Quando a Jerusalém Antiga Foi Destruída? – Parte 1

A Sentinela de 1° de outubro de 2011, páginas 26-31:

UMA PRÉVIA SOBRE OS ANTECEDENTES

Em 1977, quando enviei à sede da Torre de Vigia um tratado intitulado “Os Tempos dos Gentios Reconsiderados”, teve início uma correspondência que durou três anos, de maio de 1977 até maio de 1980. Por fim percebi que os líderes da organização não estavam dispostos a deixar que qualquer fato perturbasse a alegação de que a organização Torre de Vigia é o “canal exclusivo de Deus na terra”, uma reivindicação baseada no cálculo de que “os tempos dos gentios” são um período de 2.520 anos que começou em 607 AEC e terminou em 1914. A correspondência está disponível em nossa seção de Publicações.

Isto foi confirmado no ano seguinte, 1981, quando foi publicado o livro Venha o Teu Reino. Um Apêndice nas páginas 186-190 continha uma defesa da cronologia da Torre de Vigia que foi claramente dirigida contra o meu tratado. Como consequência, escrevi uma refutação completa do Apêndice e a acrescentei ao meu tratado, que foi publicado em inglês e sueco em 1983. Veja Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, 1ª edição em português 2008 (a partir daqui designado como TGR4), páginas 333-359.

O Apêndice no livro “Venha o Teu Reino” permaneceu como a única defesa oficial da cronologia da Torre de Vigia, publicada na literatura dessa organização depois de 1981. Mas daí, 30 anos depois, os líderes da Torre de Vigia finalmente decidiram quebrar o silêncio e fazer outra tentativa. Na série em duas partes intitulada “Quando a Antiga Jerusalém foi Destruída?”, apresentadas nas edições da revista A Sentinela de 1º de outubro e 1º de novembro de 2011, destinadas ao público, os autores tentaram minar o enorme conjunto de evidências contra 607 AEC como a data para a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor. Alegou-se que os artigos apresentam “respostas com base na Bíblia e em pesquisa meticulosa a perguntas que intrigam alguns leitores.”

Nas décadas que se passaram depois de 1981, um crescente número de leitores Testemunhas de Jeová foram se conscientizando dos problemas bíblicos e históricos relacionados com a data 607 AEC. Conseqüentemente, muitos (e não apenas “alguns”) deles enviaram suas perguntas para a sede da Torre de Vigia. Até a publicação dos dois números de A Sentinela de 2011, os escritores na sede tentaram responder a essas perguntas em cartas particulares. Mas muitos dos que perguntaram não acharam as “respostas” satisfatórias, e por isso recebi cópias de muitas dessas cartas que foram enviadas pela sede da Torre de Vigia.

No decorrer dos anos, muitas das respostas se transformaram numa espécie de “carta padrão” de até cinco páginas, acompanhada por umas 85 cópias extraídas de 16 fontes diferentes. Eu vi várias “respostas” deste tipo. Em 2005 até escrevi uma refutação de 13 páginas de tais “cartas” padrão que foram enviadas a pessoas que me contataram. [Existe uma cópia desta refutação no arquivo do Mentes Bereanas.]

Sem dúvida, o apologista da cronologia da Torre de Vigia mais conhecido no momento em que se escreve isso é Rolf Furuli, de Oslo, Noruega. Ele escreveu dois livros em apoio da cronologia desta organização religiosa. Evidentemente, esses livros impressionaram alguns dos escritores na sede da Torre de Vigia, os quais até mesmo fizeram referências aos livros dele em suas respostas. Assim, no final de uma carta de 29 de janeiro de 2009, um escritor da Torre de Vigia (usando o código ECJ:ECN) encaminhou a pessoa que perguntou aos dois livros de Rolf Furuli deste modo: 

TRADUÇÃO: 

Estamos anexando fotocópias de todas as referências seculares que mencionamos ou citamos acima. Já que você fez referência a Rolf Furuli, provavelmente acharia interessante o estudo aprofundado que ele fez acerca deste assunto em sua obra de dois volumes, intitulada Cronologia Assíria, Babilônica, Egípcia e Persa Comparada com a Cronologia da Bíblia. Naturalmente, ele tem responsabilidade total pela informação apresentada nela, já que ela é o resultado de sua pesquisa pessoal e não é publicada por nossa organização. Cremos que o conteúdo de nossa carta será de ajuda para você.

Com nossas melhores recomendações, 

Congregação Cristã das Testemunhas de Jeová

Os dois artigos em A Sentinela de 1º de outubro e 1º de novembro de 2011 refletem continuamente o conteúdo dos dois livros de Furuli. Os dois artigos parecem claramente ter sido escritos em cooperação com Rolf Furuli. A maioria dos leitores não estará ciente disso, nem estarão cientes do fato de que ambos os livros já foram completamente refutados em artigos e resenhas publicadas na internet e em outros lugares.

Para ler as traduções dos artigos e resenhas sobre cronologia, veja a seção “Arqueologia e Astronomia – Aplicações Cronológicas” no Mentes Bereanas. Veja também a resenha devastadora (em inglês) da segunda edição (2008) do segundo livro de Furuli, escrita pelo professor Hermann Hunger, de Viena, que é o tradutor e também a principal autoridade em tabuinhas cuneiformes de observações astronômicas. O link direto é: http://kristenfrihet.se/kf4/reviewHunger.htm

Uma análise dos primeiros quatro capítulos do Volume I de Furuli, 1ª edição de 2003, está disponível neste site.

A maior parte dos capítulos restantes estão analisados na revista interdisciplinar britânica Chronology & Catastrophism Review, artigo “Pode a Cronologia Persa Ser Revisada?” Parte I, Volume de 2006, págs. 25-40, e Parte II, Volume de 2007, págs. 38 – 57.

Isso quer dizer que a maior parte da argumentação da Torre de Vigia presente nos dois artigos já foi completamente refutada. A maior parte do exame dos dois artigos de A Sentinela que segue, portanto, resume o que já foi publicado anteriormente em outros lugares.

ANÁLISE DO ARTIGO “QUANDO A ANTIGA JERUSALÉM FOI DESTRUÍDA?” – PARTE UM

Os historiadores e arqueólogos datam a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor em 587 AEC ou 586 AEC. A diferença entre as duas datas não tem nada que ver com as fontes seculares ou extra-bíblicas, que estabelecem além de toda dúvida razoável que o 18º ano de Nabucodonosor foi 587 AEC e o 19º ano dele foi 586 AEC. A questão de saber qual destas duas datas é a correta gira em torno dum problema bíblico: Jeremias 52:12-27 (citado em 2 Reis 25:8-21) data a desolação no 19º ano, enquanto Jeremias 52:29 diz que foi no 18º ano. O problema pode ser resolvido se os diferentes métodos de contagem de anos de reinado em Judá e Babilônia forem levados em conta. (TGR4, págs. 368-375).

Conforme é amplamente conhecido, a organização Torre de Vigia rejeita ambas as datas e insiste que a destruição ocorreu 20 anos antes, em 607 AEC. O artigo de A Sentinela de 1º de outubro de 2011, páginas 26-31, portanto, começa citando um leitor que pergunta:

“Por que vocês, Testemunhas de Jeová, dizem que foi em 607 AEC? Com que base apontam para essa data?”

Os autores acrescentam: “Mas por que se interessar na data exata em que o rei babilônio Nabucodonosor II destruiu Jerusalém?”

