Ensinos e História das Testemunhas de JeováArtigos

Argumentação e Manipulação nas Publicações das Testemunhas de Jeová

Introdução

Temos rejeitado tudo o que é feito às escondidas e tudo o que é vergonhoso. Não agimos de má fé nem falsificamos a mensagem de Deus. Ao contrário, agimos sempre de acordo com a verdade, e é isso que nos recomenda a todos, diante de Deus. ― 2 Coríntios 4:2, Bíblia na Linguagem de Hoje.

Seria um erro pensar que cada uma das Testemunhas de Jeová crê no que crê e faz o que faz totalmente em função de um senso consciente ou subconsciente de intimidação pela autoridade. Seria também errado pensar que todas as Testemunhas procuram adaptar-se ao programa de reuniões e atividades da organização e a seus padrões de conduta e regras só por causa da pressão de seus associados e da ameaça de sanções. Isso pode acontecer com muitos, mas não com todos.

Na verdade, toda sensação consciente de intimidação é muitas vezes percebida pela primeira vez quando se começa a fazer perguntas. Os homens de autoridade na organização não se sentem ameaçados por pessoas que cedem, mas podem sentir isso em relação às que começam a perguntar a razão das coisas. Portanto, embora a intimidação intelectual obviamente pese muito, não é necessariamente o fator controlador de cada indivíduo. Há inúmeras pessoas que estão onde estão simplesmente porque creem de todo o coração que aquilo que estão ouvindo é “a verdade”.

Visto que certamente há na organização muitas pessoas ponderadas e inteligentes, como é que mais perguntas não são levantadas? Sem dúvida o fator da intimidação faz algum efeito, e definitivamente existe na organização um clima de medo quanto a expressar dúvidas sobre questões delicadas. Mas mesmo que estas não sejam expressas oralmente, por que é que mais pessoas não questionam dentro de si mesmas, no próprio coração e mente? Em vista da evidência disponível, pode parecer difícil crer que pessoas aceitem tão prontamente como “verdade revelada” os ensinos de uma organização com antecedentes tão questionáveis de confiabilidade. Embora seja verdade que as Testemunhas são treinadas para se disciplinar a aceitar sem duvidar, só isso não bastaria para elas se manterem ano após ano numa rotina de aceitação quase total. Como, então, as pessoas –  muitas das quais claramente sensíveis, inteligentes – podem se manter convencidas por tanto tempo?

Parece evidente que a argumentação utilizada nas publicações é produto de uma considerável habilidade, a habilidade de apresentar pontos de vista de maneira bem plausível, aparentemente racional. Junto com isso, e talvez a chave de toda a questão, há por parte de muita gente o desejo de acreditar, a vontade de acreditar.

É normal que as pessoas desejem a certeza e a sensação de segurança que a certeza traz. A organização das Testemunhas de Jeová oferece isso, pois tudo que ela diz é apresentado como explicação correta da Palavra de Deus, a única explicação verdadeira, sem equívocos. É normal que as pessoas desejem que haja alguma fonte que possa responder a todas as suas perguntas sobre Deus e seus propósitos, sobre a vida e o destino humano. A organização se oferece para fazer isso também, e o faz com confiança. É normal desejar saber especificamente o que se tem de fazer para obter a aprovação de Deus e como e quando fazer o que Ele quer. A organização oferece um programa de atividades muito bem delineado, com regras bem definidas de conduta, e a garantia de que todos os que leal e submissamente se apegarem a estas estarão espiritualmente fortes e alegres e ganharão a bênção de Deus. Ela faz tudo isso de forma a transmitir uma sensação de força intelectual em contraste com o emocionalismo que está presente em muitas igrejas e encontros de renovação religiosa de hoje.

Acreditar que você está “na Verdade”, que é parte da única organização da terra com quem Deus trata, um povo com um destino divino, o único povo da terra que realmente entende a Bíblia, proporciona a muitos a sensação de segurança que procuram. É esse o sentimento que faz com que muita gente se entregue sem hesitação e de toda a alma a servir sob a direção da liderança das Testemunhas. Para elas, a expansão da organização equivale à disseminação da verdade, a verdade vivificante. Trabalhar para a expansão da organização seria participar da batalha contra o erro, em que a força vitoriosa da verdade traz a libertação dos que estão cativos da falsidade religiosa.

Já que a verdade está inseparavelmente ligada à liberdade, é importante que estejamos determinados a analisar o que nos dizem, o que lemos e ouvimos, e a pesar cuidadosamente a veracidade das coisas que se afirmam, a validade da argumentação usada. Do contrário, talvez só nos livremos de certas algemas do erro para deixar que nos ponham novas algemas do erro. Reconhecer os métodos particulares da argumentação enganosa pode nos ajudar a proteger nossa liberdade de pensamento, coração e consciência.

As armadilhas comuns da argumentação falsa

Irmãos, deixem de pensar como crianças. Com respeito ao mal, sejam crianças; mas quanto ao modo de pensar, sejam adultos. ― 1 Coríntios 14:20, Nova Versão Internacional.

Assim, não seremos mais crianças, joguetes das ondas, agitados por todo vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens e da sua astúcia que nos induz ao erro. ― Efésios 4:14, Bíblia de Jerusalém.

Há métodos honestos e desonestos de argumentar, com princípios e sem princípios, genuínos e artificiais. Já consideramos alguns destes, inclusive o que faz meras asserções, as versões de um só lado (em que a evidência contrária é suprimida ou ignorada), o uso do ridículo para com os que assumem uma opinião contrária, “pontificando” com base numa pretensa sabedoria superior ou autoridade superior. Estes são alguns dos métodos inválidos usados. Outros incluem:

  • Distorcer os argumentos contrários, com o uso de um “espantalho” no lugar do verdadeiro ponto em questão.
  • Uso de “raciocínio circular”, no qual uma premissa não provada é usada como ponto de partida do argumento, que passa a ser fundamentado mais na premissa do que no fato estabelecido.
  • Falsa analogia, em que as semelhanças existem, mas não a do tipo necessário para comprovar as conclusões defendidas.
  • Criar um “falso dilema”, que faz parecer que só há duas opções, sendo uma a que se defende e outra que é geralmente indesejável, quando de fato pode haver várias opções, várias alternativas.
  • Lançar uma “pista falsa” no meio do caminho, isto é, suscitar algum ponto que não é relevante na discussão e que serve apenas para desviar a atenção do leitor dos pontos fracos do argumento.
  • Argumentação ad hominem (significa “contra o homem”), que consiste em atacar a pessoa contra quem se argumenta, em vez do argumento dela.
  • Provincianismo, isto é, apelar para a tendência de identificar ideias e crenças com um determinado grupo ― até por meio de preconceito e ignorância ― e para ver as coisas mais da perspectiva do “nosso grupo” e contra o “grupo dos outros”.1
  • Mau uso do raciocínio dedutivo, ou tomar um princípio amplo e dele tirar conclusões injustificadas e não comprovadas, ou vice-versa, por usar certos fatos incidentais e com base nestes estabelecer um princípio amplo que não se aplica necessariamente, ou seja, uma “generalização” precipitada.

Estes tipos de argumentação muitas vezes se justapõem ou se aglutinam. A “pista falsa” pode incluir um apelo ao preconceito “provinciano” ou consistir de um ataque ad hominem. Mas, como quer que sejam empregados, o uso destas várias formas de argumentação pode com frequência produzir matéria que parece muito plausível, às vezes até impressionante. Porém, é falsa. O raciocínio complicado, tortuoso, pode deixar o leitor perplexo, e este pode simplesmente chegar à conclusão de que o autor é muito mais inteligente do que ele e que a matéria que ele acha confusa é na verdade muito “profunda”. A perplexidade transforma-se em profundidade, de modo que aquilo que realmente é superficial assume uma aparência profunda.

Não que os argumentos sólidos estejam totalmente ausentes nas publicações das Testemunhas de Jeová, pois não é o caso. Mas nos pontos cruciais, os ensinos que criam dúvidas na mente de muitas pessoas, há evidência clara de que as publicações têm usado um raciocínio que não só é artificial, mas muitas vezes enganador, que manipula a mente do leitor. Isto pode não ser necessariamente resultado da decisão consciente por parte dos autores. Em muitos casos, talvez surja da conclusão subconsciente de que as provas não são tão fortes quanto o desejável, que os contra-argumentos são fortes. O autor não tenta apenas convencer seus leitores; tenta também, talvez sem perceber, convencer a si mesmo. O desejo de ser “leal” a determinado ensino ou posição pode fazer a mente desenvolver raciocínios não sólidos, a fim de reforçar a posição defendida. Sua crença de que está apoiando a única e verdadeira organização de Deus pode servir para suprimir ou atenuar a sensação incômoda que de outro modo isto poderia causar-lhe, e ele pode convencer-se de que o argumento é válido. Lamentavelmente, contudo, é difícil crer que toda a argumentação deficiente venha desta motivação subconsciente; em alguns exemplos, pelo menos, ela parece deliberada, um caso de desonestidade intelectual.

Os exemplos dos tipos de argumentação falaciosa acima, tirados das publicações da organização, poderiam encher um livro inteiro. Consideraremos aqui um pequeno número deles.

Atacar a pessoa em vez de atacar o argumento

Podemos recordar aquilo que a revista Despertai! (22 de fevereiro de 1979), no artigo sobre a propaganda, disse:

A tirania da autoridade, a zombaria, os nomes feios, as difamações, os desdouros, as indiretas pessoais ― todas essas táticas são empregadas para assaltar-lhe a mente e tomá-la por um ataque relâmpago… Não provam nenhuma de suas asserções, nem difamações, mas, mediante a tirania da autoridade, pontificam suas opiniões, fazem calar as objeções e intimidam os oponentes.

Eles condenam esses métodos quando usados por propagandistas políticos e evolucionistas, e, no entanto, recorrem às mesmas táticas quando tratam dos que questionam a organização. Visto que muitos desses que concluem que não podem apoiar todos os ensinos da organização eram pessoas exemplares, muitas vezes membros antigos e muito ativos no serviço da congregação, deve-se fornecer às Testemunhas que os conheciam alguma razão para justificar a dura medida da excomunhão. Conseguem isto por difamarem a eles e seus motivos, denunciando-os como “apóstatas”, só por eles se sentirem obrigados a respeitar mais a Palavra de Deus que a uma organização. A motivação deles é sempre apresentada como egoísta, presunçosa, fruto de um espírito rebelde, desrespeitosa a Deus e a Cristo. Seria difícil imaginar exercício mais claro da tirania da autoridade que o representado nas citações que seguem.

Falando do sectarismo, a publicação de 1988, Revelação  Seu Grandioso Clímax Está Próximo!, páginas 44, 45, diz:

A matéria não mostra evidência alguma, mas concentra-se em fazer ataques ad hominem. Os que discordam da liderança da organização são “apóstatas orgulhosos”. Sua discordância de certas interpretações e normas é rotulada de ‘crítica à maneira de Jeová mandar realizar sua obra’, quando a questão de fato é se há provas de que é Jeová que faz a organização agir como age em diversas áreas. O autor ou falsifica os fatos ou ignora a real posição daqueles a quem ataca. Ele os apresenta como ‘questionando a verdade bíblica de que estamos nos últimos dias’. Na verdade, muitos que deixaram a organização não negam que estamos nos últimos dias. O que essas pessoas não creem é que 1914 assinalou o início dos últimos dias. O autor, portanto, recorre ao uso de meias-verdades, e nunca apresenta documentos como evidência de suas afirmações, mas simplesmente as faz, sem nunca citar os opositores, deixando seus leitores totalmente no escuro quanto às verdadeiras razões das posições deles. Qualquer preocupação conscienciosa deles com a verdade é desconsiderada, seus motivos são arbitrariamente impugnados e eles são descritos como apelando “para o espírito de a pessoa não gastar a si mesma”, que “preferem separar-se e folgar”, que “inventam as suas próprias ideias sobre a Comemoração da morte de Jesus”, e outros assuntos, que “rebaixam o nome de Jeová”, e que logo “recaem nos modos permissivos de Babilônia, a Grande”, ou “pior ainda, alguns são induzidos por Satanás a se voltar contra e a ‘espancar os seus co-escravos’, seus anteriores irmãos”. Portanto, faz-se a admoestação:

Examinemos agora algo escrito há muito tempo, no começo do século 20. O autor, da Inglaterra, descreveu o que faz um sistema religioso quando suas credenciais são rejeitadas, especialmente se a pessoa que as rejeita é alguém bem familiarizado com ele ou muito conhecido no sistema. Ele escreveu:

…a norma eclesiástica é esconder a dissidência, se possível, e, quando tornada pública, apresentá-la como desonesta e imoral. A minha própria posição jamais seria, por um instante, reconhecida como bona fide [tida como de boa fé]. O mais gentil de meus colegas parece achar que, por alguma inescrutável razão, uma “luz” foi retirada de mim, enquanto que outros fizeram circular várias hipóteses de explicações, tais como o orgulho de julgamento, a embriaguez com honras prematuras, etc.

…a dissidência significa um adeus ao passado ― um adeus a quaisquer honras, estimas e afeições, ainda que obtidas por meio de uma vida de diligência e mérito. O decreto… é lançado contra o “apóstata”. Ele é excomungado ― amaldiçoado nesta vida e na outra ― e socialmente isolado, quando não difamado. Seus muitos admiradores, a grande multidão deles, escuta cada tolice que se inventa contra ele; os poucos, cujos instintos morais e humanos são muito profundos para se deixarem perverter, só podem oferecer uma simpatia secreta e distante. Ele é posto para fora para reiniciar a vida, social e financeiramente; fica talvez sem teto, sem amigos e sem recursos.

…para o bem da Igreja e a perdição de seus inimigos, o dissidente deve ser posto na luz mais desfavorável possível.

Esse autor não era Testemunha de Jeová, embora suas palavras pudessem ter vindo de uma delas. O escritor, neste caso, era o ex-padre Anthony, da Ordem Franciscana, na qual passara doze anos. (Doze Anos num Mosteiro [em inglês], Joseph McCabe, O.S.F., Watts & Company.) Mas, isso que ele escreveu em 1903 descreve um incrível paralelo com o que tem acontecido com pessoas que eram Testemunhas de Jeová em décadas mais recentes. A tendência para moderação e maior tolerância dentro da Igreja Católica parece corresponder a uma tendência contrária dentro da organização das Testemunhas de Jeová, que tem consistentemente (ou talvez se deva dizer, inconsistentemente) denunciado o autoritarismo da hierarquia católica.

Forçando as Escrituras a ajustar-se à história da organização

A falácia do provincianismo é especialmente evidente quando a organização descreve a si própria como figura central de várias profecias bíblicas. Como só um exemplo, a constante referência das publicações a eventos de 1919 e 1922 (época em que a equivocada “campanha dos milhões” e seu foco sobre 1925 estava a pleno vapor) mostra como ― por se desenvolverem cuidadosamente certos aspectos e incidentes enquanto se ignoram outros ― eventos de natureza relativamente corriqueira, ocorridos num certo período do passado, podem ser ampliados para parecer ter um significado monumental, uma importância que abala o mundo.

