdadeiros cristãos” dos “membros de cultos perigosos”. O resultado da atitude desses cristãos é a divisão. Qual é a importância desta doutrina? Como devemos considerar as pessoas que rejeitam doutrinas tradicionais por não verem apoio bíblico suficiente para elas?

Mais importante: é possível uma pessoa ter um entendimento solidamente baseado na Bíblia quanto à natureza e a identidade do Pai e do Filho e, ao mesmo tempo, questionar palavras e ideias de credos tais como o Credo de Calcedônia e o Credo Atanasiano? Podemos aceitar como irmãos e irmãs cristãos maduros pessoas que questionam doutrinas que se desenvolveram após a morte dos apóstolos?

Um dos grandes marcos da Reforma foi a ideia de o cristão poder ler a Bíblia independentemente dos líderes da Igreja e ter a verdade revelada a ele diretamente por Deus. A crença nesse conceito deu aos reformadores a coragem necessária para questionar doutrinas e políticas da Igreja de longa data e fortemente entrincheiradas. Nossa própria libertação de uma organização religiosa dominante veio como resultado direto da leitura e da confiança na revelação de Deus por meio de sua Palavra escrita, de modo que cremos fortemente na ideia de que Deus está disposto a recompensar a todos os buscadores sinceros da verdade. Encorajamos todos os cristãos a descobrirem por si mesmos o que a Bíblia ensina e permitir que a mensagem dela atue em suas vidas.

Por vinte anos, tenho observado o profundo amor de meu amigo Ron Frye pela Palavra de Deus, e testemunhei sua disposição de obedecer à mensagem dela, mesmo quando isso significou grande sacrifício pessoal. Como resultado, ele desenvolveu uma estreita relação pessoal com Deus, que é fácil de ser constatada em sua vida, conversação, escrita e ensino. Ao longo dos anos, Ron e eu discutimos longamente muitas das questões consideradas neste tratado. Ainda assim, fiquei surpreso com o quanto isso estimulou meu raciocínio.

Este tratado não se destina a ser uma consideração exaustiva do tema, e sim a encorajar os cristãos de ambos os lados do debate a reexplorarem o assunto do relacionamento entre o Pai Celestial e Seu Filho, com foco nas ideias e conceitos expressos no vocabulário e nas expressões das próprias Escrituras em vez de num estudo detalhado das línguas bíblicas ou da terminologia técnica.

A Bíblia tem muito a dizer ao alcance de nossa compreensão, mas podemos ter a impressão de que o tema é extremamente difícil ou complicado e é melhor deixá-lo para os teólogos. Podemos achar que esta questão já está bem resolvida, e não há necessidade de qualquer discussão adicional. Mas, será que não deveríamos, como cristãos, certificar-nos de todas as coisas, ler a Palavra de Deus por nós mesmos e permitir que ela mesma nos convença da veracidade, solidez e validade de tudo, incluindo as doutrinas cristãs básicas? (Atos 17:11) Temos muito a ganhar e nada a temer em relação a essa busca. Acreditamos firmemente que a mensagem bíblica básica e muito mais pode ser compreendido por qualquer crente sincero, visto que Deus terá um papel ativo na condução dessa pessoa a uma compreensão mais profunda da Sua identidade e do papel que Ele, Seu filho e o Espírito Santo desempenham em nossa salvação.

Quaisquer que sejam suas convicções atuais sobre este assunto, você provavelmente será desafiado pelas informações aqui contidas. Pessoas que vieram duma perspectiva não trinitária poderão se surpreender com a força e a clareza do testemunho das Escrituras sobre a divindade de Cristo. Por outro lado, os trinitaristas poderão ficar surpresos com a falta de apoio bíblico para algumas crenças amplamente defendidas sobre o relacionamento entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Independentemente do seu ponto de partida, qualquer estudo sincero da Palavra de Deus só pode produzir bons resultados. Se novos conceitos ou horizontes se abrirem para você, nós o incentivamos a explorá-los com oração. Talvez o leitor possa começar a entender mais claramente por que os cristãos que defendem o conceito oposto acreditam no que acreditam. Em última instância, o objetivo é derrubar as barreiras que dividem desnecessariamente os cristãos. É minha oração que o “Deus do nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai glorioso,… dê a vocês o seu Espírito, o Espírito que os tornará sábios e revelará Deus a vocês, para que assim vocês o conheçam como devem conhecer.” — Efésios 1:17, NTLH.

Thomas W. Cabeen, abril de 1999.

O relacionamento entre o Pai e o Fliho

A questão sobre o relacionamento entre o Pai e o Filho levanta uma série de dificuldades. Resolvê-las não é fácil, nem há unanimidade entre os que têm trabalhado neste campo quanto a quais são as conclusões corretas. Nossa tarefa é ainda mais complexa devido aos pressupostos que trazemos para nossa pesquisa – suposições que afetam nossa objetividade. Se não formos cuidadosos, podemos inadvertidamente ler dentro da Bíblia conceitos que não são apoiados pelo texto dela. Além disso, quando abrimos uma tradução moderna da Bíblia já nos vemos diante de certa dose de interpretação. Conforme Gordon D. Fee, professor de Estudos do Novo Testamento na Regent College, salienta: “Sua Bíblia, seja qual for a tradução que você empregar, que para você é o ponto de partida, é, na realidade, o resultado final de muito trabalho erudito. Os tradutores são regularmente conclamados a fazer escolhas quanto aos significados, e as escolhas deles irão afetar como você entende.” – How To Read The Bible For All Its Worth, 2ª Edição em inglês [Em português: Entendes o Que Lês? Um Guia Para Entender a Bíblia com Auxílio da Exegese e da Hermenêutica – Editora Vida Nova], página 15 (os itálicos estão no original).

Os tradutores da Bíblia encaram o problema de determinar o que um escritor original quis dizer, isto é, o contorno do significado que ele queria estabelecer ao usar certo termo original, hebraico, aramaico ou grego. Esta forma de interpretação por parte do tradutor é necessária por causa das nuanças inerentes a essas palavras originais. A Introdução da Nova Bíblia Inglesa chama atenção para isso:

“É fato que uma palavra numa língua raramente é o equivalente exato de uma palavra duma língua diferente. Cada palavra é o centro de todo um conjunto de significados e associações, e em diferentes línguas esses conjuntos se sobrepõem, mas muitas vezes não coincidem. O lugar de uma palavra na frase ou sentença, ou mesmo dentro de uma unidade de pensamento maior, determinará qual aspecto do seu significado integral está em primeiro plano. O tradutor dificilmente poderia esperar transmitir em outro idioma cada tom de significado que se atribui à palavra no idioma original, mas se ele é livre para explorar uma grande variedade de palavras inglesas que abrangem uma área semelhante de significado e associação, ele pode esperar transmitir o significado da frase como um todo.” – The New English Bible [A Nova Bíblia Inglesa], Introdução do Dr. C. H. Dodd, Vice-Presidente e Diretor da Comissão de Tradução da Oitava Tradução do Novo Testamento, Tyndale House Publishers, Inc. (Os negritos não estão no original.).

Apesar de reconhecermos que há alguns problemas textuais envolvidos e as diferenças de traduções podem fazer alguns trechos bíblicos mudarem de figura, há clareza nas Escrituras a respeito do relacionamento entre o Pai e o Filho. Sem dúvida, isto é assim porque a compreensão deste relacionamento tem um profundo impacto sobre a maneira como encaramos nossa relação com eles. A história da Igreja nos diz que ocorreram muitos debates acirrados sobre este assunto e não há dúvida de que os debates continuarão. Este tratado foi escrito porque sinto a necessidade de definir mais claramente o meu próprio entendimento da questão. Constatei que a escrita me ajuda a ordenar meus pensamentos e avaliar melhor as informações sobre um determinado assunto. É por esta razão que tentei elaborar este ensaio. Como a maioria dos cristãos, eu encaro a Bíblia como a autoridade máxima em matéria de fé e prática. Embora eu respeite os eruditos, antigos e modernos, pelos seus trabalhos e ótimas contribuições que fizeram no campo da teologia cristã, não igualo o testemunho e as conclusões deles ao mesmo nível da própria Bíblia. Porém, encontrei vários comentários bíblicos, dicionários bíblicos, histórias da igreja, estudos vocabulares, enciclopédias e livros relacionados que são muito úteis em fornecer uma abordagem mais informada ao estudo da Bíblia, e sinto-me muito grato por essa ajuda.  Mas, eu gostaria de acrescentar este adendo acerca de todos estes recursos extrabíblicos: Eles nunca dão a resposta final. Eles fornecem dados adicionais que podem ampliar nossa perspectiva e esta ajuda suplementar é muito valiosa. Porém, independentemente de quão valiosos eles sejam, a resposta final para definir questões de fé deve vir unicamente do que Deus tem a nos dizer na Bíblia. Alguns recursos extrabíblicos serão considerados neste trabalho, juntamente com comentários de vários teólogos, para familiarizar o leitor com diferentes pontos de vista. Estas várias perspectivas são úteis, creio eu, para ajudar-nos a fazer julgamentos informados. Obviamente, este trabalho não responderá a todas as perguntas, e nem todos concordarão com as conclusões apresentadas. Espera-se, contudo, que a perspectiva apresentada forneça algumas ideias para a reflexão dos que querem melhorar sua compreensão do relacionamento entre o Pai e o Filho. Optei por começar com a pessoa de Jesus Cristo, conforme ele nos é apresentado nas Escrituras há uns dois mil anos. Desse ponto de partida, podemos avançar e retroceder nas Escrituras, conforme necessário, para coletar informações relevantes para a nossa consideração.

Jesus Cristo: Um homem como nenhum outro

Os críticos de Jesus acreditavam que ele merecia ser morto como castigo pelo pecado da blasfêmia. No evangelho de João lemos sobre o encontro dele com alguns judeus, na área do templo conhecida como Pórtico de Salomão, durante a Festividade da Dedicação:

Os judeus reuniram-se ao redor dele e perguntaram: “Até quando nos deixará em suspense? Se é você o Cristo, diga-nos abertamente”. Jesus respondeu: “Eu já lhes disse, mas vocês não creem. As obras que eu realizo em nome de meu Pai falam por mim, mas vocês não creem, porque não são minhas ovelhas. As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha mão. Meu Pai, que as deu para mim, é maior do que todos; ninguém as pode arrancar da mão de meu Pai. Eu e o Pai somos um”. – João 10:24-30

Ao ouvir isso, eles começaram a pegar pedras com a intenção de matá-lo, ao que Jesus respondeu:

“Eu lhes mostrei muitas boas obras da parte do Pai. Por qual delas vocês querem me apedrejar?” Responderam os judeus: “Não vamos apedrejá-lo por nenhuma boa obra, mas pela blasfêmia, porque você é um simples homem e se apresenta como Deus”. – João 10:31-33

Em outra ocasião, um grupo de fariseus e mestres da lei estava presente em meio a uma multidão de pessoas, quando um homem paralítico foi baixado no meio deles pelo telhado. Jesus sentiu-se tocado por essa demonstração de fé e disse ao paralítico:

“Homem, os seus pecados estão perdoados”. Os fariseus e os mestres da lei começaram a pensar: “Quem é esse que blasfema? Quem pode perdoar pecados, a não ser somente Deus?” – Lucas 5:20,21.

Curar as pessoas no sábado era especialmente ofensivo para a comunidade religiosa judaica. Em certa ocasião, em resposta às objeções deles, Jesus disse:

“Meu Pai continua trabalhando até hoje, e eu também estou trabalhando”. Por essa razão, os judeus mais ainda queriam matá-lo, pois não somente estava violando o sábado, mas também estava até mesmo dizendo que Deus era seu próprio Pai, igualando-se a Deus. – João 5:16-18.

Outro campo de forte crítica sobre Jesus era a maneira dele de ensinar com autoridade. No famoso Sermão do Monte, Jesus disse:

Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘Não matarás’, e ‘quem matar estará sujeito a julgamento’. Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. – Mateus 5:21,22.

Vez após vez observamos Jesus pregando suas declarações, dizendo: “Eu lhes digo”. Em visita a uma sinagoga de Cafarnaum, Jesus começou a ensinar com autoridade incomum:

Todos ficavam maravilhados com o seu ensino, porque lhes ensinava como alguém que tem autoridade e não como os mestres da lei. – Marcos 1:22

Ao contrário do costume de apelar para escolas rabínicas de pensamento e tergiversar interminavelmente sobre minúcias, Jesus falava de maneira clara, simples e direta, com base em sua própria autoridade. Os escribas e os fariseus também se ofenderam com a maneira como Jesus se apresentava, porque ele alegava ser maior do que os profetas do passado e maior até do que o rei Salomão. Em uma ocasião, quando lhe pediram para mostrar um sinal miraculoso, ele respondeu:

Os homens de Nínive se levantarão no juízo com esta geração e a condenarão; pois eles se arrependeram com a pregação de Jonas, e agora está aqui o que é maior do que Jonas. A rainha do Sul se levantará no juízo com esta geração e a condenará, pois ela veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão, e agora está aqui o que é maior do que Salomão. – Mateus 12:41,42

Os oponentes religiosos de Jesus ficaram muito ofendidos com o que parecia ser uma atitude rebelde para com a observância do dia do sábado. Em certa ocasião, ele e os seus discípulos foram vistos passando por um campo de cereais no sábado, tirando espigas e comendo-as. Quando confrontado com a acusação de que seus discípulos estavam violando a lei do sábado, ele concluiu sua réplica com uma declaração notável: “Pois o Filho do homem é Senhor do sábado.” (Mateus 12:1-8) Não é de admirar que os líderes religiosos tenham ficado muito alarmados por causa deste galileu e concluíram que matá-lo era a única opção que tinham. Dentro de seu próprio grupo íntimo, Jesus falou muitas vezes sobre a importância de se guardar, não os mandamentos de Deus, e sim os mandamentos dele:

Se vocês me amam, obedecerão aos meus mandamentos… Quem tem os meus mandamentos e lhes obedece, esse é o que me ama. Aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me revelarei a ele. (João 14:15, 21) Se vocês obedecerem aos meus mandamentos permanecerão no meu amor, assim como tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço. – João 15:10

Resumindo este breve panorama de como Jesus se apresentou aos seus discípulos e à comunidade judaica mais ampla, descobrimos que (1) ele alegou ser um com o Pai, o próprio Filho de Deus; (2) ele alegou ter autoridade para perdoar pecados; (3) ele disse que os seus mandamentos tinham de ser obedecidos se alguém quisesse vida; (4) ele declarou que iria dar às pessoas a vida eterna; (5) ele alegou ser maior do que Jonas e o rei Salomão; (6) ele falou com autoridade e não como um rabino; (7) ele se declarou Senhor do sábado!

Não é de admirar que os líderes religiosos tenham concluído que ele era um blasfemador e merecedor da morte. Mesmo os que vieram a aceitá-lo como o Messias prometido muitas vezes ficavam perplexos quanto à sua pessoa. Depois de vários deles terem sobrevivido a uma terrível tempestade no Mar da Galileia que Jesus acalmou milagrosamente, eles exclamaram: “Quem é este que até aos ventos e às águas dá ordens, e eles lhe obedecem?” (Lucas 8:25) E a tudo isso é preciso acrescentar o assunto da pré-existência.

O relacionamento durante a existência pré-humana de Jesus

Os autores evangélicos Mateus e Lucas nos fornecem a genealogia humana, a concepção e o nascimento de Jesus Cristo. (Mateus 1:1-25; Lucas 1:26-2:20; Lucas 3:23-38) Claramente, o Senhor é apresentado como um descendente humano, tanto do patriarca Abraão como do rei Davi. O apóstolo Paulo nos lembra: “Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei.” (Gálatas 4:4). Todavia, durante seu ministério, Jesus fez declarações que apontavam para um tempo antes de sua existência humana, quando ele tinha um relacionamento com seu Pai. Algumas destas declarações são:

Ninguém jamais subiu ao céu, a não ser aquele que veio do céu: o Filho do homem. – João 3:13

Pois desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou. – João 6:38

Vocês são daqui de baixo; eu sou lá de cima. Vocês são deste mundo; eu não sou deste mundo. – João 8:23

Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou! – João 8:58

Que acontecerá se vocês virem o Filho do homem subir para onde estava antes! – João 6:62

E agora, Pai, glorifica-me junto a ti, com a glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse. – João 17:5

Declarações como essas levantam a questão sobre a natureza do relacionamento entre o Pai e o Filho antes de sua vida humana. A informação que temos sobre isso na Bíblia é limitada e cria tantas perguntas quanto respostas. Três das declarações mais específicas sobre isso podem ser encontradas no Evangelho de João e nas cartas do apóstolo Paulo às congregações em Filipos e Colossos:

No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus. Ela estava com Deus no princípio. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe teria sido feito. Nele estava a vida, e esta era a luz dos homens… Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus Unigênito, que está junto do Pai, o tornou conhecido. – João 1:1-4,18

Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz! – Filipenses 2:5-8

Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia. Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude, e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão no céu, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz. – Colossenses 1:15-20.

Tem havido interminável discussão e debate sobre o relacionamento que existia antes da criação entre Deus e o que é chamado de “Palavra” ou “Verbo”. O Dr. Spiros Zodhiates, professor de Novo Testamento no Trinity Theological Seminary, dedicou um livro inteiro ao prólogo do Evangelho de João, intitulado: Was Christ God? [Era Cristo Deus?] (edição de 1981), no qual ele analisa o texto grego e oferece sua avaliação – sua interpretação do que encontrou lá. Sobre a sentença final em João 1:1: “e o Verbo era Deus”, ele escreveu:

“O apóstolo João, em sua declaração na terceira sentença do primeiro versículo de seu Evangelho, não fala apenas de alguns dos atributos visíveis de Jesus Cristo, que indicariam que Ele é divino, que Ele alcançou a divindade, mas declara que Ele é Deus, que Ele é divindade que se tornou humano sem deixar de ser deidade. O homem, por aceitar Deus por meio de Jesus Cristo torna-se divino, mas Ele não se torna Deus. Ele tem dentro dele a natureza divina, mas ele não se tornou Deus.”

A palavra theotees, ‘deidade’, ocorre em Colossenses 2:9: ‘Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade.’ A palavra traduzida como ‘divindade’ aqui é theotees, ‘deidade’, não ‘divindade’. Refere-se, não à manifestação de Cristo em seus atos externos, e sim à natureza essencial dele.

Seria, portanto, totalmente errado traduzir a declaração que João faz em João 1:1 como “E o verbo era divino.” A palavra usada no original grego é theos, ‘Deus’, não theios, ‘divino’. Jesus Cristo não só possuía os atributos divinos, mas Ele era Deus, em sua essência e natureza. Ele não era um homem que atingiu a divindade, mas Deus, que se humilhou tomando sobre si a natureza humana, em adição à Sua deidade. – Was Christ God? [Era Cristo Deus?], Spiros Zodhiates (edição de 1981), página 102. (Os negritos não estão no original).

É verdade que o texto grego diz, “E o Verbo era Deus.” À primeira vista, concluiríamos naturalmente que o Verbo era o Deus com quem se diz que ele estava, porque o versículo inteiro diz, “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” (SBB) Para se dizer o mínimo, este é um conceito difícil de entender. Por que alguns tradutores da Bíblia para idiomas modernos verteram o versículo de modo diferente? Por exemplo, o Dr. James Moffatt traduziu do grego para o inglês como, “O Logos existia bem no princípio, o Logos estava com Deus, o Logos era divino.” Por que dizer “divino” se a palavra na língua original é theos – ‘Deus’? Existe alguma diferença entre ser ‘Deus’ e ser ‘divino’? Outra versão diz: Antes de o mundo ser criado, a Palavra já existia; ela estava com Deus, e ela era o mesmo que Deus.  (Versão no Inglês de Hoje) Por que dizer, “ela era o mesmo que Deus”, e não simplesmente “a Palavra era Deus”? Outra tradução moderna diz: “Quando todas as coisas começaram, a Palavra já existia. A Palavra habitava com Deus, e o que Deus era, a Palavra era.” (Nova Bíblia Inglesa) Obviamente, deve haver algo aqui que o leitor mediano não entende sobre o grego nesta sentença. Porém, a maioria das versões bíblicas nas línguas modernas diz: “A Palavra era Deus”.

O que isso nos diz sobre o relacionamento entre a Palavra e o Deus com quem se diz que a Palavra está e que é aparentemente idêntico a ela? Estamos preocupados não só com a forma como João 1:1 está redigido, mas também com o que ele quis dizer quando escreveu isso. Obviamente, isto é tanto uma questão gramatical como teológica. O Dr. Zodhiates está convicto de que João está dizendo claramente que o Verbo era o Deus com quem ele estava. Todavia, existem outros teólogos que basicamente concordam com o Dr. Zodhiates acerca da trindade, mas reconhecem que este versículo em particular apresenta certas dificuldades. Um deles é o Dr. Millard J. Erickson, professor de Teologia no Southwestern Baptist Theological Seminary [Seminário Teológico Batista do Sudoeste, EUA], que diz o seguinte sobre João 1:1:

“A sentença: ‘O Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus’, tem sido objeto de grande debate exegético. Traduzida literalmente, ela deve ser vertida da maneira acima. A verdadeira questão aqui, porém, vai além da mera tradução até a interpretação. Colocado de outra maneira, o que ela significa versus o que ela diz precisa ser determinado em termos lógicos mais amplos, em vez de simplesmente em considerações gramaticais. Na primeira sentença, Deus tem o artigo definido, enquanto que na segunda falta o artigo. Várias possibilidades foram propostas quanto ao significado disso. Alguns argumentam que esta construção anartra [sem o artigo], refere-se à qualidade. Outros apelaram para a Regra de Colwell, a qual diz que num predicativo do sujeito que antecede o verbo, o predicativo aparece geralmente sem o artigo, para se distinguir do sujeito.”

Se adotarmos esta última abordagem [a Regra de Colwell], então a verdadeira leitura, com o escritor não colocando o predicativo antes, presumivelmente para dar ênfase, seria, “l’goj hn ton qe’n”. Isso poderia, então, ser interpretado de várias maneiras:

. Como uma declaração de identidade. O Verbo é a mesma pessoa que Deus. O significado das duas frases seria algo assim: ‘O Verbo era Deus e o Verbo estava com ele próprio.’

. Como uma declaração de inclusão. O Verbo está sendo descrito como estando com Deus e sendo o próprio Deus. A tradução, então, seria algo como, ‘O Verbo estava com Deus, e o Verbo estava com ele próprio, sendo também Deus.’ Isto deixaria o caminho aberto para algo como o biteísmo.

Parece melhor entender a afirmação como sendo de predicação ou qualidade. A mesma qualidade de deidade é verdadeira no caso do Verbo, como é no caso do Deus, com quem ele está presente. A tradução seria, então, ‘O Verbo estava com Deus, e o Verbo era da mesma qualidade de deidade que Deus é.’”  God in Three Persons – A Contemporary Interpretation of the Trinity[Deus em Três Pessoas – Uma Interpretação Contemporânea da Trindade], págs. 199, 200. (Os negritos não estão no original).

Aqueles dentre nós que não são eruditos na gramática do grego bíblico podem derivar algum conforto em saber que mesmo entre os que têm essa perícia existem diferenças de opinião. Enquanto o Dr. Zodhiates está convicto em seu conceito de que a terceira frase de João 1:1 aponta para a identidade do Verbo ser o Deus com quem se diz que ele está, outros concluem que a frase significa que o Verbo tinha a qualidade do Deus com quem se diz que ele está. As várias versões bíblicas já citadas apresentam o assunto de maneira similar. O altamente respeitado erudito bíblico F. F. Bruce acrescenta o seguinte ao nosso questionamento sobre a terceira frase do versículo que abre o Evangelho de João:

A estrutura da terceira frase do versículo 1, theos en ho logos, exige a tradução ‘O Verbo era Deus.’ Uma vez que logos é precedido pelo artigo, ele é identificado como sujeito. O fato de theos ser a primeira palavra depois da conjunção kai (‘e’) mostra que a ênfase principal da frase está nela. Se tanto theos como logos fossem precedidos pelo artigo, o significado seria que o Verbo é completamente idêntico a Deus, o que é impossível se o Verbo também está‘com Deus’. O sentido é que o Verbo compartilha da natureza e do ser de Deus ou (para usar uma expressão moderna) era uma extensão da personalidade de Deus. A paráfrase da NEB [Nova Bíblia Inglesa]: ‘o que Deus era, a Palavra era’ transmite o sentido da frase da melhor maneira que uma paráfrase pode fazê-lo. ‘João deseja que todo o seu evangelho seja lido à luz deste versículo. As ações e palavras de Jesus são as ações e palavras de Deus; se isto não for verdade, o livro é blasfemo.’

Portanto, quando céu e terra foram criados, o Verbo de Deus estava lá, já existia na associação mais íntima com Deus e partilhando da essência de Deus. Não importa até onde tentemos remontar nossa imaginação, nunca chegaremos a um ponto em que poderíamos dizer o que Ário disse sobre o Verbo divino: ‘Houve um tempo em que ele não era’. – The Gospel of John [O Evangelho de João], F. F. Bruce, D.D., F.B.A. 1983, página 31 (alguns itálicos não estão no original).

O que nos parece estar contido tanto no que Jesus disse sobre si mesmo, como no que os discípulos dele concluíram é que houve um momento em que Jesus, como a Palavra (logos), existia ao lado de Deus e compartilhava de sua natureza divina. Paulo contrasta esta natureza ou forma de Deus com sua natureza ou forma de homem:

“Tende em vós este sentimento que houve também em Cristo Jesus, o qual, subsistindo em forma de Deus, não julgou que o ser igual a Deus fosse coisa de que não devesse abrir mão, mas esvaziou-se, tomando a forma de servo, feito semelhante aos homens; e sendo reconhecido como homem, humilhou-se, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu o nome que é sobre todo o nome, para que em o nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor para glória de Deus Pai.” – Filipenses 2:5-11, SBB.

A palavra traduzida como ‘forma’ (SBB) ou ‘condição’ (CBC) em Filipenses 2:6, 7 é morphe e “significaa forma especial, característica ou funcionalidade de uma pessoa ou coisa.” – Vine’s Expository Dictionary of New Testament Words [Dicionário Expositivo das Palavras do Novo Testamento], de Vine, página 123 em inglês. Outra fonte, ao comentar estes versículos, diz:

“A renúncia do Senhor pré-existente encontra expressão numa morfh [morphe: forma] que está em antítese absoluta à morfh [morphe: forma] anterior dele. Assim, a frase morfh qeo„ [literalmente “forma Deus” – forma de Deus], cunhada por Paulo, em antítese óbvia a morfh do›lou [literalmente “forma servo” – a forma de um servo], só pode ser compreendida à luz do contexto. A aparência assumida pelo Senhor encarnado, a imagem de humilhação e submissão obediente, está no mais gritante contraste concebível com a aparência anterior dele, a imagem da majestade divina soberana, cuja restauração em uma forma nova e até mais gloriosa é descrita para o exaltado k›rioj[Senhor] no final do hino.” – The Theological Dictionary of the New Testament [Dicionário Teológico do Novo Testamento], Vol. IV, páginas 750, 751.

O apóstolo disse que Jesus Cristo, embora compartilhando a forma, ou natureza de Deus, “não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se” (Filipenses 2:6) A palavra grega traduzida por “apegar-se” na NVI é harpagmos, e representa a única ocorrência deste verbo no Novo Testamento. Ele foi tratado de maneira diferente pelos tradutores e vários exemplos são reproduzidos aqui:

Que, sendo em forma de Deus, não considerou ser igual a Deus como usurpação. – ALF

Ele tinha a natureza de Deus, mas não tentou ficar igual a Deus.  NTLH

Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. – BJ.

Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. – THO

Com base nestes vários exemplos pode-se constatar que os tradutores variam no entendimento de como harpagmos deve ser tratado aqui. Assim como ocorre no caso de João 1:1, há diferenças de conceito expressas nestas e em outras traduções para línguas modernas. Por um lado, algumas traduções colocam o assunto como se a igualdade com Deus já fosse uma realidade, mas outras sugerem que a igualdade com Deus era algo a se atingir – por tomar ou conquistar. Se adotarmos a visão de que a Palavra compartilhava a mesma natureza ou forma com o Pai, mas não a igualdade com o Pai, como Deus, então podemos entender que ele não tentou tomar ou conquistar essa igualdade com o Pai. Se, no entanto, for favorecido o conceito de que ele já tinha essa igualdade de posição com o Pai, então a ideia transmitida seria a de que ele não se apegou a essa igualdade, mas voluntariamente a deixou de lado. O comentário que segue oferece alguns pensamentos adicionais sobre Filipenses 2:6:

Não considerou como usurpação é uma tradução da palavra-chave harpagmos que pode ser extraída ativamente, como na V[ersão] A[utorizada] ou passivamente, como na V[ersão] R[evisada]: ‘não considerou como alvo estar em igualdade com Deus.” Ambas as versões são linguisticamente possíveis. A verdadeira dificuldade encontra-se na questão: Será que isso significa que Cristo usufruía a igualdade com Deus, mas renunciou a ela por tornar-se homem, ou significa que ele poderia ter se apegado à igualdade com Deus, por autoafirmação, mas se recusou a fazê-lo e em vez disso submeteu-se à vontade de Deus nas circunstâncias da encarnação e da cruz?

Aqui, mais uma vez, se a chave para o texto reside no paralelo entre o primeiro Adão e o segundo Adão, a segunda alternativa deve ser a preferida; e este é geralmente o conceito moderno prevalecente que Stauffer acredita ter sido definitivamente resolvido: ‘Assim, a velha disputa em torno de harpagmos está terminada: a igualdade com Deus não é uma res rapta… uma posição que o Cristo pré-existente tinha e renunciou, e sim uma res rapienda, uma possibilidade de consecução da qual ele declinou.’ Há, porém, outra possibilidade que pode ser resumida como segue. Harpagmos pode ter o significado de ‘uma porção de boa sorte, um achado de sorte.’ Bonnard faz a ilustração de um trampolim (tremplin) com o mesmo pensamento essencial de uma oportunidade que o Cristo pré-existente tinha diante de si. Ele existia na ‘condição’ [morphe] divina como a imagem ímpar e glória de Deus, mas recusou-se a fazer uso desta posição favorecida para explorar seus privilégios e afirmar-se em oposição ao seu Pai. – Tyndale New Testament Commentaries [Comentários Tyndale do Novo Testamento], Vol. 11 (Filipenses / Ralph P. Martin), páginas 97, 98.

“O status e os privilégios que inevitavelmente decorrem de ter a própria natureza de Deus. Algo a que se deve aferrar. Talvez algo a ser mantido à força – a glória que Cristo tinha com o Pai antes de sua encarnação. Mas ele não considerou essa alta posição como algo do qual ele não poderia desistir. Por outro lado, pode ser algo ainda a ser atingido, como um prêmio, como se ele ainda não possuísse isso.” – Bíblia de Estudo NVI, nota de rodapé sobre Filipenses 2:6. (Os negritos não estão no original).

Enquanto a palavra harpagmos só é encontrada em Filipenses 2:6, no Novo Testamento, o verbo do qual ela se deriva ocorre diversas vezes e, sobre seu sentido, Albert Barnes nos diz: “A noção de violência, ou captura, ou tomada entra no significado da palavra em todos estes lugares.” (Barnes New Testament Notes [Notas ao Novo Testamento de Barnes], Vol. 12, pág. 171, itálicos no original). O verbo em questão é harpazo, que ocorre catorze vezes no Novo Testamento e é vertido de modo variado na NVI como: “apanhar” (3), “arrebatar” (3), “ataca” (1), “levar” (1), “forçar” (1), “lançar mão” (1), “arrebatou” (1), “arrebata” (1), “tomou de súbito” (1), “tomar à força” (1). Independentemente de como se entende o texto em questão, o verbo harpagmos contém o sentido de uma oportunidade ou vantagem que existia e não foi aproveitada para ganho egoísta. Em vez disso, manifestou-se uma atitude modesta e parece ser sobre isso que Paulo estava falando aqui. É este exemplo estabelecido por Jesus que Paulo usa para enfatizar quão importante é para os que afirmam ser discípulos de Jesus mostrarem esta mesma atitude discreta. Minha própria conclusão sobre este texto é que a Palavra teve uma oportunidade de alcançar e tomar algo que não era propriamente dela, mas não quis fazer isso. Outros podem concluir de maneira diferente.

As várias dificuldades bíblicas apresentadas na tradução que foram apresentadas até agora ilustram alguns dos problemas que os tradutores enfrentam e como as opções deles influenciam o que lemos em nossas Bíblias. É por isso que é bom comparar traduções em situações críticas para, desse modo, tirar proveito de diferentes possibilidades de versão. Embora alguns trechos das Escrituras sejam problemáticos, o sentido geral da mensagem de Deus para nós na Bíblia é claro e seu significado não depende de alguns versículos críticos. Um versículo ou partes de versículos podem levantar questões, mas outros textos que tratam do mesmo assunto muitas vezes as esclarecem para nós. Assim, não devemos desanimar se de vez em quando ficarmos intrigados com certas declarações ou conceitos presentes nas Escrituras. Devemos ter em mente que nenhuma escritura está isolada. Um único texto pode resumir um ensinamento, mas existem outros textos que ajudam a preencher esse resumo. Devemos evitar a tentação de nos apegar a um texto-prova da Bíblia e dar justa consideração à Bíblia como um todo. Só desta forma é que podemos esperar chegar a uma exata compreensão das Escrituras.

Com relação ao assunto em questão, sabemos que existe a natureza divina e a natureza humana. Ou, se o leitor preferir, uma forma divina e uma forma humana. A pessoa que João identifica como a Palavra compartilhava a natureza divina com Deus. Ele renunciou a essa natureza e assumiu a natureza do homem. Ele renunciou a uma em favor da outra. Ele não se limitou a materializar-se como homem como alguns anjos fizeram em vários momentos. Não, ele passou por uma profunda transformação na natureza. Ele “tornou-se nada”, ou como a Today’s English Version [Versão no Inglês Atual] coloca, “ele desistiu de tudo”. Houve uma renúncia à natureza divina. Em outras palavras, a Palavra se fez carne – completa e totalmente – carne. Como foi possível que ele se submetesse a esta mudança completa na natureza, mas permanecer com a mesma personalidade? Somos informados de que isto ocorreu, mas não nos é dito como ocorreu. Mas, conforme o anjo disse à mãe dele, “nada é impossível para Deus.” (Lucas 1:37). Essa humanidade sem pecado foi vivida e oferecida a Deus quando ele morreu sacrificialmente para expiar o pecado de Adão. Somos constantemente lembrados nas Escrituras de que foi esta preciosa oferta de carne e sangue – a essência da natureza humana – que foi entregue. Ele morreu e teve de ser restaurado à vida por meio duma ressurreição dos mortos. Desde sua ressurreição e glorificação Jesus Cristo recuperou a natureza ou forma divina que ele tinha deixado de lado. A exaltação prometida foi realizada:

“E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.” – Filipenses 2:8-11, NVI

“O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa. Depois de ter realizado a purificação dos pecados, ele se assentou à direita da Majestade nas alturas, tornando-se tão superior aos anjos quanto o nome que herdou é superior ao deles.” – Hebreus 1:3,4, NVI.

O que isso nos diz sobre relacionamento atual deles? Parece claro o suficiente, não é? O Filho é o reflexo – “a expressão exata” – de seu Pai (uma singularidade não compartilhada com qualquer outro) e foi exaltado pelo Pai à mais alta posição – à própria direita dele! E tudo isso é para a glória de Deus, a Pessoa que enviou seu Filho ao mundo para realizar sua vontade. Há e sempre houve o aspecto da subordinação na relação deles. Ao lermos sobre esse relacionamento na Bíblia dificilmente despercebemos isso. Mesmo agora, em seu estado glorificado ele não ocupa a glória posicional e a excelência de seu Pai, o único que é chamado de “Majestade”. Não, ele está sentado à direita dessa Majestade. Ele tem essa posição única ao lado da Majestade – Deus. Isso é o que nós visualizamos. É assim que se apresenta o relacionamento a nós.

Qualquer que seja o contexto, vemos a pessoa que existia antes do começo do mundo, tornou-se homem e depois morreu, foi ressuscitado e glorificado, ele é sempre comparado com Deus e colocado ao lado dele. Ele não foi o primeiro de muitos de sua espécie, e sim verdadeiramente único em sua pessoa e seu relacionamento com Deus em todos os pontos de envolvimento com o mundo da criação. Agindo de acordo com seu amor por Deus, ele “fez-se nada” (NVI) ou “esvaziou-se” (RSV), para nascer como um ser humano sem pecado e oferecer-se como o sacrifício que iria lançar as bases para a redenção do mundo. Durante o período de sua condição humana, ele se humilhou ainda mais. Paulo escreveu que Jesus, “humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte.” (Filipenses 2:8). E o escritor da carta aos Hebreus diz:

“Durante os seus dias de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, sendo ouvido por causa da sua reverente submissão. Embora sendo Filho, ele aprendeu a obedecer por meio daquilo que sofreu; e, uma vez aperfeiçoado, tornou-se a fonte da salvação eterna para todos os que lhe obedecem, sendo designado por Deus sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque.” – Hebreus 5:7-10, NVI.

Era Jesus Cristo um Deus-Homem?

Notamos acima que o Dr. Zodhiates argumentou que ao se tornar homem a Palavra não deixou sua divindade para trás. Se isto for verdade, significaria que o que nasceu de Maria era tanto homem como Deus. Será que este conceito se harmoniza com o que a Bíblia diz sobre a pessoa de Jesus?

Se João tivesse a intenção de ensinar que ‘a Palavra se fez carne’ estaria dizendo a mesma coisa que ‘Deus se fez carne’, por que ele concluiu seu prólogo com as seguintes palavras: “Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus Unigênito, que está junto do Pai, o tornou conhecido.” (João 1:18)? É óbvio que aqueles que viram Jesus na carne não estavam olhando para Deus em carne, segundo João. Sobre a ‘Palavra que se fez carne’ afirma-se apenas que “o tornou [isto é, a Deus] conhecido”.

Mas por que este versículo diz, segundo a NVI: “mas o Deus Unigênito, que está junto do Pai, o tornou conhecido”? Como devemos entender “o Deus Unigênito”, neste versículo? Se alguém ler a NTLH notará que o versículo diz: “Ninguém nunca viu Deus. Somente o Filho único, que é Deus e está ao lado do Pai, foi quem nos mostrou quem é Deus.” Por que a NTLH diz “Filho único”? A título de resposta, é de muita ajuda verificar os textos gregos que os tradutores usam para fazer suas traduções para os idiomas modernos.

Os manuscritos gregos que estão disponíveis atualmente para os tradutores são mais antigos e mais confiáveis do que os que estavam disponíveis para os tradutores da Versão Rei Jaime. Quando aqueles cinquenta e quatro eruditos começaram sua tradução para o inglês perto do início do século 17, eles usaram o que foi chamado de Texto Recebido [Textus Receptus]. Este texto grego foi compilado de manuscritos que datam dos séculos 12 a 15 D.C. Esse texto continha as palavras monogenes hyios, que significa “filho unigênito”. Todavia, desde o século 16, os críticos textuais podem fazer uso de manuscritos bem anteriores aos que estavam disponíveis para os tradutores da Versão Rei Jaime e os mais antigos e mais confiáveis destes dizem, monogenes theos, “deus unigênito”, em João 1:18. O valor desses MSS mais antigos é considerado na citação que segue:

“O texto grego que é base da Versão Rei Jaime, popularmente chamado de Textus Receptus, é um texto que contém uma vasta culminação de corrupção textual. (O Textus Receptus foi compilado de manuscritos dos séculos 12 a 15.) Embora uma minoria de eruditos tenha continuado a defender a confiabilidade do Textus Receptus, a maioria dos eruditos (nos últimos 100 anos) se convenceram, com base em teoria e prática, que o Textus Receptus é corrupto – ou seja, não apresenta de maneira adequada o texto escrito pelos autores do Novo Testamento, inspirados por Deus. Pela soberania de Deus, manuscritos melhores e mais antigos foram descobertos desde a época do Textus Receptus (por volta de 1600), e estes manuscritos apresentam um texto mais preciso. No século anterior ao atual [o século 19], o Códice Alexandrino, o Códice Sinaítico, o Códice Vaticano e o Códice Efraimita Reescrito (para citar alguns), forneceram aos eruditos um texto do Novo Testamento, datado entre o quarto e o quinto séculos. Como resultado, críticos textuais tais como Tischendorf, Tregelles, Westcott e Hort puderam compilar edições do Novo Testamento grego que excedem em muito a confiabilidade do Textus Receptus.