Duas razões são dadas para isso. Primeiro, os autores citam um historiador que afirmou que a destruição levou a “uma catástrofe, sim, à grande catástrofe.” Não se dá o nome do historiador, mas ele foi identificado como Rainer Albertz, e a declaração se encontra na página 8 do seu livro Israel no Exílio: A História e Literatura do século VI AEC (em inglês – Atlanta: Sociedade de Literatura Bíblica, 2003). Todavia, a declaração não reflete a avaliação do autor. Ele está falando sobre como os livros dos Reis vêem o exílio, em contraste com o ponto de vista mais positivo do livro de Jeremias, que não o vê apenas como uma catástrofe, mas também como “uma oportunidade dada por Deus para um novo começo.” (pág. 7 em inglês) A destruição foi de fato uma catástrofe para Judá e de Jerusalém. Mas ela não foi definitiva, porque depois da queda da Babilônia em 539 AEC Jeová trouxe os judeus exilados de volta a Jerusalém para reconstruir o templo e a cidade, em cumprimento de sua promessa registrada em Jeremias 29:10.

A “grande catástrofe” só veio em 70 EC (AD), quando Jerusalém foi mais uma vez totalmente destruída e o templo queimado e demolido, para nunca mais ser reconstruído novamente. E desta vez Judá deixou de existir como uma nação teocrática.

A segunda razão alegada pela qual a organização Torre de Vigia acha tão importante manter a data 607 AEC é que ela “cumpriu uma profecia exata da Bíblia” e “por causa das evidências na própria Bíblia.” É verdade isso? Que “profecia exata da Bíblia” foi cumprida só se Jerusalém foi destruída em 607, e não em 587 AEC? E que evidências “na própria Bíblia” apóiam 607 e não 587 AEC? Como será mostrado a seguir, nenhuma das duas razões citadas requer que Jerusalém tenha sido destruída em 607 AEC. E tanto a Bíblia como as evidências extra-bíblicas provam conclusivamente que 607 AEC é a data errada.

verdadeira razão de a Torre de Vigia insistir que Jerusalém foi destruída em 607 AEC não é revelada pelos autores do artigo. A verdade é que a organização necessita desta data como ponto de partida para seu cálculo dos “tempos dos gentios” (Lucas 21:24) como um período de 2520 anos que terminaram em 1914, quando se acredita que Jesus Cristo voltou de maneira invisível e, depois de uma inspeção das denominações cristãs, indicou o movimento da Torre de Vigia em 1919 como seu exclusivo “porta-voz” e “canal” na terra. Sem a data 607 AEC, esta alegação teria de ser abandonada como um erro grave.

“Setenta anos” para quem?

Para chegar à data de 607 AEC para a destruição de Jerusalém, a organização Torre de Vigia faz referência à profecia de Jeremias dos “setenta anos”, alegando que este foi o período que os exilados judeus permaneceram em Babilônia após a destruição de Jerusalém. Alega-se ainda que os exilados voltaram a Jerusalém em 537 AEC, dois anos depois da queda da Babilônia em 539 AEC. Ao somar os setenta anos à data 537 AEC, a Torre de Vigia chega a 607 AEC como o ano da destruição de Jerusalém.

Este cálculo é baseado numa interpretação equivocada da profecia de Jeremias sobre os 70 anos, que inclui também um grave erro de tradução de uma parte dela. É, portanto, de interesse que os autores do artigo de A Sentinela mencionem, numa nota na página 26, que as Testemunhas de Jeová produzem “uma tradução confiável da Bíblia conhecida como Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas.” Daí eles acrescentam: “No entanto, se você não é Testemunha de Jeová, talvez prefira usar outras traduções ao analisar assuntos bíblicos. Este artigo cita várias traduções da Bíblia amplamente aceitas.”

Todas as citações bíblicas no artigo – com uma exceção importante – têm referências às traduções utilizadas. Acontece que quase todas são extraídas da Nova Versão Internacional (NVI). Em um ou outro caso há referências à VB (Versão Brasileira), e à BLH (Bíblia na Linguagem de Hoje, citada uma vez na página 26). As “diversas” traduções da Bíblia mencionadas no artigo, então, resumem-se a apenas três.*

A primeira predição sobre os setenta anos encontra-se em Jeremias 25:11, que os autores citam da VB:

“Toda esta terra virá a ser uma desolação e um espanto; estas nações servirão ao rei de Babilônia setenta anos.” (Jeremias 25:1, 2, 11, Versão Brasileira)

Deve-se notar que essa profecia não fala da duração do exílio judaico, como alegam os autores, e sim da duração do período em que “estas nações” (“todas as nações”, segundo Jeremias 27:7) serviriam ao rei de Babilônia. (Para uma análise detalhada desse versículo, veja TGR4, páginas 230-247.)

A segunda predição sobre os setenta anos encontra-se em Jeremias 29:10, que os autores citam como segue: 

“Pois assim disse Jeová: ‘De acordo com o cumprimento de setenta anos em Babilônia, voltarei minha atenção para vós, e vou confirmar para convosco a minha boa palavra por trazer-vos de volta a este lugar.’”

Essa tradução dá a impressão de que os setenta anos se referem à duração do exílio dos judeus em Babilônia: “setenta anos em Babilônia”. Esta é a única citação bíblica em todo o artigo em que os autores não informam qual foi a tradução usada. Não foi a NVI, nem a VB, e nem a BLH. Foi, na verdade, a Tradução do Novo Mundo (TNM), a própria versão bíblica “confiável” das Testemunhas de Jeová. Por que eles escondem isso? A razão é óbvia.

A preposição hebraica traduzida aqui na TNM como “em” é le. As modernas autoridades em hebraico concordam que esta preposição significa “para”, “com referência a”. Eles ressaltam que a preposição também pode ser usada em sentido local ou espacial (“em”, “junto a”), mas só em certas expressões adverbiais, e em todo caso, não em Jeremias 29:10, onde o significado é “para Babilônia”. O hebraísta sueco Dr. Seth Erlandsson afirma que “O sentido espacial é impossível em Jer. 29:10”. Outros hebraístas concordam, incluindo o Professor Ernst Jenni, a principal autoridade em preposições hebraicas. A obra dele, só sobre a preposição le abrange 350 páginas! (Veja TGR4, páginas 247-253).

Muito poucas traduções da Bíblia apresentam “em Babilônia” em Jeremias 29:10, e a maioria, senão todas, são influenciados pela venerada Versão Rei Jaime (sigla em inglês: KJV) de 1611. Atualmente foi percebido que este é um erro de tradução. Assim, conforme Ernst Jenni enfatiza: “A tradução em todos os comentários e versões modernas é “para Babel” (Babel como potência mundial, não como cidade ou país); isto é claro com base na língua, bem como à base do contexto.” (TGR4, páginas 248-252).

Assim, a NVI, a tradução geralmente citada no artigo da Sentinela, verte Jeremias 29:10 como segue:

“Assim diz o Senhor: “Quando se completarem os setenta anos da Babilônia, eu cumprirei a minha promessa em favor de vocês, de trazê-los de volta para este lugar.”

O que os autores do artigo da Sentinela realmente fazem é citar Jeremias 29:10 de acordo com a NVI na página 27, mas com uma importante omissão:

“Quando se completarem os setenta anos … cumprirei a minha promessa … de trazê-los de volta para este lugar”

É verdade que eles tinham mencionado antes na mesma página que “muitas traduções dizem “para Babilônia.” (VB)” Mas eles evidentemente não quiseram enfatizar isso depois, num contexto no qual eles afirmam que “A Bíblia, porém, mostra que os 70 anos seriam um período de punição severa da parte de Deus — dirigida especificamente ao povo de Judá e de Jerusalém”. Esta afirmação é desmentida pelas traduções modernas que mostram que os setenta anos se referem ao período de supremacia babilônica, desde a queda da Assíria, em 609 AC, até a queda de Babilônia em 539 AC, período durante o qual as nações deveriam “servir ao rei de Babilônia por setenta anos.” Os setenta anos foram “para Babilônia”, e assim não se referem ao período de desolação de Jerusalém ou à duração do exílio judaico. Conforme o professor Norman Gottwald indica:

“Certamente deve-se ressaltar que os setenta anos referem-se principalmente ao período de dominação mundial de Babilônia e não ao período do exílio, como se supõe com freqüência de modo descuidado.” (N. Gottwald, Todos os Reinos da Terra, Nova Iorque, Evanston, Londres: Harper & Row, Publishers, 1964, págs. 265, 266)

Esta é a conclusão de muitos historiadores e comentaristas bíblicos, e não só de “alguns”, como os autores do artigo de A Sentinela dizem na página 27, numa evidente tentativa de neutralizar esta importante observação.