O livro de Revelação (capítulos 8 e 9) descreve o toque de sete trombetas por anjos de Deus, seguido de dramáticos efeitos destrutivos, e depois (capítulos 15 e 16) temos a visão de sete pragas e sete tigelas da ira de Deus prontas a serem derramadas sobre a terra. Os espantosos efeitos de todos estes são apresentados como tendo consequências que abalam a terra. Segundo algumas publicações das Testemunhas de Jeová, estas visões virtualmente já se cumpriram. Como? Do modo mais notável, por sete resoluções aprovadas em sete congressos da organização durante os anos de 1922 a 1928. (Veja “Cumprir-se-á, Então, o Mistério de Deus”, páginas 209-247; Revelação ― Seu Grandioso Clímax Está Próximo!, páginas 129-160.) Hoje, porém, nenhum destes pronunciamentos e eventos organizacionais dos anos 20 é conhecido pela vasta maioria das Testemunhas de Jeová, muito menos por alguém no resto do mundo. Dificilmente algum membro do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová tentaria sequer explicar em detalhes a interpretação do derramamento destas tigelas e pragas e seus supostos cumprimentos individuais. Se alguém os questionasse sobre o cumprimento, eles só poderiam responder lendo diretamente numa publicação que trate da pretensa interpretação.

As profecias do livro de Daniel recebem aplicação similar. Daniel 8:13, 14 fala de uma “transgressão que causa desolação” que afeta o “lugar santo” ou santuário de Deus, e prossegue dizendo:

Até duas mil e trezentas noitinhas e manhãs; e o lugar santo certamente será levado à sua condição correta.

O livro Seja Feita a Tua Vontade na Terra (páginas 194-202) afirma que este período começou em 25 de maio de 1926 e terminou em 15 de outubro de 1932. O que aconteceu nessas datas? A primeira, em 1926, marcou o início de um congresso da organização realizado em Londres, Inglaterra, no qual se adotou uma Resolução condenando a Liga das Nações. Só um jornal, o Daily News, de Londres, fez alguma cobertura do evento. O livro diz (página 197) que os outros “jornais londrinos abafaram a maior e mais importante notícia de todos os tempos”. Assim, o escritor do livro consegue converter esta simples falta de interesse numa quase conspiração. A data de encerramento, 15 de outubro de 1932, é supostamente validada porque uma revista Sentinela com essa data pedia a eliminação dos “anciãos eletivos” em todas as congregações. (Na verdade, isso resultou não só em acabar com a eleição congregacional de anciãos, mas na eliminação completa dos corpos de anciãos, que só foram restaurados cerca de 40 anos depois, nos anos 70; esta eliminação dos corpos de anciãos abriu caminho para que toda a autoridade administrativa fosse centralizada na sede mundial.)2

A aplicação da profecia bíblica a eventos que em muitos casos são essencialmente insignificantes, manifesta uma imaginação fértil, não discernimento ou apego fiel às Escrituras. É um exemplo claro da falácia do provincianismo. A rejeição posterior de tantos dos supostos cumprimentos de profecias demonstra que isto é verdade.

Reescrevendo a Bíblia para ajustá-la à história da organização

Como exemplo de raciocínio circular óbvio, consideremos o que se faz no livro Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, que foi estudado mais de uma vez na antiga reunião chamada “Estudo de Livro de Congregação” pelas Testemunhas de Jeová. Neste, a parábola dos “talentos” de Jesus é, na prática, reescrita para acomodar-se aos ensinos da organização. (Veja Mateus 25:14-30.) A parábola conforme Jesus a contou pode ser resumida como segue:

Um homem prestes a viajar para fora convoca seus escravos e confia-lhes os seus bens, dando cinco talentos a um, dois a outro, e um a um terceiro.

Os dois primeiros usam os talentos para obter ganhos para seu amo, e o terceiro não faz isso.

Depois de muito tempo, volta o amo e ajusta contas com eles, recompensando os dois que obtiveram ganhos e lançando fora o que não o fez.

O livro mencionado acima, contudo, apresenta o equivalente a uma reescrita desta parábola, acrescentando-lhe características que a fazem ajustar-se aos ensinos e à história da organização. É assim que, segundo as publicações da organização, teríamos de ler a parábola de Jesus, com o trecho alterado em itálico:

Um homem prestes a viajar para fora, convoca escravos seus e confia-lhes os seus bens, dando cinco talentos a um, dois a outro, e a ainda outro, um.

Os dois primeiros usam os talentos para obter ganhos para seu amo, e o terceiro não faz isso.

Depois de muito tempo, volta o amo e ajusta contas com eles. Ele vai ajustar contas com seus escravos, mas antes que possa fazer isso vem um inimigo e os ataca. O inimigo despoja os que tinham obtido aumentos, toma-lhes o dinheiro e leva todos ao cativeiro. Quando voltam do cativeiro, contam a seu amo que todo o ganho que haviam obtido lhes foi tomado. Ele responde que compreende e que vai dar-lhes uma ampliação do prazo, durante o qual poderão obter algum ganho.

Se parece difícil crer que uma organização chegue a “adaptar” as Escrituras a este ponto para ajustá-las à sua interpretação, examinemos estas afirmações conforme aparecem no livro mencionado, páginas 231, 232. Primeiro, ele descreve o suposto cativeiro das Testemunhas de 1918-1919. O livro muda a descrição, na qual os escravos mais parecem vítimas de um “assalto” maldoso que arrastados a um cativeiro distante. Sem explicar por que oferece esta versão diferente, o livro passa para a primavera de 1918 (época da “libertação” de Babilônia, segundo outras publicações da organização) e diz:

No parágrafo seguinte, o livro descreve a libertação da prisão dos encarregados da organização em 25 de março de 1919, e daí faz uma pergunta:

Em resposta à pergunta, o livro diz:

Note como se diz que os escravos do amo “foram aparentemente despojados”, seus talentos “aparentemente foram eliminados”, que estavam “como que sem talentos” para mostrar ao amo. Ora, ou eles tinham sido despojados deles ou não. Qual? Cristo Jesus, afinal, é descrito na profecia como um juiz que “não julgará pelo que meramente parece aos seus olhos”, mas que vê a realidade dos assuntos, e não a sua “aparência”. (Isaías 11:2, 3.) Portanto, se os escravos, a fim de mostrar algum aumento, realmente “teriam de produzir este aumento no período do após-guerra” e “teriam de receber uma nova oportunidade adicional” ― como o livro diz que teriam ― isso só pode significar que o inimigo de fato os despojou do aumento deles, e não só “aparentemente”. A oportunidade adicional é que eles podem entregar aumentos ao seu amo “no futuro”, o que significa que eles o entregam depois do exame, e não na época do exame, como afirma a parábola.

Mais uma vez, o livro não mostra base para essa estranha explicação do cumprimento da parábola, este evidente enfeite do relato do que acontece na volta do amo, ou o raciocínio que apoia esta versão incrivelmente reescrita das coisas. Ele simplesmente diz que foi assim, que assim deve ser. Não foi assim que Jesus apresentou a parábola, mas isso parece não importar.

Na verdade, o que o livro faz é adaptar os textos bíblicos a certos fatos da história da organização, como se essa história predominasse sobre os textos bíblicos. Assim, a libertação dos encarregados da organização Torre de Vigia da prisão na primavera de 1919, é descrita como uma espécie de sinal para Cristo Jesus, informando-o, é “bastante lógico”, que este seria o “tempo devido” para ele iniciar sua inspeção, ainda que, segundo o ensino da organização, a “volta invisível” dele já estivesse em vigor por mais de quatro anos, desde 1914.

A própria parábola bíblica dos talentos nada diz quanto aos dois escravos fiéis terem perdido seu aumento ou sido assaltados, nem de o amo ter dado uma “nova oportunidade adicional” a qualquer dos escravos. Mas a explicação da história da organização exige isso. É necessário para que a organização harmonize seus ensinos e interpretações sobre outros pontos. Diz-se, portanto, que isto “deve” ter sido assim, visto que “foi assim que aconteceu historicamente”. Este é um exemplo gráfico do uso de “raciocínio circular”.

A organização, assim, pode não só determinar como aplicar o texto bíblico (isto é determinado pelas próprias experiências dela), como também discorrer sobre ele, enfeitando o relato. Deus jamais intencionou que um homem ou um grupo de homens tivesse o direito de manipular sua Palavra de modo tão arbitrário, de fato, brincar com ela como se fosse um brinquedo pessoal.

Do mesmo modo, não há justificativa para o modo como se apresenta a história da organização a fim de harmonizá-la com alguma explicação particular que esteja sendo dada no momento. Quando afirma haver um paralelo profético entre a situação da organização em 1918-1919 e o cativeiro de Israel em Babilônia, seus membros são descritos como “impuros”, “culpados de transgressão” e “vendendo-se por práticas erradas”. Quando passa a descrever os mesmos em relação à parábola do “escravo fiel e discreto”, pinta-se um quadro muito diferente, como vemos na Sentinela de 15 de janeiro de 1961 (página 52):

Apesar de toda essa apresentação brilhante, o fato é que em 1919 essa era uma organização que só tinha uns 40 anos, e não era antiga, mas bem nova. Era uma organização que não tinha vínculos que a ligassem, durante os dezenove séculos anteriores, com nada além do Segundo Adventismo. Tinha feito inúmeras predições cronológicas erradas, as quais foram eliminadas das edições posteriores das publicações. Continuou, igual a uma criança, a cometer mais destes mesmos erros, enquanto disparava críticas contra os que conseguiam discernir que estes eram realmente erros. Além do mais, as próprias publicações da organização a apresentam como recém-saída do cativeiro babilônico em 1919, cativeiro resultante de suas próprias transgressões e impureza. No entanto, ela é aqui apresentada como o auge, a representação perfeita de um escravo fiel e discreto de 1900 anos, maduro, provado e digno de confiança! Trata-se claramente de uma brincadeira de ocultar e liberar os fatos. Todas as qualidades impressionantes e a idade que ela atribui a si própria só têm como base as afirmações que ela mesma faz de si ― um exemplo clássico de raciocínio circular.

Vê-se também o raciocínio circular no fato de que, sempre que fala do assunto da aprovação divina e da designação de autoridade, a própria organização determina os padrões e condições para passar na prova, padrões e condições todos adaptados para ajustar-se com precisão ao que ela estiver fazendo no momento e que possa ser tido como distintivo. O resultado da “prova” na época da suposta volta invisível de Cristo é assim totalmente manipulado em favor dela, de forma que não pode deixar de aparecer como vencedora. Quando se abordou a questão quanto a Cristo, em sua suposta volta, tê-los encontrado fazendo o que ele queria, o livro Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos (página 351) disse:

Deve tê-los encontrado assim, segundo o modo em que a inspeção, começada em 1919, afetou sua decisão desde então.

Quais foram as ‘decisões de Cristo’ desde 1919? Quem está tão a par assim dos assuntos dele, tão informado quanto ao que ele tem decidido no reino espiritual invisível desde aquele ano, para nos dizer? Por meio do que só poderia ser uma revelação divina, a organização presume fornecer esta informação e fazer saber aos seus leitores que as decisões dele (Jesus) ocorreram de modo a identificá-la positivamente como o canal aprovado dele. O livro, portanto, garante a seus leitores que:

O congresso geral de oito dias realizado em Cedar Point, Ohio, E. U. A., de 1.° a 8 de setembro de 1919, foi um aviso a todo o mundo [indicando]… quem era que o retornado Senhor Jesus havia achado ser sua classe do “escravo fiel e discreto”. (Livro Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, página 353.)

Junto com o provincianismo, tudo isto é uma forma evidente de raciocínio circular, o qual, na verdade, diz: “Devemos ter passado na prova com êxito e sido escolhidos, visto que nossas interpretações das Escrituras e as aplicações que fazemos delas a nós mesmos, mostram que devemos ter passado na prova com êxito e sido escolhidos.” É o caso de apoiar uma afirmação usando a mesma afirmação como base de apoio, validando sua revelação com sua revelação.

Consideremos mais um exemplo notável de raciocínio circular combinado com provincianismo. A Sentinela de 1º de setembro de 1981 (página 27) trazia um artigo sobre o “escravo fiel e discreto” em apoio à interpretação da parábola da organização e à sua aplicação à “classe ungida” das Testemunhas de Jeová. Na conclusão do artigo, vinha esta matéria:

(Note-se que quem elaborou esta lista de “credenciais esmagadoras” segue a ordem dos livros da Bíblia, de Gênesis a Revelação, mas aí, exatamente no fim, recua para Isaías 43:10, de modo a colocar ali as “Testemunhas de Jeová”, dando assim a ilusão de que todos os alistados anteriores conduziriam a esse clímax. Isto é pura manipulação.)

O fator verdadeiramente “esmagador” é que cada um dos itens desta lista de “credenciais” depende totalmente da interpretação exclusiva da organização para torná-lo uma credencial. Este é um raciocínio circular comparável a um homem que diz: “Sou a maior pessoa de toda a história humana e tenho credenciais para provar. Olhe só esta longa lista de homens e mulheres famosos do passado, e depois leia estes escritos de minha autoria nos quais apliquei tudo o que se falou deles a mim mesmo.”

Que pessoa normal, ao ler, por exemplo, o relato bíblico no qual aparece a primeira pessoa (“a esposa de Noé”) desta lista, chegaria a dizer: “Sim, certamente essa é uma credencial que identifica as Testemunhas ungidas de Jeová desde 1919 como o ‘escravo fiel e discreto’” ― ou, se for o caso, qualquer uma das outras 79 pessoas alistadas (tais como “os anjos enviados a Ló”, “José e Benjamim”, “os dois espias enviados a Raabe”, “grupo íntimo”, “Sear-Jasube”, etc.) e coisas (tais como “a respiga deixada para trás”, “luz das nações”, “cacho preservado”, etc.)? Chega a ser ofensivo à inteligência das pessoas pedir-lhes que aceitem esta listagem arbitrária como “esmagadoras credenciais” de alguma coisa. E é indicativo do grau de doutrinação atingido entre seus membros, que uma organização possa  publicar essa matéria chamada de “credenciais” sem uma profunda sensação de embaraço pessoal.

Relação com Deus só por meio de uma organização

Este conceito, enfatizado com hipnótica frequência, é essencial para a manutenção do tipo de controle quase total que é tão notável entre as Testemunhas de Jeová. Vez após vez, as Testemunhas de Jeová são lembradas de que Deus não trata com indivíduos à parte de uma organização. Consideremos o tipo de argumentação utilizada para alimentar esta visão na mente das Testemunhas.

