É a Alma Imortal? (Mateus 10:28 e o Dualismo)

Afirmou Jesus que quando as pessoas matam nossos corpos, as nossas almas continuam vivas?

Mateus 10:28 é um problema para a doutrina tradicional do inferno. É um dos versículos das Escrituras que os condicionalistas não deixarão os tradicionalistas esquecer, e por boas razões. Ele afirma, na linguagem mais clara possível, que a pior coisa que os homens podem fazer é nos matar, mas Deus pode nos destruir, “alma e corpo”, no inferno. Este é o destino que aguarda os que no final rejeitam a Deus. Independentemente do que você pensa que a alma seja, ela também será destruída junto com o corpo.

E, no entanto, às vezes se pensa que este trecho representa um problema para muitos de nós. A maioria dos condicionalistas acredita que a ideia de uma alma imaterial que vive quando o corpo morre não é bíblica. Nós não fomos criados para morrer, por isso não temos um mecanismo de sobrevivência à morte embutido. Quando morremos, estamos total e verdadeiramente mortos até a ressurreição. E, todavia, aqui está Jesus dizendo que os seres humanos podem matar nossos corpos, mas não nossas almas. O que acontece?

Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo.

Considerando o que muitas pessoas já acreditam sobre o que chamam de “almas”, é compreensível que elas encontrariam prontamente aqui um exemplo de um texto que encoraja uma interpretação dualista. Mas é precisamente por isso que se requer cuidado: se o que as pessoas já creem sobre as almas está correto ou não é a própria coisa que está sob exame. Este é um caso em que pressuposições teológicas sobre palavras em idiomas modernos estão conduzindo a interpretação da Bíblia. É óbvio que simplesmente apontar o fato de nossas traduções modernas conterem a palavra “alma” não prova que os escritores bíblicos estavam ensinando dualismo. Se fosse assim, não poderia haver desacordo sobre o assunto: ‘Nossas traduções contêm essa palavra, então o dualismo é bíblico’, e ponto final.

Mas é claro que isso não é o fim da história. Uma questão crucial aqui é se somos ou não obrigados a interpretar o termo bíblico traduzido como “alma” (ψυχή, psuche neste caso) em um sentido dualista de substância, referindo-se a uma entidade consciente, não-material, que, em princípio, pode viver sem um corpo. Certamente houve pessoas que usaram a palavra grega psuche dessa maneira. Mas, foi isso que Mateus fez, e reflete isso um uso mais amplo do termo no Novo Testamento? Se não, então a primeira impressão de que este texto apóia um perfil dualista dos seres humanos pode ser uma ilusão.

O que é a psuche?

Suponhamos que você conheça um homem que acredita que todos nós somos alienígenas de outro planeta. Esses alienígenas de outro planeta, diz ele, são chamados de “almas”. Além do mais, ele afirma que este é o conceito bíblico. E há evidência disso também: Basta olhar para todas as referências bíblicas a uma “alma”. E assim, ele conclui, a Bíblia afirma repetidamente a opinião dele: Nós somos realmente alienígenas de outro planeta!

É claro que você acharia esta linha de argumentação absurda. Que a Bíblia usa a palavra “alma” é fato, mas isso não é evidência de que somos alienígenas de outro planeta porque não é exatamente isso o que a palavra significa! Os escritores bíblicos não usaram a palavra grega psuche para se referir a alienígenas de outro planeta. Por mais absurdo que seja esse cenário, ele é análogo ao que está em discussão aqui. Não podemos afirmar ter evidência para nosso conceito sobre a natureza humana só porque encontramos na Bíblia os mesmos termos que usamos em nossa descrição da natureza humana. A verdadeira questão é: os escritores bíblicos usaram os termos da mesma maneira que nós? Admitidamente, sabemos que algumas pessoas no mundo de língua grega usaram a palavra psuche para se referir a um ser consciente não físico, que poderia sobreviver sem um corpo (chamemos isso de um uso dualista do termo). Mas, será que os escritores bíblicos usaram a palavra de um modo diferente? Na verdade, eles a usaram em pelo menos um par de maneiras, e, de qualquer modo, não está claro que eles a usaram de uma forma que reflete dualismo em se tratando dos seres humanos.

Uma das maneiras habituais como os escritores do NT usaram o termo psuche é o sentido familiar hebraico do AT onde ele se refere simplesmente a uma pessoa. Este é o caso até mesmo em exemplos que alguns leitores tipicamente assumiram como uma referência à alma imaterial, consciente e desencarnada de uma pessoa.