Alguns exemplos foram citados na página 253 de TGR4, e muitos outros importantes eruditos concordam. Um exemplo é o Professor Jack Finegan, cujo Manual de Cronologia Bíblica é um clássico. Na segunda edição, publicada em 1998 (Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers), ele conclui na página 255:  

“Os ‘setenta anos … para Babilônia’, dos quais Jeremias fala são, portanto, setenta anos de domínio babilônico, e o retorno de Judá do exílio é contingência do fim desse período. Uma vez que a queda final do Império Assírio foi em 609 AC (§ 430), e o Novo Império Babilônico durou desde este momento, até que o rei persa Ciro tomou Babilônia em 539, o período de dominação babilônica foi, de fato, de setenta anos (609-539 = 70).”

Outro exemplo recente é o Dr. Jack Lundbom, uma autoridade no livro de Jeremias respeitado internacionalmente. Seu comentário de três volumes sobre Jeremias, na série Anchor Bible é o comentário moderno mais extenso e detalhado sobre o livro, abrangendo 2.262 páginas no total (Vol. I, 1999, XXV + 934 páginas, Vol. II, 2004, XVI + 649 páginas e Vol. III, 2004, XIV + 638 páginas). Em sua consideração sobre os 70 anos mencionados em Jeremias 25:10-12 e 29:10 o Dr. Lundbom conclui que este período se refere “não à duração do exílio de Judá ou às ‘desolações de Jerusalém’, mas ao domínio de Babilônia como uma potência mundial (Duhm).” Ele observa adicionalmente:

“Da queda de Nínive (612 AC) até a captura de Babilônia por Ciro (539 AC) decorreram 73 anos; da Batalha de Carquemis (605 AC, primeiro ano de Nabucodonosor; cf. 25:1) até a captura de Babilônia por Ciro (539 AC) decorreram 66 anos, e do fim completo do Império Assírio (609/8 AC) até a captura de Babilônia por Ciro e o retorno dos exilados (539 AC) decorreram quase exatamente 70 anos.” (Vol. II, Doubleday, 2004, págs. 249, 250)

De modo que a resposta à pergunta: “Setenta anos” para quem?” é “para Babilônia”. Isto é o que Jeremias predisse claramente no livro de Jeremias 25:11 e 29:10. A alegação dos autores do artigo de A Sentinela, de que “A Bíblia, porém, mostra que os 70 anos seriam um período de punição severa da parte de Deus — dirigida especificamente ao povo de Judá e de Jerusalém” entra em conflito tanto com a profecia de Jeremias como com a evidência histórica extra-bíblica, e é claramente falsa.

Jeremias 29:10 de acordo com a tradução sueca revisada da TNM:

Algumas versões da Tradução do Novo Mundo (TNM) para outras línguas mudaram a expressão errada “em Babilônia” para a expressão “para Babilônia.” Este é o caso da mais recente edição da TNM em sueco, revisada em 2003, que mudou o “em Babilônia” [“i Babylon”] para “para Babilônia” [“för Babylon”]. O mesmo vale para a TNM dinamarquesa, que verte pela expressão “para Babilônia.” A declaração na página de rosto da tradução TNM sueca segundo a qual ela foi “cuidadosamente comparada com o hebraico, aramaico e original em grego”, indica que o tradutor conhecia hebraico e, portanto, escolheu a preposição correta.

Quando se iniciaram os “setenta anos”?

A questão sobre quando os “setenta anos” tiveram início já foi respondida acima. Os exércitos de Babilônia finalmente esmagaram o Império Assírio em 609 AEC e tomaram seus territórios. Este foi o início dos “setenta anos para Babilônia.” De modo que a servidão desses territórios começou uns 22 anos antes da destruição de Jerusalém. Algumas nações, entretanto, só foram subjugadas alguns anos depois.

A razão foi que os países do oeste, a Siro-Palestina, naquele tempo chamada de “Hatu”, tinham sido tomados pelo Egito após a queda da Assíria, e foi só em 605 AEC que Nabucodonosor derrotou os egípcios em Carquemis. Logo depois disso ele começou a conquistar Hatu. E no ano seguinte, 604 AEC, quando foi feito rei sobre Babilônia, depois da morte de seu pai, ele marchou de volta para Hatu para continuar as operações. A crônica babilônica BM 21946 relata: 

“Primeiro ano de Nabucodonosor: No mês de sivã ele reuniu seu exército e marchou para Hatu. Até o mês de quisleu ele marchou vitoriosamente sobre Hatu. Todos os reis de Hatu compareceram à sua presença e ele recebeu o vasto tributo deles.” – A. K. Grayson, Crônicas Assírias e Babilônicas (1975; reimpresso por Eisenbrauns em 2000), pág. 100.

Assim, em 604 AEC as terras a oeste também haviam sido subjugadas e foram obrigadas a servir ao rei de Babilônia. Isso foi 17 anos antes da desolação de Jerusalém.

Entretanto, os autores do artigo de A Sentinela tentam encontrar apoio para sua interpretação, citando a declaração de Esdras em 2 Crônicas 36:20, 21: 

“[Ele] levou para o exílio, na Babilônia, os remanescentes, que escaparam da espada, para serem seus escravos e dos seus descendentes, até a época do domínio persa. A terra desfrutou os seus descansos sabáticos; descansou durante todo o tempo de sua desolação, até que os setenta anos se completaram, em cumprimento da palavra do SENHOR anunciada por Jeremias.” — 2 Crônicas 36:20, 21, NVI.

Os autores do artigo de A Sentinela concluem: 

“Assim, os 70 anos seriam um período em que a terra de Judá e de Jerusalém teria “descansos sabáticos”.”

Os autores não só prosseguem explicando que o descanso sabático da terra de Judá começou depois da desolação de Jerusalém, como também usam declaração de Esdras para argumentar que os setenta anos começaram naquele momento. Mas foi realmente isso o que Esdras disse? 

Um exame cuidadoso de 2 Crônicas 36:20, 21 mostra que Esdras não menciona o início dos setenta anos em momento algum. Mas ele de fato menciona o fim dos setenta anos de servidão. Ele diz que os exilados judaicos tornaram-se servos dele [Nabucodonosor] e de seus filhos “até a época do domínio persa.” Isso reflete a declaração em Jeremias 27:7 de que “Todas as nações estarão sujeitas a ele, a seu filho e a seu neto; até que chegue a hora em que a terra dele seja subjugada por muitas nações e por reis poderosos.” (NVI

Conforme explica Esdras, a hora ‘chegou’ para a terra dele quando “a época do domínio persa” chegou. A Pérsia chegou ao poder em 539 AEC, quando os exércitos de Ciro capturaram Babilônia e tomaram seus territórios. Naquele ano, portanto, terminaram os setenta anos de servidão aos reis de Babilônia. É claro que não seria possível servir ao rei de Babilônia depois de 539 AEC, já que seu último rei, Nabonido, foi destronado nesse ano e seu filho e vice-rei, Belsazar, foi morto. (Daniel 5:30, 31) Isso está de acordo com a declaração do profeta em Jeremias 25:12 (um versículo não citado pelos autores da Torre de Vigia): 

““Quando se completarem os setenta anos, castigarei o rei da Babilônia e a sua nação, a terra dos babilônios, por causa de suas iniqüidades”, declara o Senhor, “e a deixarei arrasada para sempre.”” (NVI)

Quando o rei de Babilônia foi castigado? Em 539 AEC. Naquele momento, ‘os setenta anos se completaram’, segundo a profecia de Jeremias.