A recuperação continuou neste século [o século 20]. Quase noventa manuscritos de papiro contendo trechos do Novo Testamento foram descobertos neste século, e vários desses manuscritos são datados entre 200-350 D.C.. Os Papiros Chester Beatty, que incluem algumas das mais antigas testemunhas dos Evangelhos, Atos, Epístolas de Paulo, e Apocalipse (a saber, P45, P46, P47), e o Papiro Martin Bodmer, que contém algumas das primeiras cópias existentes de Lucas, João, 1 e 2 Pedro e Judas (a saber, P66, P72 e P75), fornecem para estes trechos do Novo Testamento um texto que é de cem a cento e cinquenta anos posterior aos autógrafos. Estes manuscritos tiveram grande impacto sobre a elaboração de edições críticas do Novo Testamento em grego neste século [20]. A mais útil, e, provavelmente, a mais precisa dessas edições é o texto Nestle (chamado agora de Nestle-Aland na edição mais recente, a 26ª).” – Guide to the Ancient Manuscripts [Guia dos Manuscritos Antigos], Introdução de Philip W. Comfort (um apêndice à Eight Translation New Testament [Oitava Tradução do Novo Testamento], publicada pela Tyndale House Publishers, Inc., Wheaton, Illinois.).

A teoria da crítica textual não é uma ciência exata já que muitos fatores entram na questão de determinar a intenção do escritor original e/ou determinar quais manuscritos representam mais fielmente o documento dos autógrafos originais. Os eruditos modernos estão bem cientes desses problemas, mas estão preparados para fazer julgamentos textuais informados. Às vezes, há variações de leitura que merecem consideração e algumas traduções modernas chamam atenção para estas em suas notas marginais. Devemos ter em mente que nenhuma cópia original de qualquer parte da Bíblia existe hoje. As intempéries do tempo destruíram todos os originais. Entretanto, milhares e milhares de cópias foram feitas meticulosa e fielmente para preservar o conteúdo dos originais. Numa ampla área do mundo essas cópias (MSS) foram feitas e preservadas. A crítica textual é bem disciplinada e os eruditos textuais são capazes de datar e comparar estes antigos manuscritos e eliminar erros textuais, acréscimos óbvios e erros gramaticais. Geralmente, quanto mais velho é o texto mais confiável ele é. É por isso que os textos que datam dos séculos 4 e 5 são considerados como mais confiáveis ​​do que os dos séculos 12 e 13.

Não precisamos temer que os autógrafos originais, que não existem mais, tenham sido seriamente comprometidos por séculos de copiar. Um grande cuidado sempre foi tomado pelos que copiaram esses textos sagrados. Em alguns casos, porém, um escriba cometeu um erro na cópia e em raros casos um copista poderia mudar uma palavra ou até mesmo adicionar uma ou mais palavras. Se o manuscrito mais tarde foi copiado, tais cópias incluiriam esses erros e adições. Mas estas corrupções seriam prontamente discernidas quando comparadas com as muitas centenas de outros manuscritos que não contêm esses erros ou adições. É este mesmo o processo que permitiu aos eruditos modernos identificar e eliminar o acúmulo desses erros contidos na Versão Rei Jaime, que foi produto do Textus Receptus.

Outro importante fator que torna as traduções modernas mais precisas é que os eruditos têm um melhor conhecimento para trabalhar com o grego koiné (comum) que foi usado na escrita do Novo Testamento. O que nos leva ao texto que está em discussão: João 1:18. O texto grego Nestle-Aland (26a edição) mencionado acima, não tem monogenes hyios (filho unigênito), mas, em vez disso, monogenes theos (deus unigênito) em João 1:18. Monogenes theos como leitura correta é apoiado pela evidência dos mais antigos MSS. Segundo o Guide to the Ancient Manuscripts [Guia dos Manuscritos Antigos], citado acima, a leitura monogenes theos é apoiada pela evidência dos MSS e papiros que remontam a 150-175 DC, enquanto a evidência manuscrita para a leitura monogenes hyios é posterior ao ano 370 D.C. F. F. Bruce comenta sobre este assunto da seguinte maneira:

“O peso da evidência textual aqui favorece a leitura monogenes theos, ‘Deus unigênito’ ou ‘o (próprio) Deus unigênito’. Não só isso é atestado pelas autoridades iniciais, incluindo os dois mais antigos conhecidos (os papiros Bodmer 66 e 75); a tendência seria inevitavelmente substituí-la pela coloquial monogenes hyios (‘filho unigênito’), ao passo que, se a leitura coloquial fosse a original, é difícil ver o que poderia ter impelido qualquer escriba ou editor a substituí-la pela leitura ímpar monogenes theos. Esta leitura ímpar é apoiada tanto pelo princípio de que a leitura mais difícil deve ser preferida como pela probabilidade transcricional.” – The Gospel of John [O Evangelho de João], F. F. Bruce (1983), págs. 44, 45

Monogenes não é uma palavra incomum no Novo Testamento. Ela significa “o único nascido” e é usada para identificar um filho único em vários relatos evangélicos. No evangelho de Lucas, encontramos o seguinte: “Logo depois, Jesus foi a uma cidade chamada Naim, e com ele iam os seus discípulos e uma grande multidão. Ao se aproximar da porta da cidade, estava saindo o enterro do filho único (monogenes hyios) de uma viúva; e uma grande multidão da cidade estava com ela.” (Lucas 7:11,12) Outro relato diz: “Então um homem chamado Jairo, dirigente da sinagoga, veio e prostrou-se aos pés de Jesus, implorando-lhe que fosse à sua casa porque sua única filha (monogenes ioustos), de cerca de doze anos, estava à morte.” (Lucas 8:41,42). E novamente, em Lucas 9:37,38, lemos: “No dia seguinte, quando desceram do monte, uma grande multidão veio ao encontro dele. Um homem da multidão bradou: Mestre, rogo-te que dês atenção ao meu filho, pois é o único (monogenes) que tenho.” E encontramos a mesma palavra no texto bem conhecido de João 3:16: “Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito (monogenes hyios), para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.”

Vale a pena mencionar Abraão e Isaque neste assunto de Deus oferecer seu unigênito: “Pela fé Abraão, quando Deus o pôs à prova, ofereceu Isaque como sacrifício. Aquele que havia recebido as promessas estava a ponto de sacrificar o seu único filho (monogenes hyios), embora Deus lhe tivesse dito: “Por meio de Isaque a sua descendência será considerada” (Hebreus 11:17,18) Este último trecho parece especialmente relevante para nossa discussão, porque a tentativa de sacrifício do unigênito de Abraão tem paralelo com o fato de que Deus ofereceu seu unigênito.

Quando se identifica Jesus como o Deus unigênito em João 1:18, como é que vamos compreender isso? A questão é complicada pelo fato de que no prólogo de João (João 1:1-18), ele atravessa eras de tempo (e antes do tempo) na identidade da pessoa que se tornou carne. Ele apresenta a este como a Palavra no início de seu prólogo, mas no final do mesmo, apenas dezoito versículos depois, a pessoa sobre quem ele está falando terminou sua missão terrestre e está à direita de Deus no céu. A que momento no tempo (ou antes do tempo) João se refere quando fala deste como “o Deus unigênito?” Se João está apontando para trás – antes da criação – isso levanta a questão sobre Deus (identificado como a Palavra) sendo gerado. Qual seria o significado se pensamos nisso como se aplicando a antes da criação? Houve um tempo em que ele não existia? Se ele sempre existiu (sem nunca ter tido um princípio), como muitos argumentam, de que maneira concebível poderia se falar dele como gerado? A título de resposta, o Dr. Zodhiates, oferece a seguinte:

“Esta expressão, ‘Deus Unigênito’, é ímpar. Ela não aparece em nenhum outro lugar em referência a Jesus Cristo. Ela fornece uma prova incontestável da divindade de Jesus Cristo. Mas por que a menção da palavra “unigênito”? Em inglês, seria bem difícil transmitir o sentido do grego original aqui. É monogenees, que segundo o Great Lexicon of the Greek Language [Grande Léxico da Língua Grega] tem três significados: (1) o único nascido, ou seja, aquele que não tem irmãos ou irmãs, como em Lucas 5:42; (2) o único de seu tipo, ímpar e (3) o da mesma natureza, relacionado. (D. Deemeetrakou, Lexicon Tees Hellinikis Gloossees [Léxico da Língua Grega do Grego para o Grego], Vol.6, pág. 4741).

Cremos que, nos primeiros 18 versículos em particular, esta palavra monogenees, ‘unigênito’, tem o terceiro significado acima. Desta forma, ela não deveria ser traduzida como ‘unigênito’ de modo algum, e sim ‘da mesma natureza.’… A palavra monogenees compõe-se realmente da palavra monos, ‘só’, e da palavra genos, ‘raça, ramo, família’. Aqui nos é dito que o que veio revelar Deus – Jesus Cristo – é da mesma família, do mesmo ramo, da mesma raça que Deus. Ele não é de forma alguma menos do que Deus Seu Pai.” – Was Christ God? [Era Cristo Deus?], págs. 20, 21.

As definições fornecidas pelo Dr. Zodhiates sobre o significado de “unigênito”, pareceriam todas aplicáveis ​​ao Filho de Deus. Ele é apresentado como um “filho único” – sem irmãos e irmãs, ele é sem par – o único descrito desse modo, e que ele compartilhava a natureza divina do Pai em sua existência pré-humana. Mas isso não nos permite anular o testemunho textual de que ele é o unigênito. Ao colocar os assuntos deste modo, João o distingue claramente de Deus, seu Pai, que não foi gerado! O Pai apenas é apresentado como o supremo – Deus Todo-Poderoso! E, independentemente de sua natureza pré-humana e dignidade, a Palavra deixou tudo de lado para se tornar “o último Adão”. (1 Cor. 15:45) Ele não era Deus-Homem no sentido que o Dr. Zodhiates argumenta que ele era – nem poderia ter sido – porque o que se tornou carne tinha de ser mortal e morrer como um sacrifício humano (sangue e carne). (Romanos 5) O Deus Todo-Poderoso não poderia ser carne e sangue, nem poderia o Deus imortal morrer. Além disso, um sacrifício divino não cobriria a pecaminosidade humana. E, além de tudo isso, somos lembrados de que nenhum homem jamais viu a Deus. (João 1:18)

Existe a possibilidade de que João não tenha recuado no tempo, quando ele falou do “Deus unigênito”. É possível, bíblica e contextualmente, aplicar a descrição de João a Jesus na carne. Na verdade João faz isso no versículo 14: “Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade.” A singularidade de sua concepção e nascimento permite (na verdade, exige) a definição de um filho unigênito. Quando foi dito a Maria que ela iria conceber um filho, o anjo explicou: “O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com a sua sombra. Assim, aquele que há de nascer será chamado Santo, Filho de Deus.” (Lucas 1:35) Jesus é identificado como “Filho de Deus”, de sua vida humana para a frente. Nenhum texto que o identifica antes da criação fala dele como “Filho de Deus”. Quanto a ele ser “Deus”, enquanto em sua condição humana, precisamos nos lembrar de que o Messias prometido seria chamado, entre outras coisas, de “Deus Forte.” (Isaías 9:6) O leque de significados associados a theos (‘deus’) permite que esse título seja aplicado ao Messias prometido, sem confundi-lo com o “Altíssimo” (Deus) a quem Lucas chama de Pai dele. Mais sobre o assunto da gama de significados associados a termos de dignidade na Bíblia será considerado mais adiante neste tratado. Outra possibilidade ainda é que esse “Deus unigênito”, poderia se aplicar ao Filho de Deus ressuscitado e glorificado. O apóstolo Paulo associa a ressurreição de Jesus com o Salmo 2:7. Ele diz: “Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, o qual foi prometido por ele de antemão por meio dos seus profetas nas Escrituras Sagradas, acerca de seu Filho, que, como homem, era descendente de Davi, e que mediante o Espírito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder, pela sua ressurreição dentre os mortos: Jesus Cristo, nosso Senhor.” – Romanos 1:1-4. Essa interpretação não viola as Escrituras.

Quando a virgem Maria, da tribo de Judá, foi abordada pelo anjo de Deus foi-lhe dito: “Não tenha medo, Maria; você foi agraciada por Deus! Você ficará grávida e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó; seu Reino jamais terá fim. Perguntou Maria ao anjo: “Como acontecerá isso, se sou virgem?” O anjo respondeu: O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com a sua sombra. Assim, aquele que há de nascer será chamado Santo, Filho de Deus.” (Lucas 1:30-35) O anjo explicou a Maria como poderia o filho dela ser chamado ‘O Filho de Deus’. Seria porque o Espírito Santo viria sobre ela e o poder do Altíssimo a cobriria. O que isso significava, de forma prática, era que ela ficaria grávida milagrosamente e, no devido tempo, daria à luz um filho, um descendente do rei Davi.

Em todas as épocas de Natal nós temos o nascimento de Jesus Cristo recontado. José, a quem Maria estava prometida em casamento, e Maria viajaram para o sul, à cidade de Belém, no território de Judá. “Enquanto estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê, e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.” (Lucas 2:6,7) Seu filho cresceu e com base nas poucas informações disponíveis, parece que a vida inicial e a educação de Jesus foi normal. Lucas diz que quando Jesus tinha doze anos de idade, ele se separou de seus pais e depois foi encontrado sentado no meio dos doutores da lei e interrogando-os. Todos ficaram surpresos com sua precocidade. (Lucas 2:41-47) Seus pais depois o repreenderam por isso. (Lucas 2:48) Lucas conclui este breve episódio, dizendo: “Jesus ia crescendo em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens.” – Lucas 2: 52.

Nada mais se diz sobre a juventude de Jesus nos Evangelhos. O próximo capítulo de Lucas salta uns dezoito anos à frente, quando Jesus veio a João Batista para ser batizado. Segundo Lucas, Jesus tinha cerca de trinta anos de idade. (Lucas 3:23) Isso foi quando seu notável ministério teve início. Os evangelhos registram sua mensagem e seu testemunho sobre si mesmo e relatam muitos sinais que ele realizou. Houve momentos em que até os discípulos não sabiam o que fazer quanto a ele. A Bíblia diz que eles o adoraram. Lemos sobre a ocasião em que Jesus veio andando sobre a água em direção a eles e Pedro também tentou andar sobre a água até ele. Pedro ficou com medo e começou a afundar. Jesus o resgatou. E quando eles subiram no barco, o vento cessou. “Então os que estavam no barco o adoraram, dizendo: “Verdadeiramente tu és o Filho de Deus”. – Mat. 14:25-33.

Depois de sua ressurreição “tendo-os levado até as proximidades de Betânia, Jesus ergueu as mãos e os abençoou. Estando ainda a abençoá-los, ele os deixou e foi elevado ao céu. Então eles o adoraram e voltaram para Jerusalém com grande alegria.” (Lucas 24:50-52). Em outra aparição após a ressurreição, lemos: “As mulheres saíram depressa do sepulcro, amedrontadas e cheias de alegria, e foram correndo anunciá-lo aos discípulos de Jesus. De repente, Jesus as encontrou e disse: “Salve!” Elas se aproximaram dele, abraçaram-lhe os pés e o adoraram.” (Mateus 28:8,9) Jesus aparentemente aceitou esta ‘adoração’, já que ele não reprovou os que fizeram isso. O que as ações de seus discípulos nos dizem sobre como eles o viam? Será que eles achavam que ele era Deus em carne? Se ele era só um homem, ainda que sem pecado, nenhuma adoração deveria ser destinada a ele, deveria? E o que isso nos diz sobre o relacionamento entre o Pai e o Filho durante sua vida humana? O testemunho constante nos relatos evangélicos é que o Filho de Deus veio para fazer a vontade do Pai. Ele orou ao Pai e submeteu-se à vontade dele. Sua mensagem não era dele, mas de seu Pai. Ele mostrou todas as limitações que os seres humanos têm. Ele se cansava e tinha de descansar. Ele ficava com fome e tinha de comer. Ele mostrou emoções humanas. Ele podia chorar e podia ficar irritado. Em outras palavras, ele era bem humano. E ainda assim ele podia fazer coisas tão maravilhosas. Como isso era possível se ele não fosse Deus? No entanto, foi a sua vida humana – perfeita e sem pecado – que se apresentou a nós como a oferta valiosa que ele apresentou a Deus. Ele tornou-se semelhante a nós em todos os sentidos, de acordo com a carta inspirada aos hebreus:

“Ao levar muitos filhos à glória, convinha que Deus, por causa de quem e por meio de quem tudo existe, tornasse perfeito, mediante o sofrimento, o autor da salvação deles. Ora, tanto o que santifica quanto os que são santificados provêm de um só. Por isso Jesus não se envergonha de chamá-los irmãos. Ele diz: “Proclamarei o teu nome a meus irmãos; na assembleia te louvarei”. E também: “Nele porei a minha confiança”. Novamente ele diz: “Aqui estou eu com os filhos que Deus me deu”. Portanto, visto que os filhos são pessoas de carne e sangue, ele também participou dessa condição humana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo… Por essa razão era necessário que ele se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel com relação a Deus, e fazer propiciação pelos pecados do povo. Porque, tendo em vista o que ele mesmo sofreu quando tentado, ele é capaz de socorrer aqueles que também estão sendo tentados.” – Hebreus 2:10-14,17,18.

A “raiz santa” da qual Cristo surgiu

Como pode tudo o que consideramos até agora ser colocado num quadro compreensível? A resposta está em sermos capazes de retroceder, por assim dizer, e visualizar o quadro mais amplo. A vida e o ministério de Jesus Cristo não ocorreram num vácuo. Tudo o que ele ensinou e tudo o que ele afirmou sobre si mesmo deve ser visto e avaliado dentro do contexto do Judaísmo e das expectativas bíblicas deles a respeito do Messias prometido. Conforme já mencionado, dois dos evangelhos sinóticos (Mateus e Lucas) nos fornecem a autêntica árvore genealógica do Senhor, que se estende até o patriarca hebreu Abraão e antes dele. O objetivo óbvio desse levantamento genealógico é estabelecer, sem sombra de dúvida, que Jesus era um verdadeiro filho de Abraão e do rei Davi.

Por que isso era tão importante e como isso nos ajudar a entender melhor o relacionamento de Jesus com seu Pai?

O patriarca Abraão foi o primeiro de quem se fala que a justiça foi creditada devido à fé. Deus fez uma promessa a Abraão. Ele disse que seus filhos seriam tão numerosos como as estrelas do céu e por meio dele todas as nações seriam abençoadas. “Abrão [Abraão] creu no Senhor, e isso lhe foi creditado como justiça.” (Gênesis 15:6) O apóstolo Paulo chama a atenção para este fato de Abraão ter sido declarado justo pela fé para enfatizar o conceito cristão do perdão devido à graça e não devido a obras. “Portanto, que diremos do nosso antepassado Abraão? Se de fato Abraão foi justificado pelas obras, ele tem do que se gloriar, mas não diante de Deus. Que diz a Escritura? “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça.” (Rom. 4:1-3) E pouco depois, no mesmo capítulo, ele escreve: “Portanto, a promessa vem pela fé, para que seja de acordo com a graça e seja assim garantida a toda a descendência de Abraão; não apenas aos que estão sob o regime da Lei, mas  também aos que têm a fé que Abraão teve. Ele é o pai de todos nós.” (Rom. 4:16) À base deste e de outros textos relacionados, fica claro que o Cristianismo cresceu a partir da raiz das promessas abraâmicas e do Judaísmo. Dos crentes não judeus (gentios) afirma-se que foram enxertados numa raiz santa. Essa raiz santa foi Israel. Paulo escreveu:

Estou falando a vocês, gentios. Visto que sou apóstolo para os gentios, exalto o meu ministério, na esperança de que de alguma forma possa provocar ciúme em meu próprio povo e salvar alguns deles. Pois se a rejeição deles é a reconciliação do mundo, o que será a sua aceitação, senão vida dentre os mortos? Se é santa a parte da massa que é oferecida como primeiros frutos, toda a massa também o é; se a raiz é santa, os ramos também o serão. Se alguns ramos foram cortados, e você, sendo oliveira brava, foi enxertado entre os outros e agora participa da seiva que vem da raiz da oliveira cultivada, não se glorie contra esses ramos. Se o fizer, saiba que não é você quem sustenta a raiz, mas a raiz a você. – Romanos 11:13-18

O mesmo apóstolo, numa carta a outros cristãos não judeus, lembra-lhes que eles foram enxertados na raiz santa: “Portanto, lembrem-se de que anteriormente vocês eram gentios por nascimento e chamados incircuncisão pelos que se chamam circuncisão, feita no corpo por mãos humanas, e que naquela época vocês estavam sem Cristo, separados da comunidade de Israel, sendo estrangeiros quanto às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo. Mas agora, em Cristo Jesus, vocês, que antes estavam longe, foram aproximados mediante o sangue de Cristo.” (Efe. 2:11-13). O apóstolo fez novamente aplicação de Gênesis 15:6 em sua carta às congregações da Galácia: “Considerem o exemplo de Abraão: “Ele creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça”. Estejam certos, portanto, de que os que são da fé, estes é que são filhos de Abraão.” (Gal. 3:6,7) Estes mesmos filhos de Abraão (devido à fé) também são filhos de Deus: “Todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus.” – Gal. 3:26.

O pacto da lei, recebido pelos antepassados ​​de Jesus, foi posto em vigor 430 anos depois que Deus fez essa declaração profética e promessa a Abraão. O pacto da lei serviu como uma provisão temporária para manter unidos os filhos de Abraão até que a prometida “semente de Abraão”, Jesus Cristo, chegasse. Esta provisão temporária – a lei – estava em vigor durante a vida de Cristo e como judeu ‘nascido sob a lei’, ele estava obrigado a observá-la. Considere a seguinte observação sobre isso:

“Não deveria ser surpresa que a estrutura subjacente e matriz de grande parte do Novo Testamento é hebraica, Afinal, Jesus era judeu, não um cristão de origem gentia. Seus ensinamentos, assim como os de seus seguidores, refletem uma etnia e cultura distintas. As evidências encontradas no Novo Testamento são muito claras: assim como uma mãe dá à luz e alimenta uma criança, a cultura e a língua hebraicas deram à luz e nutriram o Cristianismo.” – Our Father Abraham: Jewish Roots of the Christian Faith [Nosso Pai Abraão: As Raízes Judaicas da Fé Cristã], Dr. Marvin R. Wilson, professor de Estudos Bíblicos e Teológicos no Gordon College, Wenham, Massachussets, publicado por W. B. Eerdmans, pág. 12.

Jesus Cristo não veio estabelecer uma nova religião. Ele veio confirmar, esclarecer e coroar com perfeição as promessas feitas a Abraão. Ele tornaria conhecido o propósito eterno de Iavé, que até a vinda do Messias tinha permanecido como um segredo divino. A questão fundamental a ser respondida não era, “Jesus é Deus?” e sim “Jesus é o Messias?” O apóstolo João, perto da conclusão do seu evangelho escreveu: “Jesus realizou na presença dos seus discípulos muitos outros sinais milagrosos, que não estão registrados neste livro. Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome.” (João 20:30,31)

A nota de rodapé ao versículo 31 na Bíblia de Estudo NVI diz em parte: “Todo esse Evangelho foi escrito para mostrar a verdade da messianidade de Jesus e apresentá-lo como o Filho de Deus, para que os leitores possam acreditar nele.”

O contexto do culto monoteísta

Quando foi dito pela primeira vez a Moisés que ele deveria voltar para o Egito e levar os descendentes de Abraão para fora daquele país, Deus disse: “Eu sou o Deus de seu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, o Deus de Jacó.” (Exo 3:6) Pouco depois, durante o mesmo encontro divino, “Deus respondeu a Moisés: “EU SOU AQUELE QUE SOU”. E ajuntou: “Eis como responderás aos israelitas: (Aquele que se chama) EU SOU envia-me junto de vós.” Deus disse ainda a Moisés: “Assim falarás aos israelitas: É JAVÉ, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, quem me envia junto de vós. Este é o meu nome para sempre, e é assim que me chamarão de geração em geração”. – Êxodo 3:14,15, CBC.

Com o tempo, os israelitas foram libertados da escravidão no Egito e encontravam-se reunidos ao sopé do Monte Sinai, onde Moisés recebeu os famosos Dez Mandamentos. Os dois primeiros desses mandamentos (conforme divididos na NVI) eram: (1) Não terás outros deuses além de mim. (2) “Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus mandamentos.” – Exo 20:3-6

Os israelitas haviam sido e continuariam a ser expostos a muitos deuses diferentes. No Egito, eles estavam bem familiarizados com o panteão de deuses egípcios e muitos egípcios acompanharam os israelitas para fora do Egito. Depois, em Canaã e áreas vizinhas, eles estariam expostos a inúmeros deuses de cidades, aos Baais locais e ao espírito de panteísmo. Desde o início, eles estavam cientes de que o seu Deus, com quem tinham um pacto, não toleraria qualquer rival. A adoração deles deveria ser estritamente monoteísta. Em Deuteronômio, lemos: “Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças.” (Deut 6:4,5) Quando perguntaram a Jesus qual mandamento da lei era o maior em importância, ele citou o Deuteronômio 6:5: “Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. Este é o primeiro e maior mandamento.” – Mat 22:37,38.

Nos dias de Jesus o livro do Deuteronômio era o livro do Pentateuco de maior circulação e o trecho dele que Jesus citou pode ter sido um dos mais antigos entre os versículos que lhe foram ensinados por seu pai, José, e que ele tinha na memória. Deuteronômio 6:4, o versículo que antecede o que Jesus citou, diz: “Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor.” Este texto veio a ser chamado de Shema, tirado do nome da primeira palavra hebraica no versículo: Ouve! O significado deste texto é comentado por Marvin R. Wilson:

“O Shema não é uma oração (a literatura rabínica nunca faz referência a ‘orar’ o Shema), e sim uma confissão de fé ou um credo. A prática de recitar diariamente o Shema está firmemente estabelecida na Míxena (cerca 200 DC). A posição importante do Shema na experiência religiosa judaica é ressaltada pelo fato de que a Míxena inteira começa assim: ‘A partir de que hora da noite pode ser recitado o Shema?’” (Berakhot 1:1) – Our Father Abraham: Jewish Roots of the Christian Faith [Nosso Pai Abraão: As Raízes Judaicas da Fé Cristã], pág. 123.

Não admira que Satanás tenha tentado corromper a adoração de Jesus e levá-lo a violar esse maior dos mandamentos. Depois de seu período de quarenta dias de meditação no deserto, Jesus foi posto à prova por Satanás: “O Diabo o levou a um lugar alto e mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo. E lhe disse: “Eu te darei toda a autoridade sobre eles e todo o seu esplendor, porque me foram dados e posso dá-los a quem eu quiser. Então, se me adorares, tudo será teu.” Jesus respondeu: “Está escrito: “Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto”” (Lucas 4:5-8) Jesus citou o texto de Deuteronômio 6:13 em sua resposta ao Diabo. Desta forma, o filho do homem manteve a doutrina hebraica de um só Deus. Considere também o fato de que este Filho de Deus é referido como o “último Adão”. (1 Cor 15:45) O primeiro Adão também era um filho de Deus – feito à imagem de Deus. (Lucas 3:38) Esse primeiro Adão falhou em seu teste de fidelidade a seu Criador; o segundo Adão não falhou.

De acordo com o mandamento de Deus, os israelitas não deviam se prostrar  ou adorar, isto é, servir outros deuses. (Exo 20:5) As palavras originais em hebraico traduzidas como “prostrar-se” e “adorar” em Êxodo 20:5, eram shâchâh e âbad, segundo a Strong’s Exhaustive Concordance of the Bible Strong [Concordância Exaustiva da Bíblia de Strong]. O significado de shâchâh é “curvar-se” e aparece no Antigo Testamento muitas vezes. Em relação ao seu uso lá, Robert B. Girdlestone diz:

Shachah originalmente significava prostração como um sinal de respeito, e aplica-se nas Escrituras não só a Deus e aos falsos deuses, como também aos homens, assim como a palavra inglesa “adoração” é usada na reverência do marido para com sua esposa no ofício de casamento da Igreja Inglesa, e é mantida como um título de respeito por um magistrado civil. Shachah é também vertida na Versão Autorizada [Rei Jaime] pelas palavras curvar-se, inclinar-se, agachar-se, cair, suplicar humildemente, fazer uma homenagem, e fazer reverência. – Synonyms of the Old Testament [Sinônimos do Antigo Testamento], R. B.  Girdlestone, págs. 215, 216. (Os sublinhados não estão no original.)

O costume oriental de curvar-se como um sinal de respeito foi praticado pelo patriarca Abraão. Quando a esposa de Abraão, Sara morreu, Abraão procurou comprar um pedaço de terra dos hititas para enterrá-la. “Novamente Abraão curvou-se [shâchâh] perante o povo daquela terra e disse a Efrom, sendo ouvido por todos: “Ouça-me, por favor. Pagarei o preço do campo. Aceite-o, para que eu possa sepultar a minha mulher”. (Gên 23:12,13) Séculos depois, quando Rute, a nora de Noemi, conheceu seu benfeitor Boaz, “ela inclinou-se [shâchâh] e, prostrada com o rosto em terra, exclamou: “Por que achei favor a seus olhos, ao ponto de o senhor se importar comigo, uma estrangeira?” (Rute 2:10) Outros exemplos poderiam ser dados para ilustrar o fato de que, às vezes, shâchâh referiu-se ao ato de curvar-se como um sinal de respeito ou honra. O mandamento de Deus contra curvar-se perante um falso deus não seria violado nesses casos. Ele deixava transparecer o que estava na mente da pessoa que mostrava esse respeito.

Os tradutores modernos usam ‘curvar-se’ nestes versículos porque é o que a palavra original shâchâh significava. Porém, a mesma palavra é traduzida como ‘adorar’ pelos tradutores da Versão Rei Jaime e da Nova Versão Internacional em Êxodo 34:14: “Nunca adore [shâchâh] nenhum outro deus, porque o Senhor, cujo nome é Zeloso, é de fato Deus zeloso.” Os tradutores decidiram usar a palavra ‘adorar’ aqui em vez de ‘curvar-se’. Se eles tivessem traduzido consistentemente como ‘curvar-se’, teriam feito o mesmo que se faz na EP, que traduz o versículo como: “Não se prostre diante de outro deus, porque Javé se chama Ciumento: ele é um Deus ciumento.”  Esta última tradução transmite o sentido do versículo, sem introduzir a palavra ‘adorar’.

A palavra âbad tem o sentido de ‘servir’. E, assim como shâchâh, ela é usada tanto em relação aos homens, como a Deus, ou deuses. Às vezes, ela é traduzida simplesmente como ‘trabalho’. Por exemplo, Jacó concordou em trabalhar para seu tio, Labão, por sete anos pela filha mais nova dele, Raquel. “Como Jacó gostava muito de Raquel, disse: “Trabalharei [âbad] sete anos em troca de Raquel, sua filha mais nova”.” (Gên 29:18) Depois de sete anos de trabalho, Labão traiu Jacó e lhe deu sua filha mais velha, Lia, em casamento, em vez de Raquel. Depois disso, ele teve de concordar em trabalhar mais sete anos para Labão, para se casar com Raquel. “E trabalhou [âbad] para Labão outros sete anos.” (Gên 29:30) Jacó serviu a Labão um total de 14 anos por suas duas esposas. Isso era simples serviço ou trabalho e não adoração. Assim, quando Iavé, o Deus da aliança de Israel, disse que eles não deviam curvar-se [shâchâh] perante outros deuses ou servi-los [âbad], Ele não estava proibindo atos simples de respeito, tais como se curvar, nem estava proibindo todas as formas de serviço ou trabalho. Somente quando os atos de serviço ou curvar-se envolvidos fossem destinados a mostrar reverência para com um deus falso é que eles seriam errados.

É importante compreender as variações de significado incorporado nas palavras originais em grego e hebraico, pois isso nos permite avaliar melhor sua utilização em diferentes circunstâncias, tendo em mente que não havia terminologia distintamente religiosa ou sacerdotal usada para definir atos de adoração em contraposição a simples atos ou funções da vida cotidiana. Este raciocínio será mais esclarecido adiante.

O Deus distintivo de Israel: O único Deus verdadeiro

O Deus de Israel nos é apresentado nas palavras iniciais de Gênesis: “No princípio Deus criou os céus e a terra.” (Gênesis 1:1) A palavra Deus aparece trinta vezes nesse capítulo de abertura. Pode surpreender alguns leitores saber que a derivação da palavra “Deus” é incerta. Segundo o Dictionary of Word Origins [Dicionário da Origem das Palavras], de John Ayto: “Ela provavelmente vem do indo-europeu *ghat–. Isto pode estar relacionado ao sânscrito havate e ao eslavônio da Igreja Antiga zovetu, ambos significando ‘chamar’, e, se é assim, o significado etimológico subjacente de Deus seria ‘o que é invocado’. O antecessor imediato da palavra em inglês é a palavra germânica pré-histórica *guth–, que também produziu o alemão gott, o holandês god, e o sueco e dinamarquês gud.” – pág. 258.

A palavra hebraica usada no original e traduzida como ‘Deus’ nos trinta casos mencionados acima é elohim, a forma plural de el, que é também traduzida como ‘Deus’. A rigor, estas palavras não são nomes – elas são títulos. Embora elohim seja plural na forma, ela é quase sempre acompanhada por um verbo no singular. “No princípio Deus [elohim-plural] criou [bara-singular] os céus e a terra.” (Gênesis 1:1) Nem está ela restrita a designar o único Deus verdadeiro. Embora seja aplicada ao verdadeiro Deus mais de 2.300 vezes, aplica-se também a outros deuses cerca de 245 vezes. Descobrimos que elohim é às vezes utilizada para identificar deuses individuais, tais como Quemós, Dagom, Milcom e outros.

O Rei Salomão construiu santuários para os deuses Quemós e Moloque numa colina ao leste de Jerusalém. A ira de Deus se expressou por meio do profeta Aías, que declarou a intenção de Deus de dividir o reino e dar dez tribos a Jeroboão. Aías estava vestindo um manto novo que ele rasgou em doze pedaços. “E disse a Jeroboão: Apanhe dez pedaços para você, pois assim diz o Senhor (elohim), o Deus de Israel: “Saiba que vou tirar o reino das mãos de Salomão e dar a você dez tribos. Mas, por amor ao meu servo Davi e à cidade de Jerusalém, a qual escolhi dentre todas as tribos de Israel, ele terá uma tribo. Farei isso porque eles me abandonaram e adoraram Astarote, a deusa dos sidônios, Camos, deus [elohim] dos moabitas, e Moloque, deus [elohim] dos amonitas, e não andaram nos meus caminhos, nem fizeram o que eu aprovo, nem obedeceram aos meus decretos e às minhas ordenanças, como fez Davi, pai de Salomão.” (1 Reis 11:31-33) Note-se que a forma plural de ‘Deus’ (elohim) é usada não só para o único Deus verdadeiro, como também para os deuses pagãos mencionados por nome.

À base de seu uso no texto hebraico torna-se óbvio que o título ‘Deus’ ou ‘deus’, seja na forma singular ou plural, não é usado exclusivamente para o único Deus verdadeiro. Ele é usado num sentido genérico para identificar tanto os deuses pagãos como o Deus de Israel. Que os escritores hebraicos poderiam usar elohim tanto para o seu Deus como para os deuses das nações demonstra como eles encaravam o título. Vale ressaltar aqui que a forma como certas palavras são usadas na própria Bíblia oferece o melhor guia para a compreensão das nuanças que estão muitas vezes presentes nessas palavras. Os tradutores para uma língua moderna podem grafar ‘Deus’ em maiúsculas quando o texto está falando sobre o Deus verdadeiro e usar letras minúsculas, ‘deus’, quando os deuses estrangeiros ou falsos são identificados no texto, mas o hebraico original não faz essa distinção. Ainda assim, alguns acham que se deve atribuir uma importância especial ao fato de que elohim é a forma plural para divindade; porém a forma plural é usada também para outros deuses pagãos individuais tais como Moloque e Quemós. Que esta palavra é usada com mais frequência para identificar Iavé como Deus no texto hebraico não surpreende. Afinal, as Escrituras têm a Ele como foco principal – não Moloque, Quemós ou qualquer outra divindade pagã. Deve-se salientar também que o uso de formas singular e plural de palavras em hebraico é muito comum. Sobre isso, lemos o seguinte:

“O uso do número plural em hebraico parece muitas vezes denotar não tanto uma pluralidade de indivíduos quanto plenitude, vastidão, majestade, ou integralidade de talentos. Assim, a primeira palavra do primeiro Salmo, que comumente traduzimos como um adjetivo – ‘Bem-aventurado é o homem’, etc. – é um substantivo no plural; literalmente, a bem-aventurança do homem… A palavra para vida muitas vezes é plural, como em Gen. ii, 7, ‘soprou em suas narinas o fôlego de vidas,’; o versículo 9 tem ‘árvore de vidas’, e o cap. vii, 22, ‘sopro do espírito de vidas.’ Aqui, o significado não pode ser, conforme alguns sugeriram, uma vida dupla – animal e espiritual, pois o plural é usado tanto para a árvore da vida como para o animal e o homem. Ela parece, em vez disso, indicar plenitude e completude da vida. Do mesmo modo as palavras para água e céu são sempre usadas no plural, provavelmente com base na ideia de vastidão ou majestade. Esta é também a melhor explicação para a forma plural do nome de Deus; o que os antigos gramáticos chamavam de plural de excelência, expressando a dignidade e poder múltiplo do Criador de todas as coisas.” – Biblical Hermeneutics [Hermenêutica Bíblica], Milton S. Terry, segunda edição, pág. 86 (itálicos no original)

No que se refere à pluralidade de elohim outra fonte oferece a seguinte explicação:

“El deriva de uma raiz que indica força ou poder, e com essa conotação é aplicada no Antigo Testamento aos homens, e até mesmo abstratamente a coisas, assim como a Deus. Quando se aplica a uma deidade é frequentemente combinada com algum epíteto como ‘todo-poderoso’, por exemplo, El-Shaddai, Deus Todo-Poderoso, ou Todo-suficiente. Eloah (raramente usado, exceto em poesia) e Elohim também são usados, sendo a forma plural a de uso comum. Alguns veem no uso do plural um resquício do politeísmo, outros um prenúncio da Trindade. É mais provável que seja um caso de um uso comum em hebraico pelo qual o plural serve para intensificar ou ampliar a ideia expressa no singular. Seria, assim, chamar a atenção para a plenitude inesgotável da Deidade, a plenitude da vida em Deus.” – The New Bible Dictionary [O Novo Dicionário da Bíblia], J. D. Douglas, ed., páginas 474, 475, edição de 1962 (os negritos não estão no original).

Conforme indicado acima, a palavra El (Deus) é às vezes usada em palavras compostas para descrever o Deus de Israel: el-etyon: (Deus Altíssimo), el-Sadat: (Deus Todo-Poderoso), elvoi: (Deus de visão). Além destes, Rocha, o Forte, Rei e Senhor são também usados ​​às vezes para definir os vários atributos ou autoridades de Deus. Que o Deus de Israel é identificado como ‘Altíssimo’ (Deus), e ‘Todo-Poderoso’ (Deus), deve deixar claro que a palavra genérica para ‘Deus’, seja na forma singular ou na plural, não mantém um valor fixo. A mesma palavra ou palavras podem ser usadas para identificar outros deuses ou divindades. Que o Deus único e verdadeiro é muitas vezes distinguido por adjetivos qualificativos ligados a ‘Deus’, demonstra que ele é superior a todos os outros ‘deuses’. Há quem veja um múltiplo de pessoas sugerido na forma plural da palavra ‘Deus’ (elohim). Não vejo qualquer evidência textual que apoie essa sugestão. O uso do plural era muito comum em hebraico e, conforme vimos, até mesmo deuses pagãos individuais (Moloque e Quemós) foram às vezes identificados como elohim.

O nome exclusivo do Deus de Israel

Se tivermos em mente que a raiz da qual a palavra hebraica El se deriva indica “força ou poder” não ficaremos consternados ao ver esta palavra sendo às vezes aplicada a homens no Antigo Testamento. Afinal, existe o elemento de força e poder associado com a autoridade humana. O contexto em que tanto El como Elohim são usados determina o valor a se atribuir a essas palavras. Estaremos cometendo um erro se atribuirmos um valor fixo a essas palavras, quando a fonte de nossa investigação não faz isso.