O primeiro parágrafo de um artigo sobre “Organização” que apareceu na Sentinela de 1º de novembro de 1981 (página 17) dizia:

Recordemos agora, os pontos comentados na revista Despertai! de 22 de fevereiro de 1979 (página 4) sobre o poder da propaganda (aplicado no caso a certos defensores de crenças evolucionistas):

Mas, até mesmo pessoas instruídas, sofisticadas, tornam-se vítimas de um tipo muito injusto e inverídico de propaganda. Este tipo assume um ar superior de rejeição do ponto de vista do oponente, tratando-o como um tanto patético e realmente indigno de atenção… gente supostamente inteligente que nada sabe sobre tal teoria crê nela porque “todas as pessoas inteligentes acreditam nela”.

Compare esses pontos válidos com o parágrafo da Sentinela já mencionada. Começa mostrando que é “estranho” que “nesta era de grande inteligência” alguém não esteja inclinado a pensar na família de filhos celestiais e terrestres de Deus em termos de uma “organização”, o tipo de organização que a liderança das Testemunhas de Jeová defende. Se essas palavras tivessem aparecido depois de mostrada alguma evidência de que tinham uma aplicação válida, não poderia haver objeção. Mas foram usadas antes de qualquer evidência, na própria abertura do artigo, e portanto, servem a um único propósito: Predispor a mente do leitor antes de a evidência sequer ser considerada. O artigo passa então a dizer que essas pessoas “temem” até usar a expressão “organização de Deus” simplesmente porque ela não existe nas Escrituras. Só neste parágrafo, encontramos exemplos de uso de uma “pista falsa” para desviar a atenção da verdadeira questão e sua substituição por um “espantalho” junto com o equivalente a um ataque ad hominem, descrevendo os que divergem do ponto de vista da organização como uma espécie de anomalia numa era de inteligência. Este artigo, bem como o artigo da Sentinela que o antecede, foi baseado num discurso dado pelo então presidente da organização na reunião anual da corporação a 1º de outubro de 1980. (Isto foi só alguns meses depois da grande convulsão que ocorreu na sede mundial naquele ano, quando a organização expulsou certos membros proeminentes do pessoal.) O presidente iniciou sua palestra aos membros reunidos da corporação, dizendo:

Agora, estão nos apontando que a palavra “organização” não aparece nas inspiradas Sagradas Escrituras, a Bíblia. E você pode consultar qualquer tradução que quiser, qualquer das traduções modernas, e você perceberá a ausência do termo “organização”. Portanto, em vista desse fato, ora, que direito temos você e eu de dizer que Deus tem uma organização? Agora, essa é a grande questão que foi posta em discussão nos meses recentes, e esta certamente merece uma resposta franca, extraída dos fatos do caso.

Uma resposta franca, baseada nos fatos do caso, teria sido revigorante. O fato, porém, é que a verdadeira questão, a grande questão nas mentes de muitas Testemunhas de Jeová não era a que o presidente apresentou. A que foi apresentada na introdução dele representa um exemplo clássico do uso do “espantalho”. Ninguém estava preocupado com o fato de a palavra “organização” aparecer ou não aparecer na Bíblia. E não é isso que incomoda no momento inúmeras outras Testemunhas ou ex-Testemunhas. Elas não se incomodam se é correto ou apropriado usar o termo para descrever o arranjo de Deus para seus servos no céu e na terra. Não questionam o “direito” de alguém fazer isso. O que de fato as incomoda são as afirmações de autoridade abrangente, de elevada superioridade e as exigências de aceitação e submissão incondicionais, que são proclamadas pela organização. Incomodam-se com as afirmações de que Cristo Jesus, cabeça da congregação, determinou e dirigiu o desenvolvimento de uma organização altamente estruturada e com graus sucessivos de posições de autoridade, que vão de corpos de anciãos a superintendentes de circuito, superintendentes de distrito, membros de comissões de filial e terminam na sede internacional da autoridade organizacional, o Corpo Governante. Incomodam-se com a validade bíblica de todas estas afirmações da organização, mas especialmente com a alegação de que ser filiado a esta organização e subordinar-se a ela são um requisito indispensável para se ter uma relação com Deus e Cristo.

A questão, pois, não é se o termo “organização” em si é bom ou mau, aceitável ou inaceitável. A questão é se o conceito, a abordagem, o controle e o espírito da organização se harmonizam com os ensinos de Cristo e representam a congregação cristã estabelecida no primeiro século. Essas pessoas talvez se preocupem com o forte paralelo que veem entre esta estrutura autoritária, com sua excessiva ênfase à autoridade humana, e os desenvolvimentos que a história religiosa revela terem ocorrido durante o segundo e terceiro séculos da Era Comum, o período que as publicações da organização apresentam como a época do início da apostasia do primitivo cristianismo.

Ignorar esta preocupação é ignorar os verdadeiros “fatos do caso”, fatos que o discurso do presidente nunca encarou, nunca respondeu. Por fazer da mera ausência na Bíblia da palavra “organização” a questão fundamental, o verdadeiro problema foi simplesmente posto de lado. Assim colocou-se um “espantalho”, que é muito mais fácil de atacar que os verdadeiros pontos em questão.

O artigo de A Sentinela citado segue a mesma linha. Não mostra provas de que alguém realmente “teme” usar a expressão “organização de Deus”. Simplesmente afirma isso. De modo algum reconhece que essas pessoas podem ter pesado os assuntos racionalmente, à luz da Bíblia, e ter chegado à decisão corajosa, e não temerosa, de que não podiam conscienciosamente continuar com o que consideravam ser práticas autoritárias, mesmo que essa decisão resultasse em penosas dificuldades. Os “espantalhos” são muito mais fáceis de se lidar do que pessoas reais, e do mesmo modo é muito mais fácil argumentar contra conceitos artificiais do que contra conceitos autênticos. É menos provável que pessoas descritas como em descompasso com uma “era de grande inteligência” sejam levadas a sério em comparação com as identificadas como ‘bastante sábias’ para seguir as normas publicadas pela organização. Poucos desejariam atribuir algum mérito à atitude descrita de pessoas que ‘hesitam’ e ‘temem’ por causa de um tópico de menor importância.

No final da mesma revista A Sentinela de 1º de novembro de 1981, a seção “Perguntas dos Leitores” (também baseada no discurso do presidente na reunião anual da corporação) aborda o mesmo assunto, como aqui se pode ver (páginas 31 e 32):

Tendo começado com uma pergunta sugerindo que algumas pessoas estavam desafiando o próprio “direito” de falar em “organização de Deus”, observe como, de modo similar, a matéria distorce a questão, dizendo:

Considerando-se tudo à luz das Escrituras, é um argumento forçado dizer que Deus não tem nenhuma organização, visto que as palavras originais que significam “organização” nas línguas antigas não ocorrem nas inspiradas Escrituras Hebraicas e Gregas.

Isto, naturalmente, lança sobre todos os que questionam as pretensões da organização uma luz negativa, como pessoas que ‘forçam argumentos’. No entanto, a própria coisa que eles aqui dizem fazer, é apresentada numa perspectiva totalmente diferente na edição de 15 de julho de 1957 de A Sentinela (em inglês). Um artigo intitulado: “O Espírito Santo – Terceira Pessoa da Trindade ou a Força Ativa de Deus?” trazia estas declarações (p. 431):

Se o espírito santo é igual a Jeová Deus, como afirma o Credo Atanasiano, e se a trindade é o ensino central da religião cristã, como afirma The Catholic Encyclopedia, não devíamos esperar que estas coisas fôssem claramente afirmadas com muitas palavras na Bíblia? E não deveria ser assim, especialmente em vista do fato de que se declara que o ensino da trindade é, “de todas as verdades reveladas” “a mais impenetrável à razão”, e, no entanto, a salvação depende de sua aceitação? O fato de que a Palavra de Deus não menciona, explica ou ensina explicitamente uma trindade é em si mesmo uma forte prova de que o ensino da trindade é falso.

Há um apelo à lógica no argumento apresentado. Consistentemente, porém, poderíamos reformular o parágrafo desta Sentinela assim:

Se o tipo de organização altamente estruturada encontrada hoje entre as Testemunhas de Jeová é produzida por Jeová Deus, como afirma o Corpo Governante, e se ela é o canal exclusivo de Deus na terra, como afirma A Sentinela, não devíamos esperar que estas coisas fôssem claramente afirmadas com muitas palavras na Bíblia? E não deveria ser assim, especialmente em vista do fato de que se declara que rejeitar as diretrizes da organização ou os seus ensinos é rebelar-se contra Deus, e que a salvação depende do acatamento e da submissão a essa organização? O fato de que a Palavra de Deus não menciona, explica ou ensina explicitamente tal tipo de organização é em si mesmo uma forte prova de que o ensino sobre essa organização é falso.

A argumentação é a mesma, paralela, apoiada nos mesmos princípios e premissas. Evidentemente, quando usada em relação a fontes de fora da organização ela é aceitável; quando aplicada dentro da organização, não é aceitável.

É fácil deixar-se vencer pelo grande número de palavras de uma longa explicação. Reveja a matéria de “Perguntas dos Leitores” e seus cinco primeiros parágrafos, abrangendo uma página inteira. A matéria, que forma o grosso da resposta à “pesada” pergunta apresentada, está cheia de explicações técnicas sobre termos hebraicos e gregos. Pouco faz para esclarecer o assunto, mas deve impressionar o leitor com o conhecimento erudito superior do autor. O leitor, achando difícil entender qual é a relevância destes tópicos, pode muito bem presumir que isto se deve a seu próprio conhecimento ou instrução inferior. O efeito é a intimidação intelectual.

Na realidade, o que se diz nestes complexos cinco parágrafos pode ser resumido simplesmente assim:

Uma organização é um arranjo ordeiro.

Embora exista uma palavra hebraica para “organização” ela não aparece na Bíblia, mas a palavra hebraica para “ordem” ou “arranjo” aparece. (Jó 10:22)

Deve haver ordem e arranjo na congregação cristã. (1 Coríntios 14:33, 40)

Existe uma palavra grega para “organização”, mas esta também não aparece na Bíblia, embora a raiz da qual ela se deriva apareça com frequência.

Não soa muito impressionante, e no entanto, resume-se de forma simples e compreensível tudo o que realmente foi dito em todos esses cinco parágrafos de fraseologia complexa. Jamais houve dúvida de que deve haver ordem e arranjo na congregação cristã. A matéria foge da verdadeira questão e não provê evidência em apoio ao desenvolvimento de uma estrutura de autoridade eclesiástica como a que existe na organização atual das Testemunhas de Jeová ― o verdadeiro ponto em questão.

Portanto, é uma boa prática resumir qualquer argumento prolongado aos pontos básicos, formulados de modo simples, talvez até alistando-os num papel, se necessário, para ver se de fato constituem um argumento válido. É bom perguntar não só o que é explicado, mas o que não é explicado. A matéria citada, por exemplo, não explica por que, em vista da reconhecida ausência na Bíblia do termo “organização”, as publicações da organização o usam continuamente como termo preferencial, por que, ao se referir à associação mundial das Testemunhas, não preferem dar ênfase primária aos termos que a Bíblia usa, tais como “congregação”, “família [de Deus] ou “associação de irmãos”, encontrados em sua própria Tradução do Novo Mundo, em vez de dar ênfase tão grande e constante ao termo não-bíblico “organização”. Não indica isto que a verdadeira questão não se refere ao uso de um termo, mas à autoridade da organização e até onde ela vai? Os termos bíblicos não se ajustam bem à enorme ênfase concedida à autoridade humana.

Às vezes, inclui-se logo no início da apresentação do argumento uma única palavra ou frase, que realmente representa um juízo de valor, um julgamento que fazem pelo leitor, sem deixarem que o leitor faça isso com base na evidência. Como diz Logic and Contemporary Rhetoric (página 10), uma única palavra “pode ser usada para direcionar o ponto de vista de um artigo inteiro e criar no leitor uma disposição mental receptiva à mensagem do autor. O fato de que se usou apenas uma palavra para conseguir isso torna bem mais difícil detectar a falácia.” Na Sentinela de 15 de fevereiro de 1989, por exemplo, ao considerar o relato de Atos, capítulo 15, e a visita de Paulo e Barnabé a Jerusalém para resolver a questão da circuncisão e da observância da lei, o artigo (página 19) começa dizendo:

Observe a palavra “obviamente”. Ela representa um juízo de valor e visa a um objetivo: Condicionar a mente do leitor para aceitar a afirmação que vem em seguida. O fato de que se realizou um concílio em Jerusalém numa única ocasião certamente não prova que ali funcionava um “corpo governante”, um grupo administrativo centralizado. A razão primária de Paulo e Barnabé terem ido a Jerusalém foi que o problema originou-se ali. (Veja Atos 15:1, 2, 23, 24; confira com Atos 21:15, 20.) No parágrafo anterior a esse trecho citado, faz-se referência a um “corpo central de ensino” em Jerusalém. Novamente, não há nada nas Escrituras que indique Jerusalém como sede deste “corpo central de ensino”. Toda a Escritura Cristã, com exceção da carta de Tiago (e possivelmente o evangelho de Mateus) foram evidentemente escritos em outro lugar. Não há nada, nem a menor evidência, de que Paulo, Pedro, João ou quaisquer outros submetessem seus escritos à aprovação de um “corpo central de ensino” ou estivessem de algum modo sujeitos à autoridade deste corpo.

O artigo inicial da série sobre “Organização” já mencionada no número de 1º de novembro de 1981 de A Sentinela, traz uma explicação típica de supressão de evidência desfavorável. Quando analisado, o efeito geral e alvo da matéria é reduzir a importância da relação pessoal com Deus e elevar o conceito da lealdade a uma organização. O artigo é intitulado “Que Organização ― a de Jeová ou a de Satanás?” e o texto temático é o de Josué 24:15. Observe como a matéria manipula o texto para ajustar-se ao conceito que é desenvolvido (página 12):

O próprio texto bíblico focaliza o tema “a quem servireis”, e o contexto mostra que nos dias de Josué a questão era a lealdade a uma PESSOA, Jeová Deus, escolher entre Ele e os deuses falsos. Mas o artigo de A Sentinela imediatamente começa:

Hoje é preciso fazer uma escolha entre as duas maiores organizações em existência.

Numa espécie de “jogo das conchas” intelectual, a pessoa é sutilmente substituída por uma “organização” como o centro da questão. Depois, no segundo parágrafo, apresenta-se Jesus tendo de escolher entre duas organizações opostas quanto à sua lealdade. Cita-se Mateus 4:8-10 em apoio. Mas cita-se apenas um fragmento destes versículos, e não se inclui nenhuma das respostas que Jesus deu a Satanás. É um caso de supressão de evidência desfavorável, já que nelas Cristo Jesus mostrou claramente que seu interesse era mostrar lealdade, não a uma organização, mas a uma PESSOA, seu Pai celestial, Deus. Suas respostas, conforme aparecem na Tradução do Novo Mundo, foram:

O homem tem de viver, não somente de pão, mas de cada pronunciação procedente da boca de Jeová.