Em vista disso, a alegação de que os setenta anos só terminaram em 537 AEC, quando se supõe que o remanescente judaico voltou para Jerusalém, está claramente em conflito com a Bíblia. Os setenta anos terminaram em 539 AEC, quando os exilados judaicos ainda estavam em Babilônia, como também havia sido predito em Jeremias 29:10: “Quando se completarem os setenta anos da Babilônia, eu cumprirei a minha promessa em favor de vocês, de trazê-los de volta para este lugar.” (NVI).

Esdras também não disse que a “desolação de Jerusalém” e o “descanso sabático” durariam setenta anos. Ele só diz que a terra seria desolada e usufruiria seu descanso sabático “até que os setenta anos se completassem”. Ele não diz que a terra ficou desolada e começou a usufruir o seu descanso sabático no início do período de setenta anos. Como tanto a Bíblia quanto as fontes extra-bíblicas mostram, os setenta anos “para Babilônia” começaram muitos anos antes da desolação de Judá e de Jerusalém, quando “todas as nações”, começaram a servir ao rei de Babilônia. (Para um exame mais detalhado de 2 Crônicas 36:20, 21, veja TGR4, páginas 259-264.)

Quando terminaram os “setenta anos”?

Esta questão também já foi respondida. Conforme se mostrou acima, os “setenta anos para Babilônia” terminaram em outubro de 539 AEC, quando os exércitos de Ciro tomaram Babilônia. A ideia de que eles terminaram dois anos depois, em 537 AEC, não tem qualquer apoio na Bíblia. Babilônia não caiu em 537 AEC, nem as nações continuaram servindo ao rei de Babilônia até aquele ano. Os setenta anos, portanto, não podem ser adicionados a 537 AEC. A declaração nas páginas 28 e 29 de A Sentinela de que “as evidências das Escrituras inspiradas apontam claramente para 607 AEC como a data da destruição de Jerusalém” é simplesmente falsa.

Os autores do artigo de A Sentinela prosseguem perguntando: “por que muitas autoridades defendem 587 AEC?” A resposta deles é: “Elas se baseiam em duas fontes — os escritos de historiadores clássicos e o Cânon de Ptolomeu.”

Esta afirmação é completamente falsa. Os historiadores modernos baseiam a cronologia do período neobabilônico primariamente em tabuinhas cuneiformes, a maioria das quais remonta ao próprio período neobabilônico! Estas incluem crônicas, listas de reis, inscrições reais, e muitos milhares de documentos econômico-administrativos e jurídicos datados nos reinados dos reis neobabilônicos. Além disso, há diversas tabuinhas astronômicas que registram numerosas observações datadas em vários reinados neobabilônicos que estabelecem a cronologia absoluta de todo o período. (TGR4, capítulos 3 e 4)

A tentativa dos autores do artigo de A Sentinela de minimizar este enorme testemunho, alegando que as autoridades se baseiam em fontes secundárias, como os historiadores clássicos que viveram centenas de anos atrás é grosseiramente desonesta.

Os historiadores clássicos – Quão acurados são? – Beroso

Em uma caixa na página 29 os autores dão quatro exemplos de antigos historiadores clássicos que apresentam números referentes aos reinados neobabilônicos: 

Destes, as obras de Cornélio Alexander Polyhistor (primeiro século AEC) estão perdidas e só restaram fragmentos na forma de citações feitas por Flávio Josefo e Eusébio. Ele é conhecido por ter citado Beroso, mas os números sobreviveram numa condição distorcida.

Os autores de A Sentinela apresentam também os números distorcidos dados em Antiguidades X:xi,1-2, de Josefo, mas evitam mencionar que em sua última obra, Contra Apião I :19-21, ele cita os números de Beroso, enfatizando que a declaração “tanto é correta como está de acordo com os nossos livros [isto é, a Bíblia]. Pois nestes últimos está registrado que Nabucodonosor em seu décimo oitavo de reinado devastou o nosso templo, que por cinqüenta anos ele deixou de existir, que no segundo ano do reinado de Ciro, foram lançadas as fundações e, finalmente, que no segundo ano de Dario ele foi concluído.” O único erro aqui é a afirmação de que o trabalho no templo foi concluído no 2º ano de Dario, pois o trabalho foi realmente reiniciado nesse ano. Ele foi concluído no 6º ano de Dario.

Os números de Beroso para os reinados neobabilônicos estão de acordo com os obtidos por meio do chamado “Cânon de Ptolomeu”. A única diferença é que o Cânon omite o breve reinado de Labashi-Marduque, porque o Cânon só computa anos inteiros e deixa de fora os reinados curtos de alguns meses que só abrangeram anos de ascensão. Beroso lhe atribui 9 meses, o que é considerado como um erro de cópia para os 2 ou 3 meses que são mostrados pelas tabuinhas comerciais neobabilônicas contemporâneas e pela Lista de Reis de Uruque. O importante é que a cronologia geral de Beroso e do Cânon está de acordo com as fontes cuneiformes neobabilônicas. A evidência é que ambas as fontes se basearam em crônicas neobabilônicas e listas de reis e foram compiladas de maneira independente umas das outras. (TGR4, págs. 107-115)

Numa tentativa de minar a confiança nos números de Beroso, os autores de A Sentinela citam o que Stanley Mayer Burstein diz em sua tradução dos fragmentos existentes da Babyloniaca de Beroso: 

“No passado, Beroso era considerado historiador”, diz S. M. Burstein, que fez um estudo abrangente das obras de Beroso. Mas ele conclui: “Considerado como tal, seu desempenho deve ser declarado inadequado. Mesmo levando em conta seu estado atual, incompleto, Babyloniaca contém uma série de erros surpreendentes sobre fatos simples … Para um historiador, esses erros comprometeriam o seu trabalho, mas o objetivo de Beroso não era histórico.” 

Nota 3: The Babyloniaca of Berossus, página 8. 

O que é importante aqui é o que os autores do artigo de A Sentinela deixaram de fora. Eles selecionaram apenas os trechos da declaração de Burstein de que precisaram e omitiram as partes que acharam embaraçosas. O que Burstein realmente disse foi isso (os trechos omitidos das sentenças estão sublinhados): 

“Mesmo levando em conta seu estado atual, incompleto, Babyloniaca contém uma série de erros surpreendentes sobre fatos simples, dos quais certamente o mais flagrante é a afirmação de que Nabopolassar governou o Egito.” … Para um historiador, esses erros comprometeriam o seu trabalho, mas o objetivo de Beroso não era histórico, e sim apologético.” 

Apenas algumas frases depois, Burstein faz outra observação importante, que os autores de A Sentinela não acharam adequado citar: 

“Se Beroso foi pouco crítico quanto a suas fontes, os fragmentos deixam claro que ele escolheu boas fontes, muito provavelmente de uma biblioteca de Babilônia, e que ele registrou de forma confiável o seu conteúdo em grego.” 

Burstein conclui que, quando se trata do período neobabilônico, “a maior parte do material no terceiro livro, tanto em termos de seu estilo como de seu conteúdo, parece estar baseada em textos semelhantes, mas não idênticos àqueles que chamamos de crônicas neobabilônicas.” (Burstein, pág. 8)

Estas observações explicam porque a cronologia de Beroso para os reis neobabilônicos está de acordo com a cronologia das fontes cuneiformes contemporâneas.

E quanto ao “mais flagrante” erro de Beroso, a saber, “a afirmação de que Nabopolassar governou o Egito”?

De uma perspectiva babilônica, este “erro” não é tão flagrante como Burstein achou que foi. Em TGR4, pág. 244, nota 23, eu citei o comentário do Dr. Menahem Stern sobre este assunto. Ele diz: 

“Do ponto de vista daqueles que consideravam o Império Neobabilônico como uma continuação do Império Assírio, a conquista da Coele-Síria e da Fenícia pelo governante egípcio pode ser interpretada como uma violação do território babilônico.” (M. Stern, Autores Gregos e Latinos Sobre os Judeus e o Judaísmo, Vol. I, Jerusalém, 1974, pág. 59.)