Ao passo que os títulos genéricos para divindade no Antigo Testamento (el, elohim) são comumente usados para incluir outras pessoas, além do único Deus verdadeiro, há um nome que realmente o distingue e nunca foi usado para qualquer outra pessoa. Esse nome, conforme muitos eruditos concordam, é mais bem transliterado como “Iavé”. Este nome exclusivo que Deus atribuiu a si mesmo, aparece milhares de vezes no texto hebraico. Visto ser relevante para nossa investigação, as informações sobre Iavé fornecidas pela International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional], são apresentadas aqui:

C. O Nome da Aliança: Iavé. Iavé é o único nome verdadeiramente pessoal de Deus na fé de Israel; os demais são expressões titulares ou descritivas. As referências a ‘o nome’ ou ‘em nome’ de Deus indicam este nome.” – International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional], Vol. 2, página 506

3. Pessoal. Além dos nomes gerais e nomes qualificativos, Deus também tem um nome qualificativo que é o Seu nome por excelência no AT, que o caracteriza como o Deus vivo da revelação e da reconciliação de um modo específico, e que vem a ter, assim, a natureza de um nome próprio. Este é o nome Iavé (Jeová), que consiste basicamente das consoantes YHWH, e que está associado no Ex. 3:13-15 com a palavra hebraica hayâ (‘ser’) para dar a interpretação ‘Eu sou o que sou’, ou ‘Eu serei o que serei’. Várias questões surgem em conexão com este nome. A derivação linguística é, sem dúvida obscura. Dificilmente o significado dado no Ex. 3:13-15 pode apoiar o sentido metafísico que tem sido, às vezes, extraído dele, ou seja, o de auto existência (conforme a Suma Teológica, de Tomás de Aquino i.2.3), mas parece em vez disso significar a fidelidade que reside em Deus. Se o nome já era conhecido e utilizado por outros grupos, como por exemplo os queneus, não se pode determinar. Em todo caso, a importância distintiva dele para Israel é, sem dúvida, dada com a teofania na sarça ardente. Se o nome era realmente novo para Israel (Ex. 3:13 em diante; 6:2 em diante) deve ser também uma questão de conjectura, tendo em vista seu uso anterior nas histórias patriarcais. Duas possibilidades são: (a) que o nome tinha realmente sido utilizado, mas foi abandonado durante o período no Egito, ou (b) que ele foi dado pela primeira vez com o novo passo da libertação divina do Egito, e foi então lido mais corretamente nas histórias anteriores, para expor a continuidade da ação salvífica de Deus por meio de Israel… Deus é nomeado; isso por si só é de extrema importância. Deus não é uma abstração; Ele é o Deus vivo. Mas este Iavé, que é Deus, é elohim, o Deus da criação, o Senhor do cosmos. Ele não é só uma divindade tribal como as divindades das nações. No entanto, Ele é, de fato, o Deus de Israel. Ele é o Deus que atua na história, o Deus que escolheu esse povo tanto como o primeiro objeto como o agente de Sua revelação e ação reconciliadora. Como o Deus deste povo Ele é o Deus do pacto, o Deus de relacionamento, o Deus que estabelece um relacionamento de fidelidade e obediência, o Deus de uma relação mútua de amor. O conjunto da revelação no Antigo Testamento, bem como toda a revelação do Novo Testamento, já está implícito nestas simples quatro letras que são tão intrigantes e ainda assim tão luminosas e reveladoras. Dizer Iavé é dizer Deus; dizer Deus é dizer Iavé.” – International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional] Edição Revisada, Vol. 2, págs. 497, 498 (sob o verbete Nomes de Deus), alguns itálicos não estão no original.

A primeira ocorrência do nome pessoal de Deus encontra-se em Gênesis capítulo dois. “No tempo em que Iahweh Deus fez a terra e o céu, não havia ainda nenhum arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido, porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o solo. Entretanto, um manancial subia da terra e regava toda a superfície do solo. Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente.” (Gênesis 2:4-7, Bíblia de Jerusalém, 2000). A maioria das versões modernas não usam uma forma do nome (Iahweh / Javé / Jeová), mas inserem as palavras SENHOR ou DEUS, onde o texto hebraico contém essas quatro consoantes hebraicas: YHWH. Típico desta substituição é a maneira como a NVI traduz estes versículos:

“Esta é a história das origens dos céus e da terra, no tempo em que foram criados: Quando o Senhor Deus fez a terra e os céus, ainda não tinha brotado nenhum arbusto no campo, e nenhuma planta havia germinado, porque o Senhor Deus ainda não tinha feito chover sobre a terra, e também não havia homem para cultivar o solo. Todavia brotava água da terra e irrigava toda a superfície do solo. Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente.” – Gênesis 2:4-7

Em uma nota sobre Gênesis 2:4, A Bíblia de Estudo NVI diz:

Senhor Deus. “Senhor” (hebraico YHWH, “Yahweh”) é o nome pessoal e da aliança de Deus (ver nota em Ex 3:15), enfatizando seu papel como Redentor e convênio Senhor de Israel (ver nota em Ex 6:6), enquanto “Deus” (hebraico Elohim) é um termo geral. Ambos os nomes ocorrem milhares de vezes no AT, e, muitas vezes, como aqui, eles aparecem juntos – indicando claramente que eles se referem ao único Deus.”

É enganoso afirmar que o fato de Elohim (Deus) e YHWH (Iahweh) serem nomes e aparecerem juntos ‘indica claramente que eles se referem ao único Deus’. Conforme já considerado, elohim nem sempre representa o verdadeiro Deus. O termo é usado centenas de vezes quando se refere a falsos deuses. Além disso, elohim é um título, não um nome. É por isso que o Tetragrama aparece milhares de vezes em conexão com elohim no texto hebraico para identificar e distinguir o Deus único de Israel (e nosso), como o único e verdadeiro elohim! Ao usar o nome próprio que Deus havia dado, os israelitas poderiam identificar o seu Deus como Iavé Deus para distingui-lo com um nome pessoal e separá-lo de todos os demais deuses. O Prefácio da Bíblia de Estudo NVI (em inglês) apresenta estes pensamentos adicionais sobre a prática de substituir o Tetragrama hebraico YHWH por SENHOR ou DEUS em vez de usar o nome Iavé representado por essas consoantes:

“Em relação ao nome divino YHWH, comumente referido como o Tetragrama, os tradutores adotaram o recurso usado na maioria das versões em inglês de traduzir o nome como ‘SENHOR’ em letras maiúsculas para distingui-lo de Adonai, outra palavra hebraica traduzida por ‘Senhor’, para a qual foram usadas letras minúsculas. Onde quer que os dois nomes estejam juntos no Antigo Testamento como um nome composto de Deus, eles são traduzidos como ‘Soberano SENHOR’” – Bíblia de Estudo NVI, Prefácio, pág. xii.

O motivo de a maioria dos tradutores para o inglês terem ‘adotado o recurso’ descrito acima requer mais esclarecimentos. Supostamente, isso tem sua origem numa prática judaica de pontuar YHWH com as vogais pertencentes à palavra hebraica adonay (a forma plural de ‘Senhor’). O hebraico escrito não incluía as vogais como muitas línguas modernas. Esses escribas fluentes em hebraico não tinham qualquer dificuldade em suprir o som da vogal apropriada quando liam o texto. Nós fazemos algo parecido quando nos deparamos com uma palavra abreviada em português, como ‘Sr.’. Nós simplesmente pronunciamos o que ‘Sr.’ representa, porque sabemos que ele significa ‘senhor’. Conhecendo o idioma português, podemos facilmente adicionar as vogais para pronunciar esta palavra. De maneira um tanto análoga, o escriba hebraico podia acrescentar facilmente o som vocálico apropriado ao hebraico consonantal. Segundo os historiadores, algum tempo depois de os judeus voltarem do cativeiro babilônico, os escribas judaicos começaram a evitar pronunciar o nome divino. Para lembrar a si mesmos e outros para não pronunciar o nome em voz alta quando se deparassem com ele no texto sagrado, eles pontuaram o tetragrama com as vogais pertencentes à palavra hebraica adonay. Isto serviria para alertar o leitor a não pronunciar o nome divino, mas dizer, em vez disso, adonay (Senhor). Como se desenvolveu o costume e a tradição desta prática é explicado na International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblia Padrão Internacional]:

“A prática judaica pós-exílica de substituir Iahweh por adonai (ou elohim) na leitura ou recitação pública das Escrituras pode ter surgido com base em Lev 24:16, interpretado (erroneamente) como significando que a simples pronúncia do tetragrama sagrado era uma ofensa capital, ou do temor de que pronunciar o nome divino equivaleria a reduzir Deus ao nível de uma divindade pagã que era chamada por um nome pessoal.

Esta substituição habitual de Iahweh por adonay (‘Senhor’), devido a se evitar reverencialmente o inefável nome do Deus de Israel, explica: (1) por que os judeus do primeiro século D.C. (e provavelmente antes disso) que falavam grego usavam regularmente Kyrios (‘Senhor’), o equivalente grego do adonay, para se referir a Deus; (2) por que os massoretas no 7º século D.C. vocalizavam as consoantes YHWH com as vogais de adonai (o que, por sua vez, produziu a forma híbrida inglesa ‘Jeová’); (3) por que as Bíblias em inglês costumam usar ‘SENHOR’ em lugar de Iahweh e as versões em latim usam Dominus. (Onde o hebraico é Adonai Iahweh [por exemplo, Gênesis 15:2,8], a AV, RSV e NEB tem ‘Senhor DEUS’ [a ASV tem ‘Senhor Jeová’] para evitar a repetição de ‘Senhor’ – International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional, Edição Revisada, Vol. 3, pág. 157 (sob o verbete SENHOR).

A explicação e justificativa para a remoção do nome pessoal de Deus do texto das Bíblias em inglês é simplesmente insustentável. Como já foi reconhecido, o nome Iahweh (uma transliteração de YHWH) ocorre mais de 6.000 vezes nas Escrituras Hebraicas. Ele não era um nome cultista e tribal dado ao Deus de Israel pelos israelitas, e sim um nome escolhido pelo próprio Deus, que é rico em significado. Ele o apresenta como Criador e Revelador. Ele era distinto, único e superior a todos os outros deuses e seu nome profundo, Iahweh, refletia tudo isso. Honrar ao Deus representado por esse nome e evitar o uso indevido do mesmo necessitaria integridade ao pacto – e não uma recusa supersticiosa de pronunciar o nome. Na verdade, a recusa de usar o nome seria uma afronta ao Deus identificado de maneira tão única e aos muitos profetas hebraicos que regular e fielmente o usaram ​​para validar suas profecias. Que os tradutores modernos da Bíblia para o inglês tenham se sentido obrigados a perpetuar uma superstição rabínica é curioso, para se dizer o mínimo. Eu suspeito que haja preferência em substituir o nome por SENHOR, porque isso tende a atenuar a distinção entre o Pai e o Filho. Como Jesus é comumente identificado como Senhor no Novo Testamento; usar esta palavra para identificar o Deus de Israel se encaixa muito bem na mistura das duas identidades. Mas essa mistura não convém ao leitor mediano da Bíblia nem representa fielmente o cânon bíblico.

À parte a tradição judaica que explica as práticas dos massoretas, a questão que se coloca é o papel do tradutor. Uma tradução da Bíblia deve ser fiel à matéria que está sendo traduzida. Como vimos Iahweh é uma palavra transliterada, não uma palavra traduzida. Uma palavra transliterada aparece e soa mais como ela é pronunciada no idioma original; enquanto que uma palavra traduzida representa o equivalente em outra língua. Um exemplo de transliteração no Novo Testamento é em conexão com as palavras ‘batista’, ‘batizar’, e ‘batismo’, que representam as palavras gregas baptizobaptismos e baptisma. Elas são transferidas para muitas línguas modernas de maneira bem parecida com a forma em que existem em grego.

Não está entre as responsabilidades do tradutor preservar as atitudes tradicionais ou costumes vigentes. Ele é convocado para reproduzir, tão fielmente quanto o idioma permita, o significado preciso ou o equivalente mais próximo do original em um idioma diferente. Às vezes uma nota de rodapé pode ser necessária para esclarecer mais o assunto, mas o texto deve representar fielmente o original. O texto não é lugar para perpetuar tradições. E é muito enganoso sugerir que adonai (Senhor) é o equivalente do Tetragrama se a palavra adon (Senhor, no singular) também é comumente traduzida como ‘senhor’ na Bíblia. Adonai, a forma plural de adon é também traduzida como ‘Senhor’ quando ela não está representando YHWH. Quando ela representa o Tetragrama é traduzida como ‘SENHOR’. Porém, elas parecem semelhantes no texto e o som é o mesmo quando são pronunciadas. Isso é também verdade no caso das palavras el ‘Deus’ e elohim ‘DEUS’ quando elas são substituídas pelo nome exclusivo de Deus. Mais uma vez, ambas são semelhantes, tanto na escrita quanto na pronúncia. Como é que o leitor mediano poderá saber a diferença? Houve, e há, algumas traduções para idiomas modernos que reconheceram a importância de manter alguma forma do nome exclusivo de Deus em suas traduções. Uma delas, a American Standard Version [Versão Americana Padrão], impressa originalmente em 1901, disse o seguinte sobre o uso de alguma forma do nome que o próprio Deus deu a si mesmo nas traduções para o inglês:

“A mudança proposta pela primeira vez no Apêndice – que substitui ‘SENHOR’ e ‘DEUS’ por ‘Jeová’ (grafado em maiúsculas pequenas) – é uma mudança que será desagradável para muitos, devido à frequência e familiaridade dos termos inadequados. Mas os Revisores Americanos, depois de uma consideração cuidadosa, chegaram à conclusão unânime de que uma superstição judaica, que considerava o Nome Divino sagrado demais para ser pronunciado, não deve mais prevalecer em inglês ou em qualquer outra versão do Antigo Testamento, visto que felizmente ela não prevalece nas muitas versões feitas por missionários modernos. Este Nome Memorial, explicado no Ex. iii. 14, 15, e enfatizado como tal mais e mais no texto original do Antigo Testamento, designa Deus como o Deus pessoal, o Deus da revelação, o Libertador, o Amigo de seu povo; – não apenas o abstratamente ‘Eterno’ de muitas traduções em francês, mas o sempre vivo Ajudador daqueles que estão em apuros. Este nome pessoal, com sua riqueza de associações sagradas, está agora restaurado para o lugar no texto sagrado ao qual ele tem um direito inalienável.” – Prefácio à American Standard Version [Versão Americana Padrão], (edição de 1901).

American Standard Version [Versão Americana Padrão] (edição de 1901), usa regularmente a transliteração ‘Jeová’ para representar YHWH nas mais de 6.000 ocorrências da palavra no Antigo Testamento. Esta forma do Nome Divino tem sido usada há séculos, mas a maioria dos eruditos modernos concorda que ‘Iavé’ é uma transliteração melhor do original. Em 1971, o conselho editorial da comissão de tradução da American Standard Version [Versão Americana Padrão] produziu uma versão revisada chamada New American Standard Bible [Nova Bíblia Americana Padrão]. Esta nova edição retrocede à prática da Authorized Version [Versão Autorizada ou Rei Jaime], produzida em 1611, de inserir ‘SENHOR’ e ‘DEUS’ onde quer que o texto hebraico contenha o nome pessoal de Deus. Acerca desta sua reversão à prática tradicional anterior de substituir, eles dizem:

O Nome Próprio de Deus no Antigo Testamento: Nas Escrituras, o nome de Deus é, compreensivelmente, o mais significativo. É inconcebível pensarmos em questões espirituais sem uma denominação adequada para a Deidade Suprema. Assim, o nome mais comum para a deidade é Deus, uma tradução do original Elohim. A palavra normal para Mestre é Senhor, uma tradução de Adonai. Há ainda um outro nome que é atribuído particularmente a Deus como seu nome especial ou próprio, a saber, as quatro letras YHWH (Êxodo 3:14 e Isaías 42:8) Este nome não tem sido pronunciado pelos judeus por causa da reverência pela grande santidade do nome divino. Portanto, foi pronunciado e traduzido de forma consistente como SENHOR. A única exceção a esta tradição de YHWH é quando ele ocorre na proximidade imediata da palavra Senhor, isto é, Adonai. Nesse caso, ele é regularmente traduzido como DEUS, para evitar confusão. Sabe-se que por muitos anos YHWH foi transliterado como Yahweh; porém, não há qualquer certeza absoluta quanto a esta pronúncia.” – Princípios de Tradução, New American Standard Bible [Nova Versão Americana Padrão], edição de 1977. (Os negritos não estão no original).

Embora falem da boca para fora em “nome especial ou próprio” de Deus, esses tradutores decidiram que a tradição judaica era o caminho a seguir e justificam o uso de outras palavras hebraicas comuns para substituir o nome exclusivo de Deus. A justificativa para isso é infundada. Normalmente, encontraremos pouca simpatia ou espaço para a tradição judaica dentro da comunidade cristã de eruditos. Por que isto é seguido aqui? Creio que é porque facilita a mistura das pessoas do Pai e do Filho nas Escrituras. Como Jesus é comumente chamado de ‘Senhor’, e o Deus de Israel é identificado como ‘SENHOR’, é fácil concluir que eles são um só, e a mesma pessoa.

Que ainda há a necessidade de se distinguir o verdadeiro Deus e o verdadeiro Senhor de outro, bem como de outros deuses e outros senhores, é esclarecido pelo apóstolo Paulo quando escreveu:

“Portanto, em relação ao alimento sacrificado aos ídolos, sabemos que o ídolo não significa nada no mundo e que só existe um Deus. Pois, mesmo que haja os chamados deuses, quer no céu, quer na terra (como de fato há muitos “deuses” e muitos “senhores”), para nós, porém, há um único Deus, o Pai, de quem vêm todas as coisas e para quem vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, por meio de quem vieram todas as coisas e por meio de quem vivemos.” – 1 Coríntios 8:4-6.

Um tradutor não tem a liberdade ou a latitude que o expositor ou o instrutor tem. A tarefa do tradutor é verter para outro idioma a palavra (ou palavras) equivalente, que representa mais fielmente o original. Este requisito é explicado claramente por Alexander Jones no Prefácio do Editor da The Jerusalem Bible [A Bíblia de Jerusalém], publicada em 1966, que trata especificamente da questão de usar Yahweh onde ele aparece no texto hebraico, o que A Bíblia de Jerusalém faz regularmente.

O tradutor da Bíblia para a língua vernácula pode certamente considerar-se livre para remover os arcaísmos puramente linguísticos desse vernáculo, mas a liberdade dele termina nisso. Ele não pode, por exemplo, substituir os quadros verbais antigos pelos seus modernos; o teólogo e o pregador podem ser encorajados a fazer isso, mas não o tradutor. Nem deve ele impor seu próprio estilo aos originais: isso seria suprimir a individualidade dos vários escritores que responderam, cada um à sua maneira, ao impulso do Espírito. Muito menos se deve supor que haja algum tipo de linguagem hierática, um inglês ‘bíblico’ uniforme, ditado por uma tradição venerável de alguma maneira.

Não há dúvida de que ao abandonar isto perdemos algo muito precioso, mas espera-se que o ganho compense a perda. Seria arrogante alegar que a tentativa atual de traduzir a Bíblia para o inglês ‘contemporâneo’ não possa ser melhorada, mas pelo menos (conforme se acredita) é nesta direção que as traduções devem ir, se a Bíblia não há de perder o seu apelo para a mente da atualidade.

Os Salmos representam um problema especial para tradutores, já que, ao contrário de outras partes da Bíblia, o Saltério não é só um livro para ser lido, e sim uma coleção de versos que é cantado ou declamado. Além disso, muitos deles são tão familiares em seu estilo do século 16 que qualquer mudança pode parecer uma impertinência. Todavia, aqui também o dever primário de um tradutor é transmitir tão claramente quanto possível o que o autor original escreveu. Ele não deve tentar introduzir uma qualidade retórica e uma grandiloquência que pertençam mais verdadeiramente à época da Rainha Elizabeth I da Inglaterra do que aos originais hebraicos. É claro que ele deve evitar o uso de uma linguagem insípida, mas ele deverá estar ciente de que não será uma ‘linguagem poética’ consagrada que dará dignidade artificial a declarações simples. Certamente seria temerário dar mais importância à forma da tradução do que ao significado.

É especialmente nos Salmos que o uso do nome divino Yahweh (acentuado na segunda sílaba) pode parecer inaceitável – embora, na verdade, a forma ainda mais estranha Yah esteja em uso constante na aclamação Hallelu-Yah (Louvai a Yah!). Não é sem hesitação que esta forma exata foi usada, e sem dúvida os que podem se esmerar em usar esta tradução dos Salmos podem substituir o tradicional ‘o Senhor’. Por outro lado, isto seria perder muito do sabor e significado dos originais. Por exemplo, dizer: ‘o Senhor é Deus’ certamente é uma tautologia, enquanto dizer ‘Yahweh é Deus’ não é.” – The Jerusalem Bible [A Bíblia de Jerusalém], Prefácio do Editor.

Estabelece-se aqui que alguma forma de YHWH deve ser mantida onde quer que se saiba que ela apareceu milhares de vezes no texto original. Ao passo que os prefácios de algumas Bíblias em inglês explicam o padrão de como o nome divino acabou se tornando SENHOR ou DEUS no texto, o leitor mediano simplesmente não se preocupa em familiarizar-se com esta informação. Eu ministrei aulas bíblicas para grupos de adultos por vários anos e descobri que há quase total ignorância sobre esta prática. Como resultado, as pessoas não têm nenhuma consideração para com o nome distintivo de Deus e raramente o usam. Como Jesus é habitualmente tratado como Senhor, o SENHOR do Antigo Testamento parece similar e soa idêntico. Infelizmente isto leva a uma confusão lamentável do Pai com o Filho nas Escrituras.

Os tradutores que tentam dar algum significado especial à palavra comum ‘Senhor’ por usar maiúsculas (SENHOR) no Antigo Testamento, não seguem essa prática no Novo Testamento. No Novo Testamento, não se faz qualquer distinção. Por exemplo, considere o Salmo 110:1, que, segundo a NVI, diz: “O Senhor disse ao meu Senhor: “Senta-te à minha direita até que eu faça dos teus inimigos um estrado para os teus pés.” No livro de Atos, o apóstolo Pedro cita esse Salmo e o aplica à ressurreição de Jesus. Aqui a NVI diz: “Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato. Exaltado à direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou o que vocês agora veem e ouvem. Pois Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo declarou: “O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos como estrado para os teus pés.”” (Atos 2:32-35) O leitor não vê qualquer distinção entre o primeiro ‘Senhor’ e o segundo ‘Senhor’ em Atos. É esta prática lamentável que levou muitos a concluir que o Yahweh do Antigo Testamento é o Jesus do Novo Testamento. Isto simplesmente não é verdade. O texto original do Antigo Testamento distingue claramente Yahweh como se dirigindo ao Senhor de Davi. E o apóstolo Pedro entendeu isso. Depois de sua citação do Salmo 110:1, ele disse: “Portanto, que todo o Israel fique certo disto: Este Jesus, a quem vocês crucificaram, Deus o fez Senhor e Cristo”. – Atos 2:36.

O relacionamento na era messiânica

Começamos nossa discussão com a pessoa de Jesus Cristo e o que ele tinha a dizer sobre si mesmo e seu relacionamento com o Pai. Ele era tanto profeta como instrutor e seu ministério foi acompanhado por uma manifestação inigualável de poder. Todas estas coisas criaram reações e conclusões contraditórias – muitas das quais persistem até hoje. Tentar resolver essas coisas e chegar mais perto de uma perspectiva bíblica não é fácil, mas temos de tentar. Não faz qualquer sentido concluir que o ministério de Jesus deva ser algo menos do que a revelação mais completa de Deus e seus propósitos. Devemos poder fazer uma consideração justa de todas as evidências, apresentando conclusões com respaldo bíblico sólido. Com este objetivo, tentamos encarar as coisas como elas são apresentadas a nós no contexto hebraico em que ocorreram e o que seus próprios discípulos tinham a dizer sobre ele. Mais importante, temos de ouvir atentamente o que Jesus tinha a dizer sobre si mesmo. Seu ministério só pode ser plenamente compreendido quando é visto através do paradigma do pacto da lei, da língua e da cultura hebraicas e das Escrituras Hebraicas às quais Jesus fez referência muitas vezes. Não podemos isolá-lo do mundo hebraico em que ele viveu e efetuou seu ministério. Colocado de outra forma, nós abordamos a vida e a época dele como uma continuação do desdobramento do propósito revelado de Iavé. A vida e o ministério de Jesus foi o clímax da reveladora história do relacionamento de Deus com a humanidade. “Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas, mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez o universo.” – Heb 1:1,2.

A questão que confrontou a geração hebraica na qual Jesus viveu e morreu foi: “É Jesus o Messias?” A palavra ‘messias’ vem da palavra hebraica masiyah, que significa “ungido”. A palavra grega correspondente é christos. Ser ungido tinha o sentido de nomeação (divina) oficial. Os antigos reis de Israel e seus sumo sacerdotes eram ungidos com um óleo especial. Este ritual demonstrava uma nomeação sagrada por Deus. (Exo 29:1-9; 1 Sam 16:1-13). Só o evangelista João usa a palavra grega messias [uma transliteração da palavra hebraica] a qual aparece duas vezes em seu Evangelho (João 1:41 e João 4:25). É, neste sentido, um título de dignidade e designação especial. Ela é muitas vezes combinada com o nome de Jesus, por isso, quando a forma familiar ‘Jesus Cristo’ é usada, estamos dizendo realmente ‘Jesus, o ungido’. As pessoas que vieram a ser discípulos dele estavam convencidas de que ele era esse especialmente ungido – o Messias.

Em certa ocasião, Jesus perguntou a seus discípulos: “Quem os homens dizem que o Filho do homem é?” Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, Elias; e, ainda outros, Jeremias ou um dos profetas”. “E vocês?”, perguntou ele. “Quem vocês dizem que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. (Mat 16:13-16.) Quando o apóstolo Pedro estava testemunhando para converter o gentio Cornélio, ele disse: “Vocês conhecem a mensagem enviada por Deus ao povo de Israel, que fala das boas novas de paz por meio de Jesus Cristo, Senhor de todos. Sabem o que aconteceu em toda a Judéia, começando na Galileia, depois do batismo que João pregou, como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder, e como ele andou por toda parte fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com ele.” – Atos 10:36-38.

Sob que circunstâncias esta unção com o Espírito Santo ocorreu? Jesus foi apresentado à comunidade judaica por João Batista. Foi a João que Jesus veio para ser batizado. Isto marcou o início de seu ministério ungido. “Assim que Jesus foi batizado, saiu da água. Naquele momento os céus se abriram, e ele viu o Espírito de Deus descendo como pomba e pousando sobre ele. Então uma voz dos céus disse: “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado”.” (Mat 3:16, 17) Foi este o momento específico no tempo em que Jesus se tornou o ungido de fato. É verdade que por ocasião de seu nascimento ele foi identificado como “Cristo, [ungido] o Senhor”, por meio do testemunho angélico, pois do ponto de vista de Deus a futura unção dele era uma certeza. (Lucas 2:8-11).

O batismo de Jesus marcou a segunda vez que ele foi especificamente identificado como Filho de Deus. Imediatamente após o batismo, Jesus “foi levado pelo Espírito ao deserto, onde, durante quarenta dias, foi tentado pelo diabo.” (Lucas 4:1,2) O relato de Lucas sobre este evento acrescenta: “Tendo terminado todas essas tentações, o diabo o deixou até ocasião oportuna.” (Lucas 4:13) Isto nos sugere que este encontro preliminar entre o Diabo e o Messias não foi o último desses encontros. Aparentemente, o Diabo viu a possibilidade de corromper este Filho de Deus. Por que outra razão ele faria a tentativa, se não havia essa possibilidade? O nosso pai Adão sucumbiu às tentações do maligno e condenou seus filhos ao pecado e à morte. (Rom. 5:12) O “último Adão” permaneceu fiel em meio aos esforços de Satanás para corromper sua integridade e foi capaz, no final, de entregar sua santa personalidade – sua carne e sangue – como um sacrifício expiatório para a redenção da família humana. Desta forma, ele se tornou o dador de vida, o “Pai da Eternidade” profetizado em Isaías 9:6 (compare com Romanos 5:15-19). Conforme Jesus disse a seus discípulos:

“Jesus lhes disse: Eu lhes digo a verdade: Se vocês não comerem a carne do Filho do homem e não beberem o seu sangue, não terão vida em si mesmos. Todo aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Todo aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Da mesma forma como o Pai que vive me enviou e eu vivo por causa do Pai, assim aquele que se alimenta de mim viverá por minha causa.” – João 6:53-57.

A Bíblia diz que Adão foi criado a partir dos elementos da terra e dotado com uma qualidade de existência que fez dele um filho de Deus. (Gênesis 2:7; Lucas 3:38) O “segundo homem” teve sua origem no céu e tornou-se um filho de Deus por meio do processo milagroso que foi explicado a Maria, sua mãe biológica. (Lucas 1:35; 1 Cor 15:47) Não é de admirar que a caracterização favorita de Jesus sobre si mesmo era “filho do homem”, uma expressão que ocorre cerca de oitenta vezes nos quatro evangelhos. Esta terminologia também o identificou com o “filho do homem” glorificado da visão de Daniel: “Em minha visão à noite, vi alguém semelhante a um filho de homem, vindo com as nuvens dos céus. Ele se aproximou do ancião e foi conduzido à sua presença. Ele recebeu autoridade, glória e o reino; todos os povos, nações e homens de todas as línguas o adoraram. Seu domínio é um domínio eterno que não acabará, e seu reino jamais será destruído.”  (Daniel 7:13,14) O testemunho profético de Daniel acerca da exaltação do “filho do homem” harmoniza-se bem com o que lemos em Filipenses 2:9-11.

Porém, antes que esta glorificação prometida pudesse se realizar, houve a necessidade de cumprir a vontade do Pai e, humildemente, submeter-se a essa vontade. Este procedimento de fidelidade foi dispendioso para a Palavra que havia se tornado carne. A perseverança e o sofrimento dele não se limitou à crucificação, mas incluiu o sofrimento que a tentação permanente trouxe para ele. O escritor de Hebreus nos diz: “Ao levar muitos filhos à glória, convinha que Deus, por causa de quem e por meio de quem tudo existe, tornasse perfeito, mediante o sofrimento, o autor da salvação deles.” (Heb 2:10) Mais tarde, no mesmo capítulo ele acrescenta, “Porque, tendo em vista o que ele mesmo sofreu quando tentado, ele é capaz de socorrer aqueles que também estão sendo tentados.” (Heb 2:18) E, novamente, “pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado.” (Heb 4:15). E no capítulo cinco, lemos: “Durante os seus dias de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, sendo ouvido por causa da sua reverente submissão. Embora sendo Filho, ele aprendeu a obedecer por meio daquilo que sofreu; e, uma vez aperfeiçoado, tornou-se a fonte da salvação eterna para todos os que lhe obedecem, sendo designado por Deus sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque.” – Heb 5:7-10.

A “liderança” no relacionamento entre o Pai e o Fliho

A Bíblia diz claramente que durante a vida humana de Jesus ele mostrou “reverente submissão” ao seu Pai celestial. Esta condição de submissão é repetidamente enfatizada nos relatos da vida dele. Creio que esta submissão começou realmente no céu quando ele deixou voluntariamente de lado seu lugar exaltado ao lado de Deus para se tornar o sacrifício necessário. Toda a missão dele foi a de levar uma vida de submissão à vontade de seu Pai. Portanto, temos uma imagem clara do relacionamento entre o Pai e o Filho durante sua vida humana. Este relacionamento foi de submissão e subordinação. A disposição de Jesus de submeter-se à vontade de seu Pai, exemplifica o amplo princípio da chefia. Quando explicou a natureza universal desse princípio e como isso afeta vários relacionamentos, o apóstolo Paulo escreveu: “Quero, porém, que entendam que o cabeça de todo homem é Cristo, e o cabeça da mulher é o homem, e o cabeça de Cristo é Deus.” (1 Cor 11:3) A palavra grega traduzida como “cabeça” neste versículo é kephal, e ela é encontrada muitas vezes no Novo Testamento, referindo-se geralmente à cabeça humana literal. Em 1 Coríntios 11, porém, a palavra é usada em sentido metafórico para definir o relacionamento Pai / Filho, o relacionamento Cristo / homem e o relacionamento homem / mulher.

Os que creem que o Verbo feito carne nunca renunciou à sua divindade confrontam-se com o problema óbvio de crer que Jesus Cristo era Deus e homem ao mesmo tempo. No que se refere a essa humanidade o professor Zodhiates escreve:

“Hebreus 9:22 nos diz que ‘sem derramamento de sangue não há remissão.’ No propósito de Deus, era o sangue de Jesus Cristo, que serviria para a remissão dos pecados de todo o mundo. Tinha de ser o sangue de um homem perfeito e sem pecado, e Jesus Cristo era o único que poderia atender a esse requisito.” – Was Christ God? [Era Cristo Deus?], pág. 64

Mesmo reconhecendo que o sangue de um homem sem pecado era necessário para reconciliar os homens com Deus, o professor Zodhiates insiste também em que este mesmo homem sem pecado era também o Deus eterno. Ele escreve:

“Temos de dizer novamente, porém, que Ele, o Logos eterno, mesmo quando se tornou carne e andou pelas estradas desta terra, continuou, ao mesmo tempo a ser Deus eterno. Esta é a conclusão inevitável que precisamos chegar ao lermos sobre a vida dele. Seu nascimento foi contrário às leis da vida. Sua morte foi contrária às leis da morte. Ele não tinha milharais ou indústrias de pesca, mas podia montar uma mesa para cinco mil com pão e peixe de sobra. Ele não caminhou em nenhum belo carpete ou tapete de veludo, mas andou sobre as águas do Mar da Galileia e elas o sustentaram. Por três anos ele pregou Seu Evangelho. Ele não escreveu nenhum livro, não construiu nenhuma casa nem igreja e não tinha apoio financeiro. Porém, depois de 2.000 anos, ele é o único personagem central da história humana, o pivô em torno do qual os eventos das eras giram, e o único Regenerador da raça humana. Era ele apenas o filho de José e Maria, que cruzou o horizonte do mundo há 2.000 anos? Foi simplesmente sangue humano que foi derramado no monte do Calvário para a redenção dos pecadores? Que homem pensante poderia deixar de exclamar: “Meu Senhor e meu Deus!”?” – Was Christ God? [Era Cristo Deus?], página 67 (os negritos não estão no original.)

“Foi simplesmente sangue humano que foi derramado no monte do Calvário para a redenção dos pecadores?”, pergunta o professor Zodhiates. A evidência bíblica responde: Sim! Ao expressar a questão da maneira que expressa, o professor Zodhiates parece sugerir que algo mais do que sangue humano foi derramado. Mas repetidamente se diz a nós que a carne e o sangue do homem Jesus é o sacrifício valioso que nos redime do pecado e da morte. Devemos ser cuidadosos em nossos esforços de glorificar o Filho de Deus de maneira que não rebaixemos a natureza sem pecado de sua carne e sangue, porque são estes componentes – e apenas estes – que nos são apresentados como os preciosos elementos fundamentais que nos purificam do pecado. (1 Cor 11:27) O Deus eterno (imortal) não morreu, nem poderia ter morrido pelos pecados do mundo. Quanto aos muitos sinais que Jesus realizou para estabelecer que ele era o Filho de Deus, mencionados pelo professor Zodhiates acima, a Bíblia diz que todos eles foram possíveis porque Deus estava com ele – não porque ele era Deus. Seus poderes não eram inerentes. Ele foi capacitado pelo Espírito de Deus, segundo seu próprio testemunho. (Mat. 12:28)

Anteriormente neste tratado, citou-se Atos 10, onde o apóstolo Pedro testificou “como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder, e como ele andou por toda parte fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo Diabo, porque Deus estava com ele.” (Atos 10:38)

Jesus tinha o poder de fazer essas coisas por meio do Espírito de Deus. “Certo dia, quando ele ensinava, estavam sentados ali fariseus e mestres da lei, procedentes de todos os povoados da Galileia, da Judéia e de Jerusalém. E o poder do Senhor estava com ele para curar os doentes.” (Lucas 5:17) No dia de Pentecostes, Pedro exclamou: “Israelitas, ouçam estas palavras: Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus diante de vocês por meio de milagres, maravilhas e sinais que Deus fez entre vocês por intermédio dele, como vocês mesmos sabem.” (Atos 2:22) Repetidamente, as Escrituras declaram que Deus estava realizando essas obras poderosas por meio do Filho do Homem. Em parte alguma lemos ou mesmo se insinua que esse poder era um poder pessoal autônomo. Não, ele foi ungido com o Espírito e poder de uma forma superlativa, como o Messias prometido. O poder de Deus se manifestou da maneira mais dramática para estabelecer as credenciais da alegação messiânica de Jesus. Mas, ao mesmo tempo em que estes poderes de Deus se manifestaram para com outros, ele próprio, embora sem pecado, atuou dentro de suas próprias limitações humanas.

O professor Zodhiates, assim como muitos outros teólogos, apela ao que Paulo tem a dizer em Filipenses 2:6 como se isso fosse algum tipo de prova irrefutável de que uma vez que Jesus estava em forma (ou natureza) de Deus significa que ele era, de fato, Deus. O texto não diz isso. Diz apenas que eles compartilhavam da mesma natureza. Para entendermos o que um texto significa para nós, precisamos tentar determinar o que significava para as pessoas a quem ele foi destinado originalmente. Qual foi a tônica do pensamento de Paulo em Filipenses 2:5-11? Foi a humilde disposição de nosso Senhor em deixar o lugar com o Pai e assumir a natureza do homem – para cumprir uma causa nobre. Sobre isso, eu gostaria de trazer à atenção o que outro erudito disse sobre Filipenses 2:6:

“Pode ser útil observar certas precauções que devem ser observadas se o pensamento do apóstolo há de ser verdadeiramente compreendido. (a) Este não é um debate técnico sobre teologia. Paulo não está especulando sobre as grandes questões da natureza de Cristo. As teorias elaboradas que se criaram sobre este trecho e designadas como ‘kenóticas’ provavelmente surpreenderiam o apóstolo. Paulo está lidando com uma questão de ética prática, a maravilhosa condescendência e abnegação de Cristo, e ele traz à atenção as várias etapas desse processo como fatos da história, tanto apresentados à experiência dos homens como inferidos dela… Muitos problemas desapareceriam se os intérpretes, em vez de fazerem uma minuciosa investigação dos refinamentos da metafísica grega, sob o pressuposto de que eles estão presentes aqui, perguntassem a si mesmos, ‘que outros termos o apóstolo poderia ter usado para expressar suas concepções?’” – The Expositor’s Greek Testament [O Testamento Grego do Expositor], editado por W. Robertson Nicoll, MA, LL. D., Volume III, página 435.

Não precisamos ser confundidos ou intimidados pelas diferentes conclusões que eruditos bíblicos possam apresentar sobre determinadas palavras ou versículos da Bíblia. Pois, na maior parte, a Bíblia apresenta uma revelação compreensível de Deus e sua vontade. Embora exista um pequeno número de textos que poderíamos chamar de problemáticos, estes são poucos e distantes entre si e podem ser razoavelmente compreendidos à luz da Bíblia como um todo. Podemos nos aproximar da Bíblia com a confiança de que ela nos ensinará claramente o que devemos crer para ser aceitos por Deus e ter uma compreensão viável de sua vontade e propósito para nós. Os textos problemáticos devem ser adequados ao padrão de ensino salutar.

Alegou Jesus ser Deus, ou igual a Deus?

Anteriormente neste tratado, debaixo do título: “Jesus Cristo: Um Homem Como Nenhum Outro”, foram citados trechos do Evangelho de João (João 5:16-18; João10:24-33), à base dos quais certas pessoas concluíram que Jesus afirmou ser Deus porque ele se identificou como Filho de Deus. É bom verificarmos a resposta de Jesus à conclusão deles: “Jesus lhes respondeu: Não está escrito na Lei de vocês: “Eu disse: Vocês são deuses”? Se ele chamou “deuses” àqueles a quem veio a palavra de Deus (e a Escritura não pode ser anulada), que dizer a respeito daquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo? Então, por que vocês me acusam de blasfêmia porque eu disse: Sou Filho de Deus? Se eu não realizo as obras do meu Pai, não creiam em mim. Mas se as realizo, mesmo que não creiam em mim, creiam nas obras, para que possam saber e entender que o Pai está em mim, e eu no Pai. Outra vez tentaram prendê-lo, mas ele se livrou das mãos deles.” (João 10:34-39) Jesus citou do Salmo 82, que foi originalmente dirigido a certos líderes de Israel, identificados no texto tanto como deuses como filhos do Altíssimo. Parece apropriado citar esse Salmo aqui, em sua inteireza:

“Deus está na congregação dos poderosos; julga no meio dos deuses. Até quando julgareis injustamente, e aceitareis as pessoas dos ímpios? Fazei justiça ao pobre e ao órfão; justificai o aflito e o necessitado. Livrai o pobre e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios. Eles não conhecem, nem entendem; andam em trevas; todos os fundamentos da terra vacilam. Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo. Todavia morrereis como homens, e caireis como qualquer dos príncipes. Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois tu possuis todas as nações.” – Salmos 82:1-8, ARC

Aqueles homens de destaque no antigo Israel estavam falhando em suas posições privilegiadas em ministrar a justiça e a misericórdia. O ponto de Jesus ao chamar a atenção para este Salmo parece ser que ele não estava reivindicando uma honra que não tinha sido aplicada a outros. Aqueles homens do antigo Israel foram ilustres na época deles. Eles tinham autoridade e poder. Os termos ‘deuses’ e ‘filhos do Altíssimo’, usados em relação a eles apenas ressaltavam esse poder e autoridade. Eles representavam Iavé e poderiam ser chamados de seus filhos. Sabemos, é claro, que o Senhor Jesus era muito superior a qualquer um desses da antiguidade, mas ele lembrou àqueles que o desafiavam que ele não estava excedendo sua autoridade naquilo que afirmava sobre si mesmo. Ele era o Filho de Deus de forma única e seus milagres validavam suas alegações messiânicas. O fato de ele estar ‘no’ Pai e o Pai estar ‘nele’ enfatizou a natureza íntima do relacionamento deles. Posteriormente, ele usaria uma linguagem semelhante para descrever a unidade que ele e seu Pai compartilhavam com os discípulos. (João 17:20-23) Os líderes religiosos estavam colocando sua própria opinião sobre o que Jesus quis dizer com as palavras dele; precisamos ouvir a explicação de Jesus, não a deles. Além disso, se Jesus estava realmente afirmando ser igual a Deus, por que ele não reconheceu isso simplesmente e disse àqueles homens, “Sim, eu sou igual a Deus”, ou alguma outra frase com esse sentido?