Novamente está escrito: “Não deves pôr Jeová, teu Deus, à prova.”

Está escrito: “É a Jeová, teu Deus, que tens de adorar e é somente a ele que tens de prestar serviço sagrado.”

Como poderia algo ser mais pessoal? Apesar disto, o parágrafo de A Sentinela conclui:

Jesus negou-se a abandonar a organização a que já pertencia para tornar-se parte da organização de Satanás.

Pela mera afirmação, o conceito de lealdade organizacional ensinado pela Sentinela suplanta a relação muito pessoal com Deus, encontrada nas declarações de Jesus Cristo. Não há no relato a menor indicação de que Cristo pensava em termos de uma organização ou via o assunto como uma questão de lealdade organizacional. Ele se preocupava com a lealdade à Pessoa, Deus. No artigo de A Sentinela temos um caso em que se lê nas Escrituras uma coisa que não existe. Deve-se, de fato, fazer aqui uma “escolha”, a escolha da fonte pela qual se guiar.

É incrível como esta constante ênfase à “organização” faz as Testemunhas em geral ler as declarações bíblicas ajustando-as quase automaticamente ao conceito da organização. Portanto, quando Jesus disse aos discípulos, “Será que vós também quereis ir?”, Pedro respondeu: “Senhor, para quem havemos de ir? Tu tens declarações de vida eterna.” (João 6:67, 68.) As Testemunhas citam consistentemente esse texto quando falam a favor de “ficar com a organização” e dizem: “para onde havemos de ir?” Mas Pedro não disse “para onde”, ele disse, “para quem havemos de ir?” Não expressou confiar numa organização para ter a verdade, mas disse “tu [Jesus Cristo] tens declarações de vida eterna.”

Mas, devido à doutrinação, a mente das Testemunhas faz um desvio automático, substituindo a pessoa, o Filho de Deus, pela “organização”. Que a organização deseja que façam esta transferência fica evidente pela legenda abaixo da gravura na Sentinela de 15 de março de 1988 (página 18), que claramente equipara a lealdade a Cristo com a lealdade a ela própria:

De A Sentinela de 15 de março de 1988, página 18.

O parágrafo 7 do artigo da Sentinela de 1º de novembro de 1981, página 14, apresenta este exemplo de raciocínio dedutivo defeituoso:

Esta é uma forma incomum de argumentar. Diz, com muitas palavras, que aquilo que Satanás faz nos orienta para sabermos o que Deus faz. É verdade que o texto bíblico citado mostra que Satanás apresenta-se como “anjo de luz”, de modo que nesse sentido pode-se dizer que ele imita os anjos de Deus. Mas usar essa única declaração como base para presumir que tudo o que Satanás faz é necessariamente em imitação a Deus, é um raciocínio dedutivo falso, uma generalização precipitada, injustificada. Satanás é também “o pai da mentira”, um homicida, o arqui-praticante do engano. A quem está ele imitando nisto? Não a Deus, certamente.

Na verdade, as Escrituras mostram que muitas vezes Satanás usa métodos, não típicos de Deus, mas em oposição direta a Ele. O antagonismo da luz contra a escuridão, da verdade contra a falsidade, da honestidade contra o engano, do ódio contra o amor, do altruísmo contra a ganância, e de muitos outros opostos, é vivamente retratado nas Escrituras. Em vista disso, como devemos razoavelmente reagir à afirmação de que Satanás promove uma ‘organização visível e invisível’ para validar a existência de uma estrutura de autoridade altamente organizada? Deve guiar-nos ou repelir-nos? É deveras um argumento bem estranho, dizer que o modo de Satanás agir serve para nos ensinar as coisas de Deus.3

Nesta mesma linha, um artigo intitulado “A Organização de Jeová Avança ― Está Avançando com Ela?”, publicada na Sentinela de 1º de dezembro de 1982, página 23, começa assim:

Quem lê as Escrituras Gregas Cristãs (ou Novo Testamento) certamente se impressiona com o fato de que os primitivos cristãos estavam motivados para a adoração e para partilhar as boas novas. Mas motivação e estar organizados não são a mesma coisa. As Testemunhas de Jeová hoje têm reuniões organizadas, cada uma com seu programa organizado; têm congressos com seus programas organizados; têm atividade de “serviço de campo” com “testemunho de grupo” organizado, cobertura organizada do território, um “superintendente de serviço” para organizar esta atividade, e representantes das sedes nacionais que fazem visitas organizadas de uma semana, cujo objetivo principal é supervisionar e promover esta atividade congregacional organizada. Onde vemos nas Escrituras inspiradas algo que mesmo de longe lembre esta abordagem sistematizada, institucionalizada e programada de adorar e partilhar as boas novas?

Na verdade, a falta de qualquer programação formal e a aparente espontaneidade e motivação individual dos cristãos do primeiro século são o que há de mais notável nos relatos que encontramos na Bíblia. Só temos ligeiras sugestões de como eram suas reuniões, e nenhum indício de qualquer metodologia e sistematização no modo como proclamavam as boas novas. É bem difícil achar textos que mesmo vagamente reflitam o tipo de “serviço organizado” exigido pela sede mundial  em suas publicações. É difícil entender como os apóstolos Pedro, Paulo e João e os discípulos Tiago e Judas, puderam escrever cartas inteiras às congregações e jamais dizer nada que frisasse a necessidade de os leitores daquelas cartas saírem e irem de porta em porta, nada sobre arranjos de testemunho organizado em horários marcados, sobre fazer mais horas no “serviço de campo” ou abordagens e tópicos semelhantes, todas estas coisas regularmente destacadas nas publicações das Testemunhas de Jeová. As cartas dos apóstolos e discípulos pareceriam deficientes de acordo com o ponto de vista da organização.

O real problema está na opinião que é inculcada nas Testemunhas, opinião que, de fato, perverte o registro do primeiro século, manipulando-o para fazer dizer algo que realmente não diz. Utiliza-se a dedução falsa. A partir do princípio amplo de que todos os cristãos devem partilhar as boas novas, fazem-se deduções para apoiar e cobrir virtualmente cada aspecto da abordagem sistematizada da organização com respeito à adoração e à pregação. Essas deduções, porém, são injustificadas, conforme indicado pela falta de evidências comprovantes nas próprias Escrituras. A abordagem sistematizada, altamente programada do cristianismo que se desenvolveu, parece mais com a de uma grande organização comercial do que com a da congregação cristã do primeiro século, com sua atitude simples, descomplicada, do que é adorar e servir a Deus.

A forte atitude organizacional desenvolvida tem a influência definitiva de moldar o pensamento das Testemunhas de Jeová. A lealdade à organização torna-se a pedra de toque, o critério, a “linha de fundo”, para determinar quem é cristão fiel e quem não é. É a ausência na inspirada Palavra de Deus desse tipo de atitude e espírito, não a ausência de uma simples palavra, que causa hoje séria preocupação a muitas Testemunhas de Jeová.

A mensagem da Bíblia, como um todo, vai contra alguém depositar fé numa organização terrestre, num grupo de homens ou num único homem. Fazer isso é pôr em perigo a relação pessoal com Deus inculcada nas Escrituras. Lendo a história dos tratos de Deus com a humanidade, podermos ver que Deus lidava regularmente com indivíduos ― Abel, Enoque, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Jó e muitos outros.

É provavelmente quando invoca exemplos das Escrituras Hebraicas, em busca de apoio a seu conceito organizacional, que a literatura da organização recorre com maior frequência à falácia da falsa analogia. Nesta falácia, a analogia falha, não porque não haja quaisquer semelhanças, mas porque elas não são suficientes para dar validade à analogia. Na realidade, em muitos dos casos das aplicações feitas pela organização, as semelhanças são em muito ultrapassadas pelas diferenças.

O único verdadeiro exemplo que temos de uma “organização”, no sentido em que o termo é usado nas publicações das Testemunhas de Jeová, é o estabelecimento da nação de Israel. Qualquer que seja a comparação feita com a congregação cristã, está claro que o cristianismo assinalou um notável rompimento com o passado, pelo qual os tratos de Deus com seus servos foram postos num novo patamar, de modo eminentemente superior e distinto. As sombras deram lugar à realidade. (2 Coríntios 3:7-10; Colossenses 2:17; Hebreus 9:7-11, 23.) Tentar definir a relação dos cristãos com Deus e Cristo com base em analogias da estrutura nacional israelita é tão apropriado quanto comparar o sacrifício de Cristo e o benefício resultante com os sacrifícios de animais feitos na antiguidade. A diferença é muito, muito maior que a semelhança.

Nada ilustra de modo mais claro que a lealdade e a confiança de alguém não podem se vincular com segurança a uma organização que a história dessa nação. Deus estabeleceu um sacerdócio oficial para a nação e, mais tarde, a pedido do povo, estabeleceu uma realeza humana, embora deixasse claro que o fato de o povo pedir um sinal visível de governo era uma evidência de falta de fé Nele, o verdadeiro rei. (1 Samuel 8:4-7; Isaías 33:22.) Por uns cinco séculos, os reis fiéis em Judá foram raros, e no posterior reino setentrional de Israel não houve nenhum. Dentre cerca de 24 reis judeus, os reinados de apenas seis são descritos de modo favorável nas Escrituras, e mesmo estes foram manchados por desvios da vontade divina, o que contribuiu para a degeneração da adoração pura de Deus. Não admira que o salmista incentivou o seguinte:

Não confiem em príncipes, em meros mortais, incapazes de salvar. Quando o espírito deles se vai, eles voltam ao pó; naquele mesmo dia acabam-se os seus planos. Como é feliz aquele cujo auxílio é o Deus de Jacó, cuja esperança está no SENHOR [Jeová], no seu Deus. (Salmo 146:3-5, NVI.)

A história desses cinco séculos mostra que, apesar da existência daquela organização nacional e de seu sacerdócio, Jeová continuou a tratar com indivíduos, e que, com maior frequência do que o contrário, esses indivíduos eram claramente pessoas que não tinham o favor daquilo que se podia chamar “organização” estabelecida.

Jeová tratou com Davi mesmo quando o cabeça da “organização” , o rei Saul, baniu Davi da organização. Davi preferiu residir fora das fronteiras de Israel por algum tempo, até mesmo achando mais seguro viver entre os pagãos filisteus em Gate; no entanto, Jeová continuou a tratar com ele. (1 Samuel 21:10. Fora o que Davi e Salomão escreveram, a maior parte dos demais textos bíblicos foram escritos por homens que não faziam parte da estrutura organizacional oficial estabelecida ou que discordavam dela, sendo vistos por ela com reprovação. Os profetas a quem Deus suscitava não recebiam designações ou instruções de um “canal” organizacional, nem submetiam seus discursos ou escritos para receber o selo de aprovação dessa estrutura. Mostravam aberta desarmonia com os que lideravam e dirigiam a estrutura organizacional, os reis e os sumos sacerdotes. Por causa disso, estes profetas eram muitas vezes vistos como agitadores subversivos para a congregação de Israel. Seguiam o conselho do Salmo 37 de “esperar em Jeová” por não recorrerem a ações ilícitas ou violentas em retaliação às injustiças que sofreram, deixando que Deus executasse seu julgamento sobre aquela organização nacional e seus líderes desencaminhados. Mas este “esperar em Jeová” era apenas nesse sentido, pois não se refrearam de aberta e publicamente tornarem conhecidos os desvios da organização em relação à Palavra de Deus. Não se sentiram obrigados a “acompanhar” a estrutura organizacional e seus encarregados em seu proceder errôneo ou a aceitar e apoiar suas distorções da Palavra de Deus. A lealdade deles a Jeová e à sua Palavra suplantava a lealdade a qualquer sistema terrestre, ainda que este tivesse sido inicialmente estabelecido por Deus, como foi a nação de Israel.

Hoje, a maioria das Testemunhas de Jeová sente virtual orgulho em apoiar “a organização” não importa o que ela faça, aonde ela leve ou o que ela ensine. Nisto elas não têm apoio algum das Escrituras. Na congregação nacional de Israel, aqueles que submissamente seguiam as autoridades organizacionais (reis e sacerdotes) de modo incondicional foram os que se deixaram levar à adoração falsa, e sua “lealdade” aos líderes dessa organização nacional os fez acusar falsamente e perseguir homens que eram inocentes de qualquer transgressão. (Confira Hebreus 11:36-40; Tiago 5:10, 11.) Eles consideravam esses servos conscienciosos de Jeová como contrários ao “sistema”. Assim, sua lealdade a uma organização na verdade os colocou em oposição a Deus. Isto nos serve de advertência até hoje.

Embora já não existisse a realeza, a estrutura oficial do sacerdócio de Israel ainda funcionava na época de Jesus, seus sacerdotes ainda atuavam como se fossem representantes designados de Deus. Aliados a eles estavam os anciãos judaicos que ajudavam a compor o mais alto tribunal de justiça da nação. Como afetou esta circunstância o procedimento do Filho de Deus, Cristo Jesus? Ele adotou a atitude de falar de um modo que lhe trouxe desaprovação e oposição daquela estrutura de autoridade e de seus membros mais responsáveis, inclusive o próprio sumo sacerdote. Na realidade, foi o que se poderia apropriadamente chamar de “o corpo governante” da organização nacional, o principal sacerdote e os membros do Sinédrio, que o julgaram adversamente. (Mateus 26:57, 59.) E foi a esse “corpo governante” que os apóstolos depois declararam: “Temos de obedecer a Deus como governante antes que aos homens.” (Atos 5:27-29.) A posição que tomaram e o princípio que anunciaram permanecem válidos hoje. Estes estão em conflito direto com a ideia de “acompanhar” uma organização simplesmente porque ela afirma falar por Deus.

Fazer da lealdade a uma organização o critério para se julgar o cristianismo da pessoa, pois, é uma clara perversão das Escrituras. Exortar, e mesmo, insistir, que as pessoas depositem  em qualquer sistema terrestre, é algo sem qualquer apoio bíblico. Leia todos esses textos e verá claro que aquilo que nós somos chamados a fazer é depositar fé em Deus, fé em seu Filho e fé em sua Palavra conforme nos foi transmitida por aqueles a quem Ele inspirou, mas em parte alguma somos ensinados a depositar fé em homens ou numa organização terrestre, seguindo incondicionalmente sua liderança. Essa fé é mal orientada e leva a graves consequências. Os fatos da história mostram isso ao longo de todos os séculos e nosso tempo não é exceção. Longe de encorajar a fé em homens imperfeitos, todo o registro bíblico é um contínuo lembrete do perigo inerente a esse tipo de confiança.