Herbert Luckock, um excelente escritor anglicano sobre o tema da morte e o estado intermediário no final do século 19, defendeu a alegação de que “não deixarás a minha alma no hades” refere-se, na verdade, à descida de Cristo ao mundo inferior. Ainda assim, ele reconheceu honestamente:

É bem verdade que as palavras eram capazes de um significado que limitaria a referência simplesmente à morte e ao enterro que precederam Sua Ressurreição, pois inferno ou Seol é frequentemente usado no Antigo Testamento em referência à sepultura, e a alma do homem não raro indica simplesmente sua pessoa; na verdade, ela foi até mesmo considerada como um sinônimo de seu corpo. Na Lei está escrito: “Se uma alma tocar alguma coisa impura… ela também será impura”; E “a alma que a comer será destruída”; novamente pelo salmista, “Deus redimirá a minha alma do poder do túmulo”.1

Conforme observou Luckock, o grande teólogo reformado e tradutor bíblico Theodore Beza apercebeu-se disso. Em sua edição de 1582 do Novo Testamento Grego, ele deu a seguinte tradução de Atos 2:17, “Non derelinques cadaver meum in sepulcra”, o equivalente a “Não abandonarás o meu cadáver na sepultura.” Uma boa tradução que define o ponto: Não me deixarás morto na sepultura. Entretanto, como Luckock também observou, Beza depois cedeu à pressão cultural e/ou de seus pares e “ele mudou isso numa edição posterior, porque disse que algumas pessoas se ofenderam com a tradução.”2 A maioria das traduções modernas, porém, dispensou a expressão inútil “minha alma” e usam termos que realmente traduzem o significado de uma língua para outra. Alguns exemplos ilustram este ponto:

Levítico 26:11: “E porei o meu tabernáculo no meio de vós, e a minha alma de vós não se enfadará.” (ACF)

“Estabelecerei o meu Tabernáculo no meio de vocês e não os rejeitarei.” (NBV)

“Morarei no meio de vocês, na minha Tenda Sagrada, e nunca os abandonarei.” (NTLH)

“Estabelecerei a minha habitação entre vocês e não os rejeitarei.” (NVI)

“Porei minha morada entre vós e não vos detestarei.” (PER)

“Porei a minha morada no meio de vós; não terei aversão a vós.” (TEB)

Salmo 3:2: Muitos dizem da minha alma: Não há salvação para ele em Deus.” (ACF)

“Tantos estão dizendo que Deus não está interessado em me salvar” (NBV)

“Eles conversam a meu respeito e dizem: ‘Deus não o ajudará!’” (NTLH)

“São muitos os que dizem a meu respeito: ‘Deus nunca o salvará!’” (NVI)

“… quantos dizem de mim: para ele não há salvação em Deus.” (PER)

“… numerosos a dizem de mim: ‘Para ele não há salvação junto a Deus!’” (TEB)

Isaías 42:1: “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se apraz a minha alma;” (ACF)

“Eis o meu servo, dou-lhe o meu apoio. É o meu escolhido, alegria do meu coração.” (CNBB)

“Aí está o meu servo! Eu mesmo o sustento. Ele é o meu escolhido, em quem tenho prazer.” (NBV)

“Aqui está o meu servo, a quem eu fortaleço, o meu escolhido, que dá muita alegria ao meu coração.” (NTLH)

“Eis o meu servo, a quem sustento, o meu escolhido, em quem tenho prazer.” (NVI)

“Vede meu servo, a quem sustento; meu escolhido, a quem prefiro.” (PER)

Há muitos e muitos outros exemplos. Este uso do termo “alma” ainda sobrevive em nossos dias, mas apenas graças a algumas declarações preservadas de tempos passados. Por exemplo, ‘não havia uma alma à vista’, ou ‘o Titanic afundou com mais de 1.500 almas a bordo’. Somos todos almas.

O que é talvez mais relevante aqui, uma das maneiras mais comuns em que a palavra psuche é usada nas Escrituras Gregas é em referência à vida de uma criatura. Obviamente “vida” pode significar coisas diferentes nas línguas modernas. Pode referir-se a algo que abrange um período de tempo, como por exemplo: “Eu nunca ouvi tal coisa em toda a minha vida!” Não é isso o que psuche significa. Isso é o que o termo grego bios às vezes significa, de modo que um registro escrito da vida de alguém seria chamado de biografia.3 Em vez de se referir à vida que se vive ou à vida abstrata (por exemplo, na frase “obter a vida eterna”, onde vida é zoepsuche se refere à vida que uma criatura tem. Por exemplo, em Marcos 3:4 Jesus perguntou: “É lícito no sábado fazer bem, ou fazer mal? salvar a vida (psuche), ou matar?” (ACF) No contexto, Jesus estava prestes a curar fisicamente um homem com uma mão deformada, e estava falando sobre salvar a vida física de uma pessoa ao invés de fazer o oposto: matá-la.