Na noite anterior à sua crucificação ele se reuniu com seus discípulos e falou extensivamente com eles sobre deixá-los por algum tempo e, em seguida, estar com eles novamente. “Vocês me ouviram dizer: Vou, mas volto para vocês. Se vocês me amassem, ficariam contentes porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu.” (João 14:28) Jesus foi para o Pai, por meio da ressurreição dentre os mortos. Essa ressurreição foi realizada pelo Pai. Jesus não se “levantou dos mortos” simplesmente, como alguns dizem, sugerindo que ele levantou-se por si mesmo. Somos informados claramente de que Jesus foi ressuscitado pelo Pai:

“Este homem  lhes foi entregue por propósito determinado e pré-conhecimento de Deus; e vocês, com a ajuda de homens perversos, o mataram, pregando-o na cruz. Mas Deus  o ressuscitou dos mortos, rompendo os laços da morte, porque era  impossível que a morte o retivesse… Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato.” – Atos 2:23,24,32.

“Nós lhes anunciamos as boas novas: o que Deus prometeu a nossos antepassados ele cumpriu para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus, como está escrito no Salmo segundo: “Tu és meu filho; eu hoje te gerei”. O fato de que Deus o ressuscitou dos mortos, para que nunca entrasse em decomposição, é declarado nestas palavras: “Eu lhes dou as santas e fiéis bênçãos prometidas a Davi”. Assim ele diz noutra passagem: “Não permitirás que o teu Santo sofra decomposição”. – Atos 13:32-35.

“E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vocês, aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos também dará vida a seus corpos mortais, por meio do seu Espírito, que habita em vocês.” – Romanos 8:11.

“Paulo, apóstolo enviado, não da parte de homens nem por meio de pessoa alguma, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos.” – Gálatas 1:1

“Pois eles mesmos relatam de que maneira vocês nos receberam, e como se voltaram para Deus, deixando os ídolos a fim de servir ao Deus vivo e verdadeiro, e esperar dos céus seu Filho, a quem ressuscitou dos mortos: Jesus, que nos livra da ira que há de vir.” – 1 Tessalonicenses 1:9,10.

Não há dúvida de que foi com isso em mente que Jesus apontou que o Pai era maior do que ele. Sem o poder do Pai e a ação subsequente de ressuscitar e exaltar seu Filho, não haveria futuro para Cristo, o que teria se provado desastroso para nós e para ele! Jesus sabia que, depois de sofrer, o Messias prometido receberia sua vida de volta, com base no que foi escrito profeticamente em Isaías, capítulo 53. No que se refere à sua morte e ressurreição iminentes, Jesus disse: “Ninguém a tira de mim, mas eu a dou por minha espontânea vontade. Tenho autoridade para dá-la e para retomá-la. Esta ordem recebi de meu Pai.” (João 10:18) Jesus tinha autoridade para oferecer sua vida humana sem pecado como uma oferta pelo pecado em prol da vida da família humana, e ele tinha esperança segura de sua ressurreição que se seguiria. A ressurreição de Jesus foi a quarta vez em que o Pai o declarou como seu Filho (a transfiguração foi a terceira ocasião – Mateus 17:5). O apóstolo Paulo escreveu: “Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, o qual foi prometido por ele de antemão por meio dos seus profetas nas Escrituras Sagradas, acerca de seu Filho, que, como homem, era descendente de Davi, e que mediante o Espírito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder, pela sua ressurreição dentre os mortos: Jesus Cristo, nosso Senhor.” – Romanos 1:1-4

Na manhã da ressurreição de Jesus, Maria Madalena o reconheceu e, aparentemente o agarrou. Em resposta, Jesus disse: “Não me segure, pois ainda não voltei para o Pai. Vá, porém, a meus irmãos e diga-lhes: Estou voltando para meu Pai e Pai de vocês, para meu Deus e Deus de vocês.” (João 20:17) Jesus tinha tanto um Pai como um Deus. Esse Pai é nosso Pai; esse Deus é o nosso Deus! Jesus claramente distinguiu-se de Deus. Mas, alguém poderá perguntar: “Se Jesus não era Deus, por que o discípulo Tomé o chamou de Deus?” Tomé não tinha acreditado no que lhe contaram sobre Jesus aparecer a diferentes pessoas depois de sua ressurreição. Esse relato encontra-se no mesmo capítulo que fala da experiência de Maria Madalena com o Senhor ressuscitado. Tomé disse: “Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei”. Uma semana mais tarde, os seus discípulos estavam outra vez ali, e Tomé com eles. Apesar de estarem trancadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “Paz seja com vocês!” E Jesus disse a Tomé: “Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a mão e coloque-a no meu lado. Pare de duvidar e creia”. Disse-lhe Tomé: “Senhor meu e Deus meu!” Então Jesus lhe disse: “Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram”. – João 20:25-29.

Acreditava Tomé que o ressuscitado Jesus Cristo era o Deus Todo-Poderoso? Esta conclusão não se encaixa no quadro mais amplo que nos é fornecido na Bíblia, ou neste capítulo, para esse assunto. É logo depois da declaração de fé feita por Tomé que João escreveu: “Jesus realizou na presença dos seus discípulos muitos outros sinais milagrosos, que não estão registrados neste livro. Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome.” (João 20:30, 31) Notamos que os sinais miraculosos objetivaram estabelecer que Jesus era o Ungido (Messias / Cristo), e o Filho de Deus. Eles não foram dados para provar que Jesus era Deus Todo-Poderoso na carne. Como, então, devemos entender declaração de Tomé: “Senhor meu e Deus meu!”

Já vimos que Jesus salientou que certos líderes proeminentes de Israel foram mencionados como deuses. (Salmo 82) A nota de rodapé na Bíblia de Estudo NVI, sobre o Salmo 82:1 diz: “Na linguagem do AT – e de acordo com o universo conceitual do Oriente Próximo da antiguidade – os regentes e juízes, como deputados do Rei celestial, poderiam receber o título honorífico ‘deus’ (veja nota sobre 45:6; veja também as notas da NVI sobre Exo 21:6; Exo 22:8) ou ser chamados de ‘filho de Deus’ (veja 2:7 e a nota).” Com base nisso, somos lembrados de que o termo ‘Deus’ não tem um grau rigidamente fixo de dignidade ou de poder. O título não está limitado ao Deus Todo-Poderoso em sua aplicação bíblica. Temos de manter essa perspectiva em mente ao fazer um julgamento sobre o que Tomé quis dizer com as palavras dele.

Somos ajudados quanto a isso, creio eu, pelo que está escrito no Salmo 45 e como ele é aplicado no Novo Testamento. Este Salmo é uma canção de núpcias, composta por um rei não identificado de Israel, sem dúvida da dinastia de Davi. Conforme a música se desenvolve, lemos que o rei foi abençoado por Deus, e alguns versículos depois, o rei é chamado de Deus. “O teu trono, ó Deus, subsiste para todo o sempre; cetro de justiça é o cetro do teu reino. Amas a justiça e odeias a iniquidade; por isso Deus, o teu Deus, escolheu-te dentre os teus companheiros ungindo-te com óleo de alegria.” (Sal 45:6, 7) Em relação a este Salmo, a nota de rodapé da Bíblia de Estudo NVI diz:

Sl. 45 – Uma canção em louvor ao rei em seu dia do casamento (ver título, ver também a introdução Sal. 42-45). Ele, sem dúvida, pertencia à dinastia de Davi, e a música pode ter sido usada em mais de um casamento real. Como a noiva é uma princesa estrangeira (ver vv. 10, 12), o casamento reflete a posição do rei como uma figura de importância internacional (ver nota sobre v. 9). Assim sendo, ele é tratado como um cujo reinado deve ser caracterizado por vitórias sobre as nações (vv 3-5; cf Sl 2, 110). Como filho real de Davi, ele é um tipo (prenúncio) de Cristo. Depois do exílio esse salmo foi aplicado ao Messias, o Filho prometido a Davi que se sentaria no trono de Davi (para a aplicação dos vv. 6-7 a Cristo ver Hb 1:8-9).

Não somos deixados em dúvida sobre o cumprimento deste salmo. A citação acima termina apontando para Hebreus 1:8, 9, onde o salmo é aplicado a Jesus Cristo: “Mas a respeito do Filho, diz: O teu trono, ó Deus, subsiste para todo o sempre; cetro de equidade é o cetro do teu Reino. Amas a justiça e odeias a iniquidade; por isso Deus, o teu Deus, escolheu-te dentre os teus companheiros, ungindo-te com óleo de alegria.” (Hebreus 1:8,9) Enquanto o Filho de Deus glorificado é referido como ‘Deus’ aqui, aponta-se também que ele tem um Deus – seu Deus – que foi quem o colocou acima de todos os outros. Isso reflete o que Jesus havia dito anteriormente: “Estou voltando para meu Pai e Pai de vocês, para meu Deus e Deus de vocês.” (João 20:17) Além disso, no Apocalipse vemos o exaltado Jesus Cristo dizendo: “Venho em breve! Retenha o que você tem, para que ninguém tome a sua coroa. Farei do vencedor uma coluna  no  santuário  do meu Deus, e dali ele jamais sairá. Escreverei nele o nome do meu Deus e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce dos céus da parte de Deus; e também escreverei nele o meu novo nome.” (Apo 3:11,12) Proponho que, embora o ressuscitado e glorificado Filho de Deus seja um Deus poderoso – dada toda a sua autoridade e poder – esse poder e autoridade são dados a ele por seu Deus – o Deus Todo-Poderoso.

Isaías falou também sobre a vinda deste e escreveu: “Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz. Ele estenderá o seu domínio, e haverá paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, estabelecido e mantido com justiça e retidão, desde agora e para sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isso.” (Isaías 9:6,7) Ao predizer a glória e o poder desse filho que nasceria e seria dado a nós, somos lembrados de que tudo é possível graças ao zelo “do Senhor (Iavé) Todo-Poderoso.” Assim, aqui também somos lembrados da fonte do poder e autoridade a ser exercida pela vinda do Messias. Naturalmente, nós atribuímos a máxima dignidade e poder à palavra ‘Deus’ quando a vemos na Bíblia, mas temos de lembrar que esta palavra nem sempre têm o mesmo sentido. O grau de poder, honra e dignidade que se atribui a ela é relativa e seu sentido deve ser determinado pelo modo pelo qual ela é utilizada, e tendo em vista o contexto das Escrituras como um todo. O fato de o Filho de Deus ser às vezes chamado de Deus, não prova que ele seja Deus no mesmo sentido de seu Pai, que nos é apresentado na Bíblia como o Deus Todo-Poderoso. Temos de pensar em Jesus como Deus no sentido que ele nos é apresentado nas Escrituras. O que nos leva de volta a Tomé.

Quando Tomé chamou o ressuscitado Jesus de “meu Senhor e meu Deus”, eu creio que isso foi dito no contexto do poder, honra e majestade que tinha de ser concedido ao Messias – especialmente o Messias ressuscitado. Isso estaria de acordo com a profecia messiânica de Isaías. Nós sabemos o que Tomé disse, mas não sabemos com certeza o que estava em sua mente quando ele disse isso. E vamos ler nas palavras dele uma certa medida de nossa própria teologia. Precisamos estar cientes disso. Não há qualquer razão para se duvidar de que Tomé entendeu o grau de divindade que deveria ser concedido ao Messias prometido. Ele poderia chamar Jesus de “Deus”, sem confundi-lo com o Deus do Messias. Foi totalmente apropriado, portanto, Tomé chamar Jesus de Deus, mesmo sem a intenção de iguala-lo ao Deus do Messias. Essa declaração espontânea que Tomé dirigiu ao Cristo ressuscitado não passou despercebida dos eruditos cristãos. Vincent Taylor, renomado teólogo inglês e estudioso do Novo Testamento, ofereceu a seguinte observação sobre a exclamação de Tomé:

“Pode-se pensar que, ao usar restrição quando se fala da Divindade de Cristo, estamos despojando-o de sua verdadeira dignidade, porém, muito longe de fazer isso, estamos realçando-a, uma vez que é da natureza da Deidade inclinar-se para a profundidade da necessidade do homem num sacrifício para o qual não há paralelo. A clara atribuição de Deidade a Cristo: “Meu Senhor e meu Deus”, no Novo Testamento é dirigida a ele em sua vida Ressuscitada e Exaltada e inspira a atmosfera de adoração. Esta é a esfera à qual ela pertence, mas é muito mais provável nos ajoelharmos em adoração se tivermos primeiro adentrado na verdade das palavras, ‘pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome’ (Filipenses 2:6-9 [AIB]).” – New Testament Essays [Ensaios do Novo Testamento], páginas 88, 89, Vincent Taylor Ph.D., D.D., 1972 (alguns itálicos não estão no original).

O Pai glorifica seu Filho

Eu concordo com a conclusão do professor Taylor de que o conceito apropriado sobre o Filho de Deus ressuscitado “inspira a atmosfera de adoração” – outra palavra que incorpora variações de significado. Todas as limitações que ele tinha como ser humano haviam terminado. A ele tinha sido dado “todo o poder no céu e na terra”. (Mat 28:18) Em questão de dias, ele ascenderia ao reino celestial onde “anjos, autoridades e poderes”, estariam sujeitos a ele. (1 Pedro 3:21,22) Agora, o ressuscitado e glorificado Filho de Deus tinha recebido esse nome e posição enaltecida que exigia o ‘dobrar de joelhos’ por todos “no céu e na terra e debaixo da terra” os quais, por sua vez, ‘confessariam que Jesus Cristo é o Senhor’. E se diz que toda essa homenagem e adoração seria “para a glória de Deus, o Pai” (Fil. 2:9-11) Foi nesse contexto que Tomé fez sua confissão: “meu Senhor e meu Deus”.

Para ilustrar adicionalmente a questão de como palavras idênticas podem transmitir conceitos diferentes, temos, na mesma profecia de Isaías, o Messias sendo chamado de “Pai Eterno”. Porém, mesmo os que pensam em termos de um Deus trino não concluem que ele seja “Pai” no mesmo sentido que o Deus Todo-Poderoso é “Pai”. Como o segundo ou último Adão, ele se torna nosso Pai ou dador de vida. Mas isso é diferente do sentido de Deus como Pai – aquele a quem Jesus chamou de seu Pai. O direcionamento último ao Pai em tudo isso é enfatizado para nós na carta de Paulo aos Efésios:

“Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado. Nele temos a redenção por meio de seu sangue, o perdão dos pecados, de acordo com as riquezas da graça de Deus, a qual ele derramou sobre nós com toda a sabedoria e entendimento. E nos revelou o mistério da sua vontade, de acordo com o seu bom propósito que ele estabeleceu em Cristo, isto é, de fazer convergir em Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas, na dispensação da plenitude dos tempos… Peço que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o glorioso Pai, lhes dê espírito de sabedoria e de revelação, no pleno conhecimento dele. Oro também para que os olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim de que vocês conheçam a esperança para a qual ele os chamou, as riquezas da gloriosa herança dele nos santos e a incomparável grandeza do seu poder para conosco, os que cremos, conforme a atuação da sua poderosa força. Esse poder ele exerceu em Cristo, ressuscitando-o dos mortos e fazendo-o assentar-se à sua direita, nas regiões celestiais, muito acima de todo governo e autoridade, poder e domínio, e de todo nome que se possa mencionar, não apenas nesta era, mas também na que há de vir. Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e qualquer circunstância.” – Efésios 1:4-10,17-23.

É o nosso Senhor glorificado um Deus poderoso? (Isaías 9:6) Certamente ele é! Porém, é possível falar dele como Deus, sem confundi-lo com o Deus Todo-Poderoso que torna tudo isso possível e a quem a glória pertence. Da mesma forma, ser Jesus chamado de “Pai Eterno”, não o confunde com o Pai. (Isaías 9:6) Somos claramente ensinados de que nossa vida vem por meio de Jesus Cristo. O Pai deu a ele esse poder de dar vida, juntamente com os demais poderes concedidos a ele. Nós somos os ‘filhos’ que o Pai deu a ele. (Heb. 2:13) Sobre esta verdade Jesus testificou:

“Jesus lhes deu esta resposta: Eu lhes digo verdadeiramente que o Filho não pode fazer nada de si mesmo; só pode fazer o que vê o Pai fazer, porque o que o Pai faz o Filho também faz. Pois o Pai ama ao Filho e lhe mostra tudo o que faz. Sim, para admiração de vocês, ele lhe mostrará obras ainda maiores do que estas. Pois, da mesma forma que o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, o Filho também dá vida a quem ele quer. Além disso, o Pai a ninguém julga, mas confiou todo julgamento ao Filho, para que todos honrem o Filho como honram o Pai. Aquele que não honra o Filho, também não honra o Pai que o enviou… Pois, da mesma forma como o Pai tem vida em si mesmo, ele concedeu ao Filho ter vida em si mesmo.” – João 5:19-23,26.

Que maravilhoso relacionamento nos é apresentado nisso que Jesus diz! E que relacionamento amoroso! Apenas um amor consumado e confiança – um amor e confiança profundos – entre eles poderia tornar tudo isso possível. Não é de admirar que sejamos chamados a amar e confiar assim como eles. O desenrolar glorioso do propósito do Pai, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo é claramente apresentado nas Escrituras. Somos constantemente lembrados de que tudo flui do Pai. Sempre começa com ele. Seu poder e autoridade são inerentes. O poder e a autoridade do Senhor Jesus são recebidos dele.

Será que os discípulos adoravam a Jesus?

Anteriormente neste folheto, citaram-se trechos que falam dos discípulos adorando a Jesus. Como devemos entender isso? O leitor deve se lembrar de que a palavra “adoração” nas línguas modernas, da mesma forma que muitas outras palavras, pode transmitir um amplo leque de sentidos. O que dizer da palavra original em grego nesses trechos que algumas versões modernas da Bíblia traduzem como “adoração”? Têm ela uma amplitude similar de sentidos?

Para responder a estas perguntas, temos de olhar mais de perto para os relatos que consideram este assunto. Só desta forma poderemos avaliar a ‘adoração’ particular que se diz que Jesus recebeu de seus discípulos.

Uma noite os discípulos foram apanhados numa tempestade no mar da Galiléia, e Jesus veio até eles andando sobre a água. Eles pensaram que estavam vendo uma aparição fantasmagórica, mas Jesus garantiu-lhes que era ele. Impetuosamente, Pedro tentou ir até Jesus andando sobre a água, mas começou a afundar. Jesus estendeu a mão para ele e os dois entraram no barco: “Quando entraram no barco, o vento cessou. Então os que estavam no barco o adoraram, dizendo: “Verdadeiramente tu és o Filho de Deus”. (Mat. 14:32, 33) Em outra ocasião, Jesus estava falando com um homem que ele tinha curado e que, posteriormente, foi expulso da sinagoga local. “Jesus ouviu que o haviam expulsado, e, ao encontrá-lo, disse: “Você crê no Filho do homem?” Perguntou o homem: “Quem é ele, Senhor, para que eu nele creia?” Disse Jesus: “Você já o tem visto. É aquele que está falando com você”. Então o homem disse: “Senhor, eu creio”. E o adorou.” – João 9:35-38.

A palavra grega traduzida como “adoração” nestes versículos é proskyneo, que tem o significado de ‘curvar-se’. Assim como sua correspondente em hebraico (shâchâh), ela descreve um ato ou movimento físico sem levar em conta a razão para a ação. Por esta razão, ela é traduzida de maneira diferente em algumas versões modernas. A New English Bible [Nova Bíblia em Inglês] verte Mateus 14:32, 33 desta forma: “Eles então subiram para o barco; e o vento cessou. E os homens no barco caíram aos seus pés, exclamando: ‘Verdadeiramente tu és o Filho de Deus.’” A Bíblia de Jerusalém diz: “Assim que subiram no barco o vento amainou. Os que estavam no barco prostraram-se diante dele dizendo: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!”” No Evangelho de Mateus temos o relato da mulher cananeia que implorou a Jesus para ajudá-la porque sua filha estava sofrendo devido à possessão demoníaca. “Jesus respondeu: – Eu fui mandado somente para as ovelhas perdidas do povo de Israel. Então ela veio, ajoelhou-se aos pés dele e disse: – Senhor, me ajude! Jesus disse: – Não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo para os cachorros. – Sim, senhor, – respondeu a mulher – mas até mesmo os cachorrinhos comem as migalhas que caem debaixo da mesa dos seus donos. – Mulher, você tem muita fé! – disse Jesus. – Que seja feito o que você quer! E naquele momento a filha dela ficou curada.” – Mat. 15:24-28, NTLH.

Conforme foi visto no Antigo Testamento, a mesma palavra pode ser usada de maneiras diferentes, com diferentes matizes de significado. A mulher cananeia sem dúvida reconheceu que Jesus tinha grande poder e ela acreditava que ele poderia salvar sua filha; mas não creio que ela se ajoelhar diante dele era uma forma de adoração. Quanto aos discípulos, não podemos saber com qualquer grau de certeza o que estava na mente deles quando se ajoelharam diante do Senhor. Mas, afirmar que eles o adoraram leva proskyneo além de seu sentido e uso comum e transmite ao leitor duma língua moderna um conceito bem diferente do que pode ter sido a intenção original. É mais seguro e mais de acordo com o papel do tradutor, transmitir em outra língua a ação descrita na língua original. Decidir que a ação executada foi um ato de adoração e colocar isso no texto é interpretar o que estava na mente da pessoa que executou a ação. A tentativa de determinar o que estava na mente da pessoa que realizou a ação deve ser deixada para o expositor; isso não é função do tradutor. E embora a palavra “adoração” nas línguas modernas tenha uma variedade de significados, ela não é usada comumente nos relacionamentos humanos.

No que se refere à questão da adoração, faremos bem em escutar atentamente o que o Senhor disse sobre esse assunto quando foi tentado pelo maligno: “O Diabo o levou a um lugar alto e mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo. E lhe disse: “Eu te darei toda a autoridade sobre eles e todo o seu esplendor, porque me foram dados e posso dá-los a quem eu quiser. Então, se me adorares [proskyneo], tudo será teu.” Jesus respondeu: “Está escrito: “Adore [proskyneo] o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto [latreuo]””. (Lucas 4:5-8). Neste contexto, descobrimos que proskyneo pode ser direcionada para uma divindade, assim como vimos no Antigo Testamento que a palavra hebraica shâchâh (‘curvar-se’) poderia ser direcionada para homens e divindades. Esse ato de respeito ou honra, comum entre os orientais, não era uma violação do mandamento de Iavé de que apenas a Ele se deve adorar e servir. (Compare com a informação que foi apresentada sob o tópico “O Contexto da Adoração Monoteísta”.) Portanto, não era errado que os discípulos honrassem Jesus desta maneira. Seria errado, porém, fazer isso para uma divindade diferente de Iavé sob o Pacto da Lei.

Quando Jesus respondeu ao Diabo, ele citou Deuteronômio 6:13, que diz: “É a Iahweh teu Deus que temerás. A ele servirás [adad] e pelo seu nome jurarás.” – A Bíblia de JerusalémAdad é a mesma palavra encontrada em 2 Crônicas 10, que trata da ocasião em que os israelitas buscaram alívio no filho de Salomão, Roboão, pedindo-lhe para aliviar a carga deles. “Teu pai colocou sobre nós um jugo pesado, mas agora diminui o trabalho árduo e este jugo pesado, e nós te serviremos [adad]”. (2 Crônicas 10:4.) Como podemos ver, o serviço poderia ser para Deus, para falsos deuses, assim como para homens. (Consulte as páginas 23, 24.) Porém, a palavra grega latreuo que Jesus utilizou para responder a Satanás (Mat. 4:10; Luc. 4:8), não é usada dessa maneira flexível no Novo Testamento, como a palavra grega proskyneo é usada. No que se refere a latreuo (‘servir’) e seu uso exclusivo no Novo Testamento o Theological Dictionary of the New Testament [Dicionário Teológico do Novo Testamento] diz:

1.latreuo

a. Ocorrência. latre›einocorre 21 vezes no NT, 8 das quais em Lucas (Luc. 1:74; 2:37; 4:8; Atos 7:7, 42; 24:14; 26:7; 27:23), 6 em Hebreus (8:5; 9:9, 14; 10:2; 12:28; 13:10), 4 em Paulo (Rom. 1:9, 25; Fil. 3:3; 2 Tim 1:3.), 2 em Rev. (7:15; 22:3) e 1 em Mat. (4:10). Três destes versículos derivam do AT (Mat. 4:10; Luc. 4:8; Atos 7:7). O uso particularmente forte em Heb. corresponde ao significado das ideias de culto nesta epístola.

b. O Caráter Puramente Religioso da Palavra, conforme Determinado pela LXX. A influência da LXX pode ser vista no fato de que a palavra nunca se refere a relacionamentos humanos, apenas a serviços seculares. O ministério denotado por latre›ein é sempre oferecido a Deus (ou a deuses pagãos…) – Theological Dictionary of the New Testament [Dicionário Teológico do Novo Testamento], editado por Gerhard Kittel, Vol. IV, página 62. (Os sublinhados não estão no original).

Todas as vinte e uma ocorrências de latreuo no Novo Testamento são em relação à adoração – tanto a do Pai como a das falsas divindades – nunca a dos humanos – nunca a Jesus Cristo. A NVI traduz esta palavra conforme segue: (servir: 10); (adorar: 5); (ministrar: 1); (servir em um santuário: 1); (servido: 1); (adorado: 1) (adorador: 1) (adoradores: 1). Visto que tanto proskyneo como latreuo são às vezes traduzidas pela palavra “adoração” nas versões modernas da Bíblia, o leitor mediano pode não perceber que elas transmitiam significados bem diferentes na língua original. Da mesma forma, outros textos falam de ‘servir’ a outros, bem como ‘servir’ a Cristo. Por exemplo, Efésios 6:7 diz: “Sirvam aos seus senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor, e não aos homens.” E em Romanos 14:17, 18, lemos: “Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo; aquele que assim serve a Cristo é agradável a Deus e aprovado pelos homens.” Nesses versículos o assunto de alguém servir a outros e a Cristo é trazida à tona. Porém, a palavra grega traduzida como ‘sirvam’ e ‘serve’ nestes versículos é douleuo, e não se agrega ao significado básico de latreuo. Desta maneira, as traduções modernas muitas vezes não conseguem transmitir a natureza distinta de latreuo. Ao contrário de outras palavras do grego original, latreuo é usada exclusivamente num sentido sagrado e deve ser distinguida de alguma forma para separá-la das palavras gregas comuns que se usam tanto em sentido secular, como em sentido religioso. Uma versão que faz uma distinção clara entre proskyneo e latreuo é a Tradução do Novo Mundo que traduz proskyneo variadamente como ‘reverência’ ou ‘culto’ e latreuo como ‘serviço sagrado’. Conforme vimos, esta distinção é apropriada.

Visto que proskyneo descreve uma ação realizada, parece melhor traduzi-la em linguagem moderna pela palavra ou palavras que descrevam com precisão a ação descrita e permitir que o contexto no qual ela se encontra determine a razão para a ação. Dizer que ajoelhar-se diante de Cristo era ‘adorá-lo’ presume algo que o contexto não apóia. As Escrituras teriam de ser muito mais explícitas do que são para chegarmos a essa conclusão. Vimos que outros, além dos discípulos, curvaram-se ou se ajoelharam diante de Jesus naquilo que foi um gesto óbvio de respeito e honra, mas eu hesitaria em afirmar que eles o adoraram. Mesmo no mundo ocidental, nós não assumiríamos que a adoração era a intenção de alguém que se ajoelhou perante um dignitário (religioso ou político). Essa ação seria encarada mais como um gesto de profundo respeito. Nas culturas orientais a questão de curvar-se, ajoelhar-se e prostrar-se eram e continuam a ser muito mais comuns, conforme é observado na International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional]:

1. Significado. – Adoração é intensa admiração culminando em reverência e veneração, juntamente com os atos e atitudes externas que acompanham essa reverência. Assim, ela inclui tanto os sentimentos subjetivos como os sentimentos da alma, na presença de algum objeto ou pessoa superior, e as expressões físicas apropriadas de tais sentimentos em atos externos de homenagem ou de culto. Em seu sentido mais amplo ela inclui reverência a outros seres além de Deus, especialmente aos monarcas, que nos países orientais eram vistos com sentimentos de temor. Mas ela encontra sua expressão máxima na religião.” – Vol. I, página 55.

Conforme observado acima, o assunto da adoração não está limitado à deidade, embora a inclua como sua forma mais elevada. A dignitários humanos também seriam concedidas tais honras como se curvar ou ajoelhar-se perante eles. Até mesmo prostrar-se diante de um rei ou de um representante do rei não seria encarado como adoração nessas culturas. E essa foi a cultura em que Jesus viveu durante seu ministério terrestre. Em relação às várias posturas que podem ser assumidas em relação a homens, bem como a divindades a International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional] diz:

Posturas Externas. – No AT e no NT, estas são similares às que prevaleciam em todos os países orientais, conforme é amplamente ilustrado pelos monumentos do Egito e da Assíria, e pelos costumes ainda em uso entre as nações do Oriente. As principais atitudes mencionadas na Bíblia são as seguintes:

A. Prostrar-se. Entre os orientais, principalmente os persas, a prostração (isto é, ajoelhar-se e daí gradualmente, inclinar o corpo, até a testa tocar no solo) era comum como expressão de profunda reverência e humildade diante de um superior ou benfeitor. Isto era praticado na adoração de Iavé (Gên. 17:3; Num. 16:45; Mat. 26:39, Jesus no Getsêmane; Rev. 1:17), e de ídolos (2 Reis 5:18; Dan. 3:5 em diante), mas de modo algum se restringia a exercícios religiosos. Era o método formal de suplicar ou fazer reverência a um superior (por exemplo, 1 Sam. 25:23; 2 Reis 4:37; Est. 8:3; Mar. 5:22; João 11:32.)

B. Ajoelhar-se. Uma substituição para a prostração era a genuflexão, uma atitude comum de adoração, mencionada freqüentemente no AT e no NT (por exemplo, 1 Reis 8:54; Esdras 9: 5; Sal. 95:6; Isa 45:23; Luc. 22:41, Jesus no Getsêmane; Atos 7:60; Efe. 3:14). A mesma atitude era às vezes adotada ao se prestar homenagem a um semelhante, como em 2 Reis 1:13. ‘Sentar-se’ como uma atitude de oração (Apenas 2 Sam. 7:18; 1 Cro. 17:16) era provavelmente uma forma de se ajoelhar, como na adoração muçulmana.” – Vol. I, página 55

Em relação à pergunta: “Será que os discípulos adoraram a Jesus?” creio que a resposta é Não! Embora seja verdade que as posturas corporais de ajoelhar-se ou prostrar-se eram comuns na época de Jesus, e continuam a ser em certos países atualmente, aqueles dentre nós que leem as Escrituras do ponto de vista de nossa cultura ocidental no presente momento não costumam realizar essas ações. Portanto, quando lemos que os discípulos se curvavam ou se ajoelhavam perante o Senhor, e temos essa ação definida como ‘adoração’ em nossa Bíblia, creio que isso transmite ao leitor mediano um conceito totalmente diferente – especialmente se a pessoa foi ensinada que Jesus era realmente o Deus supremo.

Como judeus que viviam sob o pacto da Lei mosaica, eles teriam restringido sua ‘adoração’ a Deus. Eles encaravam Jesus como o Filho de Deus, Filho do Homem e Messias – todos os três termos identificavam a um só homem, Jesus Cristo – mas a partir de diferentes aspectos. Jesus disse claramente que só Deus deve ser adorado e servido. (Mat. 4:10) Ele mesmo questionou alguém que o chamou de ‘bom’: “Quando Jesus ia saindo, um homem correu em sua direção e se pôs de joelhos diante dele e lhe perguntou: “Bom mestre, que farei para herdar a vida eterna?” Respondeu-lhe Jesus: Por que você me chama bom? Ninguém é bom, a não ser um, que é Deus.”  (Marcos 10:17, 18) Foi esse, “um, que é Deus”, que o ressuscitou dentre os mortos e sobre quem Jesus disse: “Estou voltando para meu Pai e Pai de vocês, para meu Deus e Deus de vocês”. (João 20:17) O que consideramos aqui em matéria de pessoas se curvarem diante de Jesus em várias ocasiões ressalta a importância de remontarmos para aquela época e ocasião, quando lemos a Bíblia. A menos que entremos na cultura e nas práticas vigentes nos dias de Jesus vamos inadvertidamente ler dentro da Bíblia o ponto de vista de nossa cultura ocidental e atitudes modernas. Poderemos estar aplicando uma interpretação muito restrita à palavra ‘adoração’, visto que, conforme indicado, este termo varia em seu sentido nas línguas modernas, ao passo que tendemos a limitar a utilização dele ao único Deus verdadeiro – o Pai.

Jesus Cristo como Senhor

Visto que o nome divino, Iavé, foi substituído na maioria das versões modernas pela palavra SENHOR no Antigo Testamento, há uma tendência de encarar o senhorio de Jesus, como sendo idêntico ao do SENHOR do Antigo Testamento. E, conforme já observado, por volta da época em que as Escrituras Hebraicas encontraram sua trilha para o Novo Testamento como citações, até mesmo o uso distintivo das letras maiúsculas foi descontinuado. Esta prática triste e enganosa não só desonra a Deus, como é terrivelmente enganosa para os leitores da Bíblia nas línguas modernas. A palavra grega traduzida como “Senhor” no Novo Testamento é kyrios e às vezes ela é usada como uma saudação respeitosa. Ela pode transmitir o conceito de ‘mestre’ ou ‘proprietário’, e também pode incluir a ideia de poder e autoridade. O que determina a nuança de significado que se pretende transmitir em um determinado texto deve ser determinado pelo contexto em que ele se encontra. Já foi considerado neste tratado o trecho de João 9:35-38. Nele temos Jesus perguntando ao homem que ele tinha curado se ele acreditava no Filho do Homem. Ele respondeu: “Quem é ele, senhor?” (v. 36) A palavra traduzida como “senhor” é kyrios. Depois que Jesus se identificou, o homem disse: “‘Senhor, eu creio’, e ele o adorou.” (v.38) A palavra traduzida como ‘Senhor’ também é kyrios. A palavra traduzida como ‘adorou’ é proskyneo. Obviamente, kyrios, assim como proskyneo, e muitas outras palavras hebraicas e gregas, é um termo flexível. Vemos usos comparativos desses termos em outras línguas. O equivalente em português da palavra inglesa ‘lord’ é ‘senhor’ [espanhol: señor], e esta é usada para todo homem, bem como para Jesus. Em português ‘o senhor da casa’ significa “o homem da casa”, enquanto o ‘Senhor Jesus Cristo’ significa “o Senhor [inglês: lord] Jesus Cristo”.

Outro exemplo pode ser tirado do encontro que Maria Madalena teve com o Senhor ressuscitado. Ela tinha ido ao sepulcro de manhã cedo, só para encontrá-lo vazio. Ela estava angustiada e ao ver um homem que ela achou que era o jardineiro ou zelador, ela disse: “Se o senhor o levou embora, diga-me onde o colocou, e eu o levarei.” (João 20:15) Aqui, novamente, a palavra traduzida como ‘Senhor’ é kyrios. Mais tarde, ao relatar sua experiência para os discípulos, disse “Eu vi o Senhor!” E contou o que ele lhe dissera. (João 20:18) A palavra ‘Senhor’ aqui também é a tradução de kyrios. Outros exemplos poderiam ser dados, mas creio que isso estabelece o ponto de que kyrios é basicamente uma palavra que denota respeito e pode significar coisas diferentes em diferentes contextos. Não podemos saber exatamente o que estava na mente de Maria quando ela usou a palavra kyrios com relação a Jesus, mas entendemos algo do ambiente cultural e religioso em que ela vivia e como ela encarava Jesus. Ela certamente tinha um conceito reverente dele, que estaria em harmonia com chamá-lo de seu Senhor. Mas ser chamado de ‘Senhor’, não prova que ele era adorado como Senhor equivalente ao Pai.

Creio que as confissões do apóstolo Paulo sobre estes assuntos resolvem a questão para nós. Ele disse: “Portanto, em relação ao alimento sacrificado aos ídolos, sabemos que o ídolo não significa nada no mundo e que só existe um Deus. Pois, mesmo que haja os chamados deuses, quer no céu, quer na terra (como de fato há muitos “deuses” e muitos “senhores”), para nós, porém, há um único Deus, o Pai, de quem vêm todas as coisas e para quem vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, por meio de quem vieram todas as coisas e por meio de quem vivemos.” (1 Cor. 8:4-6) Ele faz uma confissão similar em sua carta aos Efésios: “Há um só corpo e um só Espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos.” (Efé. 4:4-6). O que poderia ser mais explícito do que isso? Quando solicitados a expressar nossa própria confissão de fé neste assunto faríamos bem em usar as palavras dele. Podemos fazer isso com segurança e evitar distorcer a verdade. Embora as confissões de Paulo sobre fé sejam tão explícitas como são, há quem veja nas palavras dele evidência de que ele equiparou Cristo com Deus:

“Ao passo que ele [Paulo] refere-se a uma pessoa como ‘Deus’, o uso do termo ‘Senhor’ para Paulo, que tinha sido criado como judeu estrito, seria praticamente um equivalente para ‘Deus’. Ele era o Senhor de Paulo, e este era realmente seu nome favorito para Jesus. Tinha-se tornado praticamente um nome próprio para Cristo. Deve-se observar que Paulo está lidando com essas questões do ponto de vista de um adorador, não de um teólogo. A preocupação dele com as pessoas é em termos de seu relacionamento com elas, em vez de no relacionamento de uma com a outra. Tendo dito isto sob a perspectiva a partir da qual ele escreve, devemos, porém, atribuir grande importância a este fenômeno. Como Warfield disse, “Permanece notável, todavia, se a própria essência da Trindade foi concebida ​​por ele como residente nos termos ‘Pai’, ‘Filho’, que em suas numerosas alusões à Trindade da Divindade, ele nunca detrai qualquer sentido desta” – God in Three Persons: A Contemporary Interpretation of the Trinity [Deus em Três Pessoas: Uma Interpretação Contemporânea da Trindade], Millard J. Erickson, pág. 300.

Afirmar, como o professor Erickson faz, que o termo ‘Senhor’, usado por Paulo era “praticamente um equivalente para ‘Deus’”, simplesmente não é verdade. Conforme já considerado, a palavra para Senhor em grego é kyrios, e ela era comumente usada como um título de respeito. A palavra grega para Deus é theos, e ela não é usada tão comumente como kyrios. Além disso, o apóstolo Paulo é muito cuidadoso no uso desses termos quando descreve o Pai e o Filho. Sugerir que eles eram equivalentes na mente de Paulo parece, a meu ver, uma releitura das palavras dele, um conceito que ele não tinha a intenção de ensinar aos cristãos.

A maioria dos cristãos concordará que só a Bíblia é inspirada e é o único guia seguro para o ensino saudável. Uma das características amplamente conhecidas dos cultos é que eles geralmente se baseiam em alguma autoridade além da Bíblia para estabelecer seu sistema de crenças. Porém, muitas dessas mesmas pessoas argumentam frequentemente que, embora só a Bíblia seja inspirada, devemos dar atenção ao que a igreja histórica tem a dizer sobre a doutrina e incluir essas conclusões, juntamente com a Bíblia, para obter a verdade completa. Infelizmente, os que afirmam que sua estrutura doutrinária tem raízes no início do desenvolvimento da igreja cristã nem sempre concordam entre si. O que pode ser encarado como ‘ortodoxo’ numa comunidade pode ser considerado ‘heterodoxo’ em outra. Tudo se resume a qual ‘ortodoxia’ você aceitará. Portanto, os que condenam certas autoridades podem, de fato, ter sua própria autoridade extra-bíblica em matéria de ‘ortodoxia’!

O relacionamento exaltado

Estamos vivendo nesse período específico de tempo ao qual a Bíblia se refere como “a era atual”, em que o Filho do Homem glorificado está à destra da Majestade nos céus. Quando o discípulo Estêvão estava para ser morto ele teve uma visão celestial: “Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de Deus, e Jesus em pé, à direita de Deus, e disse: ‘Vejo os céus abertos e o Filho do homem em pé, à direita de Deus’.” (Atos 7:55, 56) Esta visão inspirada pelo Espírito confirma o que lemos em outro lugar. No dia histórico do Pentecostes, Pedro narrou a morte e a ressurreição de um santo de Deus e, em seguida, disse: “Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato. Exaltado à direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou o que vocês agora veem e ouvem.” – Atos 2:32, 33.