Duas classes de cristãos

Há um só corpo e um só espírito, assim como também fostes chamados em uma só esperança a que fostes chamados; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por intermédio de todos, e em todos.  Efésios 4:4-6.

Usa-se uma argumentação incomum para privar as pessoas que são Testemunhas de Jeová da relação com Deus a que elas têm direito. Faz-se isto por meio do ensino de um arranjo de duas classes para os cristãos, sendo uma das duas definitivamente mais privilegiada na relação com Deus do que a outra. Entre as preciosas promessas feitas nas Escrituras, como quinhão de todos que se voltam para Deus com arrependimento e fé no sacrifício de resgate de seu Filho, estão as seguintes:

Eles são libertados da escravidão ao pecado e à morte, são justificados ou declarados justos aos olhos de Deus e seus pecados são plenamente perdoados pelo poder expiatório do sacrifício de Cristo. Este atua como seu Mediador e os traz a uma relação pactuada com seu Pai, e eles são plenamente reconciliados com Deus tornando-se parte da família dele, filhos de Deus, recebendo essa condição e a relação íntima com Deus que isto representa. Deles é a vida eterna, a qual só perderão se perderem sua fé, visto que o Filho de Deus afirma:

Digo-vos em toda a verdade: Quem ouve a minha palavra e acredita naquele que me enviou tem vida eterna, e ele não entra em julgamento, mas tem passado da morte para a vida. (João 5:24)

Essas são promessas grandiosas, que apresentam uma maravilhosa relação com Deus e seu Filho. Segundo os ensinos atuais da Sociedade Torre de Vigia, porém, essas promessas e essa relação privilegiada são hoje quinhão de apenas cerca de poucas milhares de pessoas na terra, o “restante ungido” dos 144.000 escolhidos. Elas não se aplicam ao resto dos milhões de pessoas que são Testemunhas de Jeová. (Tampouco se aplicam a qualquer uma dos outros bilhões de pessoas da terra que não são Testemunhas de Jeová.) Muitas das Testemunhas ignoram realmente este fato, sem se aperceberem de até aonde vão os ensinos oficiais da organização nesta área. Alguns ficam francamente perturbados quando se deparam com o fato de que ― embora eles próprios tenham escutado as boas novas de Deus, acreditado nelas, se arrependido e depositado fé na provisão de Deus do sacrifício de resgate por meio de seu Filho ― não obstante, Cristo Jesus não é seu Mediador, eles não são declarados justos e nem poderão ser até o fim do “reinado de mil anos de Cristo”. Desta forma, seus pecados não são de fato perdoados, mas mantidos em suspenso, como se fossem, não filhos de Deus, mas apenas “filhos prospectivos”, que não se tornam realmente filhos de Deus até após o “período de julgamento de mil anos” e a prova final que se diz que virá em seguida. Além disso, dizem-lhes (com tato, naturalmente) que as Escrituras Gregas Cristãs ou Novo Testamento foram escritas para os “ungidos” e que só se aplicam a estes outros milhões “por extensão”. Isto é porque não fazem parte dos cerca “restante ungido”, os que hão de reinar com Cristo no céu e que são os únicos a participar do pão e do vinho na Ceia do Senhor. Estes ensinos não ficaram totalmente sem questionamento. Devido a perguntas sobre o caráter bíblico deste relacionamento de duas fileiras, os “ungidos” e a classe das “outras ovelhas”, a organização preparou vários artigos destinados a fortalecer a crença nos pontos mais fracos desse ensino. A argumentação utilizada merece mais uma vez atenção.

As “outras ovelhas”

A designação “outras ovelhas”, que se acha em João 10:16, faz parte do assunto. As palavras de Jesus são:

E tenho outras ovelhas, que não são deste aprisco; a estas também tenho de trazer, e elas escutarão a minha voz e se tornarão um só rebanho, um só pastor.

O ensino da organização é de que, com esta expressão “outras ovelhas”, Jesus referia-se aos que não fazem parte dos 144.000 “ungidos”, como uma classe com destino terrestre.

Todavia, o que a parábola descreve primeiro é o ministério de Jesus ao povo judeu, aos do “redil de ovelhas” de Israel, às quais ele veio e das quais convocou as que mostraram ser “suas ovelhas”, as que conhecerem sua voz e a seguiram. Visto que ele chamou primeiro as suas ovelhas dentre os judeus, quem seriam logicamente as “outras ovelhas” senão as que depois vieram a ouvir sua voz, proferida através de seus apóstolos e discípulos? (João 10:1-16; confira João 1:11-13; Mateus 10:16; 15:24; 28:18-20; Atos 1:8.)

A Sentinela de 15 de janeiro de 1981 (página 23) buscou dissipar as dúvidas quanto ao ensino tradicional deste assunto, um ensino em vigor desde 1921. Observe a maneira como ela introduz o ponto de vista oposto de que este texto se refere aos gentios, aqueles que seriam ajuntados ao aprisco dos cristãos judeus para com eles se tornarem “um só rebanho”:

Joga-se imediatamente uma “pista falsa”, por atribuir este entendimento de João 10:16 às “igrejas da cristandade”, como se estas fossem a fonte original do conceito de que as “outras ovelhas” do texto relacionam-se aos gentios. Isto tem um efeito bem previsível sobre a mente dos leitores Testemunhas, efeito que estimula o preconceito do “provincianismo”. Já que a cristandade é vista como a parte principal de Babilônia, a Grande, estando assim, condenada, a visão é logo de saída obstruída por este preconceito.4

A lógica deve deixar claro que é um raciocínio falso afirmar que só porque estas igrejas crêem em alguma coisa, esta deve ser vista automaticamente como suspeita e até automaticamente errada. A maior parte da cristandade, com certeza, ensina igualmente que Cristo é o salvador da humanidade e que ele morreu por ela; a maioria das igrejas da cristandade ensina que a Palavra de Deus se acha na Bíblia, que ela provê aos homens a orientação divina, aponta o caminho da vida eterna. Será que o fato de serem ensinadas pelas igrejas da cristandade torna estas coisas erradas ou suspeitas? A liderança da organização das Testemunhas de Jeová jamais hesitou em fazer citações de dicionários bíblicos, comentários bíblicos, e outras obras similares de autoria de eruditos da cristandade, desde que as declarações deles possam ser usadas em apoio aos ensinos da organização.5 Só quando essas declarações são contrárias ao dogma da organização é que ocorre o inconsistente tipo de apelo ao preconceito exemplificado neste artigo. A atitude honesta é a de reconhecer que um argumento é válido ou não segundo seu próprio mérito, independente de sua fonte.

Faz-se logo a tentativa de pôr o leitor no aperto de um falso dilema, por dizer que “este ensino discorda de outros textos bíblicos sobre o assunto”. Esta declaração, porém, é uma mera afirmação sem fundamento. Suponhamos, para efeito de argumentação, que todos os outros ensinos da organização sobre o número 144.000 ser literal, sobre outros além destes estarem destinados à vida num paraíso terrestre, sobre as ovelhas na parábola das ovelhas e dos cabritos se relacionarem com os que viverão no paraíso terrestre  suponhamos que tudo isto esteja correto. Como é que isto, de algum modo, vai contra Jesus ter se referido aos gentios no texto em consideração, João 10:16? Isto simplesmente não acontece.

Não é verdade que os gentios convertidos vieram de fato a unir-se aos cristãos judeus como um só rebanho sob um só Pastor? Quer os ensinos da organização sobre uma classe terrestre sejam verdadeiros quer não, isto não mudaria nem um pouco este fato. Visto que o fato de os gentios ‘escutarem à voz de Jesus’ e se juntarem ao rebanho dos cristãos judeus realmente ocorreu, o que impede que a ilustração de Jesus se aplique desse modo? Que razão pode haver para tentar forçar um “confronto” entre este entendimento bíblico e os ensinos da organização sobre uma classe terrestre e um paraíso terrestre, quando este confronto ou oposição não é necessário? Se o argumento fosse sólido e se apoiasse em firme evidência bíblica, não haveria necessidade de o autor do artigo recorrer ao uso de um falso dilema. A argumentação de A Sentinela não é justa nem factual.

O parágrafo seguinte sugere ao leitor o que “João pode muito bem ter recordado” quando escreveu as palavras de Jesus. Após referir-se à parábola das ovelhas e dos cabritos em Mateus 25, diz:

A Sentinela, 15 de janeiro de 1981, página 7.

Esta tentativa do autor do artigo de fazer uma espécie de leitura da mente nada prova; é também inútil, já que as palavras de João 10:16 não foram fruto do pensamento de João, mas do de Jesus. A afirmação também supõe que João entendia os 144.000 de Revelação da mesma maneira que o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová. Mais uma vez, o autor argumenta com o uso do raciocínio circular.

O aspecto mais interessante dos artigos talvez seja a gravura que representa de modo visual a interpretação que a organização dá a esse texto, conforme aparece aqui:

Embora isto não seja mais que o esboço de um artista, o conceito transmitido pela cena, destinado a harmonizar-se com o ensino da organização, é quase incrível. Retrata-se aqui um pastor israelita com sete ovelhas (contadas) protegidas num redil e outras cinquenta (contadas) deixadas soltas do lado de fora, sem a proteção do redil. Que pastor em qualquer época da história, de qualquer raça, em qualquer país do mundo, faria esse arranjo com suas ovelhas? Que pastor adquiriria “outras ovelhas” em grande número e as deixaria do outro lado do muro, separadas do rebanho já existente, andando à solta fora do aprisco? Mesmo que fosse o caso de duas raças distintas, com diferentes tipos ou espécies de lã, o pastor ainda providenciaria, pelo menos, um redil de ovelhas para a raça recém-trazida. Mas, existem realmente, em qualquer sentido, duas “raças” de cristãos, que justifiquem o tratamento desigual retratado na gravura de A Sentinela?

Curioso é que o artista optou por uma proporção de 7 ovelhas fora do aprisco para cada uma dentro dele. Se a proporção se baseasse nos milhões de Testemunhas agora supostamente na classe das “outras ovelhas” em relação ao total de 144.000 do chamado “pequeno rebanho”, a proporção seria de, na verdade, de dezenas para 1. Isso significaria que se 7 ovelhas são retratadas dentro do aprisco, haveria centenas do lado de fora, o que tornaria a cena ainda mais incrível.

No primeiro século, em Pentecostes, 3.000 pessoas foram batizadas. Depois, o relato fala em “cinco mil homens” entre os que aceitaram as boas novas. (Atos 2:41; 4:4.) Nos anos seguintes, não só houve mais aumento em Jerusalém, como congregações de crentes surgiram por todo o mundo então conhecido, e a evidência histórica indica que o número dos que abraçaram as boas novas chegou a muitas dezenas e até centenas de milhares. (Confira Atos 6:1, 7; 8:1, 4, 5, 14; 13:44, 48, 49; Mateus 28:18-20; Atos 1:8.) Mesmo que presumíssemos que a maior parte não se mostrou fiel, ainda é difícil crer que não tenha havido pelo menos milhares que o tenham sido. Desde que a revista A Sentinela começou a ser publicada em 1879, mais dezenas de milhares têm professado ser seguidores ungidos de Cristo, e A Sentinela com certeza sugere que muitos desses se mostraram fiéis. Para fins de ilustração, se aceitarmos o número bem conservador de 10.000 que se mostraram fiéis até a morte ao longo do primeiro século, e mais 10.000 de 1879 em diante, isso deixaria (segundo a doutrina da da organização) outros 124.000 aprovados ― durante o período intermediário ― como herdeiros celestiais. Considere o que significaria isso. Significaria que durante os 1.779 anos consecutivos antes de a organização entrar em cena, Cristo Jesus, que estava dirigindo seus seguidores de acordo com suas palavras em Mateus 28:20, viu apenas uma média de 70 pessoas por ano ― no mundo inteiro ― se tornarem seus seguidores fiéis e aprovados! (70 é 124.000 dividido por 1.779). Certamente não é fácil pensar que estes resultados insignificantes poderiam ser fruto da direção de Jesus sobre seus discípulos, o que também rebaixaria o poder das boas novas e o poder do Espírito santo de Deus.

Apesar de toda a argumentação complexa, parece evidente que um cristão verdadeiro é um cristão verdadeiro. As próprias Escrituras inspiradas não conhecem nem apresentam outro tipo. Todos os que ouvem a voz do bom pastor são chamados a mostrar a mesma espécie de fé e amor, os mesmos frutos do Espírito de Deus, usufruindo com Ele a mesma relação de filhos. A existência de dois tipos diferentes de “ovelhas” cristãs é fruto da invenção humana.

Bem dentro da Bíblia encontramos um trecho que faz notável paralelo com o de João 10:16, a saber, o que o apóstolo Paulo escreveu em Efésios 2:11-18. Ali, em vez de dois grupos de ovelhas, o apóstolo refere-se a dois povos, judeus e gentios, e diz, de acordo com a Tradução do Novo Mundo:

Portanto, persisti em lembrar-vos de que anteriormente éreis pessoas das nações quanto à carne; fostes chamados “incircuncisão” por aquilo que é chamado “circuncisão”, feita na carne, por mãos ― que naquele tempo específico estáveis sem Cristo, apartados do estado de Israel e estranhos aos pactos da promessa, e não tínheis esperança e estáveis sem Deus no mundo. Mas agora, em união com Cristo Jesus, vós, os que outrora estáveis longe, chegastes a estar perto pelo sangue do Cristo. Pois ele é a nossa paz, aquele que das duas partes fez uma só e que destruiu o muro no meio, que os separava. Por meio de sua carne, ele aboliu a inimizade, a Lei de mandamentos, consistindo em decretos, para que dos dois povos, em união consigo mesmo, criasse um novo homem e fizesse paz; e para que reconciliasse plenamente ambos os povos com Deus, em um só corpo, por intermédio da estaca de tortura, porque ele matara a inimizade por meio de si mesmo. E ele veio e declarou as boas novas da paz a vós, os que estáveis longe, e paz aos [que estavam] perto, porque, por intermédio dele, nós, ambos os povos, temos a aproximação ao Pai, por um só espírito.

Todos os elementos encontrados em João 10:16 se acham aqui. Embora use uma analogia diferente da das ovelhas, diz a mesma coisa e apresenta o mesmo quadro. Mostra que, em adição aos crentes (ou ovelhas) judeus, os crentes (ou ovelhas) gentios ouviram as boas novas (a voz do pastor, Cristo), e por meio de Cristo os dois povos tornaram-se um só corpo (ou um só rebanho), tendo a ele como cabeça (seu um só pastor).