Não há uso de psuche no Novo Testamento que requeira qualquer significado além destes comuns. Descartar o termo “alma” sempre que possível e usar termos como “pessoa”, “pessoas”, “mente”, “coração” ou “vida” tornaria muitos trechos mais claros.4 Na verdade, a inconsistência no modo como a palavra é traduzida, mesmo dentro de um contexto relativamente pequeno, às vezes surpreende. Considere o exemplo um tanto espantoso de Marcos 8:34-37 (extraído aqui da ACF):

“E chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me. Porque qualquer que quiser salvar a sua vida (psuche), perdê-la-á, mas, qualquer que perder a sua vida (psuche) por amor de mim e do evangelho, esse a salvará. Pois, que aproveitaria ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma (psuche)? Ou, que daria o homem pelo resgate da sua alma (psuche)?

Eu suspeito que a palavra “alma” foi mantida neste trecho por causa de seu apelo tradicional, familiar e talvez até mesmo sentimental, mas no contexto Jesus claramente quis dizer “vida”. Muito mais claro ficaria o trecho final se ele dissesse: “Pois, que aproveitaria ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua vida? Ou, que daria o homem pelo resgate da sua vida?”

A história de Jesus sobre o rico tolo fornece um bom exemplo do primeiro significado de psuche: “E direi a minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga.” (Lucas 12:19, ACF). Esta não é uma maneira particularmente clara de traduzir o idioma. Quem é que fala com sua alma imaterial – até mesmo entre os que pensam que têm uma? “Direi a mim mesmo” é, obviamente, o que se quer dizer. Similarmente, na referência de Pedro ao relato do Gênesis sobre o Dilúvio, ele observou (em muitas versões modernas, pelo menos) que a família de Noé na arca consistia de “apenas oito almas”, quando claramente “apenas oito pessoas” é o que se quer dizer.

Mas, independentemente de qual seria a melhor tradução em qualquer caso, a questão é que não devemos deixar nossa doutrina conduzir nossa interpretação de Mateus 10:28. A presença da palavra “alma” não deve nos distrair. Essa palavra é usada no rastro de uma longa tradição de tradução que se preocupa tanto com a doutrina como com a precisão. A tarefa de fazer uma exegese (interpretação textual) cuidadosa significa que temos de deixar de lado a maneira como as pessoas traduziram o versículo para nós e investigar por nós mesmos. Que Deus é capaz de destruir “vida e corpo” faz bom sentido, indicando nada mais do que Deus ser capaz de destruir-nos. Na superfície a pessoa pode se sentir tentada a achar esta tradução um tanto redundante: Se Deus destrói nosso corpo, então é claro que Ele destrói nossa vida. Então por que o fato de Ele poder destruir ambos é mais temível do que o fato de outras pessoas poderem matar o corpo?

A resposta a esta pergunta reside no fato de que Deus pode fazer mais do que simplesmente tirar nossas vidas. Ele pode fazê-lo na Geena, que é permanente. Falaremos mais sobre isso abaixo. Mas, antes de avançarmos além do ponto em que psuche é vida, em vez de nossa alma imaterial, vale a pena fazer uma observação adicional: Jesus não diz que Deus não só destruirá o corpo, mas também, e mais significativamente, que Ele também destruirá a alma. Em vez disso, inverte-se a ordem e Jesus diz que Deus pode destruir “tanto a alma como o corpo” (em nossas versões modernas). A destruição da alma não é o clímax desta declaração, como se ela representasse algo muito pior do que a destruição do corpo. O clímax é a Geena.

Podem os homens tirar a psuche?

A compreensível impressão que muitos obteriam da primeira parte de Mateus 10:28 é que existe uma coisa chamada alma que os seres humanos não podem tocar. Eles não podem matá-la ou tirá-la de qualquer modo. Ela é imune ao poder humano. Esta coisa não poderia ser simplesmente a nossa vida, porque, como todos sabem, seres humanos podem tirar a nossa vida. Mas, na verdade, isso coloca muito peso em pouca evidência.