Esta posição exaltada e poderosa do Filho do Homem, não só cumpre sua missão divina de conciliar os céus e a terra com Deus; como também o coloca nessa posição de honra, glória e majestade prometida em Filipenses 2:9-11. Ele recebeu esse nome que está acima de todo outro nome, e toda criatura no céu, na terra e debaixo da terra deve dobrar os joelhos em sujeição reverente a ele. No livro do Apocalipse a cortina de invisibilidade é levantada e temos um vislumbre do que isso significa no reino celestial:

“Depois vi um Cordeiro, que parecia ter estado morto, em pé, no centro do trono, cercado pelos quatro seres viventes e pelos anciãos. Ele tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados a toda a terra. Ele se aproximou e recebeu o livro da mão direita daquele que estava assentado no trono. Ao recebê-lo, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro. Cada um deles tinha uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos; e eles cantavam um cântico novo: Tu és digno de receber o livro e de abrir os seus selos, pois foste morto, e com teu sangue compraste para Deus gente de toda tribo, língua, povo e nação. Tu os constituíste reino e sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra. Então olhei e ouvi a voz de muitos anjos, milhares de milhares e milhões de milhões. Eles rodeavam o trono, bem como os seres viventes e os anciãos, e cantavam em alta voz: “Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor!” Depois ouvi todas as criaturas existentes no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e tudo o que neles há, que diziam: “Àquele que está assentado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a honra, a glória e o poder, para todo o sempre!” Os quatro seres viventes disseram: “Amém”, e os anciãos prostraram-se e o adoraram.” – Rev. 5:6-14

Que glorioso momento de reunião! Que celebração do triunfo do Filho do Homem! Que profunda mostra da adoração e glória concedidas ao Cordeiro de Deus! Tudo isto confirma a promessa do Pai a respeito de seu Filho! Que alegria deve ter trazido ao Pai coroar seu Filho com essa honra! Nunca mais eles se separaram. Só podemos conhecer, em parte, o vasto oceano de amor que inundou seus corações e mentes na época e continuam a fluir até agora. Certamente, esta glorificação do Filho de Deus é o auge de sua posição exaltada – tanto a sua natureza, como seu poder e autoridade. É importante refletir sobre isso porque resolve a questão sobre sua natureza pré-humana e poder. Qualquer que seja a glória e o poder que ele tinha ao lado do Pai, antes e durante a criação – poder e posição que ele deixou de lado – eles são superados pelo que ele tem agora. E as escrituras acima nos revelam os sete aspectos da honra e dignidade que se tornaram dele. Certa vez feito em uma forma ou natureza menor que a dos anjos, ele agora recebeu uma natureza ou forma glorificada que está de acordo com sua identidade espiritual e lugar celestial.

Sobre esta natureza glorificada, Hebreus 1:3 diz:

“O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa.” – NVI.

“O qual, sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder.” – ACR.

“Este Filho é a irradiação de sua glória e a expressão exata do seu ser. Ele sustenta o Universo com a sua palavra poderosa.” – BMD.

“O Filho é a irradiação da sua glória e nele Deus se expressou tal como é em si mesmo. O Filho, por sua palavra poderosa, é aquele que mantém o universo.” – EP.

“O Filho brilha com o brilho da glória de Deus e é a perfeita semelhança do próprio Deus. Ele sustenta o Universo com a sua palavra poderosa.” – NTLH.

“Esplendor da glória (de Deus) e imagem do seu ser, sustenta o universo com o poder da sua palavra.” – CBC.

Ler as diversas traduções de Hebreus 1:3 nos ajuda a perceber, até certo grau, o fato de que o Filho é um reflexo da imagem do Pai. Ele não é o Pai, mas é exatamente como Ele em sua natureza e imagem. Ele é o espelho da imagem de seu Pai. Nenhum outro personagem compartilha este auge da glória com o Pai. O Filho é verdadeiramente único. Agora, o Senhor exaltado possui tanto a natureza, como o poder e a autoridade para cumprir a vontade universal do Pai. (Efé. 1:9, 10) Primeiro, porém, a era atual deve chegar à sua conclusão. Depois disso, a nova era verá o cumprimento do propósito de Deus em Jesus Cristo plenamente realizado. No momento não estamos vendo todas as coisas sujeitas a ele, mas esse tempo está chegando. (Heb. 2:5-9).

DEVE O FILHO DO HOMEM GLORIFICADO SER ADORADO COMO O PAI?

Na carta aos Hebreus, lemos: “E ainda, quando Deus introduz o Primogênito no mundo, diz: “Todos os anjos de Deus o adorem” (Hebreus 1:6) A palavra traduzida como “adorem” neste versículo é proskyneo, que já foi longamente discutida. O leitor deve se lembrar de que ela tem um leque de significados e às vezes é usada em relação aos homens, assim como a Deus. Embora a maioria das Bíblias modernas use a palavra “adorem” aqui, a Nova Bíblia Inglesa usa a palavra ‘homenagem’: “Mais uma vez, quando ele apresenta o primogênito ao mundo, ele diz ‘Que todos os anjos de Deus lhe prestem homenagem.’” Vemos um vívido exemplo da homenagem sendo prestada a ele em Apocalipse 5. Devemos entender que a qualidade ou o grau de proskyneo prestada ao Filho é idêntico ao que é prestado ao Pai? Esta é, naturalmente, uma importante questão.

Muitos concordariam que o livro do Apocalipse apresenta o Filho do homem em sua posição mais exaltada. Por essa razão, devemos ser capazes de ganhar alguma perspicácia sobre esta importante questão e talvez resolve-la em nossas mentes de uma vez por todas. Proskyneo aparece no Apocalipse 23 vezes e a NVI [em inglês] a traduz como ‘adorar’ (11 vezes); ‘adorado’ (9 vezes); ‘adoradores’ (1 vez); ‘adorando’ (1 vez); ‘adora’ (1 vez). Algumas das aplicações de proskyneo são em relação a outras entidades além de Deus; ou seja, a besta, a imagem da besta, demônios, ídolos, etc. Há também duas referências de proskyneo direcionadas a um anjo de Deus. (Apocalipse 19:10; 22:8, 9) Estes exercícios inapropriados de proskyneo ocupam 12 das 23 ocorrências da palavra no livro do Apocalipse. As ocorrências restantes são todas direcionadas a Deus. Não existem aplicações da palavra direcionadas ao Filho de Deus. A aplicação mais próxima direcionada ao Filho encontra-se em Apocalipse 5:13, 14, que diz: “Depois ouvi todas as criaturas existentes no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e tudo o que neles há, que diziam: “Àquele que está assentado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a honra, a glória e o poder, para todo o sempre!” Os quatro seres viventes disseram: “Amém”, e os anciãos prostraram-se e o adoraram.” Não somos informados sobre a quem eles dirigiam sua adoração. Referente a isto, observe o seguinte comentário:

14. Os quatro seres viventes acrescentaram o seu Amém. Eles começaram o coro de louvor (iv. 8) e é justo que eles devem terminá-lo. Os vinte e quatro anciãos, como já tinham feito antes, prostram-se em adoração. Não se diz se eles adoram a Deus ou ao Cordeiro (o melhor MSS encerra o versículo em ‘adoraram’), e não há necessidade disso. Neste trecho, os dois não são diferenciados. – Tyndale New Testament Commentaries [Comentários Tyndale ao Novo Testamento], Vol. 20, página 102 (itálicos no original).

O comentário acima diz que Deus e o Cordeiro não são diferenciados no trecho, querendo dizer que ambos são adorados igualmente. Porém, eles são diferenciados aqui como o são por todo o livro do Apocalipse. No capítulo quatro, que é uma introdução à visão que continua no capítulo cinco, lemos: Toda vez que os seres viventes dão glória, honra e graças àquele que está assentado no trono e que vive para todo o sempre, os vinte e quatro anciãos se prostram diante daquele que está assentado no trono e adoram aquele que vive para todo o sempre. Eles lançam as suas coroas diante do trono, e dizem: “Tu, Senhor e Deus nosso, és digno de receber a glória, a honra e o poder, porque criaste todas as coisas, e por tua vontade elas existem e foram criadas”. (Rev. 4:9-11) O capítulo cinco começa com Deus visto sentado em seu trono, segurando um rolo em sua mão direita. (v.1) O Cordeiro se aproxima de Deus e pega o rolo da mão dele. (v. 6, 7) É essa ação que introduz a doxologia que se segue. Há uma distinção clara entre “o que está assentado no trono” e “o Cordeiro”. (v.13) Se alguém crê que tanto Deus como o Cordeiro são honrados igualmente aqui e adorados conjuntamente dependerá dos pressupostos que a pessoa traz para o trecho. É óbvio que tanto Deus como o Cordeiro estão sendo honrados. Todavia, o exército celestial realiza este ato de submissão e adoração para distinguir claramente o que está no trono do Cordeiro. Creio que eles estão sendo honrados de perspectivas diferentes. Devemos lembrar que o que estava sendo mostrado a João era o cumprimento do que lemos em Filipenses: “Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.” – Fil. 2:9-11. Ao curvar-se diante do Cordeiro as hostes angélicas estão mostrando obediência a Deus e glorificando o Cordeiro, Jesus Cristo como Senhor. Acredito que esta é a maneira como devemos entender Hebreus 1:6. Eu contei 87 ocorrências do título Deus (theos) no livro do Apocalipse, mas nenhuma destas foi aplicada ao Filho glorificado. Porém, nós o vemos usando o título: “Farei do vencedor uma coluna no santuário do meu Deus, e dali ele jamais sairá. Escreverei nele o nome do meu Deus e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce dos céus da parte de Deus; e também escreverei nele o meu novo nome.” – Apocalipse 3:12.

O Apocalipse conclui com os resultados triunfantes do reinado do governo de Cristo. A igreja foi glorificada e reina com ele. Satanás é destruído, bem como o sistema corrupto que ele produziu. A vida é restaurada para os que forem julgados dignos dela e novos céus e uma nova terra vieram à existência. Tudo o que Deus se propôs a fazer, por meio de seu Filho foi realizado. O que vem em seguida? O apóstolo Paulo explica:

“Então virá o fim, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, depois de ter destruído todo domínio, autoridade e poder. Pois é necessário que ele reine até que todos os seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte. Porque ele “tudo sujeitou debaixo de seus pés”. Ora, quando se diz que “tudo” lhe foi sujeito, fica claro que isso não inclui o próprio Deus, que tudo submeteu a Cristo. Quando, porém, tudo lhe estiver sujeito, então o próprio Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, a fim de que Deus seja tudo em todos.”

Não existe qualquer ambiguidade aqui. Paulo diz que foi Deus quem sujeitou todas as coisas ao Cristo. A autoridade e o poder que o Filho glorificado exerce foram dados a ele por seu Pai. Ademais, quando todas as coisas forem realizadas de acordo com a vontade de Deus, o Filho se sujeitará àquele que sujeitou todas as coisas a ele originalmente. Tendo cumprido o grande propósito ele fica de lado, por assim dizer, e se junta a todos os outros em uma posição de sujeição perante Deus, para que o Pai seja tudo para toda a criação. Eu creio que a perspectiva apresentada aqui pelo apóstolo Paulo é consistente com o que lemos em qualquer outro lugar sobre o relacionamento Pai / Filho. Todas as coisas procedem do Pai e, finalmente, voltam para Ele. Há uma interessante nota de rodapé na Bíblia de Estudo da NVI sobre 1 Coríntios 15:28:

15:28 o próprio Filho se sujeitará a Ele. O Filho se sujeitará ao Pai no sentido de que administrativamente, depois que ele sujeitar todas as coisas ao seu poder, ele irá, em seguida, retornar tudo para Deus, o Pai, o chefe administrativo. Isto não é sugerir que o Filho é de alguma forma inferior ao Pai. Todas as três pessoas da Trindade são iguais em divindade e em dignidade. A subordinação referida é de função (veja a nota sobre 11:3). O Pai é supremo na Trindade; o Filho realiza a vontade do Pai (por exemplo, na criação, e redenção); o Espírito é enviado pelo Pai e pelo Filho para renovar a vida, comunicar a verdade de Deus, aplicar sua salvação às pessoas e capacitá-las a obedecer à vontade (ou palavra) de Deus, para que Deus seja tudo em todos. O Deus trino será provado como supremo e soberano em todas as coisas. – Bíblia de Estudo NVI, (o sublinhado não está no original).

Achei interessante que a exposição acima fala do Pai como “supremo na Trindade”, e “o chefe administrativo”, ao mesmo tempo em que argumenta que o Filho e o Espírito Santo “são iguais em divindade e dignidade”, com o Pai. Esses comentários parecem ser apresentados como uma defesa das sortes. Não é uma defesa do que Paulo está obviamente dizendo, e sim uma defesa de uma proposição que as palavras dele parecem questionar. Se o Pai é supremo, e não há dúvida de que Ele é, então todos os demais devem ser vistos em relação a essa supremacia. Se o Pai é o “chefe administrativo”, em relação ao Filho e o Espírito Santo (o Espírito Santo não é mencionado no versículo), então eles devem agir em função dessa liderança ‘administrativa’. A conclusão parece ser que o Pai é supremo – e ponto final! Anteriormente em sua carta (1 Cor. 8:4-6), o apóstolo havia explicado que o Pai é DEUS! Não creio que seria consistente concluirmos que sete capítulos depois, ele esteja dizendo algo completamente diferente. Quando Paulo diz que o Filho se sujeitará a Deus, “para que Deus seja tudo em todos”, ele está dizendo que o Pai – Deus, vai ser todas as coisas para toda a criação. A ideia de que o que Paulo realmente quis dizer é que “o Deus trino será provado como supremo e soberano em todas as coisas”, é simplesmente sem fundamento. O conceito de trindade não é sugerido.

O comentário acima chama a atenção para 1 Coríntios 11:3, como estando relacionado com o que está sendo discutido em 1 Coríntios 15:28. O texto citado diz: “Quero, porém, que entendam que o cabeça de todo homem é Cristo, e o cabeça da mulher é o homem, e o cabeça de Cristo é Deus.” Temos aqui o que é chamado de princípio da chefia. Este princípio não era novo na época de Paulo. Representava um conceito comum na cultura hebraica e é usado muitas vezes no Antigo Testamento para denotar uma posição de liderança e autoridade. (Deut. 28:13, 43, 44; Juízes 10:17, 18; 11:8-11; Salmo 18:43; Isaías 7:7-9). Como instrutor encarregado de declarar doutrina correta, o apóstolo chamou atenção para esse princípio quando discutiu o decoro cristão apropriado. Ele também o discute em conexão com o relacionamento conjugal. (Efé. 5:22-24.) Em sua carta aos Coríntios, ele usa esse mesmo princípio da chefia para expor o seu entendimento de como esse princípio afetava a adoração pública. Foi nesse contexto que as palavras dele em 1 Coríntios 11:3 foram ditas. Ele deixa claro que todos são afetados por esse princípio – até mesmo Jesus Cristo – que tem Deus como seu cabeça. Este versículo e sua aplicação é discutido abaixo:

11:3 Alguns entendem o termo “cabeça” como se referindo principalmente ao conceito de honra, no qual a cabeça física de alguém é a sede da sua honra (cf. vv. 4-5.). Assim como o Cristo honrou a Deus, o homem deve honrar a Cristo, e a mulher deve honrar seu marido. Outros veem na palavra “cabeça” a ideia de autoridade (que incluiria também o conceito de honra). Eles apontam que Paulo usa claramente o termo no sentido de autoridade em Efé. 1:21-22 (‘debaixo de seus pés’, ‘cabeça sobre tudo’), em Efé. 5:22-23 (onde a chefia é vista num contexto de submissão) e em Colossenses 1:18; 2:10. Assim como Cristo tem autoridade sobre o homem e deve ser, portanto, honrado pelo homem, assim o marido está numa posição de autoridade e deve ser, portanto, honrado por sua esposa.” – Bíblia de Estudo NVI, nota de rodapé.

Embora os comentários acima façam menção da autoridade de Cristo sobre o homem e da autoridade do homem sobre a mulher, eles permanecem em silêncio quanto à autoridade de Deus sobre Cristo, que também é apresentada no texto. A liderança no reino humano não tem nada que ver com a natureza dos seres humanos. Tanto os homens como as mulheres são criaturas de carne e osso; eles compartilham uma natureza humana comum. Embora existam diferenças corporais e diferenças óbvias em função, eles compartilham uma humanidade comum. Da mesma forma, o Cristo glorificado compartilha uma natureza como a de seu Pai, mas ele atua nessa natureza tendo a Deus como seu cabeça – sua autoridade. Este conceito é consistente com tudo o que li sobre esse relacionamento nas Escrituras; ele não começa e termina com a vida humana de Jesus. Quando Paulo escreveu sua carta à igreja de Corinto Jesus já tinha sido enaltecido havia muitos anos, mas ele fala de Deus como o cabeça de Jesus. Deus é o progenitor de todas as coisas. Foi seu amor pelo mundo da humanidade que o levou a enviar seu Filho unigênito ao mundo para morrer pelos pecados do mundo. (João 3:16) Ele ressuscitou o Filho para a vida e lhe deu todo o poder e autoridade para governar como Rei-Sacerdote. (Mat. 28:18; Atos 2:32, 33) Tudo começa e termina com o Pai! Ele executa seus propósitos por meio de seu Filho, o qual, por sua vez, conduzirá no fim a criação restaurada de volta ao domínio de seu Pai. Até lá, toda a criação deve dobrar os joelhos em sujeição e em reconhecimento da autoridade do Filho, dada por Deus; e toda língua deve confessar que Jesus é o Senhor. Quando fazemos isso, estamos glorificando a pessoa que ordenou que fosse assim. (Filipenses 2:9-11.)

Concentremo-nos, por um momento, na questão da liderança em relação a Cristo e sua congregação – seu corpo. Estamos em sujeição ao cabeça da congregação, Jesus Cristo, ele é nossa autoridade. Somos chamados a guardar os mandamentos dele. Não podemos fazer nada à parte dele. Nós o honramos e servimos como nosso Senhor e Redentor. Assim, quando pensamos em Jesus Cristo como o cabeça da igreja, entendemos que somos totalmente subordinados a ele. Conforme Paulo escreveu: “Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e qualquer circunstância.” (Efé. 1:22, 23) Todos são afetados por algum tipo de liderança – até mesmo Jesus Cristo. O único que está excluído de alguma forma de subordinação é o próprio Deus, conforme Paulo deixa claro. Não consigo ver como é que o reconhecimento de Deus ser o cabeça de Cristo o desonra ou rebaixa de alguma maneira. Por que tentar minimizar ou explicar de outra maneira o fato de o cabeça do Cristo ser Deus e ele sempre permanecer em sujeição ao Pai?

Nosso relacionamento com o Pai e o Filho

Ter um entendimento claro do relacionamento entre o Pai e o Filho permite-nos ter uma melhor compreensão do nosso relacionamento com eles. Ninguém expos melhor esses relacionamentos do que o próprio Jesus.

“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá fruto ele poda, para que dê mais fruto ainda. Vocês já estão limpos, pela palavra que lhes tenho falado. Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês. Nenhum ramo pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Vocês também não podem dar fruto, se não permanecerem em mim.

Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dará muito fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa alguma. Se alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é jogado fora e seca. Tais ramos são apanhados, lançados ao fogo e queimados. Se vocês permanecerem em mim, e as minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e lhes será concedido. Meu Pai é glorificado pelo fato de vocês darem muito fruto; e assim serão meus discípulos.” – João 15:1-8.

O que é dito por nosso Senhor, acima, é consistente com o que lemos em outros lugares nas Escrituras. Jesus é a videira nesta ilustração e o Pai é o agricultor. É apenas outra maneira de ilustrar como o Pai faz as coisas por meio do Filho. O poder que o Senhor tem para emitir ordens é devido à autoridade que lhe foi dada. As Escrituras não nos apresentam esta autoridade dele como autopossuída, como se ele sempre tivesse essa autoridade por direito divino. O único apresentado nas Escrituras como possuindo autoridade por direito pessoal é o próprio Deus. Jesus explica claramente que a dele é uma autoridade recebida. Quando seus opositores o acusaram de fazer-se igual a Deus,

“Jesus lhes deu esta resposta: Eu lhes digo verdadeiramente que o Filho não pode fazer nada de si mesmo; só pode fazer o que vê o Pai fazer, porque o que o Pai faz o Filho também faz. Pois o Pai ama ao Filho e lhe mostra tudo o que faz. Sim, para admiração de vocês, ele lhe mostrará obras ainda maiores do que estas. Pois, da mesma forma que o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, o Filho também dá vida a quem ele quer. Além disso, o Pai a ninguém julga, mas confiou todo julgamento ao Filho, para que todos honrem o Filho como honram o Pai. Aquele que não honra o Filho, também não honra o Pai que o enviou.

Eu lhes asseguro: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida. Eu lhes afirmo que está chegando a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e aqueles que a ouvirem, viverão. Pois, da mesma forma como o Pai tem vida em si mesmo, ele concedeu ao Filho ter vida em si mesmo. E deu-lhe autoridade para julgar, porque é o Filho do homem.” – João 5:19-27.

Jesus afirma claramente que a autoridade que ele exerce foi-lhe confiada por Deus. Ele tem o poder de julgar porque o Pai lhe deu esse poder – não porque ele sempre possuiu isso por direito divino e só colocou de lado momentaneamente quando se fez carne. Ele tem vida em si mesmo para conceder aos outros a vida porque o Pai lhe concedeu este poder de dar a vida. O fato de os opositores de Jesus terem entendido mal estas coisas não é razão para fazermos o mesmo. O contexto no qual o texto acima é esboçado define claramente como e por que o Pai concedeu todos esses poderes e honras a Jesus. O Pai se agradou em fazer isso. Jesus sempre dirigia a adoração ao seu Pai como o único Deus verdadeiro. Ele reconhecia sua relação única com esse Deus e constantemente apresentava Deus como a fonte de sua autoridade e poder. Na véspera de sua morte ele orou a seu Pai:

“Pai, chegou a hora. Glorifica o teu Filho, para que o teu Filho te glorifique. Pois lhe deste autoridade sobre toda a humanidade, para que conceda a vida eterna a todos os que lhe deste. Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. Eu te glorifiquei na terra, completando a obra que me deste para fazer. E agora, Pai, glorifica-me junto a ti, com a glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse. Eu revelei teu nome àqueles que do mundo me deste. Eles eram teus; tu os deste a mim, e eles têm obedecido à tua palavra. Agora eles sabem que tudo o que me deste vem de ti. Pois eu lhes transmiti as palavras que me deste, e eles as aceitaram. Eles reconheceram de fato que vim de ti e creram que me enviaste. Eu rogo por eles. Não estou rogando pelo mundo, mas por aqueles que me deste, pois são teus. Tudo o que tenho é teu, e tudo o que tens é meu. E eu tenho sido glorificado por meio deles. Não ficarei mais no mundo, mas eles ainda estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, protege-os em teu nome, o nome que me deste, para que sejam um, assim como somos um.” – João 17:1-11

Até o fim de sua vida, Jesus glorificou a seu Pai como o único Deus verdadeiro. Ele voluntariamente submeteu sua vontade à de seu Pai, para proporcionar o sacrifício humano que redime os crentes das consequências do pecado. (Rom. 6:23) É o sangue e a carne dele que devemos consumir (por meio da fé), para termos a vida em nós mesmos. Embora este ensino tenha chocado muitos dos que ouviram Jesus expor originalmente esta verdade profunda, ela é a verdade central que vincula todas as Escrituras.

“Jesus lhes disse: Eu lhes digo a verdade: Se vocês não comerem a carne do Filho do homem e não beberem o seu sangue, não terão vida em si mesmos. Todo aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Todo aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Da mesma forma como o Pai que vive me enviou e eu vivo por causa do Pai, assim aquele que se alimenta de mim viverá por minha causa. Este é o pão que desceu dos céus. Os antepassados de vocês comeram o maná e morreram, mas aquele que se alimenta deste pão viverá para sempre. Ele disse isso quando ensinava na sinagoga de Cafarnaum.” – João 6:53-59.

Jesus pagou o grande valor que precisava ser pago por nossa redenção do pecado e da morte. Por meio dele – através de nossa fé nele como o cordeiro de Deus – somos reconciliados com Deus. (Romanos 5:1, 2) Nós podemos reivindicar ser filhos de Deus por causa do que Jesus Cristo fez por nós. Temos uma relação com o Filho de Deus como nosso Senhor e salvador. Ele não só morreu por nós, como também vive por nós. Ele está à destra de Deus para interceder e mediar para nós. (Rom. 5:10, 11; 8:34, 35; Heb. 7:25; 1 Tim 2:5, 6) Em nossa condição exaltada como filhos de Deus nós partilhamos com o Filho de Deus uma fraternidade diferente de qualquer outra. Esta relação notável é explicada na Carta aos Hebreus:

“Pois Deus, que cria e sustenta todas as coisas, fez o que era apropriado e tornou Jesus perfeito por meio do sofrimento. Deus fez isso a fim de que muitos, isto é, os seus filhos, tomassem parte na glória de Jesus. Pois é Jesus quem os guia para a salvação. Jesus purifica as pessoas dos seus pecados; e todos, tanto ele como os que são purificados, têm o mesmo Pai. É por isso que Jesus não se envergonha de chamá-los de irmãos. Como ele diz: “Ó Deus, eu falarei a respeito de ti aos meus irmãos e te louvarei na reunião do povo.” Diz também: “Eu confiarei nele.” E diz ainda: “Aqui estou eu com os filhos que Deus me deu.” – Hebreus 2:10-13, NTLH.

Pode-se avaliar que o nosso relacionamento com o Pai como filhos só é possível por meio do que Jesus fez por nós. Fomos dados a Jesus e nos tornamos parte da família celestial, como filhos de Deus. (João 17:2) Jesus é muitas coisas para nós: ele é o nosso Senhor, redentor, sumo sacerdote, rei, mediador, advogado, dador da vida e juiz. Ele também é, como vimos, nosso irmão. Nada disso seria possível se não fosse a ressurreição de Jesus Cristo. A crença na ressurreição dele foi, desde o princípio, um componente essencial do que veio a ser o evangelho. Quando o apóstolo Paulo descobriu que certas pessoas na igreja de Corinto estavam negando o ensino da ressurreição, ele respondeu com uma defesa vigorosa:

“Irmãos, quero lembrar-lhes o evangelho que lhes preguei, o qual vocês receberam e no qual estão firmes. Por meio deste evangelho vocês são salvos, desde que se apeguem firmemente à palavra que lhes preguei; caso contrário, vocês têm crido em vão. Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze. Depois disso apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos quais ainda vive, embora alguns já tenham adormecido. Depois apareceu a Tiago e, então, a todos os apóstolos; depois destes apareceu também a mim, como a um que nasceu fora de tempo.” – 1 Cor. 15:1-8.

Cristo era impotente na sepultura, porque ele estava morto – completamente morto! Chamamos atenção a este ponto porque alguns sugeriram que Cristo saiu do túmulo sem ajuda. Se fosse verdade, isso teria sido um milagre maior do que a própria ressurreição! Uma das razões para esta sugestão é que se relata que Jesus disse anteriormente: “Destruí este templo, e em três dias eu o reerguerei” (João 2:19, TEB) Os judeus que ouviram isso pensaram que ele estava falando sobre o templo literal de Iavé em Jerusalém, porém ele estava falando sobre si mesmo: “Mas ele falava do templo do seu corpo. Por isso, depois que Jesus foi ressuscitado dentre os mortos, os seus discípulos lembraram-se de que ele falara assim, e creram na Escritura, bem como na palavra que ele havia dito.” – João 2:21, 22, TEB.

Como devemos entender isso? Note-se que o texto diz que ele “foi ressuscitado dentre os mortos”. Não há qualquer sugestão aqui ou em algum outro lugar de que ele levantou-se dos mortos por si mesmo. Como, então, devemos entender a notável declaração de Jesus: “eu o reerguerei”? Primeiro de tudo, temos de nos lembrar de que Jesus sabia qual era a vontade e a promessa de seu Pai, referente à sua morte e subsequente ressurreição. Ele sabia que estava destinado a morrer como o Cordeiro expiatório de Deus e que posteriormente seria levantado da morte e glorificado juntamente com o Pai. Sobre essas coisas, ele disse: “Por isso é que meu Pai me ama, porque eu dou a minha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou por minha espontânea vontade. Tenho autoridade para dá-la e para retomá-la. Esta ordem recebi de meu Pai.” (João 10:17, 18) A vida de Jesus foi tirada dele por outros – os soldados romanos – que o executaram. No entanto, pode-se dizer que ninguém a tomou dele; ele entregou sua vida voluntariamente. Da mesma maneira, o Pai deu-lhe de volta sua vida por meio da ressurreição. Ainda assim, pode-se dizer que ele tinha autoridade para tomá-la de volta. Tanto tirar sua vida como dá-la de volta novamente, foi algo realizado por outros; os soldados romanos no primeiro caso – Deus no último. Ele tinha a autoridade para dar a sua vida em sacrifício e tinha autoridade para recebê-la de volta. Sua declaração, “eu o levantarei” deve ser entendida no contexto dos próprios eventos.

Somos chamados a depositar nossa confiança em Deus e em seu Filho. Jesus disse a seus discípulos: “Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim.” (João 14:1). Podemos estar confiantes de que nosso Senhor há de apascentar-nos em seu reino por meio da ressurreição. Até lá podemos nos aproximar do nosso Pai celestial com confiança, por meio dele. Na noite em que instituiu a Ceia do Senhor, ele disse: “Até agora vocês não pediram nada em meu nome. Peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja completa.” (João 16:24). Por meio de Jesus, não só temos acesso a Deus em oração, como somos fortalecidos. O Espírito que flui do Pai por meio do Filho flui também para nós e nos anima a realizar a vontade de Deus em nossas vidas. “Digo-lhes a verdade: Aquele que crê em mim fará também as obras que tenho realizado. Fará coisas ainda maiores do que estas, porque eu estou indo para o Pai. E eu farei o que vocês pedirem em meu nome, para que o Pai seja glorificado no Filho. O que vocês pedirem em meu nome, eu farei.” (João 14:12-14). Lembra-se da ilustração de Jesus sobre a videira em João 15? Esse cenário ilustra bem o profundo relacionamento que devemos ter com o Pai e o Filho. Jesus é o caminho, a verdade e a vida. À parte dele nada podemos fazer (João 14:6; 15:5). Nele podemos fazer tudo.

RESUMO

O que foi apresentado aqui é a essência do que eu vejo nas Escrituras acerca do relacionamento entre o Pai e o Filho e nosso relacionamento com eles. Seguramente é um relacionamento profundo – que só pode ser plenamente compreendido pelas próprias partes. Nas Escrituras temos uma imagem parcial desse relacionamento – o suficiente para estabelecer um entendimento básico dele – e o que devemos acreditar sobre ele, se quisermos ser salvos do pecado e da morte. Estas coisas essenciais são todas abrangidas no que veio a ser conhecido como Evangelho ou Boas Novas. O apóstolo Paulo faz uma declaração que resume os elementos essenciais da fé cristã, quando diz: “Há um só corpo e um só Espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos.” (Efé. 4:4-6). “Pois, mesmo que haja os chamados deuses, quer no céu, quer na terra (como de fato há muitos “deuses” e muitos “senhores”), para nós, porém, há um único Deus, o Pai, de quem vêm todas as coisas e para quem vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, por meio de quem vieram todas as coisas e por meio de quem vivemos.” (1 Cor. 8:5, 6) O Pai – Deus, é sempre apresentado como aquele de quem todas as coisas fluem; e o Senhor Jesus Cristo é sempre apresentado como a pessoa por meio de quem todas as coisas fluem. Isto é o que eu vejo nas Escrituras. Eu encerro este empreendimento com a mesma convicção que eu tinha quando o iniciei. Essa convicção é que temos de nos limitar ao cenário, à linguagem e ao vocabulário das Escrituras, se quisermos refletir fielmente a mensagem de Deus para nós na Bíblia.

Durante os muitos meses que passei pesquisando matérias para o estudo do relacionamento entre o Pai e o Filho, deparei-me muitas vezes com o conceito trinitarista em trabalhos acadêmicos. Antes de comentar mais sobre isso, quero deixar claro que eu tenho grande respeito pela erudição. Dou graças a Deus que tem havido, e continua a haver, homens e mulheres que se dedicaram a esses estudos que permitem que pessoas como eu entendam melhor a Bíblia, o povo dela e o mundo que ela nos apresenta. E sou muito grato pelas muitas versões modernas da Bíblia que nos ajudam a entender melhor o que os documentos originais continham. Todavia, ao considerar os argumentos expostos nestas matérias acadêmicas que apóiam o conceito trinitarista, ficou claro que se permitiu à tradição religiosa enfeitar as provas apresentadas. Uma vez que a tradição religiosa pesa tanto na balança dos conceitos doutrinais, parece apropriado examinar o desenvolvimento histórico desse ensino para determinar se ele merece o grau de aceitação que tem tido por muitos cristãos (embora não todos) ao longo dos séculos.

O desenvolvimento do conceito trinitário de Deus

Para começar, a objeção mais óbvia à crença na doutrina da Trindade é que ela não é ensinada nas Escrituras. Os eruditos concordam prontamente com este fato. Porém, estes mesmos eruditos afirmam que as Escrituras realmente fornecem a evidência preliminar ou básica que, quando totalmente compreendida, fundamenta as conclusões formais que vieram a caracterizar a igreja apostólica nos séculos seguintes. Característico dos argumentos sobre isso é o apresentado na edição revisada da International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional]:

Introdução. – Embora ‘trindade’ seja um termo do segundo século que não é encontrado em parte alguma da Bíblia, e as Escrituras não apresentem qualquer declaração trinitária acabada, o NT realmente contém a maior parte dos materiais de construção para a doutrina posterior. Em particular, enquanto insiste em um Deus, ele apresenta Jesus Cristo como o Filho divino em distinção a Deus, o Pai, e, provavelmente, apresenta o Espírito Santo ou Paracleto como uma pessoa divina distinta de ambos. Problemas óbvios estão reconhecidamente associados a ambas as alegações; na verdade, ‘pessoa’ como um termo trinitário (triunitário) tem sido controverso em si mesmo desde Agostinho, e especialmente no período moderno. Ainda assim, a doutrina da Trindade realmente se encontra nas Escrituras ‘em solução’ (B. B. Warfield, ISBE [1929], s.v.); ou seja, o NT apresenta eventos, alegações, práticas e problemas a partir dos quais os pais da igreja cristalizaram a doutrina nos séculos subsequentes.

Uma declaração clássica aparece em Agostinho (De trin. v. 8.9..) e vem ao longo dos séculos como os versículos 15 e 16 do Credo Atanasiano: (15) Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus. (16) Contudo, não há três Deuses, mas um só Deus.” – International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional], Vol. 4, pág. 914.

A doutrina desenvolveu-se fora e à parte da Bíblia. O conceito se desenvolveu ao longo dum intervalo de séculos e o relacionamento entre o Pai e o Filho passou a ser interpretado a partir desse ponto de vista. O professor Erickson tenta apresentar este processo em seu livro. Ele se apercebe do desafio que a Bíblia apresenta neste assunto e oferece o seguinte comentário sobre as objeções gerais à doutrina:

“Há outra objeção, mais geral, contra a doutrina da Trindade. É essencialmente um argumento do evidente silêncio da Bíblia sobre este importante assunto. Esse argumento observa que realmente não há qualquer declaração explícita da doutrina da Trindade na Bíblia, principalmente desde que a crítica textual revelou a natureza espúria de 1 João 5:7b. Em muitos casos, um estudo mais atento mostrou que outros trechos só podem ser aplicáveis se forem submetidos a uma grande distorção. Com certeza, ainda há diversos trechos insinuando algo que contribui para a formulação da doutrina. Porém, esta é a questão. Alega-se que a Trindade é uma doutrina muito importante, crucial e até mesmo básica. Se esse for realmente o caso, não deveria ela estar mais clara, direta e explicitamente afirmada em algum lugar na Bíblia? Se esta é a doutrina que constitui especificamente a singularidade do Cristianismo, colocando em confronto o monoteísmo unitarista de um lado, e o politeísmo do outro lado, como pode ela só estar implícita na revelação bíblica? Em resposta à queixa de que diversas partes da Bíblia são ambíguas ou obscuras, muitas vezes ouvimos alguma declaração como, ‘As questões periféricas é que são nebulosas, ou sobre as quais parece haver matérias bíblicas conflitantes. As crenças centrais estão clara e inequivocamente reveladas.’ Porém, esse argumento parece-nos faltar com relação à doutrina da Trindade. Pois aqui está uma questão aparentemente crucial sobre a qual as Escrituras não falam alto e claro.

Pouco se pode responder diretamente a esta acusação. É improvável que se possa mostrar qualquer texto das Escrituras que ensine a doutrina da trindade de forma clara, direta e inequívoca. O que podemos fazer, porém, é verificar cuidadosamente a Bíblia e ver se o testemunho da Trindade não pode ser baseado de maneira mais clara e mais abrangente do que se pensou. É este esforço que ocupará a nossa atenção nos capítulos 8-10.” – God in Three Persons: A Contemporary Interpretation of the Trinity [Deus em Três Pessoas: Uma Interpretação Contemporânea da Trindade], págs. 108, 109.

Embora a doutrina da trindade tenha sido amplamente aceita por muitos séculos, ela foi também amplamente debatida durante esses mesmos séculos. Conforme reconhecido acima, a doutrina não é encontrada na Bíblia e apresenta certas dificuldades que continuam a ser problemáticas para a igreja. Ao abordar este assunto na introdução de seu livro, o professor Erickson diz o seguinte:

“De muitas maneiras esta doutrina apresenta paradoxos estranhos. Ela é defendida amplamente. Não é simplesmente o entendimento especial de alguma denominação ou seita particular. É parte da fé da igreja universal. É uma doutrina amplamente contestada, que tem provocado discussão ao longo de todos os séculos de existência da igreja. É defendida por muitos com grande veemência e vigor. Esses defensores tem certeza de que acreditam da doutrina, e consideram-na crucial para a fé cristã. Ainda assim, muitos não têm certeza do significado exato de sua crença. Foi a primeiríssima doutrina abordada sistematicamente pela igreja, mas ainda é uma das doutrinas mais incompreendidas e debatidas. Além disso, não é claramente ou explicitamente ensinada em todas as Escrituras, e ainda assim é amplamente considerada como uma doutrina central, indispensável para a fé cristã. Quanto a isso, ela vai na contramão do que é praticamente um axioma da doutrina bíblica, ou seja, que há uma correlação direta entre a clareza textual de uma doutrina e sua importância para a fé e a vida da Igreja” – God in Three Persons [Deus em Três Pessoas], Millard J. Erickson,  págs. 11, 12.

Então somos, desde o início, apresentados a uma doutrina considerada central para a fé cristã e que, ainda assim, não está claramente articulada nas Escrituras. Os que defendem a posição ‘Sola Scriptura’ (as Escrituras, somente), ao mesmo tempo em que creem na doutrina da trindade, são obrigados a qualificar sua ‘suficiência das Escrituras’ acrescentando que devemos juntar a Bíblia com os ‘pais da igreja’ se quisermos realmente entender a Bíblia. Parece apropriado, portanto, que olhemos para trás, para o período pós-apostólico da história da Igreja para compreender melhor as diversas correntes de pensamento intelectual, filosófico, político e religioso que caracterizaram a época na qual esses ‘pais’ viveram, e na qual a doutrina criou raízes.

O segundo e terceiro séculos

A natureza deste tratado não permite uma análise aprofundada da dinâmica da interpretação bíblica pós-apostólica, mas espera-se que ela será completa o suficiente para apresentar uma visão geral justa desse período. Os interessados ​​em um exame mais detalhado fariam bem em obter uma cópia de Biblical Hermeneutics; A Treatise on the Interpretation of the Old and New Testaments [Hermenêutica Bíblica; Um Tratado Sobre a Interpretação do Antigo e Novo Testamentos], Milton S. Terry (Zondervan Publishing House). Terry conduz o leitor ao longo do período pós-apostólico, século por século, e pai patrístico por pai patrístico. Ele também fornece valiosos dados históricos sobre a exegese bíblica durante a Idade Média, a Reforma e o período posterior à Reforma da igreja. Além disso, as histórias eclesiásticas e os dicionários bíblicos, tais como a International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional], de quatro volumes, podem ser muito úteis para compreendermos melhor a vida e a época dos que vieram a ser chamados de “pais da Igreja”. Para o meu propósito aqui vou simplesmente citar a declaração resumida dele sobre a erudição dos pais da igreja.