Dizer, então, que o entendimento das “outras ovelhas” em João 10:16 como se referindo aos crentes gentios, “discorda de outros textos bíblicos sobre o assunto” está em oposição direta aos fatos. Esse entendimento está em total harmonia, não só com a declaração de Paulo, acima citada, como também com o restante das Escrituras. Do tempo da promessa de Deus a Abraão em diante, as Escrituras apontaram continuamente para o futuro e profetizaram sobre a época em que Deus juntaria pessoas de todas as nações em um só povo, seu povo, sob o seu Messias. (Gênesis 12:3; 22:18; 28:14; Salmo 72;17; Isaías 19:23-25; Amós 9:11, 12; Atos 15:15-18; Gálatas 3:8.) Com este fundo histórico, entende-se facilmente a afirmação de Jesus, sem necessidade de argumentos complexos e elaborados que a expliquem. Em vez de estar em ‘desarmonia com os textos bíblicos sobre o assunto’ em vista de todas as profecias que apontam para isto, seria muitíssimo estranho que Jesus não tivesse dado uma parábola ilustrando o ingresso dos gentios na unidade com os crentes judeus.

Outra designação usada para a suposta classe secundária de cristãos é a de “grande multidão”, termo tirado de Revelação 7:9-17. Para uma análise deste assunto, recomendamos ao leitor a matéria no Apêndice.

Doutrinas que o vento leva

Não seremos mais como crianças… agitados por todo vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens.― Efésios 4:14, Bíblia de Jerusalém.

A verdade é consistente consigo mesma, sendo, pois, algo estável e confiável. Um sinal seguro de argumentação falaciosa, portanto, é a inconsistência, particularmente se a inconsistência de uma posição posterior com uma anterior não é abertamente admitida, ou se lhe dão a aparência de outra coisa que não a que realmente é: a correção de um erro.

É o caso do empenho da organização das Testemunhas de Jeová em criar um senso de “urgência” baseado na afirmação de que o “fim definitivo” deve ocorrer dentro de um determinado período de tempo. O livro Crise de Consciência documenta o modo como toda uma série de datas foi eventualmente descartada, e as predições ligadas a essas datas foram transferidas para outra série posterior de datas. (Veja Crise de Consciência, capítulos 7 e 9.) Apresenta também evidência de como as predições relacionadas com 1914, 1918, 1920, 1925, o início dos anos 40, e finalmente 1975, mostraram-se todas sem substância. A Sentinela empenhou-se em justificar tudo isso, ao mesmo tempo em que punha seus leitores na defensiva nesta questão. Nos números de 15 de agosto e 1o de setembro de 1985, vários artigos sobre a “Vigilância Cristã” destacaram as muitas exortações bíblicas de “manter-se vigilantes” com respeito à prometida volta de Cristo e depois relataram as evidências históricas de um relaxamento geral do alerta espiritual, tanto no passado como no presente. O artigo passou a justificar a forte ênfase aos cálculos cronológicos para determinar a proximidade do fim, conforme a prática da organização, por dizer essencialmente que “É melhor cometer estes erros de cálculo do que estar espiritualmente sonolento e apático quanto à volta de Cristo.” O inteiro objetivo da série de artigos é dar a impressão de que, a menos que alguém pense em termos de um período de tempo específico e concentre firme atenção nas condições visíveis em busca de sinais, ele cai automaticamente no outro campo, o dos espiritualmente apáticos que perdem o interesse na volta de Cristo.

A matéria dá exemplos de muitas formas de raciocínio falso. Muito da justificativa para as expectativas falsas da organização baseia-se no fato de que outros, no passado, inclusive servos de Deus de épocas pré-cristãs e cristãs, tiveram também ideias erradas quanto às datas em que Deus agiria com respeito a certas áreas de seu propósito. Isto é uma variação do raciocínio de que “duas coisas erradas fazem uma certa”, a saber, que a “prática costumeira” de algum modo justifica o que alguém faz. Na verdade, se o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová está ciente dos erros do passado por parte de pessoas que tentaram fixar um período de tempo para o fim ocorrer, isto o torna não menos, e sim mais responsável por fazer predições equivocadas. Deviam ter demonstrado que aprenderam algo destes exemplos do modo errado de pensar e deviam ter se refreado de seguir o mesmo caminho errado. O ditado é que “a experiência é uma escola difícil, mas os tolos só aprendem nela” e um “escravo fiel e discreto” não devia estar nesta classe. Os homens da Bíblia cometeram todos os tipos de erros e o registro destes serve de “advertência para nós, sobre quem tem chegado o fim dos tempos”, não como justificativa para cometer erros similares. (1 Coríntios 10:11, NVI.)

O principal, todavia, é que os artigos colocam os leitores à mercê de um falso dilema. Empenham-se em criar a ideia de que ou a pessoa segue a atitude da organização em fixar um certo esquema de tempo para a vinda do fim, usando para isso cálculos cronológicos e avaliações de certas condições mundiais, ou então ela cai na categoria dos que simplesmente não se importam com quando Cristo vem, que são apáticos, relapsos e provavelmente “apóstatas”. O fato, contudo, é que a pessoa não se defronta com apenas estas duas opções e nem precisa se colocar em qualquer destas duas categorias. Cristo Jesus predisse que alguns viriam dizendo, “Aproximou-se o tempo devido”, e disse sobre estes: “Não sigam essa gente.” (Lucas 21:8.)

Nem Cristo Jesus nem seus apóstolos encorajaram de algum modo o uso de cálculos cronológicos para determinar a data de sua volta. Pelo contrário, as exortações de Cristo de “manter-se vigilantes” traziam em seu contexto igual ênfase ao fato de que era impossível aos seus seguidores saber de antemão ou predizer a data da volta do Amo. O próprio fato da incerteza e da falta de expectativa do tempo era o que efetivamente tornava a vigilância tão crítica. (Confira Mateus 24:42-44; 25:13; Marcos 13:33-37; Lucas 12:40).

Isto vai contra o conceito de que ‘ser vigilante’ significa observar os meios noticiosos ou outras fontes em busca de evidências visíveis ― na forma de eventos ou condições mundiais ― de que a volta de Cristo está para ocorrer e que “o fim está próximo”. Suas próprias palavras mostram que seus seguidores estariam vigilantes em guardar-se contra os atrativos de um mundo materialista, as desencaminhadoras ansiedades da vida, e desta forma em manifestar um cuidado constante e diligente em manter o vigor e a saúde espirituais, e, acima de tudo, em manter uma relação correta com Deus e Cristo, de modo que quando, sem nenhum aviso prévio, o tempo do julgamento irrompesse, eles pudessem ser encontrados “em pé diante do Filho do homem” como pessoas aprovadas.(Lucas 21:36) Pedro, também, ao falar sobre o dia de julgamento de Deus, deixa claro que a pessoa evidencia que “tem bem em mente” esta época por “atos santos de conduta e ações de devoção piedosa”, não por depositar fé em especulações cronológicas ou por se empolgar com certos eventos ou condições mundiais. (2 Pedro 3:10-12.) Como cristãos, nunca devem perder de vista que este tempo de julgamento é certo e inevitável, devem deixar que a consciência os guie em todas as suas decisões e modo de agir, vivendo assim cada dia como se este fosse aquele em virá a prestação de contas.

Em certo ponto, o artigo da Sentinela de 1o de setembro de 1985 (página 24) afirma:

“Será que os apóstatas que afirmam que os ‘últimos dias’ tiveram início em Pentecostes e abrangem a inteira Era Cristã promoveram a vigilância cristã? Ao contrário, não induziram à sonolência espiritual?”

Não se apresenta prova alguma de que esse entendimento dos “últimos dias” tenha de resultar ou resultou nesta “sonolência espiritual”, ou na redução da “vigilância cristã”. Uma questão da qual os artigos nunca tratam é o que mostram as evidências quanto ao efeito das numerosas predições falsas da organização. Será que estas ― e as predições similares de outros grupos religiosos ― de fato fortaleceram a confiança das pessoas nas promessas da Bíblia com respeito à volta de Cristo? Será que reforçaram o apreço delas pelas Escrituras ou serviram para fazer a Bíblia parecer uma fonte de expectativas falsas?

Debaixo do subtópico “Desapontamentos Podem Enfraquecer Nossa Fé”, A Sentinela de 15 de abril de 1990, afirmou (página 27):

Isto é, sem dúvida, uma alusão às expectativas que as Testemunhas tiveram para o ano de 1975. Qual foi a fonte destas expectativas? O que as fez ficar empolgadas? Será que partiu das próprias pessoas que depois ficaram desapontadas? O artigo nunca mostra que o desapontamento que “em alguns casos tem levado ao desastre espiritual” resultou das expectativas falsas criadas e estimuladas pela própria liderança da organização. Ilustrando a ênfase que se deu ao assunto, um relatório de congresso da Assembleia Internacional “Paz na Terra” realizada em 1969, publicado na Sentinela de 15 de abril de 1970, após referir-se à aproximação de um novo milênio no ano 2001, afirmava (página 238):

Como muitas Testemunhas já sabem, três anos antes (em 1966) a organização tinha identificado o ano de 1975 como a data do início do sétimo milênio da história da humanidade. (Veja a documentação apresentada no livro Crise de Consciência, capítulo 9.) Que significado foi atribuído a este cálculo? A matéria de 1969, publicada na revista já mencionada, continua (páginas 238-239) dizendo:

(O Apêndice apresenta as fotocópias da capa e das páginas 23 a 27 do próprio relatório deste congresso, intitulado A Paz de Mil Anos Que Se Avizinha)

A responsabilidade fundamental por toda a empolgação e todas as expectativas desapontadoras relacionadas ao ano de 1975 cai sobre os ombros da liderança da organização. Conforme documentado em Crise de Consciência, capítulo 9, o efeito danoso do desapontamento foi claramente evidente, declarado até em memorandos de membros responsáveis do pessoal da própria sede mundial. Todavia, o Corpo Governante resistiu a admitir essa responsabilidade por quase quatro anos. Seus próprios registros mostram que isso resultou numa “vigilância espiritual” artificial por parte de centenas de milhares de pessoas, e que a aparente vigilância delas terminou tão logo aquele ano passou, há mais de cinquenta anos. Será que essas centenas de milhares que afluíram para a organização em resultado desse alarme falso foram beneficiadas por essa desilusão? Será que isso reforçou sua confiança nas Escrituras? Há pouco motivo para pensar assim. O alicerce dessa aparente “vigilância espiritual” foi erguido sobre as areias movediças da especulação humana e não pode ser comparado com a genuína vigilância espiritual erguida sobre a rocha dos ensinos de Jesus Cristo. (Mateus 7:24-28.)

Todos nós somos às vezes inconsistentes; é uma falha humana. Mas isso não é desculpa para tentar encobrir, justificar ou negar nossas inconsistências. O que a organização fez, no máximo, foi um reconhecimento simbólico da responsabilidade pelos danos causados por suas inúmeras predições errôneas de datas. A Sentinela de 15 de abril de 1990 citada mostra que nem mesmo este reconhecimento foi feito de boa vontade e que a organização ainda tenta fugir à sua responsabilidade e astutamente transferi-la para outros, na verdade, as suas vítimas. É neste fator que a falácia da inconsistência torna-se claramente repreensível.

Embora a organização faça ocasionalmente um vago reconhecimento da reversão do entendimento com relação à sua data chave de 1914 (a qual foi durante quarenta anos vista como o fim dos últimos dias, e, quando aquela data passou, foi mudada para o início dos últimos dias), ela alega grande estabilidade em se apegar a esta data e seu significado atualmente aceito. Dos anos 60 a 80, porém, à medida que essa data ficava cada vez mais no passado, a organização mudava constantemente sua definição da “geração” de Mateus 24:34, que se ligava a essa data e cuja “geração” não passaria antes de chegar o final definitivo.

Assim, embora nunca declarado especificamente, por muito tempo a impressão geral era de que a “geração” se relacionava essencialmente às pessoas que eram adultas em 1914 e que a geração destas pessoas ainda estaria viva quando viesse o Armagedom. Depois, a Despertai! de 22 de abril de 1969 (páginas 13, 14) saiu com esta declaração:

Tomar 15 anos como uma espécie de tempo mínimo, resultaria, como disse o artigo, em fazer o mais jovem daquela “geração” ter quase 70 anos naquela ocasião (1969).

Dez anos depois, quando o membro “mais jovem” da “geração” estaria  então  com  80  anos,  A  Sentinela  de  15  de  janeiro  de  1979 (página 32) fez uma ligeira mudança.6 A publicação de 1969 tinha dito que as palavras de Jesus “obviamente” se referiam a pessoas com idade suficiente para entender e “ter suficiente percepção mental para discernir a importância” do que ocorreu em 1914. Dez anos depois, isto não era tão “óbvio”. Em vez disso, a publicação de 1979 disse que se podia incluir aqueles que puderam “observar” coisas tais como a guerra de 1914 e outras condições. Ao mesmo tempo, descartou enfaticamente a aplicação aos que eram meros bebês recém-nascidos naquela época.

Dois anos depois, A Sentinela de 15 de abril de 1981 (página 31),  usou a declaração de uma revista noticiosa popular e disse que a pessoa pode começar a criar uma memória duradoura à idade de 10 anos.

Em 1979, A Sentinela tinha dito que “tratando-se da aplicação ao nosso tempo, a ‘geração’, logicamente, não se aplicaria aos bebês nascidos durante a Primeira Guerra Mundial.” A passagem de mais seis anos fez o ilógico tornar-se lógico. A Sentinela de 15 de novembro de 1984 (páginas 4-7), reverteu a posição anterior, e, pelo uso de certas definições (encontradas em obras de eruditos da cristandade), então dizia:

(O sublinhado foi acrescentado. A Despertai! de 8 de abril de 1988, páginas 13, 14, repetia esta posição.)

Assim, primeiro a Despertai! de 22 de abril de 1969 referiu-se aos de 15 anos de idade nascidos em 1914, que tinham (em 1969) 70 anos. Depois, por volta de 1984, 15 anos tinham passado e aí vemos a organização falando de bebês nascidos em 1914 estarem com 70 anos.

Provérbios 27:16 compara a inutilidade de tentar conter a mulher obstinadamente briguenta a “conter o vento ou pegar o óleo com a mão”. (BJ) De modo um tanto similar, tentar achar algo de estável na definição da liderança da organização quanto ao que se referia exatamente “esta geração” era também como tentar pegar o óleo. Era simplesmente um desafio tentar entender algo tão escorregadio.7 

Dali a pouco mais de duas décadas, as únicas pessoas nascidas em 1914 ou antes disso já seriam centenárias. Conforme documentado em Crise de Consciência, apesar das declarações confiantes das publicações da organização, um número razoável de membros do Corpo Governante havia muito reconheciam que o ensino tradicional sobre “esta geração” mostrava-se cada vez mais frágil. Não há outra explicação para o fato de que em 1980 os membros da Comissão do Presidente redigiram e apresentaram um documento cujo raciocínio, se tivesse sido aceito, teria colocado o início da “esta geração”, não em 1914, mas em 1957, ano em que a União Soviética lançou seu primeiro Sputnik! (Veja Crise de Consciência, capítulo 9, debaixo do subtítulo “1914 e ‘esta geração’”.)