Outros eruditos se manifestaram de forma semelhante. Na obra Impérios. Perspectivas da Arqueologia e da História, editado por Susan E. Lock et al (Editora da Universidade de Cambridge, 2001), Mario Liverani escreveu um capítulo sobre “A queda do império assírio: interpretações antigas e modernas”, no qual ele discute a transição do Império Assírio para o Neobabilônico. Ele começa dizendo na página 374: 

“O Império Assírio atingiu seu auge no sétimo século AEC. Sob o grande Assurbanipal, ele dominou todo o Oriente Médio, incluindo Egito, a oeste e Elão, a leste, subjugando até mesmo os nômades ao redor…”

Do ponto de vista de Babilônia, a queda da Assíria significava que eles haviam herdado o Império Assírio e consideravam seus estados e províncias como vassalos seus, os quais deveriam a partir de então aceitar o jugo babilônico. A resistência a isso era considerada como uma rebelião que teria de ser esmagada. Liverani explica: 

“Nos anos seguintes, as campanhas de Nabopolassar e de Nabucodonosor foram destinadas a assegurar que o novo reino babilônico possuísse o máximo possível dos antigos territórios assírios, deixando para os medos só as terras altas, improdutivas e sempre rebeldes, e excluindo o Egito do Levante. Na opinião deles, o novo império herdou o antigo, sem qualquer abalo importante, além de uma mudança de capital e de dinastia reinante.” (pág. 383). Ênfase acrescentada. 

De modo que para os babilônios, considerar Neco II como um “sátrapa rebelde” não foi um erro tão grave, afinal. Esta postura seria a mais natural para eles.

Os historiadores clássicos – Quão acurados são? – O Cânon de Ptolomeu

A seção do artigo de A Sentinela que trata do chamado “Cânon de Ptolomeu” é pródiga em erros e distorções, e também deturpações dos conceitos dos eruditos. Os autores começam afirmando na página 30: 

“A lista de reis feita por Ptolomeu é considerada a espinha dorsal da cronologia da história antiga, incluindo o período neobabilônico.”

Embora esse tenha sido o caso no passado, não é verdadeiro hoje. Conforme foi salientado acima, os historiadores da atualidade baseiam a cronologia do período neobabilônico principalmente em tabuinhas cuneiformes, incluindo tabuinhas astronômicas e muitos milhares de documentos econômico-administrativos e jurídicos do próprio período neobabilônico que são datadas nos reinados dos reis neobabilônicos.

A próxima declaração, a saber que “Ptolomeu compilou sua lista uns 600 anos após o fim do período neobabilônico.” é simplesmente falsa. Os eruditos já concluíram há muito tempo que a lista é muito mais antiga do que isso. Em 1899 Eduard Meyer apontou que, “como ela pertencia ao material tradicional de conhecimento dos astrônomos, foi herdada de erudito para erudito; nem mesmo Hiparco [2º século AEC] poderia ter trabalhado sem a lista babilônica” –  Forschungen zur alten Geschichte, Halle a. S., 1899, págs. 453-454. Ênfase acrescentada. 

Em 1924, F. X. Kugler concluiu que o cânon “foi evidentemente elaborado por um ou mais peritos em astronomia e cronologia babilônica, e por meio de seu uso na escola de Alexandria passou com sucesso por escrupulosos testes indiretos.” (Sternkunde und Sterndienst in Babel, II. Buch, II. Teil, Heft 2. Münster in Westfalen, 1924, pág. 390.)

Esta observação pode ser também encontrada em algumas enciclopédias. A Encyclopaedia de Hastings enfatiza que Cláudio Ptolomeu não foi o autor do Cânon: 

“Ele foi continuado por vários séculos depois de Cristo. Cláudio Ptolomeu não é de jeito nenhum o autor, ele coletou as tradições e as preservou em sua verdadeira forma.” – James Hastings (ed.), Enciclopédia de Religião e Ética, Vol. I (Nova Iorque: Charles Scribner’s Sons, 1951), pág. 186, nota †. Ênfase acrescentada.

Esta é a razão por que o professor Otto Neugebauer chama a expressão ‘Cânon de Ptolomeu de “inapropriada”, apontando que “o ‘Almagesto’ de Ptolomeu nunca conteve um cânon deste tipo”. (TGR4, pág. 110). Ele foi depois incluído em alguns manuscritos de suas Tabelas Práticas, provavelmente não por Ptolomeu, mas pelo astrônomo e matemático do 4º século Theon de Alexandria, em sua revisão das Tabelas Práticas.

Em seguida os autores de A Sentinela citam as declarações de dois eruditos de uma maneira que transmite a falsa impressão de que ambos questionam a confiabilidade do Cânon Real de Ptolomeu. O primeiro é Christopher Walker, ex-mantenedor do departamento de Antiguidades da Ásia Ocidental no Museu Britânico. Ele é citado como dizendo que “o Cânon de Ptolomeu era ‘um esquema artificial para fornecer aos astrônomos uma cronologia coerente’ e ‘não para fornecer aos historiadores um registro preciso da ascensão e morte de reis’.”

Mas os autores do artigo de A Sentinela não revelam que Walker acrescenta: “No entanto, ele serviu como espinha dorsal da cronologia dos períodos neobabilônico e aquemênida, e serviu de forma confiável.” Também que Walker prossegue explicando que “não há qualquer dificuldade em correlacionar a cronologia de Ptolomeu com o enorme acúmulo de dados agora disponíveis a partir de fontes cuneiformes. A explicação deve residir na natureza dos dados aos quais ele teve acesso.” – C. B. F. Walker, “A Cronologia Aquemênida e as Fontes Babilônicas”, em John Curtis (ed.), A Mesopotâmia e o Irã no Período Persa (Londres: Editora do Museu Britânico, 1997), pág. 18. Grifo acrescentado.

Claramente, os autores escondem o verdadeiro conceito de Walker sobre o cânon, ou seja, que ele é confiável e está de pleno acordo com a “o enorme acúmulo de dados agora disponíveis a partir de fontes cuneiformes.”

O conceito do segundo erudito, o Professor Leo Depuydt, é mal representado de maneira similar. Depuydt é um renomado egiptólogo que no momento em que se escreve isso ensina Egiptologia na Universidade Brown, Providence, Rhode Island, EUA. Ele é também especialista na cronologia do Oriente Próximo da antiguidade. Examinou a história e a confiabilidade do Cânon Real por muitos anos. No artigo de A Sentinela, ele é citado como dizendo que “Já por muito tempo se sabe que o Cânon é confiável no aspecto astronômico, mas isso não quer dizer que ele seja automaticamente confiável no aspecto histórico.” É citado ainda como tendo dito que, “No que diz respeito aos primeiros governantes [incluindo os reis neobabilônios], o Cânon precisaria ser comparado com os registros cuneiformes reino por reino.” Isto é citado do artigo de Depuydt, “‘Mais Valioso que Todo o Ouro’: O Cânon Real de Ptolomeu e a Cronologia Babilônica”, publicado na Revista de Estudos Cuneiformes, Vol. 47 (1995), págs. 97-117.

As citações são selecionados de modo a dar a impressão de que Leo Depuydt acredita que o Cânon pode ser historicamente duvidoso, o que não é verdade. Pelo contrário, ele afirma no mesmo parágrafo que, “Até onde chega meu conhecimento, ninguém refutou qualquer aspecto do Cânon com base sólida.” Por que os autores do artigo de A Sentinela não citaram isso?