“À medida que revemos a história da exegese patrística notamos o progresso de duas tendências operativas opostas desde o início da era cristã. Uma era um espírito especulativo, o hábito de alegorizar, gerado pela associação do judaísmo com o platonismo; ele recebeu um impulso poderoso na escola de Alexandria, e tem mantido alguma influência até hoje. A outra tendência era de caráter mais prático. Originou-se com o nosso Senhor e seus apóstolos, que condenaram as especulações fantasiosas e as tradições hagadísticas da época deles, e deram o exemplo de uma interpretação sóbria e racional das Escrituras. Esta era a marca distintiva da escola de Antioquia, e mostrou alguns de seus melhores resultados nos trabalhos exegéticos de Crisóstomo e Teodoreto. Porém, este método mais gramatical e lógico de interpretação não alcançou qualquer desenvolvimento completo entre os antigos pais. A prevalência de superstições, a credulidade cega das massas, as fortes tendências ao ascetismo e misticismo, e o conhecimento deficiente das línguas originais da Bíblia, deu, no principal, uma vantagem aos alegoristas, e tornou uma abrangente interpretação gramático-histórica impossível. Por isso, não olhamos para os antigos pais como modelos de exegese. Os escritos deles contêm numerosas joias imperecíveis de pensamento, e mostram grande perspicácia intelectual e sutileza lógica, mas como intérpretes do livro sagrado eles foram ultrapassados de longe pelos modernos. Apesar de sua extravagante alegorização, Orígenes nunca será valorizado por sua grande erudição e serviço notável à crítica bíblica, e as obras de Crisóstomo, Teodoreto, e Jerônimo, apesar de seus erros frequentes, sempre terão uma posição privilegiada na literatura bíblica; mas já foi o tempo em que um apelo às opiniões dos pais primitivos tinha algum peso considerável entre os homens de erudição”. – Biblical Hermeneutics: A Treatise on the Interpretation of the Old and New Testaments [Hermenêutica Bíblica: Um Tratado Sobre a Interpretação do Antigo e Novo Testamentos], Milton S. Terry, página 660 (os negritos não estão no original).

Independentemente do que se possa pensar dos pais da igreja, parece prudente não depositar muita confiança em seu consenso em evolução do que constituía ortodoxia. O registro é muito complexo e contraditório para apelarmos a esses ‘pais’ com o objetivo de determinar conclusões atuais sobre o relacionamento entre Deus e seu Filho. Havia, entre outras coisas, discordância sobre o significado de certos termos tais como ‘pessoa’, ‘substância’, e ‘essência’. Estes termos significavam coisas diferentes para pessoas diferentes e seus significados eram, e continuam sendo, debatidos. Até mesmo a palavra ‘trindade’, que foi cunhada originalmente na última parte do segundo século para definir o relacionamento entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, era entendida de maneira diferente do que é hoje.

Acrescente-se a isso o antigo entendimento da palavra grega logos, traduzida comumente por ‘palavra’ nas versões bíblicas modernas. Embora ela apareça centenas de vezes no Novo Testamento em seu sentido comum, ela se tornou de especial interesse para os eruditos bíblicos devido à sua ocorrência em João 1:1. Ao passo que logos foi entendida como ‘palavra’, nos tempos apostólicos e pós-apostólicos, ela pode significar também ‘mente’ e ‘razão’. Como consequência, havia os cristãos que pensavam em logos como a faculdade de raciocínio de Deus e não como uma pessoa separada como tal. Esse conceito levou à conclusão de que Deus estava sozinho consigo mesmo – a sua própria mente e razão no princípio. Há os que continuam a acreditar que o logos de João 1:1 não se refere a uma pessoa separada que estava com Deus, e sim a Deus sozinho consigo mesmo – seus pensamentos. Pode-se avaliar quão difícil era, e continua sendo, resolver todas as ideias conflitantes sobre o relacionamento do Pai com o Filho por meio do exame dos pais da igreja. O problema é ilustrado no que se afirma sobre o famoso apologista cristão, Orígenes, frequentemente referido como o pai da teologia cristã:

“O pensamento de Orígenes – brilhante, fértil, excêntrico – é uma amálgama de raízes cristãs e platonistas, cuja influência pelo trinitarismo oriental é difícil de ser exagerada. Muitos historiadores da doutrina encontram em Orígenes (c. 182-251), a própria fonte do que é caracteristicamente grego: o uso de hipóstase para cada um dos três em Deus; a distinção numérica clara do Pai, do Filho e do Espírito como pessoas, porém unidos na vontade e no amor como um só Deus; a geração eterna do Filho; e o forte hierarquicalismo segundo o qual só o Pai pode ser chamado de verdadeiro Deus – sendo o Filho e o Espírito subordinados ao Pai, não só na função, como também na natureza. Pois o Pai transcende ontologicamente o Filho e o Espírito tanto quanto eles, por sua vez, transcendem o mundo criado (In Ioannem xiii. 25,151;. Em Mat. xv. 10;. De prin. 1.3.5.; citado em Kelly, pág.132.). Assim, de modo mais notável, encontra-se no trinitarismo de Orígenes a fonte tanto do capadocianismo ortodoxo como do arianismo herético.” – International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblia Padrão Internacional], Vol. 4, página 918 (verbete “Trindade”).

O clima político envolvido

O pensamento teológico que se desenvolveu sobre a natureza do relacionamento entre o Pai e o Filho não ocorreu num vácuo político. Quando a igreja começou a receber consideração favorável como religião dentro do Império Romano no início do quarto século, estava em formação uma nova dinâmica que iria exercer influência considerável no debate religioso e na ortodoxia. O Édito de tolerância religiosa do Imperador Constantino em 313 D.C., granjeou para a igreja da época um grau de respeitabilidade política e aceitação. Não podemos saber o que motivou a ação de Constantino, mas parece certo que ele viu no Cristianismo organizado uma força estabilizadora dentro do império. Quando os assuntos vieram à discussão, ele não estava disposto a limitar sua influência a funções puramente políticas – criando o clima no qual a igreja, separada do controle imperial, poderia resolver suas diferenças doutrinárias – mas, em vez disso, buscou assumir um papel ativo com a igreja nesses assuntos. O efeito sobre a igreja foi considerável, e marcou o início da aliança entre a Igreja e o Estado; um relacionamento destinado a determinar o curso da igreja por mais de mil anos:

“Embora não tenha sido um caso da mais positiva união entre Igreja e Estado, foi muito mais do que uma simples aliança moral entre dois fatores independentes a que ocorreu sob Constantino. É verdade que ele reconheceu que não era de sua competência determinar os padrões doutrinários da Igreja; porém, logo se tornou evidente que ele não estava disposto a assumir uma atitude passiva em relação à administração dos interesses eclesiásticos. ‘Ele assumiu’, escreve Eusébio, ‘por assim dizer, as funções de um bispo geral, constituído por Deus e convocou sínodos de seus ministros.’ O mesmo autor relata que ele disse a um grupo de bispos: ‘Vós sois bispos, cuja jurisdição está dentro da Igreja; eu também sou um bispo, ordenado por Deus para supervisionar o que quer que seja externo à Igreja.’ Se por coisas externas ele quis dizer as temporalidades da Igreja, ele próprio extrapolou as fronteiras declaradas aqui. Ele emitiu decretos confirmando as decisões dos bispos sobre questões de doutrina e de culto, baniu eclesiásticos que se recusaram a aceitar o credo padrão, ordenou o restabelecimento de pessoas excomungadas apesar da oposição episcopal e proibiu as assembleias de diversos partidos heréticos e cismáticos.

Até que ponto a Igreja foi arrastada para a órbita do Estado é visto também em certos privilégios e funções que foram atribuídas aos eclesiásticos. Os clérigos foram convertidos, senão com relação à sua designação, no que se refere ao seu apoio, em oficiais do Estado; pelo menos uma parte do apoio deles foi encomendada por Constantino, para ser pago com recursos do tesouro público.” – History of the Christian Church [História da Igreja Cristã], Henry C. Sheldon, Vol.1, págs. 380, 381.

Foi Constantino quem convocou o Concílio de Nicéia, que debateu a questão ariana em 325 DC. Embora Ário adorasse a Cristo, argumentou que, se ele era um ‘Filho’ deve ter havido um momento em que ele não era. Este conceito foi considerado herético pelos que argumentaram que, embora a Palavra preexistente fosse um Filho, ele coexistia com o Pai desde a eternidade e, portanto, não houve tempo em que ele não existia. Foi Constantino quem presidiu este debate e, sobre a influência dele, lemos o seguinte:

“Ele [Constantino] deveria ser um mediador, um papel no qual ele era bom e apreciava. Pela descrição que Eusébio dá de Constantino presidindo o concílio de Nicéia em 325 e outras grandes reuniões eclesiásticas, vemos o imperador em seu elemento, organizando elaborada cerimônia, entradas e procissões dramáticas e serviços esplêndidos. Ele trouxe sua habilidade em relações públicas para a administração dos assuntos da Igreja. Foi um grito distante dos dias dos ‘pilares’ e do Concílio de Jerusalém, de fato, pode-se dizer que Constantino criou a décor e o ritual da prática conciliar cristã. Ele tentou também definir o tom do debate: irênico, conciliador, cortês. Foi ele quem insistiu, como uma fórmula de compromisso, na inserção da frase ‘consubstancial com o Pai’ no acordo do credo. ‘Ele aconselhou todos os presentes a concordar com isso’, diz Eusébio, ‘e assinar seus artigos e aprová-los, com a inserção da simples palavra ‘consubstancial’, a qual, aliás, ele interpretou por si mesmo’” – A History of Christianity [História do Cristianismo], Paul Johnson, página 88.

Não temos como determinar as qualificações espirituais daqueles 318 bispos que se relata terem participado no debate em Nicéia. O que é da maior importância para nós hoje é o resultado final do debate deles. Será que a declaração do credo que surgiu dessa reunião acrescenta mais clareza ao que vemos nas Escrituras?

325 D.C.: O Credo de Nicéia

“Cremos em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis. E em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, unigênito do Pai, da substância do Pai; Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai; por quem foram criadas todas as coisas que estão no céu ou na terra. O qual por nós homens e para nossa salvação, desceu (do céu), se encarnou e se fez homem. Padeceu e ao terceiro dia ressuscitou e subiu ao céu. Ele virá novamente para julgar os vivos e os mortos. E (cremos) no Espírito Santo. E quem quer que diga que houve um tempo em que o Filho de Deus não existia, ou que antes que fosse gerado ele não existia, ou que ele foi criado daquilo que não existia, ou que ele é de uma substância ou essência diferente (do Pai), ou que ele é uma criatura, ou sujeito à mudança ou transformação, todos os que falem assim, são anatematizados pela Igreja Católica e Apostólica.” 1N.T.: Existem variações desse Credo, dependendo da tradução. O autor apresentou a de Henry Bettenson em Documents of the Christian Church [Documentos da Igreja Cristã], 2ª Edição, pág. 25, que difere ligeiramente da apresentada aqui.

Ao lermos o credo, torna-se claro que ele não enunciou uma fórmula trinitária. Ele parece projetado principalmente para afirmar a proposição de que o Filho de Deus coexistiu com o Pai e nunca teve um princípio. Na frase, “da substância do Pai”, temos a palavra grega aludida antes (homoousios) na qual Constantino insistiu (traduzida como “consubstancial” na citação) e para a qual ele forneceu a interpretação. Geralmente homoousios tinha o sentido de “da mesma natureza”. Aqui, a palavra parece ter sido tomada como exatamente da mesma substância – substância de Deus – qualquer que fosse ela. Com relação ao Filho ter sido “gerado, não criado” (uma declaração ambígua em si mesma), o credo rejeitou o conceito de que o Filho teria de ser classificado na ordem das coisas criadas. Quanto ao Espírito Santo, isso é tudo o que foi dito: “E [cremos] no Espírito Santo.” Não se fez qualquer tentativa de definir o que isso significava em relação ao Pai e ao Filho. Quanto à questão de saber se a declaração do credo produzido em Nicéia acrescentou clareza à natureza pré-humana da Palavra, haverá diferentes conclusões tiradas por pessoas com diferentes perspectivas. O que se pode dizer com exatidão histórica é que ele fez pouco para esclarecer os assuntos no quarto século. Em suma, ele criou tantas questões quantas tentou responder. Estes problemas são descritos na International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional]:

“Em uma atmosfera política altamente carregada, o Sínodo de Nicéia de Constantino (325) despachou Ário, mas confundiu gerações futuras. Pois, excluindo-se as frases anti-arianas do Credo Niceno, que no tom derivaram do Prólogo do Quarto Evangelho (‘Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado’), a palavra-código central Atanasiana e Nicena em favor do anti-arianismo acabou por ser terrivelmente ambígua. Nicéia disse que o Filho era homoousios com o Pai, isto é, da substância ou ser, mas o termo alimentou tanto debate como encerramento deste. Pois isso poderia significar que o Filho e o Pai eram precisamente o mesmo ser, ou poderia querer dizer que eles eram o mesmo tipo de ser. Provavelmente teve esse último significado, uma vez que o primeiro é modalista e o último foi bom o suficiente para derrotar Ário. Porém, conforme assinalou G. C. Stead, as conotações de homoousios foram provavelmente complicadas por conotações sociais e orgânicas. As imagens favoritas dos pais da igreja para a relação do Filho com o Pai eram as dos raios de sol, galhos de ramos, córregos de fontes – e filhos de pais.” – Vol.4, página 918 (verbete “Trindade”).

O relacionamento entre Deus, o Pai e seu Filho continuou sendo discutido e debatido durante todo o quarto século. O Concílio de Nicéia tinha estabelecido a base para posterior debate, elaboração e especulação acerca deste assunto, o que levou a mais uma reunião desse tipo em 381 DC. Sob os auspícios do imperador Teodósio, um segundo concílio ecumênico se reuniu em Constantinopla, ao qual compareceram 150 bispos. O credo que surgiu deste concílio complementou o Credo de Nicéia, e emitiu uma fórmula trinitária mais completa:

381 D.C.: O Credo de Constantinopla

“Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e Se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; e subiu aos Céus, onde está sentado à direita do Pai. De novo há-de vir em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu Reino não terá fim. Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos profetas. Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica. Professo um só Baptismo para remissão dos pecados. E espero a ressurreição dos mortos, e a vida do mundo que há-de vir. Amen.” 2N.T.: Este credo também tem suas variações. O autor apresentou a versão que consta em Documents of the Christian Church [Documentos da Igreja Cristã], editado por Henry Bettenson, 2ª Edição, pág. 26. A tradução apresentada aqui foi extraída do Catecismo da Igreja Católica, conforme consta no site oficial do Vaticano (em dezembro de 2015.).

O que se diz sobre o Espírito Santo no Credo de Constantinopla, vai muito além do que a Bíblia diz sobre o Espírito Santo. Jamais as Escrituras dizem que o Espírito Santo é ‘Senhor’, nem que ele ‘dá vida’. Parece que a progressão das declarações do credo abriu a porta para mais e mais especulação teórica. Uma leitura cuidadosa da história da Igreja neste período demonstra que houve muitos debates sobre palavras e seus significados. Houve a mistura de pensamento bíblico com o pensamento filosófico grego. O credo anterior era mais prático e fundamentado, ao passo que este último era dado a voos de análise filosófica especulativa. Além disso, a igreja estava dividida em facções de língua latina e língua grega. Termos usados numa língua nem sempre tinham um equivalente na outra. Isso contribuiu para diferentes escolas de pensamento ou tons de interpretação, e um debate acirrado acerca de minúcias. Comentando sobre este problema, conforme relacionado à pessoa de Jesus Cristo, o historiador eclesiástico Paul Johnson escreve:

“A dificuldade intrínseca ao problema reside na falta de margem de manobra para um procedimento intermediário. Um teólogo bem pensante, ansioso para permanecer ortodoxo, teria a tendência de colidir seu navio em Caríbdis ao tentar evitar Cila. 3N.T.: Esta expressão corresponde a “sair da frigideira para cair no fogo.” Assim, Apolinário, bispo de Laodicéia (falecido por volta de 392), em seus esforços de demonstrar seu anti-arianismo, enfatizou a divindade do Senhor, em detrimento de sua humanidade e acabou criando uma heresia particular, que negava que Cristo tinha uma mente humana. Nestório, bispo de Constantinopla (428-431), reagindo ao apolinariarismo, reafirmou a humanidade de Cristo ao ponto de questionar a divindade do menino Jesus, negando assim a Maria seu título de theotókos ou “mãe de Deus”. Ele também se mostrou um heresiarca relutante. Por sua vez, Êutico, um monge aprendiz de Constantinopla, em seu fervor anti-nestoriano, oscilou demais na direção do apolinarianismo e chegou a lamentar a palavra obrigatória de Constantino ‘consubstancial’. Convocado para retratar-se perante um concílio em 448, ele desistiu em desespero: “Até agora eu sempre evitei a frase ‘consubstancial segundo a carne’ [por tender à confusão]. Mas vou usá-la agora, já que sua santidade exige isso.’” – A History of Christianity [História do Cristianismo], página 90.

A questão da ortodoxia havia se tornado, com o tempo, uma obsessão dentro da igreja. Tendo lutado contra as heresias anteriores que foram mais uma ameaça de natureza externa, a igreja tornou-se, cada vez mais obcecada com ameaças da heterodoxia interna, e, desta forma, com a necessidade de credos mais rígidos.

“Um falso ímpeto foi dado à disputa teológica devido a uma falha generalizada em reconhecer corretamente a ampla distinção que existe entre a fé e a ortodoxia. O repúdio à heresia, que havia sido gerado por essas grosseiras aberrações da verdade cristã como o gnosticismo e o maniqueísmo, conjugada com o temperamento não espiritual de numerosos adeptos da Igreja vitoriosa, levou não poucos a confundirem a crença evangélica com a fidelidade a um credo. De acordo com a avaliação superficial deles, uma defesa zelosa dos artigos corretos da fé era uma evidência suprema de caráter cristão.” – History of the Christian Church [História da Igreja Cristã], Sheldon, Vol. I, páginas 412, 413.

Tudo isso estava ocorrendo não só dentro de uma arena eclesiástica, mas política também. Mudanças dramáticas vinham ocorrendo desde o início do quarto século, e essas mudanças foram tendo impacto numa igreja que se cristalizava rapidamente numa igreja institucionalizada. A igreja estava conseguindo rapidamente o que nós, da era moderna, chamaríamos de ‘influência política’. Em relação a este novo desenvolvimento, lemos:

“No período em que entramos agora [313-590], a ordem dos eventos está, em muitos aspectos, em forte contraste com a que foi apresentada há pouco. Ainda nos confrontamos, é verdade, com turbulência e conflito. Em século algum a história cristã esteve livre de tais fatores. Mas a agitação e o conflito são agora levados a novas condições e em novas direções… As condições se inverteram. Em vez de negar altivamente o direito de existência do Cristianismo, o paganismo vê o seu próprio direito à existência questionado, e é obrigado a se tornar suplicante. Em vez de injuriar os cristãos como uma espécie de associação secreta, subterrânea, os próprios pagãos são obrigados a retirar-se do campo, até mesmo seu próprio nome, como ‘pagãos’ (aldeões ou camponeses), proclama sua proscrição e esquecimento. Em lugar de pressão externa, a Igreja tem agora de suportar o choque de controvérsias violentas dentro dela. À era da apologia, segue-se a das polêmicas. Em vez de pobreza e perseguição para humilhar a Igreja, e para protegê-la dos membros indignos, a riqueza e a glória secular encontram-se em seu seio, com suas tentações de corrupção e suas tendências a inchar a lista de cristãos meramente nominais. Impõe-se uma tarefa muito mais difícil do que a de resistir a um mundo abertamente hostil; a saber, a tarefa de subjugar e santificar um mundo que oferece uma tentadora aliança e amizade.

Temos, então, os seguintes, como fatos distintivos do período: Na esfera estatal, a aliança do governo secular com a Igreja, com grande vantagem para esta última em alguns aspectos, e com igual prejuízo em outros; na esfera doutrinal, uma sucessão de ardentes controvérsias e o estabelecimento de credos; na esfera da constituição eclesiástica, um aumento da centralização do poder nos principais centros episcopais, um avanço na direção das pretensões e prerrogativas papais e, em geral, um contínuo desenvolvimento do sistema hierárquico; na esfera da moral e da vida, o crescimento do mundanismo, a crescente subordinação do espiritual ao dogmático e ao cerimonial, a incorporação de elementos pagãos – tais como, em especial, o matiz politeísta dado à adoração; e, por fim, a propagação e a poderosa influência do monasticismo.” – History of the Christian Church [História da Igreja Cristã], Sheldon, Vol. 1, páginas 328, 329 (negritos acrescentados.).

Parece claro que uma deterioração espiritual estava em andamento, ao mesmo tempo em que declarações doutrinais e de credo estavam sendo determinadas oficialmente. As divisões entre clérigos e leigos que começaram a ser promovidas no segundo século tinham resultado, por volta do quarto século, na criação de príncipes territoriais da igreja com todo o esplendor externo, pompa e sanção oficial que os sacerdotes pagãos possuíam antes. Subsidiadas pelo imperador, essas posições eram agora avidamente procuradas, e nem sempre com a melhor das intenções. Na onda do favor imperial e do crescimento numérico as palavras do mandamento de Jesus foram esquecidas: “Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.” – Marcos 10:42-45.

A amizade com o mundo e todas as “regalias” associadas com essa amizade foram conseguidas por se abandonar o mandamento bíblico de que “a amizade com o mundo é inimizade com Deus.” (Tiago 4:4). Essa amizade foi encarada como uma grande vantagem por ambas as partes (o império e a igreja), e cada parte tinha suas próprias razões para cultivar essa amizade. Em grande medida, essa “amizade” ajudou a cristalizar a ortodoxia na igreja. Como? Por apoiar as decisões dos concílios com a espada do estado:

“O projeto dos imperadores era de fato a promoção da paz e da harmonia na Igreja, mas a interferência deles teve como consequência natural o aumento da contenda. O que mais poderia ter sido o resultado do princípio estabelecido sob a administração de Constantino; a saber, que a minoria dos bispos, reunidos ou representados num concílio, deveria submeter sua fé à decisão da maioria, e, em caso de recusa, sentir o poder civil, bem como a proscrição eclesiástica? A consequência inevitável era que, quando uma disputa doutrinal surgia, os partidários de ambos os lados estavam decididos a garantir, para si uma maioria num concílio e a cooperação do governo. O governo, lisonjeado dessa forma com os apelos das facções em conflito, era incitado a fazer uma ampla exibição de seu poder e importância. Os imperadores, que não tinham o mínimo entendimento dos assuntos em debate, eram propensos a ser bem zelosos em suas tentativas de controlar as deliberações doutrinárias. Estava assim montado o quadro para se tratar das questões teológicas recorrendo-se a todos os expedientes da mais violenta contenda política.” – History of the Christian Church [História da Igreja Cristã], Sheldon, Vol.1, páginas 413, 414. (Os itálicos não estão no original.).

Outro fator grave que não se deve esquecer, enquanto tentamos entender o pensamento dos líderes da igreja naqueles séculos é o fato de que o contexto hebraico no qual Jesus tinha sido apresentado no Novo Testamento foi praticamente ignorado. Havia definitivamente um espírito anti-semita que permeava a igreja naqueles séculos. E deve-se dizer que esse espírito anti-semita tem continuado até os nossos dias. O efeito que isso teve sobre a compreensão da Bíblia em si – especialmente o Antigo Testamento – é comentado a seguir:

“Os primeiros Pais da Igreja tiveram de resolver o problema do que fazer com o Antigo Testamento. Sua postura anti-judaica os obrigou a encarar as Escrituras judaicas, com suas muitas leis e costumes estranhos, como ofensiva na pior das hipóteses, e como um tanto antiquada na melhor das hipóteses. Além disso, a posição da Igreja era que ela tinha substituído Israel. Não era mais um remanescente dentro de Israel, mas tinha se tornado um corpo gentio separado. Assim, ela orgulhosamente deu um novo papel, o de adversário ao pai que lhe tinha gerado. Para a Igreja, portanto, admitir qualquer conexão real com o Antigo Testamento como uma propedêutica [introdução] ao evangelho seria conceder uma medida de legitimidade e validade histórica ao povo judaico. Uma vez que a Igreja não permitiria essa validação, ela foi pega num dilema.” – Our Father Abraham: Jewish Roots of the Christian Faith [Nosso Pai Abraão: As Raízes Judaicas da Fé Cristã], Marvin R. Wilson, página 96.

O ‘dilema’ de que fala Wilson foi superado, pelo menos em parte, pelo uso extensivo de alegoria – um método de exposição bíblica em que o significado e o contexto histórico claro eram ignorados e se dava ao texto uma interpretação ‘espiritualizada’. Desta forma, grande parte do Antigo Testamento poderia ser ‘cristianizado’. O cordão vermelho que Raabe estendeu de sua casa em Jericó tornou-se um símbolo de salvação por meio do sangue de Jesus Cristo; afirmou-se que as quatro cabeceiras do rio que fluíam do Éden eram quatro virtudes diferentes. Nem mesmo o Novo Testamento foi poupado do sistema alegórico de interpretação bíblica. O eminente erudito Agostinho aplicou uma interpretação alegórica à parábola de Cristo sobre o bom samaritano. Com isso, o homem que foi deixado para morrer era realmente Adão; os assaltantes que o surraram e roubaram eram o Diabo e seus anjos; o samaritano que ajudou o homem era Jesus; e levar o homem para uma estalagem significava traze-lo para a Igreja. Com o uso da alegoria, Agostinho errou completamente o alvo da parábola, que foi contada em resposta à pergunta: “Quem é o meu próximo?” Pode-se avaliar que esta abordagem das Escrituras distorceu grandemente o conteúdo delas. Comentando sobre isso, Wilson acrescentou:

“Em alegoria, o Antigo Testamento poderia ser convertido num documento ‘cristão’. Por meio de seus esforços para espiritualizar, tipologizar, e cristologizar o texto, os primitivos Pais da Igreja foram capazes de encontrar abundante sentido cristão no Antigo Testamento. Cristo, ou o pensamento do Novo Testamento, foi lido dentro, em vez de fora do texto bíblico em alguns dos lugares mais obscuros. Concordemente, Irineu, Orígenes, Agostinho, e outros desenvolveram um sistema de exegese alegórica que teve o desastroso efeito de deslocar o texto bíblico de seu pleno significado histórico. Durante a Reforma, Lutero denunciou as alegorias de Orígenes e chamou a alegoria de ‘escória nas Escrituras’, ‘jogo de macaco’, e ‘nariz de cera’ (ou seja, algo que pode ser moldado de qualquer forma que se queira.)” – Ibid, página 97 (os negritos não estão no original).

Em vista do contexto religioso, político e filosófico que existia naqueles primeiros séculos e o profundo rancor que marcou o debate doutrinário, faríamos bem em abordar com cautela as conclusões a que se chegou nesse período. Seria, em minha opinião, um erro investir muita confiança no processo, assumindo que ele foi regido pelo Espírito Santo de Deus.

Debates sobre a natureza de Jesus Cristo

Antes de deixarmos este período histórico do desenvolvimento doutrinal, parece adequado verificar outro aspecto. Além das questões ariana e semi-ariana surgiram também debates em torno da natureza de Jesus Cristo. Era ele exclusivamente humano ou ele se compunha de duas naturezas – humana e divina? Se havia duas naturezas, estavam elas combinadas de alguma maneira ou permaneceram separadas durante a vida terrestre dele? Estas questões também foram debatidas durante aquele período. Elas se incluem dentro do que veio a ser chamado de ‘Cristologia’ – a doutrina de Cristo. Embora esta questão tenha sido debatida no quarto século, tornou-se mais intensa no quinto século. Havia duas escolas gerais de pensamento envolvidas:

“A luta que então surgiu, na medida em que não foi o produto de meras rivalidades e ambições pessoais, originou-se no espírito e nas tendências divergentes das escolas antioquiana e alexandrina. A primeira, que contava com Diodoro de Tarso e Teodoro de Mopsuéstia entre seus expoentes, distinguiu-se por sua inclinação à exegese e crítica sóbria. Isto, naturalmente, fez deles observadores de até que ponto o Novo Testamento atribui ao Redentor o puramente humano, assim como o divino. Concordemente, eles deram ênfase ao fator humano, e distinguiram amplamente entre as duas naturezas em Cristo. A escola alexandrina, por outro lado, tinha uma inclinação ao misticismo, estava disposta a enfatizar o divino em Cristo, e posicionou-se na união profunda do humano com o divino em vez de na distinção entre as duas naturezas.” – History of the Christian Church [História da Igreja Cristã], Sheldon, Vol. 1, páginas 428, 429.

Um dos debates referentes a esta controvérsia teve que ver com o uso do termo theotokos (“mãe de Deus”, em grego) aplicado a Maria, a mãe de Jesus. Nestório, bispo de Constantinopla, relutava em usar o termo, enquanto seu oponente, Cirilo, bispo de Alexandria, insistia nisso. Isto levou a um concílio em Éfeso, em 431 D.C., no qual a posição de Cirilo prevaleceu e Nestório foi condenado e exilado pelo imperador. A disputa referente à natureza ou naturezas de Jesus, continuou e foi abordada em concílios posteriores. O Concílio de Calcedônia, em 451 D.C., é considerado o mais importante deste período em relação à Cristologia.

452 D.C.: O Credo de Calcedônia

“Fiéis aos santos Pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, e perfeito quanto à humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, constando de alma racional e de corpo, consubstancial com o Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade; em tudo semelhante a nós, excetuando o pecado; gerado segundo a divindade pelo Pai antes de todos os séculos, e nestes últimos dias, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria, mãe de Deus; um e só mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis; a distinção de naturezas de modo algum é anulada pela união, antes é preservada a propriedade de cada natureza, concorrendo para formar uma só pessoa e em uma subsistência; não separado nem dividido em duas pessoas, mas um só e o mesmo Filho, o Unigênito, Verbo de Deus, o Senhor Jesus Cristo, conforme os profetas desde o princípio acerca dele testemunharam, e o mesmo Senhor Jesus nos ensinou, e o Credo dos santos Pais nos transmitiu.” 4N.T.: O autor apresentou a versão que aparece no livro History of the Christian Church, [História da Igreja Cristã], Sheldon, Vol. 1, pág. 595 (Apêndice).

A conclusão do credo apresentado acima continua a ser o ponto de vista aceito entre muitos crentes em relação à dupla natureza de Jesus Cristo. Não aceitar Jesus Cristo como Deus e homem é, nas mentes de muitos, negar o Jesus histórico. Naturalmente, o conceito da dupla natureza levanta outros problemas e questões que não são facilmente resolvidos. Uma dessas questões é a da morte dele. Se ele existia como Deus e homem durante sua vida humana, o que aconteceu com a natureza de Deus da pessoa dele quando morreu? Será que esta natureza divina também morreu? Se não morreu, será que ele simplesmente deixou de existir ou continuou de alguma forma à parte da pessoa física que morreu? Outra questão que se propõe é: se a pessoa única de Jesus foi sacrificada por nossos pecados e essa pessoa única era ao mesmo tempo Deus e homem, isso quer dizer que Deus morreu por nós? Alguns, sem dúvida, responderiam “sim” a essa pergunta, mas isso levanta sérias contradições do que vemos nas Escrituras.

A questão de o Senhor ser de duas naturezas é uma doutrina corolária da doutrina da trindade e continua a ser encarada como central para a mensagem do evangelho. Conforme formulado pelo Credo de Calcedônia, Jesus Cristo era Deus e homem ao mesmo tempo: “a distinção de naturezas de modo algum é anulada pela união, antes é preservada a propriedade de cada natureza, concorrendo para formar uma só pessoa e em uma subsistência.” Assim como a doutrina da Trindade, isso não é ensinado nas Escrituras, mas é encarado por muitos como sendo a própria essência da fé cristã. Negar que Jesus era Deus e homem ao mesmo tempo é destruir o evangelho de Jesus Cristo. John R. W. Stott, o eminente erudito bíblico inglês, expressa a opinião de muitos, quando escreve:

“Ele [Jesus] foi também um ser muito humano, o que quer que se possa dizer sobre ele. Ele nasceu, cresceu, trabalhou e suou, descansou e dormiu, comeu e bebeu, sofreu e morreu como os outros homens. Ele tinha um corpo humano real e emoções humanas reais.

Mas podemos realmente acreditar que ele também era em algum sentido “Deus”? Não é a deidade de Jesus uma superstição cristã um tanto pitoresca? Existe alguma evidência para a surpreendente afirmação cristã de que o carpinteiro de Nazaré era o Filho sem igual de Deus?

Esta questão é fundamental. Não podemos evitá-la. Temos de ser honestos. Se ele não era Deus em carne humana, o Cristianismo está destruído. Ficamos apenas com outra religião com algumas belas ideias e nobre ética; sua distinção ímpar se foi.” – Basic Christianity [Cristianismo Básico], John R. W. Stott, página 8

Ao colocar as questões da forma que faz, o teólogo John R. W. Stott lembra-nos de quão seriamente a doutrina da Trindade tem impacto no evangelho de Jesus Cristo. Com efeito, ela nos obriga a reinterpretar a mensagem da Bíblia do ponto de vista trinitário. Em vez de argumentar em favor da doutrina da salvação, tal como ela nos é apresentada nas Escrituras apenas, ele nos diz que temos de olhar para elas por meio da lente de uma doutrina não ensinada na Bíblia – que evoluiu ao longo de um intervalo de séculos e sempre foi controversa. Deixar de fazer isso, diz ele, é destruir (demolir ou desmentir) o aspecto ímpar do Cristianismo. E, por implicação, se uma pessoa disser que não acredita nisso significa que ela não entende o evangelho de Jesus Cristo e está excluída de seus benefícios. Isso com certeza faz com que este assunto seja de grande preocupação e mereça a nossa investigação. Será que as afirmações que se fazem sobre isso baseiam-se em sólida exegese bíblica? Antes de abordar esta questão parece adequado dar alguma atenção à questão da ortodoxia.

A ortodoxia

Ser ortodoxo significa defender o ensino correto sobre um assunto. Segundo o Dictionary of Word Origins [Dicionário da Origem das Palavras], a palavra chegou a nós da seguinte maneira: “O grego orthós significa ‘reto, correto’ (ela entra em numerosas palavras compostas, incluindo ortografia, ‘grafia correta’ e ortopédico). A palavra grega dóxa significa ‘opinião’; ela se derivou do verbo dokein, ‘pensar’. Coloque-as juntas e você tem orthódoxos, ‘ter a opinião correta’, que chegou ao idioma moderno via latim eclesiástico orthodoxus.” – página 376. Assim, os que defendem o que eles consideram como verdadeiros artigos da fé cristã vão se declarar ortodoxos. Os que discordam deles serão chamados de não ortodoxos. Desta forma, isso assume um sentido que tem praticamente força jurídica nas mentes de muitos cristãos. Associar termo “ortodoxo” a um pensamento ou ideia específica é investi-lo com autoridade e aceitação eclesiástica – pelo menos nas mentes do grupo que mantém esse pensamento ou ideia. Outros podem ter opiniões contrárias a esta “ortodoxia” específica, mas eles vão chamar seus conceitos contrários de ortodoxos. Como é que podemos determinar o que merece ser encarado como genuinamente ortodoxo? Que padrão devemos usar se os nossos artigos de fé – a nossa ortodoxia – há de estar próxima de um nível adequado de precisão? Afirma-se aqui que a única autoridade válida para estabelecer a ortodoxia é unicamente a Bíblia – à parte de qualquer outra autoridade. A maioria dos cristãos concorda que só a Bíblia é a fonte da revelação inspirada de Deus. Relacionado com isso, encontrei a seguinte declaração pertinente a este assunto:

“Paulo, o apóstolo, declara que toda a Escritura que é divinamente inspirada é também útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça (2 Tim iii., 16). Estes vários usos dos registros sagrados podem ser distinguidos como doutrinais e práticos. O instrutor cristão apela a eles como pronunciamentos autoritativos da verdade divina, e desenvolve suas lições como declarações teóricas e doutrinárias do que o seu autor divino expressa para os homens crerem. Nosso Quinto Artigo de Religião (o sexto da Igreja da Inglaterra), afirma: ‘As Escrituras Sagradas contêm todas as coisas necessárias para a salvação; de modo que tudo o que não seja lido nelas, ou não possa ser provado por meio delas, não deve ser exigido de qualquer homem para que ele acredite como um artigo de fé, ou pense nisso como requisito ou algo necessário para a salvação.’” – Biblical Hermeneutics [Hermenêutica Bíblica], Terry, página 582 (os negritos não estão no original).

Quando lemos o texto ampliado citado acima (2 Tim. 3:16), devemos considerar também o que o apóstolo Paulo tinha a dizer em sua declaração sumária sobre isto: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, correção e treinamento na justiça, (versículo 16) para que o homem de Deus seja perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (Versículo 17) Acredito que o conceito ortodoxo da Bíblia está resumido para nós aqui. Segundo Paulo, as Escrituras equipam uma pessoa de uma forma plena e completa para desenvolver sua estrutura de crenças e ordenar sua vida como cristão. Embora Paulo possa ter pensado primariamente nas Escrituras Hebraicas (o Antigo Testamento) no momento em que escreveu isso (a parte do Novo Testamento foi acrescentada depois), o princípio permanece o mesmo. Já nos dias de Paulo, suas cartas estavam sendo divulgadas e consideradas em pé de igualdade com os escritos do Antigo Testamento. Tanto é assim que o apóstolo Pedro podia dizer: “Tenham em mente que a paciência de nosso Senhor significa salvação, como também o nosso amado irmão Paulo lhes escreveu, com a sabedoria que Deus lhe deu. Ele escreve da mesma forma em todas as suas cartas, falando nelas destes assuntos. Suas cartas contêm algumas coisas difíceis de entender, as quais os ignorantes e instáveis torcem, como também o fazem com as demais Escrituras, para a própria destruição deles.” (2 Pedro 3:15, 16).

Para estabelecer doutrina que vai além do que está escrito e tornar essa doutrina ou doutrinas obrigatórias para a igreja, é preciso estabelecer uma autoridade adicional e fora das Escrituras “inspiradas por Deus”. Os católicos romanos têm essa autoridade no papa de Roma e no Colégio dos Cardeais. Há diversas seitas protestantes que têm um profeta autonomeado cujos escritos são encarados como autoridade em assuntos de doutrina e prática. Os protestantes em geral rejeitam essas autoridades extrabíblicas, mas são muito influenciados pelos teólogos associados com a Reforma e antes deles os “pais da igreja” e os concílios já mencionados. Obviamente, não há respostas prontas para quanta confiança alguém pode depositar nessas entidades humanas, mas parece sensato ser mais do que cauteloso sobre quanta confiança se pode investir em qualquer uma delas. A base para essa cautela é bem explicada em Biblical Hermeneutics [Hermenêutica Bíblica]:

Desta forma, o romanista encontra na Igreja e na tradição uma autoridade superior à das Escrituras inspiradas. Mas, quando descobrimos que os pais discordam notoriamente na explicação de trechos importantes, que os papas têm contradito uns aos outros, e condenaram e anularam atos de seus antecessores, e que até mesmo grandes concílios, como os de Nicéia (325), Laodicéia (360), Constantinopla (754), e Trento (1545) promulgaram decretos totalmente inconsistentes entre si, podemos rejeitar seguramente as pretensões dos romanistas, e declará-las absurdas e contrárias à razão.” – Biblical Hermeneutics [Hermenêutica Bíblica], Terry, páginas 582, 583.

Embora Milton S. Terry se concentre principalmente na Igreja Católica Romana no exemplo acima, o princípio aplica-se também a todos os que apelam aos ‘pais’ e às decisões dos concílios históricos de igrejas na questão de estabelecer a ortodoxia cristã. Este assunto é comentado adicionalmente por Terry num parágrafo subsequente:

“Mas, ao passo que as Sagradas Escrituras contêm toda a revelação essencial da verdade divina, ‘de modo que tudo o que não seja lido nelas, ou não possa ser provado por meio delas, não deve ser exigido de qualquer homem para que ele acredite como um artigo de fé’, é de fundamental importância que todas as declarações formais de doutrina bíblica, e a exposição, elaboração, ou defesa das mesmas, sejam feitas de acordo com princípios hermenêuticos corretos. Espera-se que o expositor sistemático da doutrina bíblica exponha, em esboço claro e termos bem definidos, esses ensinamentos de modo que tenham garantia certa na palavra de Deus. Ele não deve transferir para o texto da Escritura ideias de épocas posteriores, ou edificar por cima de quaisquer palavras ou trechos um dogma que eles não ensinam legitimamente. Os métodos apologéticos e dogmáticos de interpretação que procedem do ponto de vista de um credo formulado, e apelam a todas as palavras e sentimentos espalhados aqui e ali nas Escrituras, que podem, por qualquer possibilidade fornecer apoio a uma conclusão prévia, já foram condenados (veja acima, págs.171, 172). Por meio de tais métodos muitas falsas noções têm sido impostas aos homens como questões de fé. Mas nenhum homem tem o direito de impingir em suas exposições de Escritura suas próprias concepções dogmáticas, ou as de outros, e daí insistir que estas são uma parte essencial da revelação divina. Somente o que for lido claramente lá, ou legitimamente provado desse modo, pode ser adequadamente defendido como doutrina bíblica.” – Ibid., páginas 583, 584.

Creio que a maioria dos cristãos aceitaria as conclusões acima como corretas, pelo menos a princípio. A Bíblia deve manter o primeiro lugar e ter a palavra final em matéria de ensino saudável e do que uma pessoa deve crer para ser aceita por Deus, isto é, para ser salvo. O problema com a doutrina extrabíblica é que, a partir do momento em que é concebida, ainda que de forma inacabada, ela começa a colorir o que é visto nas Escrituras. Isso lembra a história do beduíno que foi atingido por uma violenta tempestade de areia e seu camelo pediu a ele autorização para colocar apenas sua cabeça na tenda. O beduíno finalmente cedeu e permitiu que o camelo colocasse a cabeça na tenda. Pouco a pouco o camelo abriu seu caminho para dentro da tenda até que não havia espaço para o beduíno e ele se viu fora da tenda e seu camelo completamente dentro dela. Foi aí que o beduíno percebeu como tinha sido imprudente. Vejo o mesmo problema com os conceitos extrabíblicos que se tornam grandes doutrinas que, no final, tomam o lugar duma exegese bíblica sólida.

Não é difícil que uma doutrina insalubre se desenvolva e assuma um caráter venerável simplesmente porque é tradicionalmente aceita e defendia. Por esta razão, creio que devemos limitar nossas crenças explícitas ao que é explicitamente ensinado nas Escrituras. Deixar de fazer isso resulta em confusão interminável e desavenças destrutivas que fragmentam a igreja de Jesus Cristo. No entanto, alguém pode fazer objeção a deixar de lado certas crenças e tradições, porque sem elas somos submetidos à tirania do euismo. Se cada pessoa que estuda a Bíblia é a sua própria autoridade, então não haveria fim para as interpretações conflitantes que serão ensinadas. Por essa razão, há os que argumentam que devemos levar os pais da igreja e outros junto conosco para as Escrituras. No livro Here We Stand! [Aqui Ficamos!], o evangélico Michael S. Horton, explica o motivo disso:

“Todos levamos pessoas para as Escrituras junto conosco, guias que tem influenciado de tal maneira nossa compreensão do ensinamento bíblico que muitas vezes não percebemos até que ponto nossa leitura das Escrituras é informada e, talvez, deformada por nossa dependência deles. Assim como o réu que não pode pagar um advogado, o tribunal da opinião pública nos fornecerá nosso aconselhamento, a menos que paguemos o preço para encontrá-lo em outro lugar. Alguns de nós vão às Escrituras junto com Irineu, Agostinho, Anselmo, Lutero, Calvino, e Warfield. Como é que os evangélicos podem atacar o atual presidente por ignorar a herança da América quando eles tantas vezes descartam a sabedoria dos pais fundadores da igreja e dos reformadores? C. S. Lewis chamou a atitude moderna em relação ao passado de “esnobismo cronológico”.

Nós temos credos, confissões e catecismos não por querermos nos afirmar arrogantemente acima das Escrituras ou de outros cristãos, e sim precisamente pela razão oposta: Estamos convencidos de que essa autoafirmação é realmente mais fácil para nós quando presumimos que estamos nos encaminhando para as Escrituras apenas e diretamente, sem pressupostos ou expectativas. Com Isaías, devo confessar: ‘Eu sou um homem de lábios impuros e habito no meio de um povo de lábios impuros’. Como se minha própria ignorância e tolice não bastassem, eu pertenço pela providência divina a uma das mais superficiais, banais, e ímpias gerações na história e sou obrigado a ser moldado negativamente por meu contexto, de maneiras que são diferentes de outros santos em outros tempos e lugares. Temerosos de nossas próprias fraquezas de julgamento e dos pontos cegos devido à nossa própria aculturação, vamos às Escrituras junto com toda a Igreja, com os que confessaram a mesma fé por séculos.” – Here We Stand! [Aqui Ficamos!], 1996 (Baker Books), página 107. (os itálicos estão no original).

Eu posso simpatizar com o conceito apresentado pelo Sr. Horton, e respeito a humildade dele. Porém, as próprias limitações que ele coloca sobre si mesmo (“Eu sou um homem de lábios impuros”), também eram verdade no caso dos próprios homens que ele indica como representando os que devemos levar junto conosco para as Escrituras! Eles não eram diferentes dele próprio quanto a isso; eles também eram homens com “lábios impuros”. Quanto à influência de nossa cultura contemporânea, deve-se notar que a cultura (intelectual) grega, em que os pais da igreja viveram foi mais influenciada por Platão do que por Cristo. Não se pode negar que muitas coisas boas foram feitas pelos reformadores nos séculos XVI e XVII no sentido de retornar ao cristianismo bíblico, mas eles não originaram o cristianismo e suas conclusões não podem ser encaradas como autoritativas. Eles tiveram de abrir o caminho através de muitos séculos de erros acumulados numa estrutura de poder que cresceu a partir das sementes plantadas pelos Pais da Igreja.

Concordo que todos nós levamos certos pressupostos conosco em relação às Escrituras. E deve-se repetir que os teólogos e eruditos bíblicos não são exceção a esta regra. Deveria isso fazer com que cruzemos os braços e fiquemos longe das Escrituras com o pensamento de que elas não podem ser corretamente entendidas por qualquer pessoa? Se a Bíblia é verdadeiramente a Palavra revelada de Deus, e creio que é, então ela deveria ser compreensível. O objetivo deve ser o de determinar o que foi dito originalmente em um contexto histórico específico e o que isso significou para as pessoas para quem ela foi escrita. A Bíblia não é uma coleção de charadas e enigmas; ela é basicamente clara e escrita em linguagem realista. Deus se revela na história e se explica por meio de seus encontros com pessoas cujas vidas são tecidas na tapeçaria da sua palavra que se revela. Temos de nos encaminhar para a Bíblia com a Bíblia, ou seja, permitir que ela fale por meio de seus escritores inspirados, com a confiança de que ela é coerente com ela própria e auto interpretativa.

Existem algumas questões que não são completamente desenvolvidas nas Escrituras; e podemos às vezes ficar confusos ou indagando-nos sobre a plena compreensão de um assunto. Porém, em sua maior parte, as declarações simples das Escrituras são auto interpretativas e óbvias em seu significado. E, em relação ao que chamamos de doutrina da salvação, creio que não há qualquer ambiguidade envolvida. O desafio que se apresenta para nós não está em entender o que constitui doutrina de salvação – o desafio está em depositar fé nela e levar uma vida coerente com isso!

É útil colocarmos as coisas em perspectiva, lembrando que cada servo de Deus serviu-o com conhecimento limitado. Sempre haverá perguntas que não podemos responder. Afinal de contas, somos chamados a andar pela fé e não pela vista. Deus revela o suficiente de si mesmo e seus propósitos para que correspondamos ao seu amor e tenhamos confiança na esperança que Ele nos oferece. (1 João 4:19) A jornada da fé é caminhada com confiança, não porque sabemos tudo, ela é trilhada com confiança porque estamos convictos de que Ele nos indicou a direção certa. Quanto aos assuntos que não estão completamente revelados para nós, faremos bem em refletir sobre o que o apóstolo Paulo disse: “Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino. Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido. Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor.” (1 Cor 13:9-13) O que Moisés disse ao seus associados israelitas, antes de entrarem na terra prometida ainda se aplica: “O que está oculto pertence ao Senhor, nosso Deus; o que foi revelado é para nós e para nossos filhos, para sempre, a fim de que ponhamos em prática todas as palavras desta lei.” – Deuteronômio 29:29, CBC.

Fazendo uso de referências valiosas

Antes de verificar alguns textos usados para apoiar a doutrina da Trindade e as duas naturezas de Jesus Cristo – ensinamentos que afetam radicalmente o relacionamento entre o Pai e o Filho, eu gostaria de mencionar brevemente que seguir algumas orientações básicas será de grande ajuda em nossos esforços de estudo da Bíblia. Primeiro, precisamos pelo menos de várias versões modernas diferentes, que ofereçam uma boa variedade de tradução. Em segundo lugar, devemos ter uma Bíblia ou um dicionário que forneça boas informações históricas sobre cada livro da Bíblia. Ler este material nos ajuda a compreender melhor o cenário histórico e a finalidade específica de cada livro. Sabendo algo sobre a situação que existia no momento e por que e para quem o livro foi escrito nos ajudará a ter uma ideia do momento histórico e religioso envolvidos. É preciso ter em mente que o livro teve uma audiência original e que a intenção do escritor era fazê-los entender o que estava sendo escrito para eles. Para entender o que isso significa para você e para mim, primeiro temos de entender o que significava para eles! Não podemos simplesmente pegar a Bíblia e começar com o aqui e agora, e esperar entender o que estamos lendo. Se fizermos isso, vamos simplesmente estar olhando para as Escrituras através de nossa própria visão de mundo do momento atual, juntamente com nossos pressupostos individuais. Temos de começar com o lá e naquele momento, se quisermos esperar chegar ao aqui e agora! Este método histórico-gramatical (o que ele diz, para quem foi dito, o que isso significa) é essencial para a boa exegese bíblica.

Podemos e devemos tirar proveito dos auxílios de estudo da Bíblia. Um bom dicionário bíblico pode ajudar a dar vida ao mundo bíblico, informando-nos sobre as culturas predominantes, línguas e a história das pessoas que nos são apresentadas nas Escrituras. Isso nos ajuda a remontar para aquele local e momentoThe New Bible Dictionary [O Novo Dicionário Bíblico], editado por J. D. Douglas é um excelente recurso para isso. A Internacional Encyclopedia Standard Bible [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional], de quatro volumes é um recurso bem abrangente. Uma concordância bíblica é outra excelente ferramenta para explorar as palavras e as variações de significado, muitas vezes ligadas a elas nas Escrituras. Um bom conjunto de comentários bíblicos também pode ser útil – principalmente se o comentário oferece várias possibilidades diferentes de interpretação para palavras ou trechos difíceis. Constatei que uma tradução interlinear em grego da Bíblia é útil em certos casos. Nosso objetivo deve ser obter uma perspectiva histórica e textual tão precisa quanto pudermos. Para este fim, podemos tirar proveito do que dizem os eruditos bíblicos e mostrar respeito pelas descobertas deles sem que eles determinem o que, em última análise, iremos acreditar. Eles podem ajudar a moldar nossa compreensão de um assunto e acrescentar recursos para o pensamento, mas não podemos confiar nas conclusões deles. Temos de assumir a responsabilidade por nossas próprias conclusões. Em tudo o que fizermos, devemos lembrar que Deus se opõe àqueles que são orgulhosos, mas dá graça aos humildes. (Tiago 4:6) Devemos nos aproximar da Bíblia com temor e reverência salutares pelo que Deus revela. Devemos constantemente pedir-lhe para que o seu Espírito nutra tanto a nossa fé como nossa compreensão. Podemos ter confiança de que podemos entender tudo o que precisamos entender, a fim de agradá-lo e servir nosso Senhor.

Textos bíblicos usados em apoio da doutrina da Trindade

Na International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional], citada acima, afirma-se que embora a Bíblia não ensine explicitamente a trindade ela contém ‘a maior parte dos materiais de construção’ para esse ensino que surgiu séculos depois. É apropriado que examinemos alguns desses “materiais de construção” para ver se o testemunho deles acrescenta apoio à doutrina da Trindade. Deve-se ter em mente que a doutrina ensina que há três pessoas distintas que são co-igualmente Deus, mas estes três deuses são um só Deus. Na seção que segue, verificaremos alguns desses textos que são apresentados em apoio da doutrina.

A FÓRMULA BATISMAL: “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.” – Mateus 28:19

Muitos encaram este texto como um testemunho claro em favor da doutrina da trindade, porque o Pai, o Filho e o Espírito Santo são mencionados na mesma frase em relação ao batismo. Antes de prosseguirmos, devemos notar que a comissão dada aos discípulos tinha relação com a salvação e como ela pode ser ganha por humanos; não está sendo apresentada aqui uma definição teológica de quem é Deus. No entanto, argumenta-se que este texto deve ser encarado como um que prova a doutrina da trindade. Albert Barnes, em seu comentário sobre este versículo foi bastante enfático:

“A união destes três nomes na fórmula do batismo prova que o Filho e o Espírito Santo são iguais ao Pai. Nada poderia ser mais absurdo ou blasfemo do que unir o nome de uma criatura – homem ou anjo – com o nome do Deus vivente neste rito solene. – Notas Sobre o Novo Testamento, de Albert Barnes, Vol.9, página 323. (em inglês. O termo em negrito aqui está em itálico no original.).

Com o devido respeito ao Sr. Barnes, a questão da igualdade não é abordada neste versículo. Nada aqui, ou em qualquer outro lugar nas Escrituras pode ser citado para acrescentar credibilidade à afirmação dele. Quanto a fazer ligação entre o nome de uma criatura e o nome do Deus vivente, isto não é incomum dentro da Bíblia. Sobre isso, note-se o comentário que segue:

O aspecto religioso da época do Antigo Testamento reflete-se na frequência dos nomes que mencionam Deus ou um deus. O elemento divino mais comum é Yahweh [Iavé], que tem quatro hipocorísticos: y hû (de yahw) e , ambos elementos terminais; e yehô e  (ambos de yahw por processos fonéticos ligeiramente diferentes), que aparecem como elementos iniciais. O nome Iavé, em alguma forma, aparece em mais de 10 por cento dos nomes israelitas. – International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional], Vol. 3, página 487 (Verbete: “Nomes Próprios” – o sublinhado não está no original.).

Ora, se homens como Elias, Jeremias, Isaías e muitos outros podiam ter o nome divino, Iavé, incorporado em seu nome pessoal, como se pode argumentar que Deus só poderia vincular seu nome com outras divindades na fórmula batismal? Creio que Albert Barnes estava tentando ler nas entrelinhas do texto, e não o que de fato diz o texto. Entretanto, alguém ainda poderia indagar: Por que o Pai, o Filho e o Espírito Santo estão unidos nesta fórmula litúrgica? Eu creio que é por causa dos papéis desempenhados pelas entidades mencionadas, sendo que todos estes papéis têm relação com a nossa redenção e regeneração. Primeiro de tudo, a salvação é oferecida por Deus, o Pai. Ela é oferecida pelos méritos sacrificiais de seu Filho (a redenção) e, por último, o indivíduo é renovado pela função do Espírito Santo (a regeneração). Parece-me que o candidato ao batismo deveria ser devidamente instruído nesses assuntos antes do batismo. Ele ou ela teria de entender o significado do batismo em relação à sua salvação.

A ordem para batizar, transmitida pelo Senhor ressuscitado, veio logo depois de ele ter informado aos seus discípulos de que “foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra.” Somos novamente lembrados aqui que sua autoridade e poder lhe foram dados pelo Pai. Ele usou essa autoridade que lhe foi dada para ordenar a seus discípulos para ir adiante e fazer discípulos de todas as nações. O mundo deveria se reconciliar com o Pai por meio do Filho e os que depositam fé nesta provisão deveriam reconhecer isso publicamente por meio do batismo em água. Essas pessoas, por sua vez, seriam batizadas com o Espírito Santo. (João 1:33) Note-se o que o apóstolo Pedro disse ao povo reunido no dia de Pentecostes sobre o que já havia ocorrido:

“Irmãos, posso dizer-lhes com franqueza que o patriarca Davi morreu e foi sepultado, e o seu túmulo está entre nós até o dia de hoje. Mas ele era profeta e sabia que Deus lhe prometera sob juramento que colocaria um dos seus descendentes em seu trono. Prevendo isso, falou da ressurreição do Cristo, que não foi abandonado no sepulcro e cujo corpo não sofreu decomposição. Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato. Exaltado à direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou o que vocês agora veem e ouvem. Pois Davi não subiu ao céu, mas ele mesmo declarou: ‘O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos como estrado para os teus pés’. “Portanto, que todo Israel fique certo disto: Este Jesus, a quem vocês crucificaram, Deus o fez Senhor e Cristo”. Quando ouviram isso, os seus corações ficaram aflitos, e eles perguntaram a Pedro e aos outros apóstolos: “Irmãos, que faremos?” Pedro respondeu: “Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos seus pecados, e receberão o dom do Espírito Santo. Pois a promessa é para vocês, para os seus filhos e para todos os que estão longe, para todos quantos o Senhor, o nosso Deus chamar.” – Atos 2:29-39

No testemunho inspirado de Pedro temos as mesmas entidades que são mencionadas em Mateus 28:19: O Pai, o Filho e o Espírito Santo. O que temos aqui é um aprofundamento da mensagem de salvação, não fornecido por Jesus em Mateus 28:19, porém antecipando-a. O que nos é dito aqui sobre como ocorre o processo da salvação? Tudo vem do Pai. O que quer que nosso Senhor Jesus tenha recebido, ele recebeu do Pai, incluindo o Espírito Santo. O Filho exerce sua liderança e autoridade recebidas por derramar o Espírito Santo sobre seus discípulos. Onde é que podemos ver, em tudo isso, uma igualdade de poder e autoridade dessas três entidades? Esta igualdade simplesmente não está lá. Ela está longe de ser encontrada nas Escrituras. Afirmo que o que quer que seja representado na fórmula do batismo, encontrada em Mateus 28:19, não tem nada que ver com poder e autoridade co-iguais. Esse conceito teria de estar explicitamente escrito no texto, para ser válido. Uma vez que o Espírito Santo é apresentado como uma pessoa e co-igual com o Pai e o Filho na ‘divindade’ pelos trinitaristas, é oportuno voltarmos agora nossa atenção para o Espírito Santo.

O ESPÍRITO SANTO: “Não entristeçam o Espírito Santo de Deus, com o qual vocês foram selados para o dia da redenção.” – Efé. 4:30

Este texto é citado para provar que o Espírito Santo é uma pessoa. O argumento é que só uma pessoa pode ser ‘entristecida’. É significativo, creio eu, que os comentários geralmente chamam a atenção para isso quando consideram este texto. Em seu livro, God in Three Persons [Deus em Três Pessoas], Millard S. Erickson, elabora o seguinte argumento:

“Precisamos notar que o Espírito Santo é uma pessoa, com todas as qualidades de uma pessoa. Ele exerce um ministério pessoal na vida das pessoas. Ele faz a convicção ou o convencimento dos incrédulos – do pecado, da justiça e do juízo (João 16:8-11). Ele regenera ou dá nova vida (João 3:5-8). Ele guia para a verdade (João 16:13). Ele inspirou os escritores da Bíblia a produzir os livros da Bíblia como os temos. Ele santifica os crentes (Rom. 8:1-17). Ele dá poder para o serviço (Atos 1:8). Não se diz a nós que em qualquer dessas obras ele faz o que faz por intermédio do Pai ou do Filho. Estes são ministérios diretos, envolvendo um relacionamento direto.

Como pessoa, o espírito também deve ser capaz de ser associado com personalidade. Isto também encontramos nas Escrituras. Foi dito que Ananias e Safira haviam mentido para o Espírito Santo (Atos 5:3). Paulo ordenou a seus leitores para não entristecer o Espírito Santo (Ef. 4:30). Certamente, porém, só se pode entristecer ou mentir para uma pessoa.” – God in Three Persons [Deus em Três Pessoas], pág. 327

Por que o professor Erickson vai a esses extremos para provar que o Espírito Santo é uma pessoa? Poderíamos imaginar um tratamento semelhante a um texto que envolva o Pai ou seu Filho? Será que já tivemos um comentário que se esforce para provar que Jesus Cristo é uma pessoa? Já vimos algum comentário para provar que o Pai é uma pessoa? Provar o ponto de que a Bíblia ensina que o Pai e o Filho são pessoas seria impensável, porque é evidente que se tratam de pessoas. É decididamente diferente, porém, quando chegamos ao Espírito Santo. Neste caso, temos uma situação diferente devido à ausência das alusões comuns à personalidade nas Escrituras. Todas as funções do Espírito Santo às quais Erickson alude não exigem que o Espírito seja uma pessoa. Todas as coisas que ele menciona são realmente funções, e podem ser realizadas pela energia ampliada, força criativa, e poder esclarecedor-transformador de Deus, que influencia e ativa as mentes e os corações das pessoas. O “relacionamento direto” que Erickson menciona não é o relacionamento direto do Espírito Santo, e sim, em vez disso, o relacionamento direto do Pai através de seu Espírito Santo, por meio de Cristo, através de quem o Espírito é dirigido.

Afirmar que pelo fato de se poder entristecer e mentir ao Espírito de Deus, ele deve ser uma pessoa é ignorar a flexibilidade da linguagem usada nas Escrituras, bem como o contexto em que essas declarações são feitas. Diversas coisas não-viventes são personificadas nas Escrituras. Um excelente exemplo disso na Bíblia é a maneira como se fala da sabedoria. Ela grita, faz seu discurso, repreende, derrama seu coração, ri, e estende a mão. (Prov. 1:20-30, capítulos 8, 9) Não argumentamos que a sabedoria deve estar viva como uma mulher pelo fato de ser chamada de “ela”. Da mesma forma, encontramos o amor personificado no Novo Testamento, bem como o pecado e o sangue. (1 Cor. 13: 4-7; Rom. 7:11; Heb. 12:24) Quão diferente é falar do Espírito Santo como sendo ‘entristecido’ e falar do amor como ser confiante, esperar, não se irritar facilmente, não ser orgulhoso, não ser ostentoso, alegrar-se e não buscar sua própria vantagem?

O Espírito Santo é o Espírito de Deus – não Deus, o Espírito Santo. Ele procede de Deus e pode funcionar de qualquer maneira ou forma que Deus decida. Ele está vivo, assim como a palavra de Deus é viva, e pode julgar, porque impacta ativamente o propósito para o qual foi destinado. (Heb. 4:12) No que se refere aos cristãos, a implantação do Espírito Santo de Deus em seus corações destina-se a conduzir e transformar a sua personalidade à imagem (semelhança) de Cristo. Um indivíduo pode resistir a esse objetivo e propósito e, dessa forma anular o propósito ou “entristecer” o Espírito de Deus – impedindo ou dificultando sua finalidade. Sobre isso, considere o que lemos em Isaías sobre os tratos de Iavé com seu povo pactuado por meio de seu Espírito, e o entristecimento que esse povo causou a ambos:

“Em toda a aflição do seu povo ele também se afligiu, e o anjo da sua presença os salvou. Em seu amor e em sua misericórdia ele os resgatou; foi ele que sempre os levantou e os conduziu nos dias passados. Apesar disso, eles se revoltaram e entristeceram o seu Espírito Santo. Por isso ele se tornou inimigo deles e lutou pessoalmente contra eles. Então o seu povo recordou o passado, o tempo de Moisés e a sua geração: Onde está aquele que os fez passar através do mar, com o pastor do seu rebanho? Onde está aquele que entre eles pôs o seu Espírito Santo, que com o seu glorioso braço esteve à mão direita de Moisés, que dividiu as águas diante deles para alcançar renome eterno, e os conduziu através das profundezas? Como o cavalo em campo aberto, eles não tropeçaram; como o gado que desce à planície, foi-lhes dado descanso pelo Espírito do Senhor. Foi assim que guiaste o teu povo para fazer para ti um nome glorioso.” – Isaías 63:9-14

O Espírito “entristecido” pelo comportamento de seu povo, era o Espírito pessoal de Deus, que é santo. No Antigo Testamento, o espírito é quase sempre mencionado como “o Espírito de Deus”. Em outras palavras, é algo que Deus possui e utiliza de várias maneiras. Nunca ele é apresentado como uma entidade separada. Resistir, negar ou de alguma maneira rebelar-se contra o Espírito, sob qualquer forma ou natureza que seja, é resistir, negar ou se rebelar contra sua fonte – Deus. Os efeitos dramáticos do uso que Moisés fez do Espírito, referido acima como “seu glorioso braço”, eram uma prova convincente de que Deus estava agindo em favor de seu povo. Os homens podem pecar contra este Espírito – esta extensão do poder de Deus que se manifesta de várias maneiras. E, seria um grave erro encarar a função e a descrição do Espírito Santo como apresentação primitiva do Antigo Testamento. Não havia nada de primitivo nisso, e temos paralelos no Novo Testamento.

Quando Jesus estava fazendo obras poderosas de cura por meio do “Espírito de Deus” (Mat. 12:28), ou “o dedo de Deus” (Lucas 11:20), foi imperdoável atribuir essa manifestação do poder santo de Deus a uma fonte maligna. Porque os fariseus fizeram isso, eles foram julgados como ímpios pelo Senhor, e ele pôde dizer: “Aquele que não está comigo, está contra mim; e aquele que comigo não ajunta, espalha. Por esse motivo eu lhes digo: Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas  a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do homem  será perdoado, mas quem falar contra o Espírito Santo  não será perdoado, nem nesta era  nem na que há de vir.” – Mat. 12:30-32.

Os fariseus dirigiam sua animosidade contra Jesus. Ele era o único com quem eles estavam lidando e eles não estavam dispostos a reconhecer “o dedo de Deus”, manifestado no ministério de Jesus. Eles achavam que estavam lidando só com Jesus, um homem a quem eles tanto temiam como odiavam. Mas, porque Jesus estava exercendo o poder do espírito, eles estavam, na realidade, pecando contra a fonte desse poder – Deus! Eles foram testemunhas oculares dos efeitos desse poder (a cura de um homem possuído por demônio que tinha sido tanto cego como mudo) e atribuíram a fonte desse poder a Belzebu, o príncipe dos demônios. Este julgamento por eles foi inexcusável e imperdoável. Eles estavam olhando para o homem, Jesus, e faziam um julgamento dele a partir de sua perspectiva preconceituosa. Eles não avaliavam que estavam realmente fazendo um julgamento iníquo contra o “dedo” de Deus – seu espírito santo. Acredito que o mesmo ocorreu com Ananias e Safira. Eles mentiram diretamente aos homens (os apóstolos ou seus representantes), mas, na verdade, estavam mentindo para o espírito santo de Deus, que atuava por meio destes homens de maneiras visíveis e poderosas.

Evitei deliberadamente colocar o termo “espírito santo” em letras maiúsculas no parágrafo anterior. Isto é gramaticalmente correto nos idiomas modernos. Os tradutores optam por capitalizar devido à tradição – não devido à gramática dos idiomas modernos, nem devido ao texto grego do qual os idiomas modernos são traduzidos. Devemos ter em mente que os eruditos e tradutores da Bíblia trazem para seus escritos e traduções a sua própria perspectiva. Eles têm o direito editorial de verter o texto num estilo de idioma moderno e capitalização que reflita essa perspectiva. Conforme vimos anteriormente neste tratado, esses mesmos homens optaram por retirar o nome divino de seu lugar devido no texto da Bíblia e substituí-lo por outras palavras. Não cabe a mim determinar o que motiva essas escolhas, mas menciono isso aqui porque colocar “espírito santo” em maiúsculas sugere ao leitor mediano dum idioma moderno o conceito duma personalidade cujo nome passa a ser “Espírito Santo”. Na realidade, “santo” indica a qualidade ou a natureza do espírito de Deus. Porém, independentemente de a pessoa decidir que o Espírito Santo é um agente ou uma agência isso é irrelevante para nossa investigação aqui. Mesmo que se aceite a ideia de que o Espírito Santo é uma pessoa, isto não prova por si só o conceito trinitarista. A doutrina da Trindade afirma que o Espírito Santo é Deus e, como tal, é co-igual com o Pai e o Filho.

O professor Erickson diz que os ministérios do Espírito são “ministérios diretos”, e não realizados “por meio do Pai ou do Filho.” Isso é desencaminhador. O apóstolo Pedro explicou a exibição notável do Espírito de Deus no Pentecostes como um cumprimento da profecia de Joel na qual Deus estava derramando o seu Espírito sobre todas as pessoas. Ele passou a dizer: “Nos últimos dias, diz Deus, derramarei do meu Espírito sobre todos os povos. Os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os jovens terão visões, os velhos terão sonhos… Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato. Exaltado à direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou o que vocês agora veem e ouvem.” (Atos 2:17, 32, 33) Por qual esforço de imaginação pode-se argumentar que o Espírito Santo agiu de maneira independente? Jesus o recebeu de Deus, e depois disso ele o derramou. A linguagem e o sentido é que o Espírito foi usado – ele não atuou de maneira independente, quer do Pai quer do Filho. Tanto o Pai como o Filho agiram, mas o Espírito Santo cumpriu a função.

O Espírito Santo não dialoga com o Pai ou o Filho na Bíblia. Nunca lemos sobre o amor do Espírito Santo para conosco, como lemos sobre o amor do Pai e o amor do Filho por nós. Ao passo que o Pai manifesta seu amor por seu Filho, ele jamais expressa seu amor ao Espírito Santo. Nem jamais lemos sobre o Espírito Santo expressando amor ao Pai ou ao Filho. Ele jamais é visto em visões celestiais, como o Pai e o Filho são vistos. Ele também não tem um nome pessoal assim como o Pai e o Filho. Ele não se distingue na criação final de um novo céu e uma nova terra. No cenário celestial glorioso da Nova Jerusalém (Apocalipse 21), e na conclusão climática apresentada no último capítulo (22), não há qualquer menção do Espírito Santo, mas se fala de Deus, da noiva, e do Cordeiro. Em suma, o Espírito Santo não é apresentado nas Escrituras como uma pessoa, pelo menos não da mesma maneira que o Pai e o Filho são apresentados como pessoas. A dificuldade que isto apresenta (nas Escrituras) para o conceito trinitário é reconhecida francamente:

B. O Status do Espírito Santo. O tratamento que o NT dá ao Espírito é difícil, ambíguo, e às vezes até oblíquo aos interesses do trinitarismo posterior.” – International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblia Padrão Internacional], Vol. 4, (Trindade), página 916.

2. A Divindade do Espírito. A evidência para a divindade do Espírito é mais escassa do que sugerem as declarações trinitárias simétricas do quinto século (cf. o Credo Atanasiano, acima). O Espírito é chamado de ‘Deus’ no máximo uma vez (Atos 5:3). Os trechos do AT sobre Iavé não são aplicados ao Espírito. Não aparecem quaisquer declarações ontológicas de divindade, como é o caso em relação a Cristo. E o Espírito Santo no NT jamais é um objeto de adoração ou oração.” – Ibid., pág. 916.

Por fim, no evangelho de João temos o Espírito Santo identificado como um advogado. A palavra grega usada para definir esse papel é parákletos, um substantivo ao qual se atribui o gênero masculino em grego. A palavra é traduzida de várias formas como “Consolador”, “Conselheiro”, “Advogado” e “Ajudador”. Jesus identificou este conselheiro como “o Espírito da verdade”. (João 14:16, 17). Este Espírito da verdade iria apoiar, treinar, ensinar, encorajar e fortalecer os discípulos na ausência física do Senhor. Este Espírito da verdade é também o “Espírito de Cristo.” (Rom. 8:9-11). Os trinitaristas estão convencidos de que o Paráclito é a terceira pessoa do Deus trino. Tudo o que posso dizer em resposta a isso é que a Bíblia não coloca as coisas dessa maneira. Estou de acordo com a International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional] que o Novo Testamento não se adéqua ao trinitarismo. Há funções do Espírito que sugerem personalidade, mas essas funções não insistem na personalidade. E acredito definitivamente que sem a sobreposição do conceito trinitarista jamais se igualaria o Espírito com o Pai e o Filho como parte de um Deus trino. Porém, uma vez que esse conceito foi adotado e declarado como “ortodoxo”, nunca mais se permitiu que as Escrituras tivessem a declaração final neste assunto. O conceito trinitário foi introduzido nas Escrituras a partir daquele momento. E penso que isso é muito infeliz.

O ALFA E O ÔMEGA: “Eu sou o Alfa e o Ômega”, diz o Senhor Deus, “o que é, o que era e o que há de vir, o Todo-poderoso.” – Rev. 1:8

Quando começamos a ler o livro do Apocalipse, somos apresentados a vários personagens: (1) Deus, (2) Jesus Cristo, (3) um anjo, e (4) João. (Apocalipse 1:1) Depois de ser dito que a matéria que segue é uma revelação sobre Jesus Cristo dada a Jesus Cristo por Deus, para ser mostrada aos seus servos e transmitida ao apóstolo João por um anjo, recebemos uma saudação de João: “A vocês, graça e paz da parte daquele que é, que era e que há de vir, dos sete espíritos que estão diante do seu trono, e de Jesus Cristo, que é a testemunha fiel, o primogênito dentre os mortos e o soberano dos reis da terra.” (Apocalipse 1:4, 5) Desde o início, temos descrições claras e definidas, tanto do Pai como do Filho. Suas identidades nunca são misturadas ou obscurecidas no livro do Apocalipse. É do que está sentado no trono (Deus), que se fala como “o que é, o que era, e o que há de vir.” Poucos versículos depois, este diz: “Eu sou o Alfa e o Ômega”, diz o Senhor Deus, “o que é, o que era e o que há de vir, o Todo-poderoso.” (1:8) O contexto mostra claramente que é o Pai quem está falando e chamando a si mesmo de “Alfa e o Ômega”. A obra Tyndale New Testament Commentaries [Comentários do Novo Testamento de Tyndale], faz o seguinte comentário sobre Apocalipse 1:8:

“O Senhor é usado mais frequentemente no Novo Testamento acerca de Jesus, um uso que é encontrado em Apocalipse (xi. 8, xxii.20, etc.). Porém, mais frequentemente isto se refere neste livro ao Pai, como é o caso aqui. O Apocalipse trata das questões de poder e no início do livro este versículo dá expressão à convicção de que Deus é soberano. Alfa e Ômega são a primeira e a última letra do alfabeto grego, e significa o mesmo que o seguinte, o princípio e o fim. Deus era antes de todas as coisas, e nada sobrevive a Ele. A eternidade dele é apresentada também no que é, no que era, e no que há de vir(veja o versículo 4). A expressão final, Todo-Poderoso, expressa o pensamento de que ninguém pode resistir ao poder de Deus, embora devamos ter em mente que a palavra denota não tanto o exercício do poder em si, e sim a soberania abrangente que Deus exerce” – Tyndale New Testament Commentaries [Comentários do Novo Testamento de Tyndale], Vol. 20, pág. 50, (os sublinhados não estão no original). Nota: “o princípio e o fim” (Apo. 1:8, Versão Rei Jaime) não está presente no texto grego, e é omitida em versões bíblicas modernas.

A próxima ocorrência do título Alfa e Ômega encontra-se no capítulo 21, e, novamente, está claro que a pessoa que está falando é o Pai.

“Aquele que estava assentado no trono disse: “Estou fazendo novas todas as coisas!” E acrescentou: “Escreva isto, pois estas palavras são verdadeiras e dignas de confiança”. Disse-me ainda: Está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. A quem tiver sede, darei de beber gratuitamente da fonte da água da vida. O vencedor herdará tudo isto, e eu serei seu Deus e ele será meu filho.”“ (21:5-7).

Tyndale New Testament Commentaries [Comentários Tyndale do Novo Testamento] sobre esta seção dos versículos concorda que o orador é o Pai:

6. Parece que temos as palavras de Deus novamente. Devem ser lidas como um plural, ‘estão feitas’. Isto provavelmente se refere a todos os eventos que tiveram de ocorrer. Para os cristãos atribulados o futuro parecia problemático. A palavra firme de Deus os tranquiliza. Ele está no comando e no fim todas as coisas funcionam exatamente como ele quer. Eu sou o Alfa e o Ômega (a primeira e a última letras do alfabeto grego), seguido por o princípio e o fim (cf. i. 8, xxii. 13…) revela Deus como o Originador e o Consumador de todas as coisas.” – Tyndale New Testament Commentaries [Comentários do Novo Testamento de Tyndale], Vol. 20, pág. 246 (os sublinhados não estão no original).

A terceira e última ocorrência da declaração ‘o Alfa e o Ômega’ encontra-se no último capítulo do Apocalipse, e é nessa ocorrência que os comentários dizem que Jesus Cristo é identificado como o Alfa e o Ômega. O cenário é uma visão da Nova Jerusalém celestial, conforme mostrado a João pelo anjo de Deus, e os grandes benefícios que fluem do trono de Deus e do Cordeiro para as pessoas das nações por meio dela. Para sentir o clima da declaração final Alfa e Ômega, encontrada no capítulo 22:13, e quem está falando, o trecho dos versículos 3 a 15 é citado abaixo:

“Já não haverá maldição nenhuma. O trono de Deus e do Cordeiro estará na cidade, e os seus servos o servirão. Eles verão a sua face, e o seu nome estará em suas testas. Não haverá mais noite. Eles não precisarão de luz de candeia, nem da luz do sol, pois o Senhor Deus os iluminará; e eles reinarão para todo o sempre.

O anjo me disse: Estas palavras são dignas de confiança e verdadeiras. O Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou o seu anjo para mostrar aos seus servos as coisas que em breve hão de acontecer. “Eis que venho em breve!

Feliz é aquele que guarda as palavras da profecia deste livro”. Eu, João, sou aquele que ouviu e viu estas coisas. Tendo-as ouvido e visto, caí aos pés do anjo que me mostrou tudo aquilo, para adorá-lo. Mas ele me disse: “Não faça isso! Sou servo como você e seus irmãos, os profetas, e como os que guardam as palavras deste livro. Adore a Deus!”

Então me disse: Não sele as palavras da profecia deste livro, pois o tempo está próximo. Continue o injusto a praticar injustiça; continue o imundo na imundícia; continue o justo a praticar justiça; e continue o santo a santificar-se.

Eis que venho em breve! A minha recompensa está comigo, e eu retribuirei a cada um de acordo com o que fez. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim. Felizes os que lavam as suas vestes, e assim têm direito à árvore da vida e podem entrar na cidade pelas portas. Fora ficam os cães, os que praticam feitiçaria, os que cometem imoralidades sexuais, os assassinos, os idólatras e todos os que amam e praticam a mentira.” – Apocalipse 22:3-15

Parece ser o Senhor Deus quem está falando no primeiro parágrafo da citação acima que termina com a declaração: “Eis que venho em breve!” No terceiro parágrafo essa declaração é repetida, “Eis que venho em breve!”. E a frase seguinte identifica o falante como o Alfa e o Ômega. Não vejo qualquer razão para concluir que o título não pode ser atribuído ao Pai (o Senhor Deus) aqui, como é atribuído claramente nas outras duas ocorrências. Ao mesmo tempo, posso avaliar a aplicação a Jesus, pela maneira como o texto está dividido em parágrafos e subtítulos por versões bíblicas modernas. A maneira como o texto está formatado tem um impacto em nossa compreensão dele. Por exemplo, a Nova Versão Internacional [em inglês] acrescenta um subtítulo entre os versículos seis e sete que diz: “Jesus Está Chegando”. Isto sugere ao leitor que tudo o que se diz do versículo sete em diante, está sendo dito por Jesus. Se alguém entender os assuntos dessa maneira, então é fácil concluir que o título Alfa e Ômega pertence a Jesus no versículo treze. Todavia, o versículo sete não identifica o falante para nós. A primeira identificação específica de Jesus como o falante só vem dez versículos depois, no versículo dezesseis, onde se lê: “Eu, Jesus, enviei o meu anjo para dar a vocês este testemunho concernente às igrejas. Eu sou a Raiz e o Descendente de Davi, e a resplandecente Estrela da Manhã.” Acredito que João identifica consistentemente o “Senhor Deus” (o Pai) como o Alfa e o Ômega no Apocalipse. Porém, o Tyndale New Testament Commentaries [Comentários do Novo Testamento de Tyndale], encara as coisas de maneira diferente. Leon Morris, que é o contribuinte para a parte do Apocalipse, embora reconhecendo que as duas ocorrências anteriores aplicam-se ao Pai, argumenta que a declaração ‘Alfa e Ômega’ aqui, aplica-se a Jesus:

13. Em i. 8 (onde se vê a nota) e novamente em xxi. 6, o Senhor Deus disse que Ele é o Alfa e o Ômegao princípio e o fim. Ora, a expressão idêntica é aplicada pelo Cristo ressuscitado a si mesmo, com o acréscimo de ‘o primeiro e o último’. Todas as três expressões significam a mesma coisa e eles colocam Cristo à parte de todos os seres criados. Nenhum outro além de Deus poderia compartilhar esses títulos de Deus.” – Tyndale New Testament Commentaries [Comentários do Novo Testamento de Tyndale], Vol. 20, pág. 260 (os sublinhados não estão no original).

É verdade que vários versículos depois da última ocorrência do título Alfa e Ômega Jesus é o orador, mas isto pode ser uma declaração que resume o livro como um todo, e não apenas os versículos anteriores. Na verdade, A Bíblia de Jerusalém intitula os versículos finais neste capítulo (16-21) como um Epílogo, que os separa do que veio antes e começa como mostrado abaixo:

O “Epílogo”

“Eu, Jesus, enviei meu anjo para vos atestar estas coisas a respeito das Igrejas. Eu sou o rebento da estirpe de Davi, a brilhante Estrela da manhã. O Espírito e a Esposa dizem: “Vem!” Que aquele que ouve diga também: “Vem!” Que o sedento venha e quem o deseja receba gratuitamente água da vida.” – Apocalipse 22:16, 17, BJ (Itálicos no original).