O fato é que no Novo Testamento – e mesmo em outras partes do próprio Evangelho de Mateus, é bastante claro que seres humanos ou forças neste mundo podem tirar a psuche de uma pessoa. Alguns exemplos ilustram isso com clareza. Lembre-se que ao saber do nascimento de Jesus, Herodes quis matá-lo. Sendo avisados ​​do perigo, Maria e José fugiram com Jesus para o Egito. E daí chegou o tempo de eles retornarem. Foi desta maneira que José foi aconselhado a retornar a Israel em Mateus 2:19, 20:

Depois que Herodes morreu, um anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, e disse: “Levante-se, tome o menino e sua mãe, e vá para a terra de Israel, pois estão mortos os que procuravam tirar a vida (psuche) do menino.”

O significado claro de “procuravam tirar a vida do menino” é ‘procuravam matar o menino’. É bem evidente que Herodes não estava tentando fazer algo que os seres humanos literalmente não podem fazer. Pelo contrário, ele causou a morte de muitos meninos na tentativa de matar o menino Jesus (Mateus 2:16). Ele era perfeitamente capaz de tirar a psuche e tinha feito isso antes.

Quando Paulo foi visitado por um anjo que lhe disse que Deus tinha garantido a segurança de todos os que estavam no navio com ele, ele disse a seus companheiros de bordo: “nenhum de vocês perderá a vida (psuche); apenas o navio será destruído.” Não só outras pessoas podem tirar a psuche de alguém, mas a pessoa pode perdê-la acidentalmente, como numa tempestade.

O ponto em questão em tudo isso é que é evidentemente errado tomar Mateus 10:28 como uma regra rígida e estrita sobre o que pode acontecer com a psuche em todos os sentidos possíveis. O pronunciamento simplesmente não pretendia antecipar todo significado possível de se perder a psuche. A resposta à pergunta “Podem seres humanos matar / tirar a sua vida?” é realmente: “Sim – no aqui e no agora, mas não definitivamente. Não para sempre.” É esse “não definitivamente” que Mateus está enfatizando quando diz que os homens não podem matar a alma (afinal, Mateus já tinha dito que Herodes teria conseguido tirar a psuche de Jesus, se a criança não tivesse sido levada para o Egito). Em controvérsias teológicas, pessoas que seriam razoáveis ​​na maioria das circunstâncias podem, às vezes, de repente se tornarem os mais severos fundamentalistas: ‘Não, aqui está dizendo que as pessoas podem tirar a sua vida, mas não a sua alma, e você está dizendo que eles podem tirá-la. Pare de tentar qualificar o texto para se esquivar do que ele diz.’ Como é frequentemente o caso, esse tipo de fundamentalismo é seletivo, e muitas vezes todos permitimos precisamente esse tipo de qualificação. Por exemplo:

“A ninguém na terra chamem ‘pai’, porque vocês só têm um Pai, aquele que está nos céus. Tampouco vocês devem ser chamados ‘chefes’, porquanto vocês têm um só Chefe, o Cristo.” (Mateus 23: 9, 10, NVI)

Suponho que os mesmos que insistem que os homens não podem tirar a psuche de alguém de nenhuma maneira, modo ou forma com base em Mateus 10:28, ainda se referem a seus pais como seus “pais” e não têm qualquer problema em chamar seu chefe no trabalho de “chefe”. A explicação deles, que eu aceito, é que a proibição de usar esses termos está qualificada implicitamente. Embora Jesus não tenha dito que ele estava apenas falando sobre certa maneira de considerar as pessoas como pai ou chefe, era isso o que ele estava fazendo.

O mesmo é verdade no caso de Mateus 10:28. Na verdade, outras pessoas e forças da natureza podem tirar a vida de alguém, sua psuche. Há, todavia, um sentido no qual as pessoas não podem realmente tirar a vida de outros, e este é o sentido que está expresso em Mateus. Afirmar que seres humanos não podem tirar a vida duma pessoa (embora eles possam realmente matá-la) é semelhante à nossa expressão familiar: ‘Eles podem vencer a batalha, mas não vencerão a guerra.’ O ponto da declaração de Jesus em Mateus 10:28 não era sobre quais partes da pessoa são vulneráveis ​​ao ataque humano e quais não são (de fato, a questão nem é realmente sobre “partes”). Em vez disso, o ponto é sobre o que é temporário e o que é definitivo. Os seres humanos podem matar uma pessoa – por enquanto. Mas Deus é capaz de acabar com uma pessoa para sempre. Que o ponto é esse, em vez de ser algo sobre a indestrutibilidade da “alma” às mãos dos homens, é confirmado pela maneira como Lucas registra a mesma declaração de Jesus (Lucas 12:4, 5):

“Eu lhes digo, meus amigos: não tenham medo dos que matam o corpo e depois nada mais podem fazer. Mas eu lhes mostrarei a quem vocês devem temer: temam aquele que, depois de matar o corpo, tem poder para lançar no inferno. Sim, eu lhes digo, esse vocês devem temer.”