Um padrão similar de mudança de definições pode ser visto no esforço das publicações das Testemunhas de Jeová em fixar 1914 como a data em que surgiu um “sinal” mundial exclusivo, relacionado com guerras, fomes, terremotos e pestilências. Já que as evidências abundantes de inconsistências, de tentativas de apoiar afirmações tirando citações do contexto, de ignorar ou suprimir evidência histórica contrária, estão tão plena e cuidadosamente documentadas no livro O Sinal dos Últimos Dias ― Quando?, parece desnecessário considerá-las aqui. Junto com a evidência bíblica que demonstra o real sentido do termo crítico parousia e da expressão “os últimos dias”, o livro apresenta também sérios motivos para crer que todo o enfoque dado ao entendimento das palavras de Jesus em Mateus 24, ensinado não só pela organização das Testemunhas mas por muitos outros sistemas religiosos, parte de uma premissa falsa.

Embora obrigada a admitir a natureza oscilante de sua “verdade” publicada, a liderança das Testemunhas de Jeová tenta minimizar ou negar qualquer importância a essa inconsistência. Ela lança alguns argumentos distintivos no esforço de explicar e justificar o trajeto errático de seus ensinos em várias questões doutrinais, argumentos que tentam converter erros e enganos em “verdade progressiva”.

Muitas obras religiosas, tais como os comentários bíblicos, que foram escritos um e até dois séculos atrás, ainda são impressos e considerados como de genuíno mérito. (Inclusive, a biblioteca da sede mundial das Testemunhas de Jeová contém literalmente dezenas destas obras.) Em contraste, há bem poucas publicações da Torre de Vigia, publicadas durante os primeiros 80 anos de história da organização que não são hoje consideradas “desatualizadas”. (Quase todas deixaram de ser impressas e não estão mais disponíveis.) Em vez de reconhecerem este fato como sinal de pesquisa instável e de ensinos elaborados às pressas, o que se faz é apresentá-lo como evidência da “luz progressiva”! O problema é que, em grande número de casos, o suposto “progresso” simplesmente levou à organização de volta a ensinos anteriormente descartados como errados e substituídos pelo que se afirma que é a verdade mais “progressiva”. Nesses casos, aquilo que antes se considerava “verdade progressiva” passa a ser considerado um erro e aquilo que antes se considerava erro passa a ser “verdade progressiva”.

Na carta de um ex-membro da Igreja Mundial de Deus, o autor declara que lá se dizia aos membros: “Somos a verdadeira igreja porque mudamos nossos ensinos quando estão errados.” A igreja tomou certa posição sobre o divórcio e um novo casamento e depois revogou essa posição. Conforme comenta este ex-membro, esta mudança foi descrita pela liderança da organização como uma “‘nova luz’, uma ‘nova verdade’ que Deus (finalmente) nos mostrou.” Ele acrescenta:

Em outras palavras, [o chefe da organização] sutilmente culpou a Deus pelo nosso erro doutrinal. Ele jamais admitiu que simplesmente estava errado. Jamais se desculpou com todas as pessoas cujas vidas e casamentos ele tinha arruinado. Atribuiu a Deus todo o crédito pelo naufrágio e destruição de milhares de famílias.8

Um carta da liderança garantia aos membros que “esta mesma experiência deve ensinar a todos que a lealdade a Deus e à Sua Igreja tem sempre de vir em primeiro lugar, acima dos erros ou mágoas pessoais, supostos ou verdadeiros.” Sobre isto, diz o autor da carta:

[Ele] está dizendo que a  lealdade à [igreja] deve ser posta acima da lealdade à Palavra de Deus! Ele está dizendo que o certo é que nós obedeçamos ao ensino não-bíblico [da igreja]… todos estes anos, porque é a isto que ele denomina de “lealdade à Igreja de Deus”. E ele diz que esta lealdade tem “sempre de vir em primeiro lugar, acima dos erros e das mágoas pessoais, supostos ou verdadeiros”; em outras palavras, a lealdade aos ditames de uma organização tem de ser posta acima daquilo que a Bíblia ensina…. Considera como desleais aqueles que dez anos atrás se recusaram a obedecer [os ensinos da igreja agora mudados], muito embora estivessem sendo leais ao que Deus disse em sua Palavra.

De modo idêntico, quando trata dos conceitos errôneos do passado, a liderança das Testemunhas de Jeová enaltece os que não se opuseram a esses ensinos por lealdade à “organização de Deus”. A lealdade à organização recebe assim um mérito maior do que a lealdade à própria verdade bíblica.

Mesmo quando o assunto dá um giro completo, a organização procura de qualquer modo demonstrar que, afinal de contas, houve progresso. Tenta-se mostrar de alguma maneira que a posição final não se diferenciava substancialmente da posição original.

Isto é ilustrado graficamente num artigo da Sentinela de 1º de agosto de 1982, que traz também um ótimo exemplo do uso de falsa analogia na argumentação.

A matéria (nas páginas 27-29) se empenha em explicar como é possível que o canal de comunicação exclusivo de Deus apresente primeiro uma opinião, depois, uma totalmente diferente, e depois, volte à primeira posição.9 O autor usa o exemplo de um barco, “bordejando contra o vento”, como mostramos a seguir:

Os barcos a vela realmente precisam usar esses métodos devido aos ventos desfavoráveis, mas causa espanto que o “canal” aprovado de comunicação de Deus para toda a humanidade tenha de recorrer a esse processo. Não nos dizem que “ventos” contrários são esses que o movem em direções erradas, em alguns casos até mesmo em artigos escritos pela mesma pessoa com uma diferença de poucos anos.

A ilustração que acompanha o artigo apresenta o processo de bordejar do barco a vela com base em curvas de 90º, como se vê abaixo:

Para descrever a trajetória de muitos ensinos da organização das Testemunhas de Jeová a ilustração mais apropriada seria esta:

As curvas feitas nos ensinos da Sentinela em consideração parecem mais curvas de 180º, com reversão praticamente completa do curso. Não têm qualquer semelhança com o bordejar, que resulta num definitivo avanço para a frente e leva a uma posição bem distante do ponto de partida original. Na verdade, as posições oscilantes e as revogações de ensinos comparam-se ao movimento de uma pessoa que rema num bote em mar aberto, sem nenhum compasso para guiá-la, e que após algum tempo pode ser levado mais ou menos ao mesmo local de onde partiu. Considere um dos exemplos mencionados neste mesmo número da Sentinela de 1º de agosto de 1982, o do ensino sobre as “potestades” ou “autoridades superiores” de Romanos, capítulo 13.

As autoridades superiores

O entendimento inicial (no tempo do Pastor Russell) era que esta expressão referia-se às autoridades governamentais da terra, a quem os cristãos têm de prestar submissão, pagar impostos, tributos e honra (como deixam bem claro os versículos 6 e 7). No tempo do Juiz Rutherford isto foi negado e a organização declarou categoricamente (em 1929) que os “poderes superiores” eram, em vez disso, Deus e Cristo. Dizia que as “poderes superiores” de modo algum aplicavam-se às autoridades seculares; o conceito era totalmente inaceitável. Aclamava-se isto como evidência da “luz progressiva” da verdade que brilhava para o povo de Deus.10

Trinta anos depois, em 1962, essa “luz progressiva” foi rejeitada e restabeleceu-se o conceito de que o termo aplicava-se de fato às autoridades seculares. Observe, contudo, como o artigo em A Sentinela de 1982 (páginas 29 e 30) apresenta o assunto:

Como se pode ver, afirma-se que de fato houve progresso, que em 1962 as Testemunhas de Jeová ― ostensivamente pela primeira vez! ― vieram a entender o princípio da “sujeição relativa”, e que embora mostrassem submissão às autoridades superiores elas não podiam prestar sujeição total a estas. Se essas “autoridades superiores” lhes pedissem para fazer coisas em violação às leis de Deus, elas não poderiam obedecer.

O autor do artigo possivelmente escreveu sem conhecer os fatos, embora devamos presumir que ele pesquisou a matéria. O fato é que o entendimento que acabamos de citar de modo algum era novo; na época de Russell, sempre se entendeu que a sujeição às autoridades seculares era apenas relativa, condicionada a que as exigências das autoridades não se chocassem com os requisitos de Deus. Em 1886, o livro O Plano Divino das Eras, na página 266, já afirmava:

Tradução:

Sabendo ser este o propósito de Deus, nem Jesus nem os apóstolos interferiram de algum modo nos assuntos dos governos terrestres. Pelo contrário, eles ensinavam à igreja a submeter-se a estes poderes, muito embora amiúde sofressem debaixo do abuso deles. Ensinavam à Igreja a obedecer as leis e a respeitar os em autoridade por causa do seu cargo, mesmo que não fossem pessoalmente dignos de estima; a pagar os impostos estipulados, e, exceto onde entrassem em conflito com as leis de Deus (Atos 4:19; 5:29), a não oferecer resistência a quaisquer leis estabelecidas. (Rom. 13:1-7; Mat. 22:21) O Senhor Jesus e os apóstolos, bem como a primitiva igreja, todos acatavam as leis, embora se mantivessem separados e não participassem nos governos deste mundo.

A Sentinela de 1º de agosto de 1982 refere-se a declarações (feitas em 1904) no sentido de que os cristãos podiam servir no exército e assim mesmo refrear-se de atirar mesmo em alguém. Cita-se isto como prova de que estes primitivos Estudantes da Bíblia não entendiam corretamente o princípio da sujeição relativa. O artigo, embora recuando até 1904, aparentemente “contornou” alguma evidência inconveniente no caminho, navegando ao redor da edição de 1º de setembro de 1915 de A Sentinela. Ali, debaixo do subtópico “A Obrigação Cristã e a Guerra”, o Pastor Russell fazia estas observações:

Tradução:

Em ESTUDOS DAS ESCRITURAS, Vol. VI., fizemos a sugestão de que os seguidores de Cristo busquem por todos os meios adequados evitar a participação na guerra. Ali sugerimos a possibilidade de que, no caso de serem convocados, os seguidores do Senhor usem de toda a influência para obter posições no Corpo Hospitalar ou no Departamento de Provisões do exército, em vez de na prática efetiva de guerra. Sugerimos ainda que se fosse impossível evitar ir para as trincheiras, não seria necessário violar o requisito divino: “Não deves cometer assassinato.”

Temos desde então nos perguntado se o procedimento que sugerimos é o melhor. Perguntamo-nos se tal procedimento não significaria transigir. Refletimos que tornar-se membro do exército e vestir um uniforme militar implica em reconhecer e aceitar os deveres e obrigações de um soldado. Um protesto feito a um oficial seria insignificante ¾ o público em geral não teria conhecimento dele. Não estariam os cristãos em lugar indevido sob tais condições?

“Mas”, replica alguém, “se a pessoa recusar o uniforme e o serviço militar, será fuzilada.”

Replicamos que se a explicação for dada de modo adequado, pode haver alguma espécie de dispensa; mas, se não, seria de algum modo pior ser fuzilado por lealdade ao Príncipe da Paz e por recusar desobedecer a sua ordem do que ser baleado enquanto sob a bandeira destes reis terrenos e aparentemente dando-lhes apoio, e, pelo menos na aparência, transigindo quanto aos ensinos de nosso Rei celestial? Das duas mortes, preferiríamos a primeira ― preferimos morrer por causa da fidelidade ao nosso Rei celestial.

___________________________________

Não exortamos a este procedimento. Meramente o sugerimos. A responsabilidade pertence totalmente ao indivíduo. Não estamos nos exonerando da responsabilidade para com os muitos estudantes da Bíblia que nos indagam sobre a opinião do Senhor a este respeito. Já lhes provemos nossas mais sérias reflexões, mas receamos agora ter sido demasiado conservadores.

A única diferença entre a posição então declarada e a que a organização hoje assume é que Russell não tentou impor esta posição sobre serviço hospitalar a outros, mas a deixou para ser decidida pela consciência individual deles.

A alegação, então, de que na época de Russell houve uma deficiência de entendimento quanto à natureza relativa da sujeição às autoridades seculares, é claramente falsa. Ela simultaneamente desvia a atenção da questão básica da identificação dos “poderes superiores”. Nisso a organização deu um giro completo. Ainda que o entendimento da sujeição relativa tenha sido alterado em data posterior, isto ainda não muda minimamente o fato de que uma definição totalmente errada das “autoridades superiores” foi adotada e mantida durante trinta anos antes de se retornar à posição correta.

Não houve, todavia, nenhuma mudança genuína no entendimento da sujeição relativa. Ainda que se desse margem a alguma diferença insignificante de ponto de vista, as reversões radicais feitas nos ensinos da organização quanto aos “poderes superiores” ainda seriam como partir para um ponto ao norte, depois fazendo uma curva e dirigindo-se na direção sul, para um ponto que é o mesmo de onde se havia partido. Isso não é “bordejar”, em que o “ziguezaguear” constante e consistente traz o barco para mais perto de sua meta. Em vez disso, é simplesmente um retrocesso inútil. O método de “progredir” no entendimento apresentado no artigo de A Sentinela tem tanto mérito quanto navegar em torno duma ilha de 150 quilômetros de comprimento para chegar a um ponto exatamente a um quilômetro de onde se começou.

Quanto a reconhecer o princípio da “sujeição relativa”, pode-se achar dezenas de comentários bíblicos que, ao tratar de Romanos, capítulo 13, defendem a posição de que a sujeição cristã às autoridades seculares é sempre relativa, condicional. Isso acontece com os comentários escritos cem e duzentos anos atrás, sim, até muito antes de existir a revista A Sentinela.

Como apenas um exemplo, o comentário ainda popular de Albert Barnes, Barnes’ Notes, escrito entre 1832 e 1851, fala da injunção de ‘submeter-se às autoridades superiores’, de Romanos 13:1:

A palavra aqui usada não designa a extensão da submissão, mas meramente a ordena de modo geral. O princípio geral a ser visto é que temos de obedecer em todas as coisas que não são contrárias à lei de Deus….

Não pode haver e jamais houve dúvida quanto a se eles obedeceriam a um magistrado se ele ordenasse algo claramente contrário à lei de Deus.

Esta posição é idêntica à adotada pela liderança das Testemunhas de Jeová hoje e foi escrita mesmo antes do nascimento de Charles Taze Russell. No entanto, o artigo de A Sentinela citado faz parecer que Deus levou essa luz a seu povo ungido pela primeiríssima vez em 1962!

A maior falha de todo este conceito e analogia de “vai e vem” não é que ele simplesmente não se ajuste aos fatos, mas que distorce gravemente o modo histórico como Deus revela a verdade aos seus servos.