O artigo de Depuydt foi publicado em 1995. Dez anos depois, ele considerou mais uma vez o Cânon, em um artigo intitulado “A Mudança de Base da Cronologia Antiga”. No artigo, ele aponta que a fundação da cronologia antiga está mudando, do Cânon para as fontes cuneiformes antigas: 

“Ao passo que a veracidade do Cânon é provada como sendo a base da cronologia do primeiro milênio AC, o Cânon também vai se tornar supérfluo como base. E ainda mais notável, ao passo que sua veracidade não é comprovada em certas partes, ele permanece fundamental para a cronologia do primeiro milênio AC.”

Depuydt prossegue enfatizando que nunca se mostrou que o Cânon está errado:

“Há alguma possibilidade de o Cânon ser falso? Já por quatro séculos, o Cânon foi confrontado inúmeras vezes com inúmeras fontes individuais. Até onde sei, ninguém jamais encontrou qualquer séria razão para suspeitar que o Cânon não seja verdadeiro. Portanto, uma espécie de senso comum sobre a veracidade do Cânon cresceu ao longo dos séculos. Em minha opinião, esse senso comum garante que o Cânon continuará a ser fundamental para a cronologia antiga.” – Leo Depuydt em Amanda Alice-Maravelia (ed.), Tendências Modernas na Egiptologia Européia: Documentos de uma Reunião Realizada Pela Associação Européia de Arqueólogos no Nono Encontro Anual em São Petersburgo, 2003 (Relatórios Arqueológicos Britânicos S1448). Oxford: Archaeopress, págs. 53-62. 

Outros eruditos eminentes concordam. O Professor Abraham J. Sachs, que até sua morte em 1983 foi a principal autoridade em tabuinhas astronômicas observacionais, explica de que modo as fontes cuneiformes antigas forneceram uma confirmação independente do Cânon. Graças a essas fontes, foi possível estabelecer firmemente a cronologia absoluta para os períodos babilônico, persa e selêucida. Na declaração citada abaixo, Sachs refere-se ao Cânon Real como “lista real de Theon” porque tem sido defendido tradicionalmente que Theon de Alexandria incluiu a lista em sua revisão das Tabelas Práticas de Ptolomeu. Sachs faz a seguinte comparação entre a lista de reis e as fontes cuneiformes: 

“A cronologia absoluta do primeiro grupo de reis babilônicos é fácil de estabelecer, porque, conforme já foi mencionado, Ptolomeu cita o relatório de um eclipse no tempo do rei Mardokempados [o Merodaque-Baladã II bíblico, citado em Isaías 39:1]. Ainda mais importante, esta cronologia absoluta foi confirmada de forma independente por textos cuneiformes de Babilônia, que contêm observações astronômicas. Estes chegam a mais de 1000 peças de observações diárias de posições e fases da Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, começando por volta de 650 AC e prosseguindo, em números cada vez mais densos, até o primeiro século antes do início de nossa era. Graças a esses diários astronômicos, foram estabelecidas numerosas coincidências com a lista real nas Tabelas Práticas de Theon, sempre em harmonia. Em outros casos, os períodos dos reinados dos reis individuais na lista real de Theon podem ser confirmados pelo estudo cuidadoso das datas fornecidas em textos comerciais e administrativos contemporâneos encontrados em Babilônia; isso é possível porque para partes do período abrangido pela lista real nós temos tantos desses textos que dá uma média de um para cada período de poucos dias. Desta forma – ou seja, usando-se a lista real de Theon, os diários astronômicos de Babilônia e as tabuinhas babilônicas datadas – é possível estabelecer com segurança a cronologia absoluta até meados do oitavo século AC, ou seja, o reinado do rei Nabonassar de Babilônia.” – A. J. Sachs, “Datação Absoluta de Registros Mesopotâmicos”, Realizações Filosóficas da Sociedade Real de Londres, Ser. A, Vol. 26, 1971, pág. 20. Grifo acrescentado.

O Cânon de Ptolomeu e a Lista de Reis de Uruque

Em uma caixa na página 30, os autores do artigo de A Sentinela dão os nomes dos reis na primeira parte do “Cânon de Ptolomeu”, incluindo os do período neobabilônico, juntamente com a parte da “Lista de Reis de Uruque” que dá os nomes dos reis neobabilônicos. Eles perguntam: “O que revela uma comparação da lista de Ptolomeu com os registros cuneiformes?” Afirmam nas páginas 30 e 31: 

“Note que Ptolomeu alista apenas quatro reis babilônios entre Candalanu e Nabonido. No entanto, a lista de reis de Uruk — parte do registro cuneiforme — revela que sete reis governaram nesse intervalo. Será que o reinado deles foi breve e insignificante? Um deles, de acordo com tabuinhas econômicas cuneiformes, durou sete anos.”

Para um leitor que não está familiarizado com a história assiro-babilônica neste período, estas declarações podem parecer provar que o “Cânon de Ptolomeu” está em conflito com a “Lista de Reis de Uruque” – uma tabuinha cuneiforme que contém no anverso uma lista de reis e seus reinados de Kandalanu até Dario I (647-486 AEC). Veja TGR4, págs. 123-126. Os autores do artigo dão apenas os nomes dos reis nas duas listas. Por omitir os períodos de reinado registrados nas listas, os leitores não têm como comparar a cronologia neobabilônica apresentada nelas.

O fato é que a apresentação feita pelos escritores da Torre de Vigia é enganosa. Para mostrar isso, os períodos dos reinados neobabilônicos fornecidos por ambas as fontes são apresentados a seguir: 

Cânon de PtolomeuLista de Reis de Uruque*
Kandalanu22 anos21 anosKandalanu
  1 anoSin-sumu-lisir
  Sinshar-ishkun
Nabopolassar21 anos21 anosNabopolassar
Nabucodonosor43 anos43 anosNabucodonosor
Amel-Marduque2 anos2 anosAmel-Marduque 
Neriglissar4 anos‘3’ [anos +] 8 mesesNeriglissar
  (..) 3 mesesLabashi-Marduque
Nabonido 17 anos‘17 (?)’ (anos)Nabonido
Total109 anos108 anos e 11 mesesTotal

* A Lista de Reis de Uruque é traduzida aqui com base na transcrição de A. K. Grayson em Reallexikon der Assyriologie, Vol. VI (1980), página 97, que é a melhor apresentação da lista. (TGR4, pág. 124) Ela concorda com a do Dr. J. van Dijk e com a conferência que R. Borger fez na década de 1970 da tabuinha original que está no Museu do Iraque. (Archiv für Orientforschung, Vol. 25, 1974/1977, págs. 165, 166.) – A versão apresentada por A. J. Sack, na página 3 de seu livro Amel-Marduque 562-560 A.C. (1972) está distorcida. Infelizmente, a mesma versão distorcida é apresentada na página 3 de seu livro Neriglissar – Rei de Babilônia (1994). Portanto, os comentários de Sack sobre a “imprecisão dos períodos de reinado”, são inválidos. (Veja também a análise crítica do livro de Sack sobre Neriglissar, feita por Stefan Zawadzki em Orientalia, Vol. 66, 1997, págs. 111-116.)

Os sinais cuneiformes na Lista de Reis de Uruque referentes aos anos de reinado de Amel-Marduque e Nabonido estão um pouco danificados e foram restaurados por Grayson como “3 anos e 8 meses” e “17 anos”, respectivamente.

É verdade que o Cânon de Ptolomeu mostra apenas quatro reis entre Kandalanu e Nabonido, enquanto que a Lista de Reis de Uruque mostra sete. Até aqui, os escritores de A Sentinela estão certos. O que eles não dizem aos leitores, porém, é que não há conflito entre as duas listas quanto à duração do período neobabilônico! Por que esconder esta informação importante dos leitores?

As diferentes maneiras de apresentar esta cronologia nas duas listas são facilmente explicáveis:

O reinado de Kandalanu durou 21 anos. Como mostra a crônica babilônica BM 25127, sua morte foi seguida por aproximadamente um ano de batalhas entre os pretendentes assírios e Nabopolassar, até que este conseguiu finalmente ascender ao trono na Babilônia. A crônica diz que “durante um ano não havia rei na terra (Babilônia). No vigésimo sexto dia do mês de marchesvan, Nabopolassar ascendeu ao trono em Babilônia.” (A. K. Grayson, Crônicas Assírias e Babilônicas, 1975, pág. 88 em inglês)

O ano em que não havia rei foi contabilizado de maneira diferente pelos escribas. Encontrou-se um par de tabuinhas comerciais que são datadas postumamente em shattu 22kam arki Kandalanu, isto é, “22 anos depois de Kandalanu.” (J. A. Brinkman & J. A. Kennedy na Revista de Estudos Cuneiformes, Vol. 35, 1983, pág. 49) Este é, evidentemente, o procedimento seguido também no Cânon de Ptolomeu, que atribui a Kandalanu um reinado de 22 anos.

A Lista de Reis de Uruque atribui 21 anos a Kandalanu e atribui o ano sem rei a dois dos pretendentes, Sin-sumu-lisir e Sinshar-ishkun. Da mesma forma, a Lista de Reis Babilônica A, que abrange o período a partir da primeira dinastia da Babilônia até o início da dinastia caldéia, mostra o nome de Sin-sumu-lisir após Kandalanu. (Reallexikon der Assyriologie, Vol. VI, 1980, pág. 93) Infelizmente, a lista quebra neste ponto, mas parece provável que ela também mencionava Sinshar-ishkun. De qualquer modo, o ano “sem rei” foi contado tanto pelo Cânon de Ptolomeu como pela Lista de Reis de Uruque.

A Lista de Reis de Uruque atribui 3 meses a Labashi-Marduque, que é deixado fora do Cânon. Porém, conforme já foi apontado, o Cânon só reconhece anos inteiros e omite reinados de alguns meses que não se estendem até um novo ano e, portanto, não afetam a duração total do período abrangido.

Como se vê, o fato de o Cânon ter apenas quatro reis enquanto a Lista de Reis de Uruque tem sete não constitui contradição e não gera qualquer problema para os eruditos que estão familiarizados com o assunto.

O que dizer da declaração na página 31 do artigo da A Sentinela de que o reinado de um dos reis da Lista de Reis de Uruque “durou sete anos”? Na Nota 8 os autores afirmam: “Sin-Sar-Ichcun governou por sete anos, e 57 tabuinhas econômicas desse rei datam desde o ano de sua ascensão ao sétimo ano de seu reinado. Veja Journal of Cuneiform Studies, Volume 35, 1983, páginas 54-59.”

A Lista de Reis de Uruque não menciona esses sete anos. A razão é que eles são documentados por tabuinhas comerciais que fazem referência ao governo dele na Assíria, e não ao governo dele em Babilônia! A Lista de Reis de Uruque atribui a ele e a outro pretendente apenas um ano, o ano “sem rei”, do reinado em Babilônia. Os sete anos documentados por cerca de 60 textos comerciais referem-se ao seu governo na Assíria antes da queda daquele império.

Segundo a inscrição de Adade-Gupi (Nabon. H 1, B), o rei assírio Assurbanipal governou por 42 anos. (TGR4, págs. 133-136) Isso é também apoiado por Beroso, que diz que após a morte de Samoges (Samas-sum-iukin, o irmão de Assurbanipal e rei vassalo da Assíria em Babilônia) Assurbanipal (Beroso: Sardanapallos) “governou sobre os caldeus por 21 anos.” (S. M. Burstein, 1978, Babyloniaca de Beroso, págs. 24, 25) Fontes cuneiformes mostram que Samas-sum-iukin morreu no 21º ano de Assurbanipal, por isso, se este último continuou a governar por mais 21 anos, seu reinado total foi de 42 anos. A declaração de Beroso também indicaria que Assurbanipal, durante os últimos 21 anos de seu reinado, governou tanto Babilônia como a Assíria – na Assíria como Assurbanipal e em Babilônia com o nome real de Kandalanu. Esta é uma opinião compartilhada por diversos historiadores modernos. Então, seu último ano de reinado foi 627 AC.

As inscrições cuneiformes mostram que Assurbanipal foi sucedido por seu filho mais velho, Assur-Etel-ilani, como governante da Assíria. (Joan Oates, “Cronologia Assíria, 631-612 A.C.”, Iraque, Vol. XXVII, 1965, pág. 135 em inglês). Ele governou por pelo menos quatro anos, segundo as tabuinhas comerciais e foi sucedido por seu irmão Sinshar-ishkun, que, em seguida, continuou como governante da Assíria até a queda de Nínive, a capital da Assíria, em 612 AEC. Os dois irmãos, Assur-Etel-ilani e Sinshar-ishkun, reinavam na Assíria, enquanto Nabopolassar governava em Babilônia, ainda que por alguns anos eles controlassem algumas cidades de Babilônia. Isto é confirmado pela Crônica Babilônica BM 21901, que abrange o período entre o 10º ano de Nabopolassar até seu 18º ano (616/15-608/607 AEC). A crônica descreve a conquista e destruição de Nínive, no 14º ano de Nabopolassar, e afirma: “Naquela época Sinshar-ishkun, rei da Assíria, [morreu] …” – Grayson, Crônicas Assírias e Babilônicas (daqui em diante ABC), (1975), Crônica 3: 44, pág. 94.

A mesma crônica prossegue dizendo que depois da derrota de Sinshar-ishkun na queda de Nínive, ele foi sucedido por Assur-Ubalit, que “ascendeu ao trono em Harã [a capital provincial assíria] para governar a Assíria.” Lá, ele foi finalmente derrotado no 17º ano de Nabopolassar (609 AEC), e com isso a Assíria deixou de existir. A partir de então Babilônia tinha a hegemonia no Oriente Próximo. – Grayson, ABC, Crônica 3:49-75, págs. 94-96.

Assim, Sinshar-ishkun ainda era “rei da Assíria”, no 14º ano de Nabopolassar. A tentativa por parte dos escritores de A Sentinela de transferir seu reinado assírio para a cronologia babilônica só revela que eles ignoram a história desse período ou estão tentando enganar seus leitores. Isto também se reflete nos comentários que eles fazem nas notas 8, 9 e 10.

A declaração na nota 9 do artigo de A Sentinela, de que “As Inscrições de Nabonido de Harã, (H1B), I, linha 30, também o alistam antes de Nabopolassar.” ignora o fato de que H1B só diz que Adade-Gupi nasceu “no 20º ano de Assurbanipal, rei da Assíria”, onde ela evidentemente viveu “até o 42º ano de Assurbanipal, o 3º ano de seu filho Assur-Etel-ilani, o 21º ano de Nabopolassar”, etc. Conforme aponta o Dr. Joan Oates, isso significa que ela deve ter se mudado da Assíria para Babilônia, durante o 3º ano de Assur-Etel-ilani, o que quer dizer que este não deve ter ocorrido antes de 1º ano de Nabopolassar. Se Assur-Etel-ilani iniciou seu governo na Assíria depois da morte de seu pai em 627 AEC, o terceiro ano dele foi 624/23 AEC. O segundo e terceiro anos de reinado dele na Assíria, portanto, coincidiram com o primeiro e segundo anos de Nabopolassar em Babilônia (625/24 e 624/23 AEC.) (Veja TGR4, págs. 388, 389. Veja também a consideração de Joan Oates em A História Antiga de Cambridge, 2ª ed, Vol. III:2, 1991, págs. 162-193).

As declarações na Nota 10 do artigo de A Sentinela são ainda mais enganosas. Os autores dizem: 

“Eruditos alegam que alguns reis foram omitidos por Ptolomeu — que supostamente alistou apenas reis de Babilônia — porque esses eram chamados pelo título de “Rei da Assíria”. No entanto, como pode notar no quadro da página 30, outros reis na lista do Cânon de Ptolomeu também tinham o título de “Rei da Assíria”. Tabuinhas econômicas, cartas cuneiformes e inscrições revelam claramente que os reis Assur-Etel-Ilani, Sin-Sum-Lisir e Sin-Sar-Ichcun governaram Babilônia.” 

O que os autores não dizem é que durante certos períodos Babilônia era vassalo da Assíria, e alguns reis da Assíria dominavam tanto Babilônia como a Assíria. Isto foi verdade, por exemplo, no caso de Salmaneser V (726-722 AEC). A Lista Babilônica de Reis A (BM 95502), diz: “Por cinco anos Salmaneser (V) governou Acade [Babilônia] e a Assíria.” (Grayson, ABC, Crônica 1:30, pág. 73.) É por isso que o Cânon de Ptolomeu o alista como rei de Babilônia por cinco anos.

O mesmo vale para Sargão II, que governou na Assíria por 17 anos (721-705 AEC), sendo que nos últimos cinco ele também governou Babilônia (709-705 AEC). É por isso que o Cânon de Ptolomeu atribui a ele cinco anos de reinado. Da mesma forma o rei assírio Esar-Hadom (680-669 AEC) também governou em Babilônia por 13 anos, razão pela qual ele está alistado no Cânon de Ptolomeu. É um fato – e não apenas uma suposição – que o Cânon alista apenas os reis de Babilônia, de Nabonassar até Nabonido (747-539 AEC).

Porém, com relação a Assur-Etel-ilani, Sin-sumu-lisir, e Sinshar-ishkun, eles nunca “governaram Babilônia”, como afirmam os autores de A Sentinela. Eles de fato tentaram manter o controle assírio sobre Babilônia depois da morte de Kandalanu, mas não conseguiram, embora os filhos e sucessores de Assurbanipal conseguissem controlar algumas cidades de Babilônia por alguns anos durante o reinado de Nabopolassar. Mas as inscrições jamais atribuem a eles o título de “Rei de Babilônia”. O assiriologista Grant Frame, que é uma autoridade sobre esse período, dá as seguintes informações sobre os três: 

Assur-Etel-ilani: 

“Assurbanipal foi sucedido como governante da Assíria por seu filho Assur-Etel-ilani (ou Assur-etelli-ilani). Nenhuma inscrição chamou Assur-Etel-ilani de ‘rei de Babilônia’ ‘vice-rei de Babilônia’, ou ‘rei da terra de Suméria e Acade’, nem é ele incluído em várias listas de governantes de Babilônia, que colocam Sin-sumu-lisir ou Nabopolassar depois de Kandalanu. No entanto, várias inscrições reais de Assur-Etel-ilani realmente vêm de Babilônia e descrevem ações naquela terra e, portanto, estas devem ser incluídas aqui. Mais de dez textos econômicos datados em anos de reinado dele como “rei da Assíria” ou “rei das terras” vêm de Nipur e estes comprovam seus anos de ascensão, primeiro, segundo, terceiro e quarto.” – Grant Frame, Governantes de Babilônia. Da Segunda Dinastia de Isin ao Fim da Dominação Assíria (1157-612 AC) (Toronto, Buffalo, Londres: Editora da Universidade de Toronto, 1995), pág. 261. Ênfase acrescentada. 

Sin-Sumu-lisir: 

“Não há inscrições reais de Sin-sumu-lisir comprovadas de Babilônia. Pelo menos sete textos comerciais babilônicos (incluindo quatro de Babilônia e um de Nipur) são datados no ano de ascensão dele. Nestes, não se dá qualquer título a ele, ou ele é chamado de ‘rei da Assíria’ ou simplesmente ‘rei’”. (Frame, 1995, pág. 269) 

Sinshar-ishkun: 

“O último rei assírio a exercer qualquer controle sobre pelo menos parte de Babilônia foi Sinshar-ishkun, um filho de Assurbanipal. O momento exato em que ele se tornou governante da Assíria e no qual teve autoridade em Babilônia não é claro, mas o reinado dele sobre a Assíria terminou em 612 AEC. Só a Lista de Reis de Uruque o inclui entre os governantes de Babilônia, atribuindo o ano seguinte ao reinado de Kandalanu e antes do reinado de Nabopolassar (626 AEC) a Sin-sumu-lisir e Sinshar-ishkun conjuntamente (Grayson, RLA 6/1-2 [1980] pág. 97 anverso 4′-5′). Nenhuma inscrição conhecida dá a ele o título de ‘rei de Babilônia, ‘vice-rei de Babilônia’, ou ‘rei da terra de Suméria e Acade.’

Não há inscrições reais babilônicas de Sinshar-ishkun comprovadas e as inscrições assírias dele serão editadas em outros lugares na série RIM [sigla em inglês para As Inscrições Reais da Mesopotâmia] (como A.0.116). Aproximadamente 60 textos econômicos foram datados nos anos de reinado dele em Babilônia. Estes indicam que ele controlava Babilônia, Nipur, Sipar e Uruque; os primeiros textos vêm de seu ano de ascensão e o mais recente do sétimo ano dele. No entanto, nenhum desses textos econômicos, dá-lhe o título de ‘rei de Babilônia’; em vez disso ele é chamado de ‘rei da Assíria’, ‘rei das terras’ e ‘rei do mundo’” (Frame, 1995, pág. 270)  Ênfase acrescentada. 

Deve-se acrescentar que, apesar de a revolta de Nabopolassar ter sido bem sucedida, levou alguns anos até ele conseguir o controle sobre todas as cidades de Babilônia. Conforme foi dito, algumas cidades de Babilônia permaneceram sob controle assírio por alguns anos após a ascensão de Nabopolassar ao trono de Babilônia.

Para obter informações adicionais sobre esses governantes assírios e sua relação com Babilônia, veja a análise no artigo Reis Neobabilônicos Desconhecidos?

A Conclusão Baseada Nesta Evidência

Os autores do artigo de A Sentinela alegam que “a Bíblia diz claramente que houve um exílio de 70 anos.” (Página 31) Como foi mostrado acima, isso não é verdade. A Bíblia nada diz nesse sentido. Ela diz “estas nações servirão ao rei de Babilônia por setenta anos.” (Jeremias 25:11) Os 70 anos seriam um período de servidão para as nações, e não um período de exílio para os judeus. Seriam 70 anos “para Babilônia”, e não 70 anos “para Jerusalém” após sua desolação e a duração do exílio dos judeus que se seguiu. (Jeremias 29:10)

Foi demonstrado acima que os 70 anos “para Babilônia” começaram depois da queda da Assíria, em 609 AEC e terminaram depois da queda de Babilônia em 539 AEC, quando o rei de Babilônia foi punido. Segundo Jeremias 25:12, ele deveria ser punido “quando os setenta anos se completassem”. Como ele foi punido em 539 AEC, os 70 anos se completaram naquele ano. Isto é o que a Bíblia diz claramente. A ideia de que os 70 anos terminaram em 537 AEC está, portanto, em conflito com a Bíblia.

A alegação de que as autoridades que datam a destruição de Jerusalém em 587 AEC “se baseiam em duas fontes — os escritos de historiadores clássicos e o Cânon de Ptolomeu” é comprovadamente falsa. Além disso, os argumentos usados ​​para minar a confiabilidade de Beroso e do Cânon se mostraram infundados. Embora nenhuma dessas fontes seja necessária para estabelecer a data da destruição de Jerusalém, ambas estão de pleno acordo com os documentos cuneiformes, incluindo os milhares de tabuinhas datadas do período neobabilônico.

A conclusão é que os argumentos utilizados pelos autores de A Sentinela estão em conflito tanto com a Bíblia como com as fontes extra-bíblicas. O artigo acaba sendo nada mais que uma tentativa desesperada e desonesta de defender uma data que é simplesmente indefensável.


* Nota do Tradutor: Isso na edição da revista A Sentinela em português. Na edição em inglês são citadas apenas duas traduções (Nova Versão Internacional [NVI] e Versão em Inglês Padrão [ESV]).

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