A verdade é que não sabemos qual versão do texto é a mais próxima do que Jesus disse, então nossa principal preocupação deve ser entender o ponto que Mateus e Lucas entenderam que Jesus estava delineando. O ponto é o mesmo, tanto em Mateus como em Lucas: O fato temível não é simplesmente que Deus pode tirar sua vida (até seres humanos podem fazer isso – nesta vida pelo menos), mas o fato de que Ele pode fazê-lo na Geena, traduzida acima como “inferno”, referindo-se a um lugar onde a morte é verdadeiramente final. Geena representa o ato final do juízo divino, e é isso que marca a diferença entre o que os homens podem fazer e o que Deus pode fazer, um ponto talvez tornado mais claro em Lucas, mas também apresentado por Mateus. Os que pertencem a Cristo só precisam temer a morte nesta vida, que não é realmente o fim de nossa vida, pois ainda temos um futuro. A Geena, por outro lado, é o fim da linha.

Na verdade, dentro do Evangelho de Mateus há um paralelo bem marcante de seu uso de psuche em referência a alguém perder a vida às mãos dos homens. Em Mateus 16:25 Jesus promete que “quem perder a vida (psuche) por minha causa, a encontrará.” É óbvio que Jesus não está elogiando pessoas que perdem sua alma eterna por causa dele (!), e sim os que estão dispostos a entregar suas vidas por causa dele. De fato, há um forte paralelo aqui com Mateus 10:28, pois estes são dois ensinamentos dados aos seguidores de Cristo sobre a perda de suas vidas por causa dele. Ambos os trechos lhes asseguram que os homens, em última instância, não podem tirar a vida, e Mateus 10:28 acrescenta que Deus pode. Mateus 16, porém, observa que ser morto por homens ainda é a pessoa perder a sua psuche, sob a condição de que tal pessoa a ganhará novamente. Isto é o que se lembra ao leitor em Mateus 10:28. É claro que os homens podem realmente tirar sua vida, mas em um sentido diferente, eles não estão realmente a tirando de modo definitivo, pois ela pertence a Deus, e “O Senhor mata e preserva a vida; ele faz descer à sepultura e dela resgata.” (1 Samuel 2:6). Deus dará a vida de volta aos que a usufruirão para sempre pela ressurreição, como se eles nunca a tivessem perdido. Quanto aos demais, Deus tirará sua vida para sempre, destruindo-os no inferno.

Resumo

Só Deus é imortal. A alma humana não é, por sua própria natureza, imortal. A imortalidade só é concedida como dom por Deus através da fé em Jesus Cristo.

Em vez de servir como evidência bíblica para o dualismo, Mateus 10:28 é uma declaração da soberania de Deus sobre a vida e a morte, e uma garantia: O que os homens podem fazer contra você é temporário. Eles podem matá-lo e isso é terrível, admite-se, mas é Deus, aquele em quem esperamos, que pode acabar com uma pessoa para sempre, não só matando o corpo temporariamente, como os homens podem fazer, mas acabando com sua vida definitivamente. Não tema os homens. Tema a Deus.

Glenn Andrew Peoples

Notas

1 Herbert Mortimer Luckock, The Intermediate State Between Death and Judgment [O Estado Intermediário Entre a Morte e o Julgamento (Nova Iorque: Thomas Whittaker, 1891), pág. 130.

2 Luckock, O Estado Intermediário, pág. 130.

3 Curiosamente, bios muitas vezes significa também a soma de dinheiro que uma pessoa ganhou ao longo de sua vida.

4 Há casos em que psuche pode significar algo como “mente” ou “coração” no Novo Testamento, mas estes casos são comparativamente raros lá. Por exemplo, Atos 14:2: “Todavia, os judeus que rejeitaram a fé incitaram os gentios, envenenando as mentes deles contra os irmãos.” (CEB, e outras versões em inglês.).

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