Assim como a inserção de “Jesus Está Vindo” antes do versículo sete da NVI, a palavra “Epílogo” é inserida pela Bíblia de Jerusalém antes do versículo dezesseis. Quão adequados estas inserções são nestes casos deve ser avaliado pelo leitor. Eu não creio que isso reduz a credibilidade da atribuição do título Alfa e Ômega a Deus no capítulo 22. Fazer isso mantém uma consistência de seu uso em outros lugares no Apocalipse. E, conforme creio, o conteúdo do pensamento dos versículos que conduz a isso na declaração o Alfa e o Ômega, de Revelação 22:13, identifica claramente o Senhor Deus como a figura principal representada pelo anjo e o que fala no versículo treze.

Alguns sugerem que esse uso de Alfa e Ômega deve ser aplicado a Jesus Cristo, e pode de fato se referir a ele neste contexto. Porém, devemos lembrar que o Pai e o Filho compartilham diversos títulos, tais como Senhor, Deus, Salvador, Juiz, etc., mas a partir de diferentes perspectivas. Por exemplo, quando Maria, grávida de Jesus, visitou Elisabete, que estava grávida de João Batista, Maria cantou: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito exulta em Deus meu Salvador.” (Lucas 1:46, 47, ALA) Mais tarde, quando Jesus nasceu, o anjo de Deus exclamou aos pastores: “Não tenham medo. Estou lhes trazendo boas novas de grande alegria, que são para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor.” (Lucas 2:10, 11) O Pai é o nosso Salvador, porque ele nos amou o suficiente para fornecer uma maneira de nos libertar do pecado e da morte. (João 3:16) Jesus também é nosso Salvador porque ele se dispôs a entregar sua vida humana sem pecado, em favor da vida do mundo. (Mat. 20:28) Ambos são nosso Salvador, mas a partir de diferentes perspectivas.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao título Alfa e Ômega (primeiro e último). O Pai é certamente “o primeiro e o último”. Sendo o Deus todo-poderoso e eterno, sua autoridade e vontade determina o início e o fim de todas as coisas. A partir de uma perspectiva ligeiramente diferente, o Filho é também o “primeiro e último”, porque tudo o que Deus fez foi por meio dele. O Filho é o ‘primeiro’ em relação a todos os demais. Ele é o ‘último’ naquilo que vai coroar com êxito tudo o que o Pai o autorizou e lhe deu o poder de realizar. Ele não tem sucessores. Aplicar o mesmo título ao Pai e ao Filho não prova que eles sejam a mesma pessoa, nem que não haja qualquer distinção entre eles. Acredito que a maneira como cada um é apresentado pelas Escrituras deixa isso muito claro.

A DIVINDADE: “Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade.” – Colossenses 2:9, Almeida Corrigida Fiel.

Alguns dizem que este texto está falando do homem, Jesus Cristo. Ou seja, ao passo que Jesus nasceu de uma mulher e viveu como humano ele era também, ao mesmo tempo, o Deus Todo-Poderoso! Isso é parte do conceito da natureza dual que os trinitaristas enxergam nas Escrituras. Estes sentimentos são expressos por Albert Barnes, que apresenta seu entendimento do que está sendo dito no texto acima:

“A linguagem é tal como seria obviamente empregada na suposição de que Deus se encarnou, e apareceu em forma humana; e não há qualquer outra ideia que expresse isso naturalmente, nem há qualquer outra que possa ser usada para expressar que não seja uma construção forçada. O significado é que isso não era um atributo qualquer da Deidade que se encarnou no Salvador; que ele era não meramente dotado com o conhecimento, ou o poder, ou a sabedoria de Deus; e sim que toda a Divindade se tornou encarnada dessa maneira, e apareceu em forma humana; comp. João xiv. 9; i. 18. Portanto, nenhuma linguagem poderia demonstrar mais claramente a divindade de Cristo. Sobre que mero homem – sobre que anjo, poderia ela ser usada?” – Notes on the New Testament  [Notas Sobre o Novo Testamento], Vol. 12, página 263 (os negritos estão em itálicos no original).

Com base na leitura da carta do apóstolo Paulo à comunidade cristã em Colossos, é claro que ele está defendendo a superioridade de Jesus Cristo acima de qualquer outro poder ou domínio espiritual. Aparentemente, havia uma heresia contaminando e ameaçando a igreja de Colossos, que envolvia alguma forma de adoração de anjos. Isto é, no mínimo, sugerido quando ele diz: “Não permitam que ninguém que tenha prazer numa falsa humildade e na adoração de anjos os impeça de alcançar o prêmio. Tal pessoa conta detalhadamente suas visões, e sua mente carnal a torna orgulhosa.” (Col. 2:18) Paulo resume para eles por que deveriam focar em Cristo e em mais ninguém:

“Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito sobre toda a criação, pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia. Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude, e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão nos céus, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz.” – Colossenses 1:15-20, NVI

Ao dizer isso, Paulo não está se limitando aos anos da humanidade de Jesus. Paulo atravessa a pré-existência dele, bem como sua existência (glorificada) pós-ressurreição. Não é nem necessário, nem correto, aplicar-se ao homem Jesus Cristo tudo o que se diz sobre sua pré-existência ou existência pós-ressurreição. A preeminência que ele tinha como primogênito de toda a criação foi posta de lado quando ele se tornou homem e levou uma vida de servidão e sacrifício. (Mat. 20:28) Uma vez ressuscitado ele foi exaltado à direita de Deus e toda a criação foi colocada sob seu senhorio. (Filipenses 2:9-11.)

Paulo começa por identificar o agora glorificado como “primogênito de toda a criação”, e dizendo que “todas as coisas foram criadas por ele e para ele.” Ele o distingue ainda mais dizendo: “Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse.” (ACR) Esta é só outra maneira de dizer que ele foi feito à imagem do Deus invisível, antes de se tornar carne. Em outras palavras, Deus se agradou em dotá-lo com sua própria natureza. O significado é bem resumido pela NTLH, onde se lê: “Pois é pela própria vontade de Deus que o Filho tem em si mesmo a natureza completa de Deus.” – Col. 1:19

A palavra “Divindade”, por si só, não transmite um significado preciso e pode, portanto, significar coisas diferentes para pessoas diferentes. A Versão Rei Jaime usa o termo “Divindade” em três lugares: Atos 17:29, Rom. 1:20 e Col. 2:9. Em Atos 17:29 a palavra grega theiodes é traduzida como “Divindade”. As versões bíblicas modernas em inglês usam palavras como “ser divino” (NIV), “deidade” (JB, NIV), “sua natureza” (TEV), e “Natureza Divina” (NASV). Em Romanos 1:20, a palavra grega theos, que é traduzida como “Deus” na Versão Rei Jaime, é traduzida como “natureza divina” (NIV, TEV, NRSV, NASV), e “deidade” (JB, RSV, NEB). Em Colossenses 2:9 a mesma palavra é traduzida como “natureza divina” (TEV), “plenitude da Deidade” (NIV, RSV), “plenitude da divindade” (JB), “Divindade” (NEB), e “plenitude de Deidade” (NASV, NRSV). A única coisa que essas palavras confirmam de maneira consistente é que “foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse.” (Col. 1:19, ACR). A conclusão do assunto é que a Palavra compartilhava da natureza do Pai. Esta natureza era singularmente dele e não era compartilhada pelos anjos.

Isso não dá base para se insistir que ele manteve essa natureza quando se tornou um ser humano. Na verdade, dá base para a ideia de que ele não a reteve. Ao se tornar homem, ele tinha de ser como nós em todos os sentidos. João nos diz que a Palavra se fez carne. (João 1:14). A maneira como ele se tornou carne é claramente descrita para nós nos Evangelhos. Uma moça judia, chamada Maria, ficou grávida de maneira milagrosa. A criança que ela estava para dar à luz seria chamada de Filho de Deus por causa da natureza de sua concepção. (Lucas 1:26-38) Enquanto Adão era um filho de Deus, Jesus era isso de maneira exclusiva. (Lucas 3:38, 1:31, 32) Ele pôs de lado a natureza celestial, espiritual com toda a glória, poder e majestade associada a essa natureza, para se tornar alguém composto de natureza humana, com todas as limitações que a carne e o sangue impõem. (Filipenses 2:5-11)

O reitor John R. W. Stott disse que se Jesus “não era Deus em carne humana o Cristianismo explode” (Veja a citação de Michael S. Horton anteriormente neste folheto.) Outro pastor cristão escreveu: “Se Jesus fosse meramente uma criatura, sua morte não teria sido de valor suficiente para expiar nossos pecados.” (Keith Plummer, pastor da Our Savior Evangelical Free Church [Igreja Evangélica Livre do Nosso Salvador], revista Moody, novembro-dezembro de 1998, página 24.) E Albert Barnes descarta a ideia de que Jesus era um mero homem. Estas declarações representam bem a visão trinitarista dos assuntos. Mas, são elas verdadeiras? Devemos nos perguntar: Segundo as Escrituras, o que validou o sacrifício de Jesus? O que conferiu a ele tão grande valor, para que servisse como um resgate para redimir toda a família humana? O que as Escrituras dizem sobre isso? É conveniente que permitamos que a Palavra de Deus resolva esta importante questão da salvação. E quando verificamos a evidência, devemos nos perguntar se as Escrituras sugerem que era necessário algo mais do que a natureza humana:

“Jesus lhes disse: “Eu digo a verdade: Se vocês não comerem a carne do Filho do homem e não beberem o seu sangue, não terão vida em si mesmos. Todo aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Todo aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.”“ – João 6:53-56

“Portanto, da mesma forma como o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram… Entretanto, não há comparação entre a dádiva e a transgressão. De fato, muitos morreram por causa da transgressão de um só homem, mas a graça de Deus, isto é, a dádiva pela graça de um só, Jesus Cristo, transbordou ainda mais para muitos… Se pela transgressão de um só a morte reinou por meio dele, muito mais aqueles que recebem de Deus a imensa provisão da graça e a dádiva da justiça reinarão em vida por meio de um único homem, Jesus Cristo. Consequentemente, assim como uma só transgressão resultou na condenação de todos os homens, assim também um só ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens. Logo, assim como por meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim também por meio da obediência de um único homem muitos serão feitos justos.” – Romanos 5:12-15, 17-19

“Mas agora, em Cristo Jesus, vocês, que antes estavam longe, foram aproximados mediante o sangue de Cristo. Pois ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um e destruiu a barreira, o muro de inimizade, anulando em seu corpo a Lei dos mandamentos expressa em ordenanças.” – Efésios 2:13-15

“Portanto, visto que os filhos são pessoas de carne e sangue, ele também participou dessa condição humana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo… Por essa razão era necessário que ele se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel com relação a Deus e fazer propiciação pelos pecados do povo.” – Hebreus 2:14, 17

“Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado.” – 1 João 1:7.

“Nele temos a redenção por meio de seu sangue, o perdão dos pecados, de acordo com as riquezas da graça de Deus, a qual ele derramou sobre nós com toda a sabedoria e entendimento.” – Efésios 1:7, 8.

O Que Fez a Carne e o Sangue Sacrificial de Jesus Tão Preciosos Foi Sua Natureza Sem Pecado.

“Para isso vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes exemplo, para que sigam os seus passos. “Ele não cometeu pecado algum, e nenhum engano foi encontrado em sua boca.”… Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, a fim de que morrêssemos para os pecados e vivêssemos para a justiça; por suas feridas vocês foram curados.” – 1 Pedro 2:21, 22, 24.

“Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus.” – 2 Coríntios 5:21.

“Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu de forma imaculada a Deus, purificará a nossa consciência de atos que levam à morte, para que sirvamos ao Deus vivo!” – Hebreus 9:14.

“Pois vocês sabem que não foi por meio de coisas perecíveis como prata ou ouro que vocês foram redimidos da sua maneira vazia de viver, transmitida por seus antepassados, mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha e sem defeito.” – 1 Pedro 1:18, 19.

“Pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado.” – Hebreus 4:15.

Um mero homem?

Quem poderia ler os versículos acima e dizer que eles não significam nada, a menos que Jesus também fosse Deus? Onde é que se diz na explicação de como somos aceitos por Deus que só um Deus-homem poderia morrer pelos nossos pecados? Vez após vez as Escrituras dizem claramente que foi a CARNE E O SANGUE DE JESUS – SUA HUMANIDADE que foi sacrificada por nós. Foi um homem de carne e sangue (Adão) que pecou e perdeu a vida para si e seus filhos por nascer. Foi o “último” Adão, carne e sangue, o homem sem pecado, que morreu para redimir o que Adão perdeu. (1 Cor. 15:45) O que poderia ser mais claro do que isso? O cordeiro de Deus sem pecado ofereceu um sacrifício correspondente para compensar o que foi perdido. Dizer que, se Jesus “fosse meramente uma criatura, sua morte não teria sido de valor suficiente para expiar nossos pecados”, é denegrir e menosprezar esse sacrifício humano.

Quando nos reunimos para relembrar esse sacrifício expiatório, quais são os elementos que usamos para nos lembrar da vida preciosa que foi entregue por nós? Usamos pão simples para representar o seu precioso corpo humano, e bebemos o vinho que representa o sangue precioso que dava vida a esse corpo sem pecado. Quando fazemos isso estamos focalizando O Homem! Não um mero homem, uma mera criatura, e sim o Filho do Homem sem pecado.

Durante os dias de nosso Senhor como humano, ele perseverou e sofreu. Ele sentiu as limitações que sua condição humana impunha sobre ele, e constantemente apelou a Deus em oração. Ele era limitado em força e resistência. Ele aprendeu poderosas lições no processo que fez dele um sumo sacerdote mais misericordioso. Este homem extraordinário deixou de lado todo desejo honroso que um ser humano perfeito, sem pecado, naturalmente teria. Todas as suas habilidades, capacidades e interesses foram devotados ao seu desejo consumado de agradar seu Pai e terminar a missão abnegada que foi estabelecida para ele. Seu “alimento” era fazer a vontade daquele que o enviou e tudo o que ele fez, fez com um coração cheio de compaixão e afeição por nós – os descendentes pecaminosos de Adão. (João 4:34) Incluído naquele corpo humano que estava pendurado no madeiro encontrava-se esta qualidade genuína de vida. Este é o homem que eu vejo. Um mero homem? – de jeito nenhum, e sim um ilibado, precioso, amável, humilde, sensível, íntegro e corajoso homem. Foi este homem, juntamente com sua excelência moral e natureza humana sem pecado, que foi sacrificado por você e por mim!

Por sua disposição de pôr de lado sua posição única e natureza espiritual junto a Deus para se tornar um homem de carne e sangue, ele foi exaltado à direita de Deus e foi-lhe dada toda a autoridade e poder. Agora ele recuperou tudo o que originalmente havia deixado de lado e muito, muito mais. Todos no céu e na terra e debaixo da terra devem dobrar os joelhos em submissão a ele como Senhor. Este mais digno Senhor reinará como “Rei dos reis e Senhor dos senhores”, até que tenha vencido todos os inimigos de Deus. (Apocalipse 17:14) Seu reinado verá a restauração de todas as coisas de acordo com a vontade e o propósito de Deus. (Efe. 1:9, 10) Quando tudo isso for feito, ele entregará voluntariamente tudo a Deus e submeter-se-á a Deus, para que Ele seja tudo em todos. Isto é o que lemos nas Escrituras.

O PRINCÍPIO DA CRIAÇÃO DE DEUS: “Ao anjo da igreja em Laodicéia escreve: Estas coisas diz o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus.” – Apocalipse 3:14, ARA

Conforme vimos, um dos grandes debates que ocuparam os pais da igreja era a questão da eternidade da Palavra. (João 1:1). O leitor também deve se lembrar de que Ário (e outros), chamaram atenção para o fato de o Filho ser o “gerado”, e isso sugeria que houve um momento em que ele não existia. Concílios subsequentes decidiram que isto era herético pois a Palavra, assim como Deus, não teve um princípio; ele existiu durante toda a eternidade passada assim como o Pai por toda a eternidade. O texto acima, e outros que refletem a mesma ideia, têm sido usado ​​pelos que entendem que a Palavra teve um princípio. Quando ouvem o Senhor falando de si mesmo como “o princípio da criação de Deus”, eles acreditam que estão sendo informados de que ele foi o primeiro a ser criado por Deus. Os que não podem aceitar isso dizem: “Não, o Senhor não quis dizer que ele foi o primeiro a ser criado, e sim que é a “origem” ou “a fonte” da criação. Desta forma, o Senhor coloca-se aqui fora da ordem das coisas criadas.” Como é que podemos determinar qual é o conceito mais provável? A palavra na qual estamos primariamente interessados aqui é a traduzida como “princípio” na Almeida Revista e Atualizada, citada acima. Antes de olharmos para a palavra grega que foi traduzida, podemos considerar como outras versões bíblicas modernas traduziram a palavra em questão, que é a palavra grega arche (A palavra moderna está em negrito).

“Ao anjo da igreja em Laodicéia escreva: Estas são as palavras do Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o soberano da criação de Deus.” – NVI

“Ao anjo da igreja de Laodicéia escreva o seguinte: “Esta é a mensagem do Amém, da testemunha fiel e verdadeira, daquele por meio de quem Deus criou todas as coisas.” – NTLH

“Ao Anjo da Igreja de Laodicéia, escreve: Assim fala o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus.” – BJ

“Escreve igualmente ao anjo da Igreja de Laodicéia: Isto diz aquele que é a mesma verdade, a testemunha fiel e verdadeira, o que é princípio da criatura de Deus.” – APF

“Esta mensagem vem daquele que permanece firme, a testemunha fiel e verdadeira, a fonte primitiva da criação de Deus.” – NBV

Estas várias traduções nos dão uma ideia geral de como a palavra arche foi entendida por tradutores modernos em Apocalipse 3:14. Superficialmente, parece um exagero ir de ‘princípio’, que foi usada mais comumente em traduções anteriores do século 20, para ‘soberano’ ou ‘fonte primitiva’. A palavra arche aparece no Novo Testamento 56 vezes e a Nova Versão Internacional a traduz como ‘princípio’ (31 vezes), ‘primeiro’ (5), ‘governantes’ (5), ‘cantos’ (2), ‘poder’ (2), ‘o tempo todo’ (1), ‘demônios’ (1), ‘domínio’ (1), ‘cedo’ (1), ‘elementar’ (2), ‘verdades elementares’ (1), ‘poderes’ (1), ‘reinar’ (1) e ‘soberano’ (1).

Vemos que a NVI geralmente traduz arche como “princípio”, mas usa uma série de outras palavras para traduzi-la em outros lugares. Apocalipse 3:14, é o único lugar onde os tradutores da NVI traduzem arche por “soberano” (singular). Visto que esta questão é importante para nossa investigação sobre o relacionamento entre o Pai e o Filho, é correto explorar mais o assunto. A melhor maneira de fazer isso é verificar a forma como os escritores da Bíblia a usaram.

Perto do número de vezes que a NVI traduz a palavra como “princípio”, a ideia mais comum representada pela palavra tem relação com poder, preeminência e autoridade de algum tipo. O motivo disso pode ser avaliado pelo que lexicógrafos bíblicos nos dizem sobre as nuanças da palavra. Arche é consideravelmente discutida no Theological Dictionary of the New Testament [Dicionário Teológico do Novo Testamento], editado por Gerhard Kittel, que diz o seguinte:

A. O Uso Geral e Filosófico de arch:

arch sempre significa ‘primazia’, ​​quanto ao tempo: ‘princípio’, principium, quanto à posição: ‘poder’, ‘domínio’, ‘posto’” – Vol. 1, página 479.

Ao verificar diversos textos que contém a palavra em diferentes cenários, podemos apreciar melhor o alcance do pensamento embutido nela. Nas citações abaixo, as diferentes palavras usadas na Nova Versão Internacional para traduzir a palavra grega arche estão em negrito.

“E, tendo despojado os poderes e as autoridades, fez deles um espetáculo público, triunfando sobre eles na cruz.” – Colossenses 2:15

“A intenção dessa graça era que agora, mediante a igreja, a multiforme sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autoridades nas regiões celestiais, de acordo com o seu eterno plano que ele realizou em Cristo Jesus, nosso Senhor.” – Efésios 3:10, 11

“Portanto, deixemos os ensinos elementares a respeito de Cristo e avancemos para a maturidade, sem lançar novamente o fundamento do arrependimento de atos que conduzem à morte, da fé em Deus.” – Hebreus 6:1

“Então virá o fim, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, depois de ter destruído todo domínio, autoridade e poder.” – 1 Coríntios 15:24.

À base da ocorrência de arche no texto grego dos versículos acima, podemos perceber que traduzi-lo uniformemente como ‘princípio’ simplesmente não é adequado. Significa isso que ‘soberano’ é uma opção melhor do que ‘princípio’ em Apocalipse 3:14? Não necessariamente. Esta é uma daquelas situações, creio eu, onde a visão teológica de alguém pesa tão fortemente, se não mais fortemente, do que a gramática quando se faz a abordagem do texto. Se tivermos em mente que a palavra traz consigo a ideia básica de primazia, isso vai nos ajudar a fazer um julgamento informado de como ela deve ser encarada aqui. Em relação ao uso de arche em Apocalipse 3:14 o Theological Dictionary of the New Testament [Dicionário Teológico do Novo Testamento], tem uma nota de rodapé oferecendo duas possibilidades:

“O princípio e a origem da criação,” (Had. Apk., ad loc.). Em outros aspectos, o uso reflete a influência rabínica e o Messias é antes do mundo, embora Ele próprio seja criado (’481 sobre João 1:1).” – Theological Dictionary of the New Testament [Dicionário Teológico do Novo Testamento], Vol. 1, página 484.

Se alguém decidir que ‘soberano’ expressa melhor o sentido do que é apresentado em Apocalipse 3:14, essa pessoa provavelmente concluirá que a ideia de supremacia sobre a criação é o significado. Se alguém decidir que Jesus está incluindo a si próprio na criação como o primário – aquele que é o princípio – nessa ordem, essa pessoa vai encará-lo como o primeiro dentro da criação. A pessoa deve decidir o que ela entende que o apóstolo João quis dizer. Não seria sábio confiar totalmente na escolha do tradutor das palavras visto que ele traz suas próprias pressuposições para o texto. Visto que a natureza desta questão é crucial para a nossa investigação seria sensato verificar outra parte das Escrituras que trata desse assunto, ou seja, Colossenses 1:15-20:

“Ele é a imagem  do Deus  invisível, o primogênito  sobre toda a criação, pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias [arche], poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste. Ele é a cabeça  do corpo, que é a igreja; é o princípio [arche] e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia. Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude, e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra  quanto as que estão nos céus, estabelecendo a paz  pelo seu sangue  derramado na cruz.” – Colossenses 1:15-20, NVI.

O que está sendo dito a nós aqui? Que Jesus Cristo é “a imagem de Deus”, o que, segundo creio, é só outra maneira de dizer que ele era dotado com “a plenitude de Deus”. Outras escrituras confirmam que ele é o reflexo exato de Deus em sua natureza e acredito que é isso o que está sendo enfatizado aqui. (Heb. 1:3, 4) O principal impulso das palavras de Paulo parece ser “para que em tudo [ele] tenha a supremacia.” Os vários assuntos que Paulo aborda sobre isso enfatizam este fato. Entre outras coisas, ele é chamado de “o primogênito sobre toda a criação.” Isso pode ser entendido como significando que ele foi o primeiro a ser trazido à luz (gerado), e por meio dele todo o resto foi criado. Este entendimento não violaria a primazia do Senhor nem há uma violação da gramática grega aqui. Embora os estudiosos trinitaristas rejeitem essa conclusão eles reconhecem que ela é linguisticamente possível, de acordo com a gramática grega:

“Ele é supremo, o primeiro de todos, na criação, sendo descrito como ‘o primogênito de toda a criação’ (RV). Isto não deve ser distorcido, como muitas vezes se fez, para significar que Cristo está no ápice da criação, mas ainda é um ser criado. Por razões puramente gramaticais seria possível tomar a frase com este sentido. Assim, ‘toda a criação’ seria a totalidade da qual o Filho é o primogênito, e, desse modo, o genitivo seria partitivo ou qualificativo. Mas o contexto rege isto completamente. Devemos, portanto, entender o genitivo como sendo qualificado pelo elemento ‘primeiro’ no composto ‘primogênito’. Isso, então, enfatiza a primazia do Filho. Ele é gerado, não criado, pelo Pai; e como primogênito, prototokos, ele é antes de toda a criação.” – Tyndale New Testament Commentaries [Comentários ao Novo Testamento de Tyndale], Vol. 12, página 42.

A grande objeção à inclusão de Jesus Cristo na ordem criativa é que isso nega a sua posição exclusiva de “gerado, não criado, pelo Pai”. De algum modo, nas mentes dos trinitaristas, ser “gerado” contorna a ideia de ele ter tido um princípio em algum ponto. Francamente, não vejo lógica nesse raciocínio. Se ele foi “gerado”, então algo aconteceu! Em que momento ele foi gerado? Como é que se pode dizer que ele sempre existiu e ainda ser dito que ele foi gerado? A própria palavra sugere, no mínimo, uma geração de algum tipo – ou vir a existir. Se isso não foi criação, será que foi geração? Por que falar de alguém que você diz que existe eternamente e, daí, no momento seguinte, insistir que essa pessoa foi gerada? Que texto bíblico nos explica ou demonstra que alguém gerado pode ter também sempre existido no passado, sem uma origem de algum tipo num dado momento? Não conheço texto algum que faça isso. Tudo se resume a batalhar sobre o significado de palavras – sendo que as definições delas tornam-se a prerrogativa dos que insistem em usá-las.

Não creio que a Bíblia tenha sido escrita para ser interpretada desta maneira. (2 Tim. 2:14). Francamente, se você crê que ele foi o primogênito da criação ou entende que ele foi singularmente produzido (gerado) antes da criação não altera significativamente nem viola a verdade bíblica de que ele é supremo sobre todos os outros, com exceção de Deus. Tenha em mente que na carta aos colossenses Paulo está argumentando em favor da supremacia e prioridade do Senhor glorificado sobre todos os seres celestiais e domínios. Paulo estabelece claramente isso aqui, assim como em outros lugares em seus escritos. O Filho de Deus glorificado tem primazia sobre toda a criação. Mas Paulo não está argumentando que ele é igual a Deus! Isso é um assunto completamente diferente. Ele está enfatizando as várias maneiras como o Senhor deve ser visto como o “primogênito”. Ele nunca é, aqui ou em qualquer outro lugar, apresentado como igual a Deus em posição ou autoridade. Estou satisfeito em aceitar que o Senhor Jesus Cristo, aquele que existia como a Palavra, tornou-se carne, viveu e sofreu uma morte sacrificial, foi ressuscitado e exaltado à direita de Deus, é real e singularmente único – em categoria. Mas ele não é Deus.

Resumo do conceito trinitarista

O que foi apresentado na seção anterior sobre o desenvolvimento do conceito trinitarista e os textos bíblicos frequentemente usados para apoiar esta doutrina não foi exaustivo, mas acredito que abrangeram os argumentos típicos veiculados pelos trinitaristas. Há basicamente três razões pelas quais eu rejeito esse conceito:

1. Ele não é ensinado na Bíblia.

2. Os trechos bíblicos usados ​​para ler o conceito dentro da Bíblia são muito fracos e muitas vezes distorcem as declarações claras das Escrituras.

3. Ele foi concebido e nasceu naqueles séculos seguintes à igreja apostólica que presenciaram uma deterioração progressiva e generalizada da igreja apostólica, tanto doutrinariamente como funcionalmente. Não vejo qualquer sentido em concluir que durante este período de degeneração da igreja a perfeição na doutrina da salvação estava sendo finalizada. Creio que é tanto triste como trágico que eruditos cristãos modernos achem necessário defender e argumentar em favor de conceitos platônicos que foram sintetizados com o cristianismo bíblico. Esta mistura de óleo e água resultou em grande prejuízo tanto para as questões doutrinais como para a função congregacional. A criação de classes ou ordens dentro da igreja destruiu a verdadeira natureza da liderança que nosso Senhor ordenou para sua igreja.

Uma das lições mais úteis que este estudo me ensinou é que as palavras da Bíblia não têm significados uniformes, rígidos. Há tons de significados ou nuanças presentes em muitas palavras dos idiomas originais. A palavra “Deus” é usada para identificar poderosos dignitários humanos, bem como o Deus Todo-Poderoso. A palavra “Senhor” pode ser usada como nada mais que um título de respeito ou pode conferir grande dignidade quando é aplicada a Jesus Cristo e suprema honra quando é aplicada ao Pai. Uma palavra que significa “curvar-se” ou “ajoelhar-se” pode indicar um ato de adoração, reverência ou simplesmente um gesto de respeito. Como estas palavras estão sendo utilizadas e como temos de entendê-las deve ser determinado pelo contexto no qual elas se encontram. Os tradutores se confrontam com escolhas de palavras dos idiomas modernos para representar o significado apresentado no texto hebraico ou grego, e essas escolhas são influenciadas pela própria teologia deles. Estas escolhas às vezes se transferem do tradutor para o expositor. O viés acadêmico deles pode mascarar e realmente mascara o que lemos na Bíblia.

Apesar de tudo isso, a Bíblia é clara o suficiente para ensinar uma mensagem internamente coerente. Esta consistência se torna evidente quando a Bíblia inteira (Antigo Testamento e Novo Testamento) é encarada como uma unidade e como tendo a mesma autoridade. Um dano irreparável foi feito contra a Bíblia, quando os pais da igreja a afastaram para longe de suas raízes hebraicas. O relacionamento entre o Pai e o Filho só pode ser entendido quando ela é encarada em relação a essas raízes. Estou também convencido de que as doutrinas de salvação são claramente ensinadas nas Escrituras. Qualquer “autoridade” adicional que se levantou para esclarecer a verdade bíblica, sejam os pais da igreja, papas ou outros profetas ou videntes, só serviu para turvar as águas claras da verdade. Acredito que a luz da verdade brilhou de forma radiante durante os dias do ministério de Jesus e no período subsequente, no qual foram criados os documentos do Novo Testamento. Se algumas questões não foram tratadas de forma tão clara ou tão completa como gostaríamos que fossem, não devemos permitir que isso nos cause desconforto, ou que busquemos preencher presunçosamente o que consideramos lacunas no registro divino. Judas achou necessário a dizer isso, logo no início: “Amados, embora estivesse muito ansioso por lhes escrever acerca da salvação que compartilhamos, senti que era necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem pela fé uma vez por todas confiada aos santos.” (Judas 1:3) Isso continua a ser nossa necessidade.

Basicamente, eu vejo o relacionamento entre o Pai e o Filho como esses termos sugerem. Eles são fornecidos a nós por Deus, para que possamos entender esse relacionamento de um ponto de vista humano. O Pai é o cabeça de Jesus Cristo, assim como o Cristo é o cabeça de sua igreja e como o homem é o cabeça da mulher. (1 Cor. 11:3) Esta verdade simples é repetidamente reforçada em toda a Bíblia numa variedade de maneiras. Tudo começa com o Pai – tudo flui dele. Tudo flui por meio de seu Filho. A autoridade e o poder que o Senhor Jesus Cristo tem e exerce agora lhe foram dados pelo Pai. O Pai se agradou em fazer isso e Ele quer que toda a criação sirva seu Filho. Fazer isso glorifica o Pai, assim como o Filho. (Filipenses 2:9-11.) O Filho é a representação perfeita do Pai – seu alter ego, mas nunca é apresentado como igual em posição ou poder com o Pai. (Heb. 1: 8, 9).

Será que no passado imensurável a “Palavra” sempre esteve lá – sem uma origem de algum tipo? O que sabemos com certeza é que “no princípio” ele existia. Se o leitor observar atentamente a confissão trinitarista encontrará a ideia de geração sugerida em relação ao Filho de Deus. Em qualquer caso, ele nos é apresentado como superior a todas as coisas criadas. Sem dúvida, a melhor e mais segura maneira de abordar esta questão é atermo-nos à linguagem das Escrituras e evitar a tentação de ler dentro das Escrituras a nossa inclinação pessoal sobre as coisas. Se emitirmos uma opinião, devemos nos certificar de que ela está sendo apresentada como o que ela é.

Algo que é necessário manter em mente quando se considera esta questão é que o tempo é uma medida humana. Não existiu uma coisa como o tempo no sentido que damos ao tempo antes da criação dos céus e da terra. Isso começou quando os “luminares no firmamento do céu” surgiram para “marcar estações, dias e anos.” (Gênesis 1:14) Quando falamos sobre coisas que ocorreram antes da Criação – antes do tempo – entramos numa esfera da realidade sobre a qual não sabemos absolutamente nada. Confrontamo-nos com o mesmo problema quando começamos a falar sobre a forma ou substância de Deus. Novamente, não temos a menor ideia sobre o que estamos falando. Nosso Deus é incompreensível. Quando começamos a falar sobre o “material” do qual Deus se compõe estamos falando à base de uma ignorância completa. Os homens podem inventar palavras para descrever o que não podemos saber e agregar seus próprios significados a essas palavras, mas isso não muda a realidade de que nós simplesmente não sabemos. Da mesma forma, não podemos saber quando foi que o chamado de “Palavra” (logos) surgiu ou como foi que ele veio a existir, ou se houve algum momento em que ele não existia. Não somos informados sobre o que aconteceu ou como aconteceram as coisas no imensurável período que antecedeu a Criação. Quer situemos o Verbo preexistente dentro da criação ou o situemos à parte dela, isso não muda o fato de que ele se tornou carne.

Sabemos que temos de olhar para Cristo em relação a todas as coisas neste momento porque o Pai se agradou em submeter a ele todas as coisas e todas as criaturas. Ele morreu por nós e ele agora vive por nós. Ele vai nos julgar, ele nos ressuscitará, ele vai nos conceder a vida imortal, ele é o cabeça do seu corpo, a igreja e temos o prazer de nos curvar perante ele como nosso Senhor e Rei. Ao fazermos isso, sabemos que agradamos ao Pai, que ordenou que seja assim. Com o tempo, o governo de Cristo realizará a vontade completa do Pai.

O desafio para nós

Com o tempo tudo o que é desconhecido se tornará conhecido. Até lá devemos nos contentar com o que Deus se agradou em nos dar – e quão maravilhosamente completo e enriquecedor é esse tesouro! Estamos plenamente informados sobre nós mesmos e nossa condição, nossas necessidades e o que Deus tem feito para satisfazer essas necessidades. Estamos plenamente informados quanto ao que está por vir – além do horizonte da era atual. Estou convencido de que o que devemos saber e crer é total e completamente apresentado a nós nas Escrituras. O verdadeiro desafio, a meu ver, não é saber no que acreditar ou o que Deus requer de nós, e sim ter a força espiritual para viver fielmente essas coisas de momento em momento e de dia em dia. Jesus nos diz: “Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem.” (João 13:17) Esse é o nosso desafio.

Precisamos trabalhar para o avanço da causa de Deus em Cristo. Na comunidade cristã, temos a oportunidade de mostrar um espírito de serviço humilde para com os outros que compõem o corpo de Cristo. Não podemos controlar ou ditar o que outros podem acreditar ou dizer-lhes como devem viver suas vidas – isso é responsabilidade deles. Só podemos falar e agir com fidelidade à palavra revelada de Deus e como nós a entendemos. E podemos fazer isso com um espírito verdadeiramente brando, humilde e dócil. Somos chamados a adorar um só Deus e servir um só Senhor. As Escrituras identificam claramente quem são eles, o relacionamento profundo de cada um com o outro e o nosso relacionamento profundo com eles. Isto é tudo sobre as boas novas. Quanto ao resto, temos apenas de esperar.

“Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino. Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido. Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor.” – 1 Coríntios 13:9-13, NVI.

— Fim —

Bibliografia

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Biblical Hermeneutics: A Treatise on the Interpretation of the Old and New Testaments [Hermenêutica Bíblica: Um Tratado Sobre a Interpretação do Antigo e do Novo Testamentos], Milton S. Terry, Segunda Edição, Zondervan Publishing House.

Basic Christianity [Cristianismo Básico], John R. W. Stott, Segunda Edição (1971), reimpressão de 1990, Wm B. Eerdmans Publishing Co.

Dictionary of Word Origins [Dicionário da Origem das Palavras], John Ayto, 1990, Arcade Publishing.

Documents of the Christian Church [Documentos da Igreja Cristã], editado por Henry Bettenson, Segunda Edição, Oxford University Press.

Eight Translation New Testament [Oitava Tradução do Novo Testamento], Tyndale House Publishers, Inc.

God in Three Persons: A Contemporary Interpretation of the Trinity [Deus em Três Pessoas: Uma Interpretação Contemporânea da Trindade], Millard J. Erickson, segunda impressão, março de 1996, Baker Books.

Here We Stand! A Call from Confessing Evangelicals [Aqui Ficamos! Um Chamado dos Evangélicos Confessionais], Editado por James Montgomery Boice e Benjamin E. Sasse, 1996, Baker Books.

History of the Christian Church [História da Igreja Cristã], Henry C. Sheldon, Hendrickson Publishers.

How to Read the Bible for All its Worth [Em português: Entendes o Que Lês? Um Guia Para Entender a Bíblia com Auxílio da Exegese e da Hermenêutica], Gordon D. Fee e Douglas Stuart, 1993, Segunda Edição, Zondervan Publishing House.

New Testament Essays [Ensaios do Novo Testamento], Vincent Taylor, edição 1972, a Wm. B. Eerdmans Publishing Co.

Notes on the New Testament [Notas Sobre o Novo Testamento], Albert Barnes, Edição revisada, editado por Robert Frew, reimpresso em 1983, Baker Books.

Our Father Abraham: Jewish Roots of the Christian Faith [Nosso Pai Abraão: As Raízes Judaicas da Fé Cristã], Marvin R. Wilson, impressão de 1993, Wm. B. Eerdmans Publishing Co.

Synonyms of the Old Testament [Sinônimos do Antigo Testamento], Robert B. Girdlestone, reimpressão da Segunda Edição, Wm. B. Eerdmans Publishing Co.

Theological Dictionary of the New Testament [Dicionário Teológico do Novo Testamento], editado por Gerhard Kittel, reimpressão de 1983, Wm. B. Eerdmans Publishing Co.

The International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblia Padrão Internacional], Edição Geral de Geoffrey W. Bromiley, Edição Revisada. Wm. B. Eerdmans Publishing Co.

The Gospel of John [O Evangelho de João], F. F. Bruce, edição de 1983, Wm. B. Eerdmans Publishing Co.

Tyndale New Testament Commentaries [Comentários Tyndale do Novo Testamento], Wm. B. Eerdmans Publishing Co.

The New Bible Dictionary [Novo Dicionário da Bíblia], organizado e editado por J. D. Douglas, edição de 1962, Wm. B. Eerdmans Publishing Co.

The Expositor’s Greek Testament [Testamento Grego do Expositor], editado por W. Robertson Nicoll, Wm. B. Eerdmans Publishing Co.

Vine’s Expository Dictionary of New Testament Words [Dicionário Expositivo das Palavras do Novo Testamento de Vine], W. E. Vine, Fleming H. Revell Co.

Was Christ God? An Exposition of John 1:1-18 from the original Greek text [Era Cristo Deus? Uma Exposição de João 1:1-18 com base no texto grego original], Spiros Zodhiates, revisado e reimpresso em setembro de 1981.

Versões bíblicas citadas

A menos que haja outra indicação, as citações bíblicas nesta obra são da Nova Versão Internacional (NVI). As abreviaturas das outras versões citadas são:

Em inglês:

American Standard Version (ASV)
Jerusalem Bible (JB)
New American Standard Version (NASV)
New English Bible (NEB)
New International Version (NIV)
New Revised Standard Version (NRSV)
Revised Standard Version (RSV)
Today’s English Version (Good News Bible) (TEV)
Today’s Living Bible (TLB)

Em português:

Almeida Corrigida e Revisada Fiel (ACR)
Almeida Revista e Atualizada (ARA)
Antonio Pereira de Figueiredo (APF)
Bíblia Alfalit (ALF)
Bíblia de Jerusalém (BJ)
Bíblia de Referência Thompson (THO)
Bíblia Mensagem de Deus (BMD)
Centro Bíblico Católico (CBC)
Edição Pastoral (EP)
Nova Bíblia Viva (NBV)
Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH)
Sociedade Bíblica Britânica (SBB)
Tradução Ecumênica (TEB)

NOTAS

1 N.T.: Existem variações desse Credo, dependendo da tradução. O autor apresentou a de Henry Bettenson em Documents of the Christian Church [Documentos da Igreja Cristã], 2ª Edição, pág. 25, que difere ligeiramente da apresentada aqui.

2 N.T.: Este credo também tem suas variações. O autor apresentou a versão que consta em Documents of the Christian Church [Documentos da Igreja Cristã], editado por Henry Bettenson, 2ª Edição, pág. 26. A tradução apresentada aqui foi extraída do Catecismo da Igreja Católica, conforme consta no site oficial do Vaticano (em dezembro de 2015.).

3 N.T.Esta expressão corresponde a “sair da frigideira para cair no fogo.

4 N.T.: O autor apresentou a versão que aparece no livro History of the Christian Church, [História da Igreja Cristã], Sheldon, Vol. 1, pág. 595 (Apêndice).

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