Cita-se muito o exemplo do conceito errado sobre a circuncisão, mantido por muitos cristãos do primeiro século, como justificativa para as opiniões flutuantes e reversões de vários ensinos da organização. Todavia, em vez de ilustrar este trajeto errático, que vai e vem, esse entendimento errado dos primitivos cristãos manifesta apenas a tendência, por parte de alguns, principalmente da Judéia, de agarrar-se a uma prática instituída pelo próprio Deus muitos séculos antes, uma lentidão em reconhecer que as “sombras” encontradas no Pacto da Lei tinham se cumprido com a “realidade” encontrada no Messias, Jesus Cristo. O caso deles não era de irem para frente e para trás nas crenças, mas de serem lentos em progredir no entendimento.

A leitura das Escrituras como um todo, demonstra que a revelação dos propósitos de Deus à humanidade através dos vários meios de comunicação que Ele usou ― os profetas inspirados e os autores da Bíblia ― foi de constante progresso. Não há sinuosidades e movimentos de vai-e-vem, e sim um desdobramento ordeiro do propósito divino, cada passo progressivo levando direto ao passo progressivo seguinte da revelação, sem desvios ou direções erradas. Essa é uma razão pela qual podemos crer na confiabilidade dessa Palavra escrita. O curso tortuoso admitido nos artigos de A Sentinela de modo algum demonstra a direção divina. Demonstra o oposto, a saber, o raciocínio humano imperfeito. Visto que estamos todos sujeitos a esse raciocínio, este não é, em si, o grande problema. O grande problema é quando os homens insistem em que seus raciocínios sejam encarados como “verdades divinamente reveladas”, e condenam os que, no livre exercício de seu julgamento pessoal, encaram esses raciocínios de outra maneira.

Depositar confiança implícita numa fonte que faz afirmações tão ousadas sobre si mesma, deixar de testar sua direção pelo firme compasso da Palavra revelada de Deus, é um proceder que nada tem de recomendável.

Embora certas regras de lógica, tais como as discutidas, sejam úteis para discernir a falsidade das argumentações, conhecê-las não é essencial. Nosso Criador nos dotou de inteligência natural e se evitarmos a aceitação precipitada e nos dermos tempo para pensar, para fazer perguntas, buscar com oração a ajuda do Espírito dele, nos protegeremos contra graves decepções. Em vez de nos encolhermos de temor dos homens, ou de nos impressionarmos com o que falam ou escrevem, devemos pôr à prova suas declarações, perguntando-nos: “Foi este assunto realmente comprovado ou são mais simples declarações? É esta a única explicação razoável, de modo que sou obrigado a aceitá-la como verdade?”

A liberdade cristã e a verdade andam juntas. (João 8:32) Jamais ganharemos a prometida liberdade de Deus a menos que queiramos fazer o esforço de determinar o que é verdade e o que não é. Isto não exige que nos sintamos obrigados a tentar “amarrar” o significado preciso de toda declaração das Escrituras. Muitas declarações permitem mais de um entendimento e o entendimento alternativo pode ser tão compatível com o restante das Escrituras quanto o inicial. As verdades cruciais, aquelas em que se apóia a nossa fé, são tais que todos podemos entendê-las. O Filho de Deus pôde assim agradecer a seu Pai por Ele ter “escondido estas coisas dos sábios e dos cultos e as revelado aos pequeninos.” (Lucas 10:21, NVI.)

Nosso amor à liberdade, pois, deve igualar-se ao nosso amor à verdade, e à companheira da verdade, a honestidade. Podemos ser naturalmente inclinados a tomar a atitude mais fácil, a da submissão passiva. Mas anularmos aquilo que Deus nos deu, o poder de pensamento e análise crítica, e nos tornarmos meros acatadores daquilo que os homens dizem que é a verdade, só nos leva a servir humanos. A própria vida depende de estarmos dispostos a pagar o preço que o amor à verdade requer, pois os adoradores aprovados de Deus “têm de adorá-lo com espírito e verdade.” (João 4:23, 24)

Apêndice

Em seu ensino relativo a duas classes de cristãos, a Sociedade Torre de Vigia se apoia firmemente no relato de Apocalipse capítulo 7. Aplica a visão de João dos 144.000, “selados de toda tribo dos filhos de Israel”, à “classe ungida” ou “Israel espiritual”. Os versículos 9 a 17, que descrevem “uma grande multidão… de todas as nações e tribos e povos e línguas”, são aplicados a uma classe terrestre, constituída, na prática, de “gentios espirituais”. (Veja, por exemplo, O Paraíso Restabelecido Para a Humanidade ― Pela Teocracia!, página 80, parágrafo 15.) É interessante comparar as coisas ditas sobre esta “grande multidão” com os textos bíblicos que a organização aplica explicitamente à “classe ungida” ou que claramente se relacionam a seres celestiais. Eis alguns exemplos:

 Aplicados a uma “classe terrestre não-ungida”  Aplicados a uma “classe ungida” ou a personagens celestiais
Apo. 7:9: Depois destas coisas eu vi… uma grande multidãoApo. 19:1: Depois destas coisas ouvi o que era como a voz alta duma grande multidão no céu
Apo. 7:9: de todas as nações, e tribos, e povos, e línguasApo. 5:9: dentre toda tribo, e língua, e povo, e nação
Apo. 7:9: em pé diante do tronoApo. 14:1, 3: cento e quarenta e quatro mil… cantando como que um novo cântico diante do trono. (Confira ainda Apo. 1:4, 2-6, 10; 7:11; 8:3)
Apo. 7:9: e diante do CordeiroApo. 5:8: as quatro criaturas viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro
Apo. 7: 9: trajados de compridas vestes brancasApo. 6:11: a cada um deles foi dada uma comprida veste branca. (Confira ainda Apo. 3:4, 18; 4:4)
Apo. 7:10: gritavam com voz alta, dizendo: “Devemos a salvação ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro”Apo. 19:1: duma grande multidão no céu… Disseram: “Louvai a Jah! A salvação, e a glória, e o poder pertencem ao nosso Deus”
Apo. 7:14: “Estes são os que saem da grande tribulação (grande perseguição, BLH; grande provação, NEB)2 Tess. 1:4, 7: todas as vossas perseguições e tribulações que estais suportando…a vós os que sofreis tribulação, alívio junto conosco, por ocasião da revelação do Senhor Jesus desde o céu (Confira ainda Apo. 2:9-11; 6:9-11; Mat:13:21; 24:9; João 16:33; Atos 14:22; 1 Tes.3:3, 4, 7)
Apo. 7:14: lavaram as suas vestes compridas e as embranqueceram no sangue do CordeiroApo. 22:14: aqueles que lavam suas vestes… que obtenham entrada na cidade [a Nova Jerusalém] (Confira1 Pe. 1:2, 18, 19; 1 Cor. 6:11)
Apo. 7:15: prestam-lhe serviço sagrado, dia e noite, no seu templo (grego, naos)Apo. 11:1: mede o santuário do tem plo [grego, naos] de Deus… e os que nele adoram. (Confira Apo. 11:19; 14:15, 17; 15:5-8; 16:1, 7) A palavra grega naos é usada em cada um destes textos e refere-se claramente ao “santuário”, nunca a um “pátio dos Gentios” terrestre. A organização admite que o santuário do templo retrata o reino celestial de Deus, e destina às “outras ovelhas um “pátio dos Gentios” terrestre. Note ainda que Revelação 11:2 diz sobre este pátio: “lança-o… fora.”
Apo. 7:15: estenderá sobre eles a sua tenda2 Cor. 6:16: Deus disse: “Residirei entre eles” (Em Revelação 21:3 a nota de rodapé da Tradução do Novo Mundo mostra que “residir” significa “morar em tenda” com alguém. (Confira também João 14:23; 2 Coríntios 12:9)

Com respeito aos 144.000 deste capítulo do Apocalipse, o relato fala destes como “selados de toda tribo dos filhos de Israel”, 12.000 de cada uma das 12 tribos (versículos 4-8). As publicações das Testemunhas de Jeová encaram os “filhos de Israel” não no sentido literal, mas figurativo, como parte de um Israel espiritual. Do mesmo modo, não veem as 12 “tribos” como literais, e sim como tribos figurativas. A pergunta é: Como pode a soma de todos estes elementos figurativos produzir um total literal, a saber, 144.000 literais? O argumento do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová é que já que a “grande multidão” é descrita como algo que “nenhum homem podia contar”, portanto, de número indefinido, os 144.000 têm então de ser um número definido e literal. Todavia, ao explicar o significado dos “vinte e quatro anciãos” mencionados em trechos relacionados do Apocalipse, ela declara que este número de 24 não é literal, mas simbólico do número completo dos que reinam com Cristo nos céus. (Veja Apocalipse 4:4, 10; 5:8; 11:16; 19:4. Veja também Revelação — Seu Grandioso Clímax Está Próximo!, página 77.) Em Apocalipse há referências a 7 espíritos (1:4), 7 estrelas (1:16), 10 dias (2:10), 24 tronos, 24 anciãos e 7 lâmpadas (4:4, 5), 4 criaturas viventes (4:6, 7), 7 chifres e 7 olhos do Cordeiro (5:6), a quarta parte da terra (6:8), os 4 anjos e os 4 cantos da terra, (7:1), um terço das árvores, criaturas e águas, etc. (8:7-12), e muitos e muitos outros números utilizados, que são apresentados nas publicações das Testemunhas de Jeová como não sendo literais, mas figurativos, simbólicos. Por que então não devem os 144.000 ser vistos na mesma luz?

Por estas razões, alguns entendem que os 144.000 são um número simbólico que representa um símbolo ideal, a soma completa de todos os que se tornam israelitas espirituais, não importa quantos venham a ser. A grande multidão poderia, neste caso, simplesmente representar os mesmos, mas vistos da perspectiva da realidade, o cumprimento do ideal simbólico representado pelos 144.000.

Apresentam-se a seguir fotocópias da capa e das páginas 23 a 27 do folheto A Paz de Mil Anos Que Se Avizinha (lançado nas Assembleias “Paz na Terra”, de 1969). Estas páginas contêm, na íntegra, a matéria apresentada no capítulo, acerca das previsões relacionadas com 1975. Juntamente com o livro Vida Eterna – Na Liberdade dos Filhos de Deus, este folheto gerou muita expectativa nas Testemunhas de Jeová que faziam parte da organização naquela época:

Notas

1 –  In Logic and Contemporary Rhetoric, páginas 54, 55, Howard Kahane, do Bernard Baruch College, afirmou: “O provincianismo muitas vezes resulta numa falsa concepção da importância e da qualidade moral do próprio grupo da pessoa… Em sua forma extrema, a falácia do provincianismo transforma-se numa falha pior, a falácia da lealdade. Esta é a falácia de crer (ou descrer) diante de forte evidência contrária por causa da lealdade provinciana.”

2 – Rutherford justificou esta medida drástica por descrever os “anciãos eletivos” como uma classe de pessoas que não cooperavam, que eram fracas na atividade de porta em porta ou se opunham a ela, e acusações similares. Poucas pessoas sabem que homens como Fred Franz e uma porção de outros de muito destaque na organização eram eles próprios anciãos eletivos naquela época. Tampouco se admite que o próprio Rutherford não participava na atividade de porta em porta.

3 – No mesmo artigo, na página 15, trechos de números antigos de A Torre de Vigia de Sião de 1883 e 1884 estão reimpressos, como se apoiassem a ideia de uma organização visível como a que hoje existe entre as Testemunhas de Jeová. A palavra “organização” de fato aparece várias vezes nas citações. Mas isso é tudo. Quando examinadas, estas citações mostram ser, na verdade, uma contradição direta ao conceito de organização da época atual. Essa matéria do século 19 realmente argumenta contra o desenvolvimento de uma organização religiosa altamente estruturada de modo terreno, e insiste em que deve haver apenas uma organização formada celestial, invisível, da congregação de Cristo. O editor de A Torre de Vigia de Sião, Charles Taze Russell, se opunha à formação exatamente do tipo de estrutura organizacional terrestre, visível, que passou a se desenvolver após sua morte. Não há a menor referência a estes fatos no artigo em questão, e o leitor é levado a crer que há harmonia entre estas citações centenárias e o conceito moderno do Corpo Governante de hoje. Fatos e informações desfavoráveis são suprimidos, encobertos, manipulados ou ignorados.

4 – No campo da lógica isto é descrito como a tática de “envenenar o poço”, na qual se faz o esforço de desacreditar a fonte, de modo a dar a impressão de que nenhuma evidência ou argumento provindo dessa fonte é digno de consideração.

5 –  Como só um exemplo, A Sentinela de 15 de janeiro de 1991, em apenas seis páginas (10 a 15) faz quinze citações em apoio de sua posição ― todas elas da “cristandade”. Geralmente, quando se utiliza uma citação favorável á posição da Torre de Vigia, não se chama atenção para o fato de que a fonte ― quer seja dicionário bíblico, comentário bíblico ou qualquer outra obra religiosa ― é fruto do que A Sentinela chama de “cristandade apóstata”. Quanto ao autor da matéria favorável, dá-se simplesmente o seu nome, ou então é designado, não como um representante de “Babilônia, a Grande”, mas como “um erudito bíblico” ou termo similar.

6 –  O motivo da publicação deste artigo foi que Albert Schroeder, membro do Corpo Governante (já falecido), durante uma viagem pela Europa naquele ano, tinha sugerido, por conta própria, um novo entendimento da “esta geração”. Sugeriu que a aplicação fosse feita à geração dos “ungidos”, uma definição que desligaria “esta geração” da data de 1914 e permitiria que ela se prolongasse pelo tempo em que qualquer Testemunha de Jeová, independentemente de sua data de nascimento, professasse ser da “classe ungida”. O artigo de A Sentinela destinava-se primariamente a reafirmar o apego da organização a esta posição básica, tradicional, edificada em torno de 1914.

7 – Até anos recentes, as publicações vinham chamando regularmente a atenção para o número de pessoas que estavam na casa dos 90 anos ou que tinham chegado aos 100 e ainda estavam vivas.

8 – Só se pode recordar aqui as normas sobre divórcio publicadas pela organização das Testemunhas de Jeová, que obrigavam as pessoas a ficar com cônjuges que praticavam cópula anal com alguém fora do casamento, que eram homossexuais ativos, ou que tinham até praticado atos sexuais com animais. Estas normas vigoraram durante décadas, e na época em que estes erros foram finalmente reconhecidos, não houve por parte de qualquer dos membros do Corpo Governante praticamente nenhuma expressão de preocupação com o sofrimento e os danos causados à vida das pessoas durante aquelas décadas. Veja o livro Crise de Consciência, capítulo 3.

9 – O artigo baseou-se evidentemente num discurso dado por Karl Klein, membro do Corpo Governante, ao pessoal da sede mundial em 23 de janeiro de 1981.

10 – Veja no livro As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino (em inglês), páginas 91 e 124, a informação sobre este conceito ainda em 1959.

_____

Imagem em destaque: “Debate” (Brasil Escola)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *