Os Setenta Anos para Babilônia


Assim fala o SENHOR: Quando se completarem para Babilônia setenta anos, eu me ocuparei de vós e cumprirei as minhas promessas relativas ao vosso retorno a este lugar. — Jeremias 29:10, TEB

Introdução

A DATA 607 A.E.C., apresentada pelos cronologistas da Torre de Vigia como o momento da destruição de Jerusalém e de seu templo pelos babilônios, é determinada somando-se os setenta anos preditos por Jeremias a 537 A.E.C., data em que se supõe que o restante judaico retornou do exílio. Afirma-se que estes setenta anos foram um período de desolação completa de Judá e Jerusalém:A profecia bíblica não permite a aplicação desse período de 70 anos a qualquer outro tempo, senão ao situado entre a desolação de Judá, acompanhada pela destruição de Jerusalém, e o retorno dos exilados judaicos à sua pátria, em resultado do decreto de Ciro. Especifica claramente que os 70 anos seriam anos de devastaçãodaterradeJudá.[1]

Se a profecia bíblica não admite qualquer outro entendimento do período de 70 anos, então uma escolha deve ser feita entre a data determinada por esta aplicação e a que é estabelecida por pelo menos dezessete linhas de evidência histórica.

Quando certa interpretação de uma profecia bíblica contradiz a evidência histórica, isto quer dizer que ou a profecia falhou ou a interpretação está errada. É verdade que uma determinada aplicação parece às vezes muito convincente, a ponto de nenhuma outra parecer plausível. O leitor pode até achar que ela provém da própria Bíblia. Em um caso assim, rejeitar a evidência histórica e “apegar-se simplesmente ao que a Bíblia diz” pode parecer também ser uma resoluta posição cristã.

Todavia, aqueles que tomam esta posição freqüentemente deixam de levar em conta que o cumprimento de uma profecia não pode ser comprovado à parte da História, porque somente a História pode mostrar se, quando e como ela se cumpriu. Na realidade, geralmente uma profecia só é entendida depois de estar cumprida historicamente através dos eventos da época. Erros graves foram às vezes cometidos por estudiosos da Bíblia sinceros porque a evidência histórica contrária a certa aplicação ou interpretação foi rejeitada. Um exemplo será dado a seguir para ilustrar este fato.

A História e as profecias cronológicas — uma lição 

A maioria dos comentaristas concorda que a profecia de Daniel acerca das “setenta semanas” (Daniel 9:24-27) refere-se a um período de 490 anos. Mas várias opiniões foram defendidas com respeito ao ponto inicial deste período. Embora Daniel 9:25 diga que “desde a saída da palavra para se restaurar e reconstruir Jerusalém até o Messias, o Líder, haverá sete semanas, também sessenta e duas semanas” (TNM), diversas interpretações foram defendidas no que se refere a quando e por quem esta “palavra” foi proferida.[2]

Se nos “apegarmos apenas à Bíblia”, ela parece apontar para o rei persa Ciro. Em Isaías 44:28 Jeová “diz a Ciro: “Você governará em meu nome e fará o que eu quero. Você ordenará que Jerusalém seja reconstruída e que sejam postos os alicerces do novo Templo.”” (BLH) E diz adicionalmente, no capítulo 45, versículo 13: “Eu é que despertei alguém em justiça e endireitarei todos os seus caminhos. É ele quem construirá a minha cidade e soltará os meus que estão no exílio, não por um preço nem por suborno”, disse Jeová dos exércitos.” (TNM).

Dessa forma, pareceria claro que, segundo a própria Bíblia “a palavra para restaurar e reconstruir Jerusalém” seria proferida por Ciro. Todavia, esta aplicação limita o período que vai do decreto de Ciro (Esdras 1:1-4) até o Messias em 483 anos (“sete semanas, também sessenta e duas semanas”). Se este período terminou por ocasião do batismo de Cristo, o qual geralmente se data em algum momento entre 26 e 29 E.C., então o primeiro ano de Ciro como rei de Babilônia teria de ser datado no período 458-455 A.E.C., em vez de 538, que é a data historicamente reconhecida.

Contrário a toda a evidência histórica, diversos comentaristas cristãos do passado escolheram esta aplicação e alguns expositores ainda se apegam a ela. A idéia foi popularizada no século passado por Martin Anstey em sua obra O Romance da Cronologia Bíblica (em inglês), Londres, 1913.[3] O Dr. E. W. Bullinger (1837-1913) adotou a mesma posição, como se pode ver no Apêndice 91 (págs. 131-32) de sua The Companion Bible.

O raciocínio por trás dessa posição anti-histórica é claramente demonstrado por um de seus seguidores, George Storrs, um estudioso da Bíblia do século 19 e editor do periódico Examinador da Bíblia (em inglês). Num artigo que abordou o assunto das setenta semanas, ele declara:

Examinado este ponto, não temos nada que ver com a cronologia profana, ou a cronologia dos historiadores. A Bíblia é que deve resolver a questão e se a cronologia profana não está de acordo com ela, temos o direito de concluir que tal cronologia é falsa e indigna de confiança.[4]

Storrs, assim como outros expositores anteriores e posteriores a ele, tentou eliminar quase 100 anos do período persa, alegando que diversos reis persas mencionados no “Cânon de Ptolomeu” (Cânon Real) e em outras fontes históricas jamais existiram! Com certeza George Storrs foi um estudioso cristão da Bíblia honesto e sincero, mas a rejeição das fontes históricas por parte dele (e de outros) provou ser um erro grave. [5]

Que os reis persas mencionados no Cânon Real existiram realmente, pode ser provado além que qualquer dúvida pelos achados arqueológicos dos tempos modernos.[6] Esta é uma instrutiva ilustração da necessidade de se considerar a evidência histórica quando se trata de profecias bíblicas relacionadas com cronologia. Embora esta aplicação especial das setenta semanas parecesse bem bíblica e convincente, foi refutada pelos fatos históricos e, portanto, não podia estar correta.

O mesmo vale para a aplicação da profecia dos setenta anos que a Sociedade Torre de Vigia faz. Embora superficialmente ela pareça ser apoiada por certas passagens bíblicas, deve ser abandonada por ser incompatível com os fatos históricos estabelecidos por uma multiplicidade de descobertas modernas.

Será que é possível, então, encontrar uma aplicação dos setenta anos que esteja em harmonia com a evidência histórica? Sim, e um exame atento dos textos bíblicos que tratam dos setenta anos demonstrará que não há qualquer conflito real entre a Bíblia e a história secular quanto a isso. Como se mostrará a seguir, a aplicação feita pela Sociedade Torre de Vigia é que está em conflito, não só com a história secular, como também com a própria Bíblia.

Há sete textos bíblicos referentes ao intervalo de setenta anos que a Sociedade Torre de Vigia aplica ao mesmo período: Jeremias 25:10-12; Jeremias 29:10; Daniel 9:1,2; 2 Crônicas 36:20-23; Zacarias 1:7-12; Zacarias 7:1-7 e Isaías 23:15-18. Estes serão agora examinados um por um, em ordem cronológica.[7]

A. JEREMIAS 25:10-12

A predição original é a que se encontra em Jeremias 25:10-12, sendo datada no “quarto ano de Jeoiaquim, filho de Josias, rei de Judá, isto é, no primeiro ano de Nabucodorosor, rei de Babilônia” (versículo 1). Jeoiaquim reinou por onze anos e foi sucedido por seu filho Joaquim, que governou por três meses. Joaquim, por sua vez, foi sucedido por seu tio Zedequias, e no décimo primeiro ano deste Jerusalém foi desolada. Isso quer dizer que a profecia de Jeremias foi proferida dezoito anos antes da destruição de Jerusalém.

Jeremias 25:10-12:

“E eu vou destruir dentre eles o som de exultação e o som de alegria, a voz do noivo e a voz da noiva, o som do moinho manual e a luz da lâmpada. E toda esta terra terá de tornar-se um lugar devastado, um assombro, e estas nações terão de servir ao rei de Babilônia por setenta anos.” ‘“ ‘E terá de acontecer que, quando tiverem cumprido setenta anos, ajustarei contas com o rei de Babilônia e com aquela nação’, é a pronunciação de Jeová, ‘pelo seu erro, sim, com a terra dos caldeus, e vou fazer dela baldios desolados por tempo indefinido.” (TNM)[8]

Três coisas são preditas nessa profecia:

(1) A terra de Judá se tornaria um “lugar devastado”.

(2) “Estas nações” serviriam “ao rei de Babilônia por setenta anos”.

(3) Quando os setenta anos se “cumprissem” Deus ajustaria “contas com o rei de Babilônia e com aquela nação… pelo seu erro, sim, com a terra dos caldeus…”

O que este trecho nos diz realmente sobre os “setenta anos”?

A-1: Desolação ou servidão – qual?

Embora se tenha predito no trecho que a terra de Judá tornar-se-ia um lugar devastado, deve-se notar que esta “devastação” não é igualada ou associada ao período dos setenta anos. Tudo o que o texto diz, de maneira clara e sem ambigüidade é que “estas nações terão de servir ao rei de Babilônia por setenta anos”. A frase “estas nações” é uma referência ao anterior versículo 9, no qual se prediz que Nabucodonosor viria contra “contra esta terra [ou seja, Judá] e contra os seus habitantes, e contra todas estas nações ao redor”.

Portanto, os setenta anos devem ser entendidos como significando anos de servidão para estas nações. Essa conclusão é tão óbvia que a Sociedade Torre de Vigia, no cabeçalho da página 826 de sua edição de tipos grandes da Tradução do Novo Mundo (1971 em inglês), descreve automaticamente os setenta anos como “70 anos de servidão”.[9]

No entanto, em suas discussões deste texto, os escritores da Torre de Vigia nunca destacam que Jeremias falou de setenta anos de servidão, ou que esta servidão se relacionava com as nações ao redor de Judá. Eles sempre tentam dar a impressão de que os setenta anos se referem a Judá, e apenas a Judá, e sempre descrevem os setenta anos como um período em que Judá sofreu completa desolação, “sem habitante”.[10] É assim que supõem que ocorreu no caso da destruição de Jerusalém e de seu templo. Mas esta aplicação que fazem está em conflito direto com a terminologia exata da predição de Jeremias, e só pode ser defendida ignorando-se o que o texto realmente diz.

A “servidão” neste caso não deve ser entendida como significando a mesma coisa que desolação e exílio. Para as nações ao redor de Judá a servidão antes de qualquer coisa significou vassalagem.[11] Embora Judá também tenha sido subjugada por Babilônia, vez após vez revoltou-se e tentou se livrar do jugo de Babilônia, o que resultou em onda após onda de devastadoras ações militares e deportações até que o país ficou por fim desolado e despovoado após a destruição de Jerusalém em 587 A.E.C. Que esse destino não é a mesma coisa que servidão, mas viria como punição para qualquer nação que se recusasse a servir ao rei de Babilônia, tinha sido claramente predito por Jeremias, no capítulo 27, versículos 7, 8 e 11:

“E todas as nações terão de servir mesmo a ele, e a seu filho, e a seu neto, até que venha mesmo o tempo da sua própria terra, e muitas nações e grandes reis terão de explorá-lo como servo.”

“E terá de acontecer que a nação e o reino que não o servirem, sim, a Nabucodonosor, rei de Babilônia, e aquela que não puser seu pescoço sob o jugo do rei de Babilônia, para tal nação voltarei a minha atenção com a espada, e com a fome, e com a pestilência’, é a pronunciação de Jeová, ‘até que eu tenha dado cabo deles pela sua mão’”.

“E quanto à nação que puser seu pescoço sob o jugo do rei de Babilônia e realmente o servir, também eu vou deixá-la descansar sobre o seu solo’, é a pronunciação de Jeová, ‘e ela o cultivará e morará sobre ele’. (TNM)

À base destes versículos fica bastante claro o que servir ao rei de Babilônia significava para uma nação. Significava aceitar o jugo de Babilônia como vassalo e por isso ser poupada da desolação e deportação. A servidão, portanto, era exatamente o contrário de revolta, desolação, deportação e exílio.[12] Foi por isso que Jeremias advertiu o povo contra tentar se livrar do jugo de Babilônia e os admoestou: “Servi o rei de Babilônia e continuai vivendo. Por que se devia esta cidade tornar um lugar devastado?” – Jeremias 27:17, TNM

Assim, as nações que aceitassem o jugo de Babilônia serviriam ao rei de Babilônia por setenta anos. Mas as nações que se recusassem a servir ao rei de Babilônia seriam devastadas. Esse destino finalmente sobreveio a Judá após cerca de dezoito anos de servidão, interrompida por repetidas rebeliões. Portanto, os setenta anos de servidão preditos por Jeremias não se aplicaram a Judá como nação, mas somente às nações que se submeteram ao rei de Babilônia. Como Judá se recusou a submeter-se, teve de enfrentar a punição — com desolação e exílio — exatamente como havia sido predito em Jeremias 25:11. Naturalmente, os judeus exilados tiveram de executar vários tipos de “serviço” em Babilônia. Isto, porém, não era o serviço de um estado vassalo, e sim o serviço de escravos capturados e deportados.[13]

A-2: Quando terminariam os setenta anos?

A predição de que “estas nações terão de servir ao rei de Babilônia por setenta anos.” (Jeremias 25:11) significa que haveria uma mudança na posição de supremacia babilônica ao fim do período de setenta anos. Esta mudança é descrita no versículo 12 do capítulo 25 de Jeremias:

“E terá de acontecer que, quando tiverem cumprido setenta anos, ajustarei contas com o rei de Babilônia e com aquela nação’, é a pronunciação de Jeová, ‘pelo seu erro, sim, com a terra dos caldeus, e vou fazer dela baldios desolados por tempo indefinido.” (TNM)

Todos os historiadores, e também a Sociedade Torre de Vigia, concordam que o Império Neobabilônico findou em 539 A.E.C. Em 12 de outubro daquele ano (segundo o calendário juliano) a cidade de Babilônia foi capturada pelos exércitos do rei persa Ciro. Segundo o livro de Daniel, capítulo 5, versículo 30, Belsazar, filho do rei Nabonido, foi morto. O próprio Nabonido foi aprisionado e exilado em Carmânia, ao oeste, onde, segundo Beroso, passou o resto de sua vida como governador daquela província.[14]

Portanto, o ano em que Jeová ajustaria “contas com o rei de Babilônia e com aquela nação…. pelo seu erro, sim, com a terra dos caldeus….”, foi evidentemente 539 A.E.C. Naquele momento os setenta anos tinham se “cumprido”, conforme a profecia de Jeremias. A conquista de Babilônia pelos persas em 539 A.E.C. pôs fim definitivo à supremacia babilônica sobre as nações que lhe tinham servido como vassalos até aquele ano. Depois daquele ano era impossível “servir ao rei de Babilônia” em qualquer sentido, seja como vassalos ou como exilados cativos em Babilônia. Daquele ano em diante, estas pessoas estariam servindo ao rei da Pérsia, não ao rei de Babilônia.[15] De modo que os setenta anos de servidão terminaram definitivamente em 539 A.E.C., não depois.

Note-se, portanto, que a profecia de Jeremias é claramente incompatível com a idéia de que os setenta anos se referem a um período de desolação de Judá e de Jerusalém. Por quê? Porque essa desolação não terminou em 539 A.E.C., mas depois, quando um restante de judeus exilados retornou a Judá em resultado do decreto de Ciro. (Esdras 1:1 – 3:1) Segundo a Torre de Vigia isso aconteceu dois anos depois da queda de Babilônia, ou seja, em 537 A.E.C.. Eles sustentam que os setenta anos terminaram naquele ano. Mas como foi que Jeová ajustou “contas com o rei de Babilônia e com aquela nação… pelo seu erro” em 537 A.E.C., dois anos depois de seu destronamento e da queda de Babilônia? As publicações da Sociedade Torre de Vigia jamais apresentaram uma solução para este problema.

A-3: A fixação histórica da profecia dos setenta anos

Se os setenta anos terminaram em 539 A.E.C., quando foi que começaram? Claramente, eles não podem ser contados a partir do ano da desolação de Jerusalém. O período entre a data estabelecida de 587 A.E.C. e 539 foi de apenas quarenta e oito anos. Todavia, uma vez que, como se mostrou, os setenta anos se referem ao período de submissão a Babilônia, e não ao período de desolação de Jerusalém, a pergunta correta a se fazer é: Quando foi que o período de servidão teve início?

Primeiro de tudo, é importante estabelecer o fundo histórico no qual esta profecia foi feita. Conforme já se destacou, ela foi proferida dezoito anos antes da destruição de Jerusalém e de seu templo, “no quarto ano de Jeoiaquim” (Jeremias 25:1), ou seja, em 605 A.E.C..

Naquele ano ocorreu um evento muito importante, com conseqüências momentosas para Judá e suas nações vizinhas. Este foi o ano da bem conhecida Batalha de Carquemis (junto ao rio Eufrates ao norte da Síria), quando Nabucodonosor derrotou de forma decisiva o Faraó egípcio Neco e sua força militar. Esta importante vitória abriu ao rei de Babilônia o caminho para áreas do oeste, a Síria e a Palestina, as quais, nos poucos anos anteriores (609-605 A.E.C.) tinham sido controladas pelo Egito. Esta famosa batalha é também mencionada, e datada, em Jeremias 46:2:

 “Para o Egito, referente à força militar de Faraó Neco, rei do Egito, que veio a estar junto ao rio Eufrates, em Carquemis, a quem Nabucodorosor, rei de Babilônia, derrotou no quarto ano de Jeoiaquim, filho de Josias, rei de Judá:” (TNM)

De modo que a profecia dos setenta anos foi dada num momento crucial do tempo. Poderia ser o caso de Judá e seus vizinhos serem feitos vassalos e começarem a servir ao rei de Babilônia naquele ano? A pesquisa apresenta evidência mostrando que Judá e várias nações circunvizinhas começaram a ser submetidas ao rei de Babilônia logo depois da Batalha de Carquemis, no quarto ano de Jeoiaquim e daí em diante.

Em 1956 o Professor D. J. Wiseman publicou uma tradução da Crônica Babilônica B.M. 21946, que abrange o período do último (21º) ano de Nabopolassar até (e incluindo) o décimo ano de seu filho e sucessor, Nabucodonosor.[16] Esta tabuinha começa com uma descrição concisa da Batalha de Carquemis e os eventos posteriores. O trecho de abertura é citado aqui na íntegra devido à sua importância para o nosso exame:[17]

[Vigésimo primeiro ano]: O rei de Acade ficou em casa (enquanto) Nabucodonosor (II), seu filho mais velho (e) príncipe coroado, reuniu [o exército de Acade]. Ele assumiu o comando de seu exército e marchou para Carquemis que se encontra às margens do Eufrates. Ele atravessou o rio [para encontrar o exército do Egito] que estava acampado em Carquemis. […] Eles batalharam entre si. O exército egípcio bateu em retirada diante dele. Ele infligiu uma [derrota] sobre eles (e) os destruiu completamente. No distrito de Hamate o exército de Acade alcançou o restante do exército do [Egito que] conseguira escapar [da] derrota e que não tinha sido vencido. Eles (o exército de Acade) infligiram uma derrota sobre eles (de tal modo que) nem um único homem (egípcio) [voltou] para casa. Nessa época Nabucodonosor (II) conquistou completamente Ha[ma]te.[18]

Nabucodonosor II (604-562 A.E.C.)
 
O único retrato de Nabucodonosor II existente é encontrado neste camafeu, que está agora no Museu de Berlim. Provavelmente foi gravado por um grego a serviço do grande rei. A inscrição cuneiforme ao redor diz: “Para Marduque seu senhor, Nabucodonosor, rei de Babilônia, por sua vida fez isto.” A figura do camafeu, ao qual se deu o número de inventário VA 1628, é usada aqui por cortesia do Museu do Antigo Oriente Próximo, em Berlim.

Por vinte e um anos Nabopolassar reinou em Babilônia. No dia oito do mês de ab ele morreu. No mês de elul Nabucodonosor (II) retornou para Babilônia e no primeiro dia do mês de elul ele ascendeu ao trono real em Babilônia.[19]

Em seu ano de ascensão, Nabucodonosor (II) voltou para Hatu. Até o mês de sebate ele marchou vitoriosamente em Hatu. No mês de sebate ele levou o imenso despojo de Hatu para Babilônia.

Primeiro ano de Nabucodonosor (II): No mês de sivã ele reuniu seu exército e marchou para Hatu. Até o mês de quisleu ele marchou vitoriosamente em Hatu. Todos os reis de Hatu vieram à sua presença e ele recebeu deles o imenso tributo.

A crônica torna evidente as conseqüências de longo alcance da derrota egípcia em Carquemis. Logo após a batalha, no verão de 605 A.E.C., Nabucodonosor começou a assumir o controle das áreas a oeste, que eram vassalas do Egito, usando Ribla, em Hamate, na Síria, como sua base militar.

A terrível aniquilação de todo o exército egípcio em Carquemis e Hamate pavimentou o caminho para uma rápida ocupação de toda a região pelos babilônios, e eles não parecem ter encontrado muita resistência. Durante esta campanha vitoriosa, Nabucodonosor soube que seu pai, Nabopolassar, tinha morrido, de modo que ele retornou a Babilônia para assegurar o trono, evidentemente deixando seu exército em Hatu para continuar as operações ali.

Como Wiseman destacou, Hatu era um termo geográfico que naquela época abrangia aproximadamente a Síria e o Líbano. Conforme é defendido pelo Dr. J. D. Hawkins em Reallexikon Assyriologie, ‘em sentido ampliado’, incluía também a Palestina e a Fenícia.[20]

Depois de sua entronização em Babilônia (em 7 de setembro de 605), Nabucodonosor voltou rapidamente para o território de Hatu, onde “marchou vitoriosamente por todos os lados” durante alguns meses até “o mês de sebate” (o décimo primeiro mês, que corresponde a fevereiro de 604 A.E.C.). É evidente que muitos países no oeste ficaram naquele momento sob o controle de Babilônia, e ele poderia, portanto, levar um pesado tributo para Babilônia, o qual, como logo se mostrará a seguir, incluía prisioneiros de Judá e das nações adjacentes.

No início de seu primeiro ano de reinado (em junho de 604 A.E.C.) Nabucodonosor empreendeu outra campanha em Hatu para manter seu domínio sobre os territórios conquistados. Há registros de campanhas similares nos anos seguintes. Claramente, as nações na área de Hatu se tornaram vassalas de Babilônia logo após a Batalha de Carquemis. O curso dos setenta anos de servidão evidentemente já tinha começado.

A-4: A ocupação babilônica de Hatu e Daniel 1:1-6

Nabucodonosor não só subjugou um determinado número de nações circunvizinhas a Judá em 605 A.E.C., como também iniciou um cerco a Jerusalém e levou alguns cativos judeus para Babilônia naquele mesmo ano. Isto fica claro com base em Daniel 1:1-6.

Recordando o evento, Daniel declara que isso ocorreu “no terceiro ano do reinado de Jeoiaquim”. No entanto o cerco e a deportação ocorreram evidentemente após a Batalha de Carquemis, a qual Jeremias situou “no quarto ano de Jeoiaquim”. (Jeremias 46:2) Esta aparente contradição tem causado muito debate, e diferentes soluções foram propostas para resolver o problema. Porém, conforme se indicou na nota 19, se os diferentes métodos de contagem de anos de reinado em Judá e Babilônia forem levados em consideração, toda a questão é facilmente esclarecida. É muito natural que Daniel, como judeu exilado vivendo em Babilônia e como oficial da corte babilônica, tenha seguido o sistema calendar babilônico, adotando o método de ano de ascensão, mesmo quando se referia a reis judaicos. Este método de contagem faria o quarto ano de Jeoiaquim ser seu terceiro, de acordo com o sistema de ano de ascensão.

Daniel 1:1, 2 declara que nessa mesma época “veio Nabucodonosor, rei da Babilônia, a Jerusalém e a sitiou. E o Senhor deu em suas mãos a Jeoiaquim, rei de Judá.” (ALF). Isto não quer dizer necessariamente que a cidade foi tomada e Jeoiaquim levado cativo a Babilônia. Ser entregue na mão de alguém pode significar simplesmente que a pessoa foi obrigada a se submeter. (Compare com o que diz Juízes 3:10; Jeremias 27:6, 7 e textos similares). A indicação é que Jeoiaquim se rendeu e se tornou um tributário do rei de Babilônia. Ele evidentemente pagou um tributo a Nabucodonosor naquele momento, na forma de “parte dos utensílios da casa do [verdadeiro] Deus.” – Daniel 1:2.  

Judá e nações circunvizinhas
(Fonte: BEG – Mapa 5 – Adaptado)

Como isso indica evidentemente que a servidão começou logo no início do reinado de Jeoiaquim, a Sociedade Torre de Vigia elaborou diversos argumentos contrários à leitura natural e direta deste texto. Assim, ela afirma que o “terceiro ano” deve ser entendido como o terceiro ano da vassalagem de Jeoiaquim a Nabucodonosor, o qual, argumenta-se que foi seu décimo primeiro e último ano de reinado (que coincidiu parcialmente com o sétimo ano de Nabucodonosor, ou seu oitavo ano pelo sistema não-ascensional).

Mas essa explicação contradiz frontalmente Daniel 2:1, que fala de Daniel na corte de Nabucodonosor e interpretando seu sonho da imagem já no “segundo ano” deste rei. Se Daniel foi levado para Babilônia no sétimo ano de Nabucodonosor, como poderia ele estar lá interpretando os sonhos do rei no segundo ano deste? Então, para salvar a interpretação deles, este texto também teve de ser modificado e obrigado a dizer algo além do que ele diz claramente. Duas explicações diferentes foram oferecidas através dos anos, a última delas sendo que neste versículo Daniel contou os anos de Nabucodonosor a partir do momento da destruição de Jerusalém em seu décimo oitavo ano. O segundo ano de Nabucodonosor deve então ser entendido como seu décimo nono ano (ou vigésimo, de acordo com o sistema não-ascensional)!

Vemos assim, mais uma vez, que a aplicação dos setenta anos defendida pela Sociedade Torre de Vigia contradiz a Bíblia, dessa vez Daniel 1:1, 2 e 2:1. Para manter sua teoria, ela se vê obrigada a rejeitar a leitura mais fácil e direta destes textos.[21]

Que alguns cativos judeus já tinham sido levados para Babilônia no ano da ascensão de Nabucodonosor é também confirmado por Beroso em sua história babilônica escrita no terceiro século A.E.C.. Seu relato dos eventos para aquele ano reza como segue:

Nabopalassaros, seu pai, soube que o sátrapa que fora designado sobre o Egito, Coele-Síria, e Fenícia, tinha se tornado um rebelde. Não mais estando à altura da tarefa, ele confiou uma parte de seu exército ao seu filho Nabouchodonosoros, que ainda estava no primor da mocidade, e o enviou contra o rebelde. Nabouchodonosoros colocou suas forças em ordem de batalha e combateu o rebelde. Ele o derrotou e submeteu o país novamente ao domínio babilônico. Neste exato momento, Nabopolassaros, seu pai, adoeceu e morreu na cidade dos babilônios depois de ter sido rei por vinte e um anos.

Nabouchodonosoros soube da morte de seu pai logo depois. Depois de por em ordem os assuntos no Egito e no território restante, ele ordenou que alguns de seus amigos trouxessem judeus, fenícios, sírios e egípcios como prisioneiros juntamente com a maior parte do exército e o resto do despojo para Babilônia. Ele mesmo partiu com alguns companheiros e cruzando o deserto chegou a Babilônia.[22]

Assim, Beroso dá apoio à declaração de Daniel de que cativos judeus foram levados para Babilônia no ano de ascensão de Nabucodonosor. Esta confirmação de Daniel 1:1 é importante porque, conforme foi mostrado no Capítulo 3, Beroso derivou suas informações das crônicas babilônicas, ou de fontes próximas àqueles documentos, escritos originalmente durante a própria era neobabilônica.[23]

A-5: A servidão conforme expressa em Jeremias, capítulos 27, 28 e 35

Que a servidão de “estas nações” (Jer. 25: 11) teve início muito tempo antes da destruição de Jerusalém em 587 A.E.C. fica também claro à base do que diz Jeremias, capítulos 27, 28 e 35.

No capítulo 27, conforme já foi abordado, Jeremias admoesta Zedequias para que não se rebele, mas que ponha seu pescoço sob o jugo do rei de Babilônia e o sirva. O contexto mostra que isto ocorreu no quarto ano de Zedequias, ou seja, em 595/94 A.E.C.[24] O que ocasionou esta “palavra … de Jeová” foi que, segundo o versículo 2, mensageiros tinham vindo a Zedequias provenientes de Edom, Moabe, Amom, Tiro e Sídon, evidentemente com o objetivo de aliciá-lo para uma ampla revolta contra o jugo babilônico. Obviamente todas estas nações eram vassalas de Babilônia nesta época, assim como Judá.

Os planos da rebelião despertaram esperanças e entusiasmo infundados entre o povo, e o próprio profeta Hananias predisse que o jugo babilônico seria quebrado dentro de dois anos:

“Assim disse Jeová dos exércitos, o Deus de Israel: ‘Vou quebrar o jugo do rei de Babilônia. Dentro de mais dois anos inteiros trarei de volta a este lugar todos os utensílios da casa de Jeová, que Nabucodonosor, rei de Babilônia, tomou deste lugar para levá-los a Babilônia.” Jeremias 28:2, 3, TNM.[25]

Naturalmente esta profecia pressupunha que o jugo babilônico já tinha sido colocado sobre o pescoço das nações. Isso explica porque Hananias pôde tirar a canga do pescoço de Jeremias, quebrá-la e dizer: “Assim disse Jeová: ‘Exatamente assim quebrarei o jugo de Nabucodonosor, rei de Babilônia, dentro de mais dois anos inteiros, de cima do pescoço de todas as nações.” (Jeremias 28: 10, 11) Assim, no quarto ano de Zedequias o jugo babilônico estava sobre “o pescoço de todas as nações.” A servidão era uma amarga realidade para “todas estas nações” naquele momento e evidentemente tinha sido assim já por vários anos.

A invasão babilônica de Judá logo após a batalha em Carquemis é também mencionada em Jeremias capítulo 35, o qual é datado “nos dias de Jeoiaquim, filho de Josias” (versículo 1) Os recabitas, que normalmente moravam em tendas em obediência à ordem de seu antepassado, Jonadabe, filho de Recabe, viviam em Jerusalém naquela época. Por quê? Eles explicaram a Jeremias:

Mas, aconteceu que, quando Nabucodorosor, rei de Babilônia, subiu contra o país, começamos a dizer: ‘Vinde e entremos em Jerusalém, por causa da força militar dos caldeus e por causa da força militar dos sírios, e moremos em Jerusalém.’” —  Jeremias 35:  11, TNM.

Assim, em algum momento do início do reinado de Jeoiaquim, o exército babilônico tinha invadido o território de Judá, obrigando os recabitas a procurar refúgio dentro das muralhas de Jerusalém. Ou esta invasão foi a que se descreve em Daniel 1:1-2, ou foi a que ocorreu no ano seguinte, quando, segundo a crônica babilônica, “todos os reis de Hatu” apresentaram o seu tributo ao rei babilônico como um símbolo de sua vassalagem.

Que Judá se tornou uma nação vassala de Babilônia logo no início do reinado de Jeoiaquim é claramente expresso em 2 Reis 24:1, onde se diz que nos dias de Jeoiaquim “subiu Nabucodonosor, rei de Babilônia, e Jeoiaquim tornou-se assim seu servo por três anos. No entanto, recuou e se rebelou contra ele.” (TNM) Esta rebelião fez com que o rei de Babilônia começasse a “enviar contra ele guerrilhas de caldeus, e guerrilhas de sírios, e guerrilhas de moabitas, e guerrilhas dos filhos de Amom [é óbvio que estas nações estavam então sob o controle do rei de Babilônia], e continuou a enviá-las contra Judá para o destruir” (Versículo 2, TNM)

Foi comprovado que a predição de Jeremias acerca dos setenta anos em Jeremias 25:10-12 não se refere a um período de desolação completa de Jerusalém, e sim a um período de servidão, não para Judá, e sim para “estas nações”, ou seja, as nações circunvizinhas a Judá.

Mostrou-se, além disso, que a Bíblia e as fontes históricas seculares, tais como as crônicas babilônicas e Beroso, concordam entre si que a servidão para estas nações começou muito antes da destruição de Jerusalém em 587 A.E.C. A crônica babilônica B.M. 21946 mostra que Nabucodonosor começou a conquistar estas áreas logo após a Batalha de Carquemis em 605 A.E.C. Daniel 1:1-6 relata que Nabucodonosor, no mesmo ano, sitiou Jerusalém e levou cativos judeus para Babilônia. Beroso confirma o que diz Daniel 1:1-6 com respeito a esta primeira deportação (que provavelmente foi bem pequena). Os capítulos 27, 28 e 35 de Jeremias mostram que Judá e as nações circunvizinhas eram vassalos de Babilônia já no início do reinado de Jeoiaquim, e isto é também evidente à base do que diz 2 Reis 24:1, 2. Para Judá e para várias nações circunvizinhas, a servidão começou evidentemente no mesmo ano em que Jeremias proferiu sua profecia, ou seja, em 605 A.E.C.

Por outro lado, a aplicação dos setenta anos feita pela Sociedade Torre de Vigia está em conflito frontal com a profecia de Jeremias. A Sociedade aplica os setenta anos apenas a Judá, ignorando o fato de que a profecia de Jeremias se refere a um período de servidão para várias nações, e não a uma situação de desolação completa “sem habitante” de Jerusalém e de Judá.

Como veremos, o próximo texto que trata dos setenta anos está igualmente em conflito direto com a aplicação da Sociedade.

B: JEREMIAS 29:10

A segunda referência aos setenta anos no livro de Jeremias é feita numa carta que Jeremias enviou de Jerusalém aos judeus que tinham sido deportados para Babilônia, não apenas aos que tinham sido levados para lá na primeira deportação em 605 A.E.C., mas também àqueles “que Nabucodonosor levara ao exílio, de Jerusalém a Babilônia, depois de Jeconias [= Joaquim; compare com 2 Reis 24:10-15], o rei, e a senhora, e os oficiais da corte, os príncipes de Judá e de Jerusalém, e os artífices e os construtores de baluartes terem saído de Jerusalém.” — Jeremias 29:1, 2, TNM.

Isto dataria a profecia no reinado de Zedequias (versículo 3) e provavelmente por volta da mesma época de que fala o capítulo 28, ou seja, o quarto ano de Zedequias, 595/94 A.E.C. — Jeremias 28:1

O contexto parece ter sido o mesmo em ambos os capítulos: Os divulgados planos de revolta que alimentaram esperanças de libertação do jugo babilônico em Judá e nas nações circunvizinhas chegaram também ao conhecimento dos exilados em Babilônia. Assim como em Judá, surgiram falsos profetas entre os judeus que estavam em Babilônia, prometendo libertação em pouco tempo. (Jeremias 29:8, 9) Foi por isso que nessa época, vários anos antes da destruição de Jerusalém, Jeremias enviou uma carta para estes exilados em Babilônia, chamando a atenção deles para a profecia dos setenta anos:

Jeremias 29:8-10:

Pois assim disse Jeová dos exércitos, o Deus de Israel: “Não vos enganem os vossos profetas que estão no vosso meio, nem os vossos adivinhos, e não escuteis os seus sonhos que estão sonhando. Pois ‘é em falsidade que vos profetizam em meu nome. Não os enviei’, é a pronunciação de Jeová. Pois assim disse Jeová: ‘De acordo com o cumprimento de setenta anos em Babilônia, voltarei minha atenção para vós, e vou confirmar para convosco a minha boa palavra por trazer-vos de volta a este lugar. ‘“ (TNM)

Estas palavras pressupunham claramente que os setenta anos estavam em progresso nessa ocasião. Se o período não tivesse começado, por que Jeremias associaria isto com a permanência dos exilados em Babilônia? Se o período de setenta anos ainda não estivesse em progresso, que importância teria a menção de Jeremias a ele? Jeremias não aconselhou os exilados a esperarem até que os setenta anos começassem, e sim a esperarem até que o período se completasse.Como Jeremias enviou sua mensagem aos exilados uns seis ou sete anos antes da destruição de Jerusalém, é óbvio que ele contou o início dos setenta anos a partir de um momento muitos anos antes daquele evento.

De modo que o contexto de Jeremias 29:10 dá apoio adicional à conclusão já apresentada, de que os setenta anos devem ser contados a partir de um momento vários anos antes da destruição de Jerusalém.

Todavia, independentemente do contexto, o texto em si mesmo deixa claro que os setenta anos não podem ser aplicados nem ao período da desolação de Jerusalém nem ao período do exílio judaico.

B-1: Setenta anos – “em” Babilônia ou “para” Babilônia?

A maneira como a Tradução do Novo Mundo verte Jeremias 29:10 parece descrever os setenta anos como um período de cativeiro: “setenta anos em Babilônia.” Embora seja verdade que a preposição hebraica le, traduzida aqui por “em”, possa ter o sentido de localização (“junto a, em”), seu significado geral é “por, para, com respeito a, com referência a”, e Jeremias 29:10 é traduzido com este sentido pela maioria das versões modernas.[26]

JEREMIAS 29:10:“setenta anos … para Babilônia”  

Da NVI Interlinear Hebraico-Inglesa do Velho Testamento, John R. Kohlenberger III (Grand Rapids: Casa Publicadora Zondervan, 1979). 

[Tradução literal da frase sublinhada: para-Babilônia setenta anos

Os exemplos seguintes são tirados de algumas das versões mais conhecidas em português:

  • Tradução Ecumênica (1995): “Quando se completarem para Babilônia setenta anos…”
  • A Bíblia de Jerusalém (2000): “Quando se completarem, para a Babilônia, setenta anos…”
  • Centro Bíblico Católico (1999): “Quando setenta anos tiverem decorridos para Babilônia…”
  • Bíblia, Editora Vozes: “Quando se completarem para a Babilônia setenta anos,…”
  • Almeida Revista e Atualizada no Brasil (1960): “Logo que se cumprirem para a Babilônia setenta anos,…”

Outras traduções expressam a mesma idéia em outras palavras:

  • A Bíblia na Linguagem de Hoje (2000): “Quando os setenta anos da Babilônia passarem,…”
  • Nova Versão Internacional (2005): “Quando se completarem os setenta anos da Babilônia,…”
  • Bíblia Mensagem de Deus (1989): “Quando se cumprirem setenta anos de Babilônia,…”
  • Tradução Oficial da CNBB (2002):“Decorridos setenta anos da Babilônia,…”
  • Bíblia Alfalit (2002): “Quando se completarem setenta anos do reinado da Babilônia,…”

Todas estas versões expressam a mesma idéia, a saber, que os setenta anos se referem à supremacia babilônica, e não ao cativeiro judaico ou à desolação que se seguiu à destruição de Jerusalém em 587 A.E.C.

Que isto é o que o texto hebraico quis dizer é atestado pelo fato de estar de acordo com a profecia de Jeremias registrada em Jeremias 25:11 a respeito dos setenta anos de servidão.Tão logo o rei de Babilônia obteve a supremacia, outras nações tiveram de servi-lo.

Contudo, a Tradução do Novo Mundo não é a única Bíblia que verte a preposição le por “em” em Jeremias 29:10. Algumas outras também usam a preposição “em” neste texto. Dentre as versões em inglês, a mais conhecida é a Versão Rei Jaime, que foi publicada originalmente em 1611 e permaneceu por mais de três séculos como a Versão Autorizada para a Igreja Anglicana e para muitas outras igrejas protestantes*. No decorrer do tempo esta tradução granjeou uma autoridade e santidade própria. O mesmo vale para as revisões modernas em inglês da Rei Jaime. Um exemplo recente é a Nova Versão Rei Jaime,publicada em 1982. Embora a linguagem tenha sido modernizada, os editores têm se esforçado em, tanto quanto possível, manter o venerável texto antigo da versão. O progresso que se fez nos últimos dois séculos, especialmente devido às descobertas de numerosos manuscritos antigos da Bíblia, é mais bem refletido nas notas de rodapé, mas não no texto principal. Portanto, não surpreende que esta versão bem conservadora tenha mantido a preposição “em” na passagem de Jeremias 29:10.

No entanto, é interessante notar que outras revisões em inglês da Rei Jaime que não têm toda essa tradição, tais como a Versão Revisada, a Versão Padrão Americana e a Versão Padrão Revisada, substituíram a preposição “em” pela preposição “para” em Jeremias 29:10. E a última revisão deste tipo, a Nova Versão Padrão Revisada (1990), substituiu a frase “setenta anos… em Babilônia” que aparece na Rei Jaime pela frase “setenta anos de Babilônia”.[27]

Por que razão estas e muitas outras versões modernas rejeitam a tradução “em Babilônia” no texto de Jeremias 29:10 em favor de “para Babilônia” ou alguma paráfrase que transmite a mesma idéia? *

B-2: O que dizem os eruditos em hebraico

Os eruditos em hebraico da atualidade concordam em geral que é altamente improvável, ou mesmo impossível que a preposição le tenha o sentido espacial ou de localização em Jeremias 29:10. O Dr. Tor Magnus Amble da Universidade de Oslo, Noruega, por exemplo, diz:

“A preposição le significa ‘para’ (’em direção a’) ou ‘para’ (‘referente a’). Exceto em algumas expressões fixas, dificilmente ela tem o sentido de localização, e de qualquer maneira não neste texto. É muito comum ela introduzir um objeto indireto (‘com respeito a’, que corresponde a um dativo grego). É assim também que os tradutores da LXX entenderam isto, como o senhor lembra mui corretamente. Assim a tradução deve ser:  setenta anos ‘para Babel’.” – Carta pessoal, datada de 23 de novembro de 1990. (Ênfase acrescentada.)

O hebraísta sueco Dr. Seth Erlandsson é até mesmo mais enfático:

“O sentido espacial é impossível em Jer. 29:10. Também não existe ’em Babilônia’ na LXX, e sim o dativo; conseqüentemente é ‘para Babilônia’.” – Carta pessoal datada de 23 de dezembro de 1990. (Ênfase acrescentada.)

Seria fácil acrescentar muitas outras declarações semelhantes de eruditos em hebraico, mas é suficiente citar aqui o Professor Ernst Jenni, de Basiléia, Suíça. Esta proeminente autoridade na preposição le (veja a nota de rodapé 26 deste capítulo) diz:

A tradução em todos os comentários e versões modernas é “para Babel” (Babel no sentido de potência mundial, não como cidade ou terra); isto é evidente tanto à base da linguagem, como à base do contexto. Quando o sentido é “localização” deve-se fazer distinção entre onde? (local onde se está, “em”, “junto a”) e aonde? (local para onde se vai, “para”, “em direção a”). O significado básico da preposição le é “com referência a”, e quando ela é seguida por uma especificação de local, pode ser entendida como significando “onde” ou “aonde” somente em certas expressões adverbiais (tais como a de Num. 11:10 [Clines DCH IV, 481b]  “à entrada”, cf. Lamed págs. 256, 260, cabeçalho 8151).

Quanto às versões: A LXX traduz por “babylôni”, inquestionavelmente um dativo (“para Babilônia”). Com certeza, só a Vulgata traduz por in Babylone, “em Babilônia”, assim como a Versão Rei Jaime “at Babylon” [em Babilônia], e provavelmente também a Tradução do Novo Mundo. — Carta enviada pelo Prof. Jenni a Carl O. Jonsson em 1º de outubro de 2003. (Ênfase acrescentada.)

Portanto, uma vez que Jeremias 29:10 fala literalmente de setenta anos “para Babilônia”, é claro que eles não podem se referir ao período da desolação de Jerusalém e seu templo, ou mesmo ao período do exílio judaico em Babilônia. Em vez disso, assim como em Jeremias 25:10-12, o que está em evidência é o período da supremacia babilônica.Esta é também a conclusão a que chegaram os eruditos que examinaram cuidadosamente o texto. Alguns comentários típicos são citados na caixa acompanhante.

Jeremias 25:10-12 e 29:10 contêm a profecia dos setenta anos. Os próximos dois textos que serão discutidos, Daniel 9:2 e 2 Crônicas 36:20,21, são apenas breves referências à profecia de Jeremias. Nenhum deles pretende ser uma discussão abrangente da profecia nem dá uma aplicação detalhada do período. Dessa forma, qualquer tentativa de encontrar uma aplicação do período de setenta anos, deve proceder da profecia, não das referências a ela. É só a profecia que dá detalhes específicos a respeito dos setenta anos, tais como, (1) que eles se referem a “estas nações”, (2) que eles seriam um período de servidão para estas nações, (3) que eles se referem ao período da supremacia babilônica e (4) que este período se cumpriria quando o rei de Babilônia fosse punido. Essa informação detalhada não se encontra nas referências posteriores à profecia feitas por Daniel e Esdras. De modo que a discussão destas referências deveria ser sempre feita à luz do que a profecia realmente diz.

Os setenta anos “para Babilônia”

“O sentido do hebraico original poderia realmente ser traduzido assim: ‘Depois de setenta anos (de domínio) de Babilônia se cumprirem etc.’ Os setenta anos contados aqui evidentemente se referem a Babilônia e não aos judeus ou ao seu cativeiro. Eles significam setenta anos de domínio babilônico, ao fim dos quais ocorreria a libertação dos exilados.” — “Os Setenta Anos de Babilônia”, Dr. Avigdor Orr,  Velho Testamento, Vol. VI (1956), p. 305 (em inglês).“É apropriado começar pelas passagens de Jeremias e observar, assim como Orr, que os textos em Jer. 25:11, 12 e 29:10  — sejam eles originais ou não — referem-se a um período de setenta anos de domínio babilônico, e não a um período de setenta anos de cativeiro real.” — “Dois problemas históricos do Velho Testamento referentes ao início do período persa”, Dr. Peter R. Ackroyd, Revista de Estudos do Oriente Próximo, Vol. XVII (1958), p. 23, em inglês.“Deve-se certamente enfatizar que os setenta anos referem-se primariamente ao período do domínio mundial por Babilônia e não ao período do exílio, como se supõe freqüentemente, de maneira descuidada. Como estimativa do período de dominação babilônica sobre o antigo Oriente Próximo este foi um número notavelmente preciso, visto que da Batalha de Carquemis (605) até a queda de Babilônia diante de Ciro (539) decorreram sessenta e seis anos.” — Todos os Reinos da Terra, Professor Norman K. Gottwald (em inglês – Nova Iorque, Evanston, Londres: Harper & Row, Publishers, 1964), págs. 265, 266.“Tem sido indicado com freqüência que o versículo textualmente impecável que inclui a referência aos setenta anos não está considerando a duração do exílio, mas em vez disso a duração do domínio babilônico, o qual, desde seu início até a conquista de Babilônia pela Pérsia pode ser calculado em cerca de sete décadas.” — Aus der Spatze it des Alten Testaments, Dr. Otto Plöger, (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1971), p. 68. (Traduzido do alemão.) 

C: DANIEL 9:1-2

O domínio babilônico foi definitivamente rompido quando os exércitos de Ciro, o persa capturaram Babilônia na noite entre 12 e 13 de outubro de 539 A.E.C. (calendário juliano). Anteriormente nessa mesma noite, Belsazar, filho do rei Nabonido e seu co-regente no trono, ficara sabendo que os dias de Babilônia estavam contados. O profeta Daniel, em sua interpretação da escrita milagrosa na parede, disse a ele que “Deus contou [os dias ou anos do] teu reino e acabou com ele.” Naquela mesma noite Belsazar foi morto, e o reino foi dado a “Dario, o medo.” (Daniel 5:26-31, TNM.) É óbvio que os setenta anos concedidos a Babilônia terminaram naquela noite. Este repentino colapso do império babilônico motivou Daniel a voltar sua atenção para a profecia de Jeremias sobre os setenta anos. Ele nos diz:

Daniel 9:1-2:

No primeiro ano de Dario, filho de Assuero, da descendência dos medos, que fora constituído rei sobre o reino dos caldeus, no primeiro ano do seu reinado, eu, Daniel, compreendi pelos livros o número de anos a respeito dos quais viera a haver a palavra de Jeová para Jeremias, o profeta, para se cumprirem as devastações de Jerusalém, [a saber,] setenta anos. – Daniel 9:1, 2, TNM.

É razoável pensar que os “livros” que Daniel consultou podem ter sido uma coleção de rolos que continham as profecias de Jeremias. Mas as fontes de investigação dele podem também ter se limitado às cartas que Jeremias enviara aos exilados em Babilônia cinqüenta e seis anos antes (Jeremias 29:1-32), a primeira das quais tratou dos setenta anos “para Babilônia”.[28] Não há dúvida de que estas cartas estavam pelo menos disponíveis para ele. Na realidade, o conteúdo de Daniel 9 e especialmente a oração de Daniel, registrada nos versículos 4 a 19, está intimamente relacionado com o conteúdo das cartas de Jeremias, conforme foi demonstrado em detalhe pelo Dr. Gerald H. Wilson.[29]

C-1: Será que Daniel compreendeu a profecia dos setenta anos?

Quando Daniel diz que ‘compreendeu’ (TNM) nos escritos de Jeremias a profecia dos setenta anos, significa isso que ele ‘entendeu’ (BEG, THO) o sentido desta profecia e percebeu que o período tinha então terminado? Ou ele estava simplesmente dizendo que ‘teve sua atenção despertada para’ (CBC) ou ‘estava pensando’ (BLH) nos setenta anos mencionados por Jeremias e ‘procurava compreender’ (BMD) ou ‘se esforçava por entender’ (BJE) tais? O verbo hebraico usado aqui, bin, pode conter todas estas variações de significado. Porém, se Daniel teve qualquer dificuldade em entender o significado deste período de setenta anos, poder-se-ia esperar que a oração que ele fez em resultado de sua leitura contivesse uma súplica pelo entendimento da predição. Mas nem uma vez em sua prolongada oração Daniel menciona os setenta anos. Em vez disso, toda a ênfase de sua oração está nos judeus exilados e nas condições apresentadas na carta de Jeremias para o retorno deles a Jerusalém.[30]

Portanto, parece lógico concluir que Daniel não teve problemas em entender a profecia dos setenta anos. Como judeu, falante de hebraico, ele não teria qualquer dificuldade em entender que o texto hebraico de Jeremias 29:10 fala em setenta anos “para Babilônia”, e que esta era uma referência ao período de supremacia babilônica. Com base no fato de que esta supremacia tinha terminado há pouco, Daniel só poderia chegar a uma conclusão: Os setenta anos tinham terminado!

De maior importância para Daniel, porém, era o que o fim dos setenta anos poderia significar para seu próprio povo, os judeus exilados em Babilônia, e para a cidade devastada de Jerusalém e seu templo arruinado. E foi sobre este assunto que Daniel falou em sua oração.

C-2: O objetivo da oração de Daniel

Segundo a carta de Jeremias, Jeová tinha prometido que, “Quando se completarem para Babilônia setenta anos, eu me ocuparei de vós e cumprirei as minhas promessas relativas ao vosso retorno a este lugar.  Jeremias 29:10, TEB.

Como os setenta anos “para Babilônia” estavam agora completos e “o primeiro ano” de “Dario, o medo” estava em pleno progresso, por que Jeová não tinha ainda cumprido a promessa dele de trazer os exilados em Babilônia de volta para Jerusalém (o “lugar” do qual eles tinham sido deportados antes, segundo Jeremias 29:1, 20), acabando assim com o estado desolado de sua cidade? Não seria o fim dos setenta anos “para Babilônia” seguido pelo término do exílio e da desolação de Jerusalém? Por que a demora? A julgar pela oração de Daniel este assunto parece ter sido sua preocupação principal e o verdadeiro motivo da oração.

Em sua carta aos exilados, Jeremias tinha explicado também que o cumprimento da promessa de Jeová de restabelecê-los em Jerusalém após o fim dos setenta anos dependia de se satisfazerem certas condições:

Então me invocareis, e ireis, e orareis a mim, e eu vos ouvirei. Buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração. Serei achado de vós, diz o Senhor, e farei voltar os vossos cativos. Congregar-vos-ei de todas as nações, e de todos os lugares para onde vos lancei, diz o Senhor, e tornarei a trazer-vos ao lugar donde vos transportei. — Jeremias 29:12-14, THO

De modo que as condições a serem satisfeitas antes de os exilados poderem retornar a Jerusalém, eram eles voltarem para Jeová, por buscá-lo por meio de oração, confessando seus pecados, e começando a escutar sua voz. E foi precisamente isto que Daniel fez:

E passei a pôr a minha face para Jeová, o [verdadeiro] Deus, para [o] procurar com oração e com rogos, com jejum e com serapilheira e cinzas. — Daniel 9:3, TNM.

À base da oração de Daniel, registrada nos versículos subseqüentes (4-19), fica claro que o principal interesse dele era buscar o perdão para o seu povo, para que ele pudesse retornar à sua pátria. Ele sabia que as “devastações de Jerusalém” e a desolação da terra eram a maldição predita “na lei de Moisés” (Daniel 9:13; compare com Levítico 26 e Deuteronômio 28), em resultado de sua violação da lei de Jeová. (Daniel 9:11) Ele sabia que Jeová só os faria voltar à terra deles quando o povo retornasse a Ele e começasse a escutar Sua voz. A consciência desta condição, expressa na lei (Deuteronômio 30:1-6) e repetida e enfatizada na carta de Jeremias, reflete-se na oração de Daniel. Obviamente, o interesse dele na profecia de Jeremias sobre os setenta anos foi motivado pela empolgante descoberta de que o fim da desolação de Jerusalém estava muito próximo, uma vez que os setenta anos “para Babilônia” estavam agora completos.

C-3: A relação entre os setenta anos e “as devastações de Jerusalém”

Assim, em seu exame da carta de Jeremias, Daniel evidentemente teve grande interesse no fato de que o fim dos setenta anos “para Babilônia” tinha relação direta com o fim da desolação de Jerusalém. O fim deste período pressupunha e era dependente do fim daquele:

Assim diz o SENHOR: Logo que se cumprirem para a Babilônia setenta anos, atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a minha boa palavra, tornando a trazer-vos para este lugar [Jerusalém]. — Jeremias 29:10, ALA.

Esta era evidentemente a razão por que Daniel, em sua referência à profecia de Jeremias, associou os setenta anos “para Babilônia” com Jerusalém, falando deles como “o número de anos… para se cumprirem as devastações de Jerusalém.” (Daniel 9:2, TNM) Estava claro, à base da carta de Jeremias, que a finalização dos setenta anos de Babilônia acarretaria o “cumprimento das desolações de Jerusalém” (devido ao retorno dos exilados), e é nesta conseqüência que Daniel põe ênfase em sua declaração.[31]

Isoladas do contexto, porém, estas palavras poderiam ser facilmente mal-interpretadas como significando que Daniel igualou o período de setenta anos com o período da desolação de Jerusalém. Alguns tradutores da Bíblia entenderam o texto desta maneira. Assim a Tanakh, uma tradução em inglês editada pela Sociedade Publicadora Judaica em 1985, fala do “número de anos que… seriam o termo da desolação de Jerusalém — setenta anos.” Similarmente, a NVI apresenta Daniel dizendo que, “compreendi pelas Escrituras … que a desolação de Jerusalém iria durar setenta anos.”

Todavia, estas duas traduções estão parafraseando livremente a passagem, a qual nem fala do “termo” da desolação de Jerusalém, nem que ela “iria durar” setenta anos. Nenhuma destas palavras se encontra no texto original. Elas foram adicionadas como tentativa de interpretar o texto. Não há qualquer razão que nos obrigue a aceitar esta interpretação, não só por ser derivada de uma paráfrase do texto, como também por estar em conflito direto com a própria profecia de Jeremias.[32]

Deve-se notar que o próprio Daniel não iguala os setenta anos com o período da desolação de Jerusalém. É apenas a finalização do período de setenta anos — não o período como um todo — que ele relaciona com o “cumprimento das desolações de Jerusalém.” Esta ênfase no fim do período está totalmente ausente nas duas traduções citadas acima (Tanakh e NVI), ambas as quais falham em traduzir a palavra hebraica lemal’ot como “cumprimento, cumprir”. A maioria das versões (incluindo a Tradução do Novo Mundo) está mais de acordo com o texto original neste respeito.[33]

Assim, o que Daniel descobriu ao ler a carta de Jeremias, não foi que a desolação de Jerusalém duraria setenta anos (pois isto não é dito em parte alguma de Jeremias), mas sim que as desolações de Jerusalém não cessariam até que os setenta anos “para Babilônia” tivessem terminado. O foco dos “setenta anos” estava em Babilônia e em seu período de dominação, não em Jerusalém.

Naturalmente, o fim da dominação babilônica abriria, como conseqüência natural ou subproduto, a perspectiva para o retorno judaico a Jerusalém. Este é o significado mais simples das palavras de Daniel à luz do que foi realmente escrito na carta de Jeremias. Uma vez que a supremacia de Babilônia foi repentinamente substituída pela da Medo-Pérsia e os setenta anos “para Babilônia” e sua dominação internacional tinham agora sido completados, Daniel entendeu – com a ajuda da carta de Jeremias – que era o tempo devido para o fim das devastações de Jerusalém. Esta foi a razão do entusiasmo de Daniel e dos fortes sentimentos que ele expressou em sua oração.

D: 2 CRÔNICAS 36:20-23

Os dois livros das Crônicas registram a história de Israel até o fim do exílio judaico em Babilônia. Logo, estes livros devem ter sido terminados em algum momento depois desse evento. Os últimos versículos do segundo livro das Crônicas associam o cumprimento da profecia de Jeremias sobre os setenta anos com a conquista persa de Babilônia e o fim do cativeiro judaico, como segue:

2 Crônicas 36:20-23:

20 Além disso, ele levou cativos a Babilônia os que foram deixados pela espada, e eles vieram a ser servos dele e dos seus filhos até o começo do reinado da realeza da Pérsia; 21 para se cumprir a palavra de Jeová pela boca de Jeremias, até que a terra tivesse saldado os seus sábados. Todos os dias em que jazia desolada, guardava o sábado, para cumprir setenta anos. 22 E no primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se consumasse a palavra de Jeová pela boca de Jeremias, Jeová despertou o espírito de Ciro, rei da Pérsia, de modo que fez passar uma proclamação através de todo o seu reino, e também por escrito, dizendo: 23 “Assim disse Ciro, rei da Pérsia: ‘Jeová, o Deus dos céus, deu-me todos os reinos da terra, e ele mesmo me comissionou para lhe construir uma casa em Jerusalém, que está em Judá. Quem dentre vós for de todo o seu povo, esteja com ele Jeová, seu Deus. Portanto, que suba!’ “ (TNM)

Pode-se observar que o cronista enfatiza constantemente a concordância entre as profecias de Jeremias e seu cumprimento nos eventos que ele registra. Assim a declaração no versículo 20 é uma aplicação de Jeremias 27:7: “E todas as nações terão de servir mesmo a ele, e a seu filho, e a seu neto, até que venha mesmo o tempo da sua própria terra”Este tempo de Babilônia veio, conforme o cronista explica, no “começo do reinado da realeza da Pérsia [ou seja, em 539 A.E.C.], para se cumprir a palavra de Jeová pela boca de Jeremias, . . . para cumprir setenta anos.” De modo que isto também cumpriria a predição em Jeremias 25:12, de que o tempo de Babilônia viria “quando tiverem cumprido setenta anos”. Assim o cronista parece estar dizendo claramente que os setenta anos se cumpriram no momento da conquista de Babilônia pelos persas.

O que complica o assunto no texto é a declaração (grifada na citação acima) sobre o “descanso sabático” da terra, inserida no meio da referência à profecia de Jeremias. Isto fez com que vários eruditos concluíssem que o cronista reinterpretou a profecia de Jeremias, aplicando os setenta anos ao período da desolação de Judá.[34]

Todavia, esse entendimento não só estaria em conflito com a profecia de Jeremias, como também contradiria a própria ênfase do cronista na concordância entre a profecia original e seu cumprimento. Assim, o que quis dizer o cronista com a inserção que fez da declaração sobre o descanso sabático da terra?

D-1: O descanso sabático da terra

Uma leitura superficial do versículo 21 poderia dar a impressão que o cronista afirma que a terra usufruiu um descanso sabático de setenta anos, e que isto fora predito por Jeremias. Mas Jeremias não fala dos setenta anos em termos de possibilitar que a terra saldasse seus anos sabáticos. Na realidade, não há absolutamente qualquer referência a um descanso sabático para a terra no livro dele.

Dessa forma, as palavras de Esdras, “até que a terra tivesse saldado os seus sábados. Todos os dias em que jazia desolada, guardava o sábado”, não poderia ser um cumprimento da “palavra de Jeová pela boca de Jeremias.”As duas frases sobre o repouso sabático são, como foi observado por comentaristas bíblicos, uma referência a outra predição, encontrada em Levítico, capítulo 26.

Entre outras coisas, este capítulo adverte que, se o povo não obedecesse à lei dos anos sabáticos (discutida no capítulo antecedente, Levítico 25), eles seriam dispersos entre as nações e sua terra seria desolada.[35] Desta maneira a terra poderia “saldar seus sábados”:

“‘E naquele tempo saldará a terra os seus sábados, todos os dias em que jazer desolada, enquanto estiverdes na terra dos vossos inimigos. Naquele tempo a terra guardará o sábado, visto que tem de saldar os seus sábados. Guardará o sábado todos os dias em que jazer desolada, visto que não guardou o sábado nos vossos sábados quando moráveis nela. — Levítico 26:34-35, TNM.

Assim como Daniel anteriormente, o escritor das Crônicas entendeu a desolação de Judá como um cumprimento desta maldição predita na lei de Moisés. De modo que ele inseriu esta predição registrada em Levítico 26 para mostrar que ela se cumpriu após a deportação final para Babilônia, exatamente como foi predito por Moisés, “enquanto estiverdes na terra dos vossos inimigos”.[36] Ao inserir as duas frases de Levítico 26, o cronista não quis dizer que a terra usufruiu um descanso sabático de setenta anos, pois isto não foi predito, nem por Moisés nem por Jeremias. Ele não disse explicitamente por quanto tempo a terra descansou, mas apenas que “todos os dias em que jazia desolada, guardava o sábado”. – 2 Crônicas 36:20.[37]

Como no caso de Daniel, o principal interesse do cronista era o retorno dos exilados, de modo que ele indica que eles tiveram de permanecer em Babilônia até que duas profecias estivessem cumpridas: (1) a de Jeremias sobre os setenta anos de supremacia “para Babilônia”, e (2) a de Levítico, sobre a desolação e o repouso sabático para a terra de Judá. Estas profecias não devem ser misturadas ou confundidas, como freqüentemente se faz. Elas não só se referem a períodos de caráter e durações diferentes, como também se referem a nações diferentes. Mas como os dois períodos estavam intimamente associados, de forma tal que o fim de um período era dependente do fim do outro, tanto o cronista como Daniel, fizeram a junção de ambos.

D-2: A profecia de Jeremias sobre o retorno dos exilados

Muitos comentaristas sustentam que o cronista finalizou os setenta anos no primeiro ano de Ciro (538/37 A.E.C.), por causa do que ele diz nos dois últimos versículos:

E no primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se consumasse a palavra de Jeová pela boca de Jeremias, Jeová despertou o espírito de Ciro, rei da Pérsia, de modo que fez passar uma proclamação através de todo o seu reino, e também por escrito, dizendo:

“Assim disse Ciro, rei da Pérsia: ‘Jeová, o Deus dos céus, deu-me todos os reinos da terra, e ele mesmo me comissionou para lhe construir uma casa em Jerusalém, que está em Judá. Quem dentre vós for de todo o seu povo, esteja com ele Jeová, seu Deus. Portanto, que suba!’” —  2 Crônicas 36:22, 23, TNM.

Se a palavra de Jeová “pela boca de Jeremias” for considerada aqui como outra referência aos setenta anos, isto provaria que Esdras finalizou esse período em 538/37 A.E.C. Mas devido ao fato de que estes versículos realmente abordam o decreto de Ciro, que permitiu aos judeus retornarem à sua pátria, é mais natural entender a menção dele à profecia de Jeremias como uma referência ao que o profeta disse logo depois de sua predição dos setenta anos “para Babilônia” em Jeremias 29:10:

Assim fala o SENHOR: Quando se completarem para Babilônia setenta anos, eu me ocuparei de vós e cumprirei as minhas promessas relativas ao vosso retorno a este lugar. — Jeremias 29:10, TEB

Note-se que o profeta não disse que Jeová primeiro se ocuparia dos exilados, fazendo-os voltar a Jerusalém, e que em resultado disso terminariam os setenta anos. É assim que a Sociedade Torre de Vigia aplica esta profecia. Pelo contrário, o profeta disse claramente que primeiro os setenta anos terminariam, e depois de seu cumprimento Jeová se ocuparia dos exilados e os faria retornar a Jerusalém. De modo que os setenta anos se cumpririam enquanto os judeus exilados ainda estivessem em Babilônia!

E assim foi: Babilônia caiu diante de Ciro, o rei da Pérsia, em outubro de 539 A.E.C., cumprindo assim a profecia dos setenta anos “para Babilônia.” No ano seguinte Ciro emitiu seu decreto, permitindo que os judeus exilados retornassem a Jerusalém.[38] O fim dos setenta anos com a queda de Babilônia, e o retorno dos judeus um ano depois são dois eventos distintos, e é do último destes que Esdras fala em 2 Crônicas 36:22-23. De modo que a referência dele à palavra “pela boca de Jeremias” nestes versículos, deve ser uma referência à segunda parte do versículo 10 do capítulo 29 de Jeremias.

Constatamos assim que 2 Crônicas 36:20-23, da mesma maneira que Daniel 9:2, pode ser harmonizado com a profecia de Jeremias sobre os setenta anos. O cronista finaliza o período enquanto os judeus exilados ainda estavam vivendo em Babilônia, no “começo do reinado da realeza da Pérsia” em 539 A.E.C. Ele enfatiza o fato de que os judeus exilados não puderam retornar a Jerusalém até que os setenta anos de Babilônia se cumprissem, e a terra tivesse saldado seus sábados. Depois Jeová os fez retornar à sua pátria, no primeiro ano de Ciro, em cumprimento de Jeremias 29:10b. As palavras do cronista, corretamente entendidas, não podem ser encaradas como significando que a desolação de Judá após a destruição de Jerusalém e de seu templo durou setenta anos.

Os dois últimos textos a serem discutidos, Zacarias 1:7-12 e 7:1-5, são às vezes apontados como duas referências adicionais à profecia de Jeremias sobre os setenta anos, e a Sociedade Torre de Vigia sustenta que são. Mas não há qualquer evidência que apóie esta conclusão.

Nenhum dos dois textos contém qualquer referência a Jeremias (como é o caso de Daniel 9:1, 2 e 2 Crônicas 36:20-23) e o contexto de ambos indica fortemente que os setenta anos mencionados neles têm uma aplicação diferente. Esta é igualmente a conclusão de muitos comentaristas.[39] Isto também ficará evidente na discussão que segue.

E: ZACARIAS 1:7-12

A primeira declaração sobre um período de setenta anos no livro de Zacarias aparece em uma visão dada a Zacarias “no vigésimo quarto dia do décimo primeiro mês, que é o mês de sebate, no segundo ano de Dario” — Zacarias 1:7.

O segundo ano de reinado de Dario correspondeu a 520/19 A.E.C., e o vigésimo quarto dia do décimo primeiro mês pode ser traduzido para 15 de fevereiro de 519 A.E.C. no calendário juliano.[40]  Embora os judeus tivessem reiniciado o trabalho no templo em Jerusalém cinco meses antes (Ageu 1:1, 14-15), Jerusalém e as cidades de Judá ainda estavam em uma condição lastimável. Foi por isso que o anjo na visão de Zacarias abordou uma questão que indubitavelmente perturbava muitos dos judeus repatriados:

Zacarias 1:12:

De modo que respondeu o anjo de Jeová e disse: “Ó Jeová dos exércitos, até quando não terás misericórdia com Jerusalém e com as cidades de Judá, que verberaste por estes setenta anos?” (TNM)

E-1: Verberação – por setenta anos ou noventa?

Segundo o anjo, Jeová tinha verberado Jerusalém e as cidades de Judá durante setenta anos. A Sociedade Torre de Vigia aplica estes setenta anos de verberação (‘indignação’, ALA; ‘ira’, BLH) ao período 607-537 A.E.C., desta forma colocando-os em pé de igualdade com os setenta anos de Jeremias 25:10-12 e 29:10.[41] Entretanto, parece evidente que a razão por que o anjo fez esta pergunta sobre a verberação foi que no segundo ano de Dario (519 A.E.C.), Jeová ainda não tinha mostrado misericórdia para com as cidades de Judá. Ou será que o anjo quis dizer que Jeová tinha verberado Jerusalém e as cidades de Judá por setenta anos até 537 A.E.C., e então continuou mostrando hostilidade para com elas por aproximadamente dezoito anos adicionais, até 519? Se fosse assim, isto faria o período de hostilidade durar quase noventa anos, não setenta.[42]

Mas a “indignação” ou “ira” refere-se evidentemente à condição devastada das cidades de Judá, incluindo Jerusalém e seu templo, que começou depois da destruição de Jerusalém, em 587 A.E.C. Esta condição ainda prevalecia, como se pode ver à base da resposta que Jeová deu à pergunta do anjo:

“Portanto, assim disse Jeová: ‘“Certamente retornarei a Jerusalém com misericórdias. Minha própria casa será construída nela”, é a pronunciação de Jeová dos exércitos, “e estender-se-á sobre Jerusalém o próprio cordel de medir”.’ “Clama mais, dizendo: ‘Assim disse Jeová dos exércitos: “Minhas cidades ainda transbordarão de bondade; e Jeová ainda há de sentir lástima de Sião e realmente ainda escolherá Jerusalém.”‘“ — Zacarias 1:16, 17, TNM.

Contando-se a partir de 587 A.E.C. a indignação tinha durado por quase setenta anos em 519, ou sessenta e oito anos para sermos precisos. E se contarmos desde o início do sítio em 27 de janeiro de 589 A.E.C. (2 Reis 25:1; Ezequiel 24:1, 2; Jeremias 52:4), a indignação tinha durado por quase setenta anos exatos no dia 15 de fevereiro de 519. Mas apenas dois meses antes o trabalho de fundação do templo tinha sido concluído. (Ageu 2:18) Dessa época em diante Jeová começou a remover sua indignação: “A partir deste dia concederei bênção.” — Ageu 2;19, TNM.

Assim, parece claro que os setenta anos mencionados neste texto não se referem à profecia de Jeremias, mas simplesmente ao período que tinha decorrido até 519 A.E.C. contando-se a partir do sítio e destruição de Jerusalém e de seu templo em 589-587 A.E.C.[43]

Que os setenta anos decorreram da destruição do templo em 587 A.E.C. até sua reconstrução nos anos 520-515 é também confirmado pelo próximo texto do livro de Zacarias que será considerado.

F: ZACARIAS 7:1-5

Mais uma vez, o evento registrado nesta passagem é datado com precisão, no “quarto ano de Dario… no quarto [dia] do nono mês.” (Zac. 7:1) Esta data corresponde a 7 de dezembro de 518 A.E.C. (calendário juliano).[44]

Zacarias 7:1-5:

Além disso, sucedeu no quarto ano de Dario, o rei, que veio a haver a palavra de Jeová para Zacarias, no quarto [dia] do nono mês, [quer dizer,] em quisleu. E Betel passou a enviar Sarezer e Regem-Meleque, e seus homens para abrandar a face de Jeová, dizendo aos sacerdotes que pertenciam à casa de Jeová dos exércitos, e aos profetas, sim, dizendo: “Chorarei no quinto mês, observando abstinência, assim como fiz, oh! por tantos anos?” E continuou a vir a haver para mim a palavra de Jeová dos exércitos, dizendo: “Dize a todo o povo da terra e aos sacerdotes: ‘Quando jejuastes e houve lamentação no quinto [mês] e no sétimo [mês], e isto por setenta anos [literalmente ‘estes setenta anos’, como em Zac. 1:12)], jejuastes realmente para mim, sim, para mim? (TNM)

F-1: Jejum e lamentação — por setenta anos ou por noventa?

Por que razão “todo o povo da terra” jejuava e lamentava no quinto mês e no sétimo mês? Falando sobre o jejum no quinto mês a Sociedade Torre de Vigia admite:

Observava-se evidentemente no décimo dia daquele mês (abe), a fim de comemorar que naquele dia Nebuzaradã, chefe da guarda pessoal de Nabucodonosor, depois de dois dias de inspeção, havia queimado a cidade de Jerusalém e seu templo. (Jeremias 52:12, 13; 2 Reis 25:8, 9)[45]

Em seguida admite-se que o jejum no sétimo mês era “para comemorar o assassinato do Governador Gedalias, que era da casa real do Rei Davi, e a quem Nabucodonosor constituíra como governador do país, para os judeus pobres que se permitiu que permanecessem depois da destruição de Jerusalém. (2 Reis 25:22-25; Jeremias 40:13 a 41:10)”[46]

Por quanto tempo os judeus tinham jejuado nestes meses em memória da destruição de Jerusalém e de seu templo e do assassinato de Gedalias? Por “setenta anos”, segundo Zacarias 7:5. O ano 518/17 foi o septuagésimo ano a partir de 587 A.E.C.![47]

Que os judeus ainda mantinham estes jejuns em 518 A.E.C., no quinto e no sétimo mês, fica claro à base do fato de que os homens de Betel tinham vindo perguntar se “agora que o restante fiel dos judeus estava reconstruindo o templo de Jeová em Jerusalém e já havia feito quase a metade, deviam … continuar a realizar tal jejum”[48]

Se a destruição de Jerusalém e de seu templo for datada em 607 A.E.C. em vez de em 587, isto novamente faria o tempo de observação destes jejuns ser de noventa anos em vez de setenta. Isto é realmente admitido pela Sociedade Torre de Vigia no livro citado acima, mas não se dá qualquer explicação satisfatória para esta discrepância.[49]

Assim, tanto Zacarias 1:7-12 como Zacarias 7:1-5 dão apoio muito forte ao ano 587 A.E.C. como a data correta da destruição de Jerusalém. Como no caso de Jeremias 25:10-12; 29:10; Daniel 1:1, 2 e 2:1, observa-se que a leitura mais fácil e mais direta de Zacarias 1:7-12 e 7:1-7, está também em franco conflito com a interpretação que a Sociedade Torre de Vigia dá aos setenta anos.

G: A APLICAÇÃO DOS SETENTA ANOS DE SERVIDÃO

À base de um exame atento dos textos que tratam dos setenta anos, foram estabelecidos certos fatos que não podem ser ignorados em qualquer tentativa que se faça para encontrar uma aplicação do período de setenta anos que esteja em harmonia com a Bíblia e também com os fatos históricos:

(1) os setenta anos se referem a muitas nações, não apenas a Judá: Jeremias 25:11.

(2) os setenta anos se referem a um período de servidão para estas nações, ou seja, à vassalagem delas a Babilônia: Jeremias 25:11.

(3) os setenta anos se referem ao período de supremacia babilônica, “setenta anos para Babilônia”: Jeremias 29:10.

(4) os setenta anos terminaram quando o rei babilônico e sua nação foram punidos, ou seja, em 539 A.E.C.: Jeremias 25:12.

(5) Os setenta anos de servidão começaram muitos anos antes da destruição de Jerusalém: Jeremias capítulos 27, 28 e 35; Daniel 1:1-4; 2:1; 2 Reis 24:  1-7;  as crônicas babilônicas e Beroso.

(6) Zacarias 1:7-12 e 7:1-5 não são referências à profecia de Jeremias, mas se referem ao período que decorreu do sítio e destruição de Jerusalém nos anos 589-587 até a reconstrução do templo nos anos 520-515 A.E.C.

Observa-se que a aplicação que a Sociedade Torre de Vigia dá à profecia dos setenta anos, segundo a qual ela se refere apenas a Judá e ao período de desolação completa da terra, “sem habitante”, após a destruição de Jerusalém e de seu templo, está em conflito direto com cada um dos fatos estabelecidos pela Bíblia e pela história, que apresentamos até aqui.

Não há como uma aplicação que está em conflito evidente com a Bíblia e com tais fatos históricos ter alguma coisa que ver com a realidade. Em uma discussão séria sobre possíveis aplicações dos setenta anos, esta alternativa é a primeira que deve ser rejeitada.Ela é mantida pela Sociedade Torre de Vigia, não porque possa ser confirmada pela Bíblia e pelos fatos históricos, mas porque é um pré-requisito necessário para o seu cálculo dos supostos 2.520 anos dos tempos dos Gentios: 607 A.E.C.  1914 E.C.

Se a aplicação que eles fazem dos setenta anos for descartada, o cálculo dos tempos dos gentios que conduz a 1914 E.C. revela-se imediatamente falso, juntamente com todas as reivindicações proféticas e especulações associadas a ele.

G-1: O uso de “setenta” como um número “redondo”

A conclusão a que se chegou na consideração acima é que Judá e várias nações circunvizinhas se tornaram vassalas do rei de Babilônia logo após a Batalha de Carquemis em 605 A.E.C. Significa isto que o período de setenta anos “para Babilônia” deve ser aplicado ao período 605-539 A.E.C.? É muito natural que se conteste esta sugestão, por se argumentar que a duração deste período não é setenta, mas pouco mais de sessenta e seis anos, o que é verdade, naturalmente.

Todavia, muitos eruditos argumentam que o numeral “70” na Bíblia parece ser freqüentemente usado como “um número redondo”. Isto ocorre em cinqüenta e dois casos independentes no Velho Testamento, sendo usado numa variedade de significados diferentes — para pesos, grandezas métricas, números de pessoas, períodos de tempo e assim por diante.[50] Numa discussão do uso bíblico do numeral “70”, que inclui também ocorrências extrabíblicas, o Dr. F. C. Fensham conclui:

É bem provável que seja usado como um tipo de figura simbólica, assim como o sete. Com o uso de sete e setenta os antigos semitas tentaram estabelecer uma diferença entre uma figura simbólica menor e uma maior.[51]

Quando usado em períodos de tempo, o setenta pode ter sido usado como um período apropriado de punição. Em uma inscrição num monumento do rei assírio Esar-Hadom (680-667 A.E.C.), declara-se que a desolação de Babilônia depois de sua destruição por Senaqueribe em 689 A.E.C. deveria ter durado setenta anos, mas o deus Marduque mudou misericordiosamente o período para onze anos.[52] Poucas décadas antes, Isaías havia predito: “Tiro terá de ser esquecida por setenta anos, igual aos dias de um só rei”.(Isaías 23:15) A explicação que os setenta anos deveriam ser entendidos como “igual aos dias de um só rei” é freqüentemente interpretada como significando a duração normal da vida de um rei, ou “o período completo da vida humana”, conforme o Salmo 90:10, no qual é evidente que o número setenta não deve ser visto como um número exato.

Assim, é bem possível e talvez provável que os setenta anos de servidão preditos por Jeremias foram apresentados como um número redondo. Esse entendimento poderia também se basear no fato de que nem todas as nações circunvizinhas de Judá (algumas das quais são obviamente enumeradas em Jeremias 25:19-26) parecem ter se tornado vassalas do rei de Babilônia ao mesmo tempo, em 605 A.E.C. Algumas parecem ter sido submetidas pouco depois. De modo que o período de servidão não teve exatamente a mesma duração para todas estas nações. Ainda assim o profeta disse que todas serviriam ao rei de Babilônia por “setenta anos”.

G-2: Os setenta anos “para Babilônia”: 609 – 539 A.E.C.

Embora seja verdade que o período de servidão de várias nações tenha sido um tanto menor que setenta anos, a profecia não dá a entender claramente que os setenta anos “para Babilônia” deveriam ser contados a partir de 605 A.E.C. Deve-se lembrar que a predição foi que todas as nações se tornariam servas de Babilônia: “todas as nações terão de servir mesmo a ele, e a seu filho, e a seu neto”[53] (Jeremias 27:7, TNM) Algumas nações haviam sido submetidas a Babilônia antes mesmo da Batalha de Carquemis em 605 A.E.C. Se os setenta anos “para Babilônia” forem contados a partir do momento em que Babilônia esmagou o Império Assírio, dando assim o primeiro passo para ser o poder político dominante, isso possibilita uma aplicação até mais exata dos setenta anos. Uma breve revisão dos últimos anos da Assíria tornará isto claro.

CRONOLOGIA ASSIRO-BABILÔNICA, 680-609 A.E.C. 

Até 627 A.E.C. a Assíria manteve a hegemonia sobre muitos países, incluindo Babilônia e a área de Hatu. Mas após a morte de Assurbanipal naquele ano, o poder da Assíria começou a declinar. Nabopolassar, o governador de Babilônia ao sul, expulsou os assírios de Babilônia em 626 e ocupou o trono. Nos anos seguintes ele foi bem-sucedido em estabelecer a independência babilônica.

A fonte de informação mais importante sobre a história dos anos finais do Império Assírio é a crônica babilônica B.M. 21901, a qual descreve os eventos desde o décimo ano de Nabopolassar até o começo de seu décimo oitavo ano de reinado, isto é, de 616 a 608 A.E.C.

Em 616, Nabopolassar atacou os assírios e os derrotou, mas um exército egípcio liderado por Psamético veio ajudar o rei assírio (Sinshar-ishkun) e Nabopolassar preferiu retirar-se para Babilônia.

Por volta desta época os medos também começaram a atacar a Assíria e em 614 eles tomaram Assur, a antiga capital assíria. Depois que a cidade tinha caído, Nabopolassar, cujo exército chegou muito tarde para ajudar os medos, fez um tratado com o rei medo, Ciaxares.

Em 612, os dois aliados atacaram a capital assíria, Nínive, capturando-a e destruindo-a. O rei assírio, Sinshar-ishkun, morreu nas chamas. O sucessor dele, Assur-Ubalit II, fugiu para a capital provinciana de Harã onde estabeleceu seu governo, reivindicando ainda a soberania sobre a Assíria.

Durante os anos seguintes Nabopolassar efetuou campanhas bem-sucedidas na Assíria e ao fim de 610 ele marchou contra Harã, juntamente com forças medas.[54] Assur-Ubalit fugiu e a cidade foi capturada e saqueada no fim de 610 ou no início de 609 A.E.C.[55] Tardiamente no verão setentrional de 609 Assur-Ubalit, apoiado por uma grande força egípcia liderada pelo Faraó Neco, fez uma última tentativa de recapturar Harã, mas fracassou. Isto pôs um fim definitivo ao Império Assírio.

Que 609 A.E.C. marca o fim definitivo do Império Assírio é a opinião que prevalece entre as principais autoridades atualmente. Algumas declarações típicas, provenientes de diversos países, são citadas na caixa seguinte:

A QUEDA DA ASSÍRIA — 609 A.E.C. 

“Fim da Assíria. –… depois da queda de Nínive em 612, da queda de Harã em 610 e da tentativa de reconquistá-la mais tarde em 609, a Assíria deixou de existir.” – Encyclopedia Britannica, Chicago, EUA, 1964, págs. 966, 967. 

“Em 610 os babilônios e seus aliados tomaram Harã, e Assur-Ubalit, com os destroços de suas forças, retirou-se pelo Eufrates para os braços dos egípcios. Uma tentativa (em 609) de retomar Harã falhou miseravelmente. Foi o fim da Assíria.” – Uma História de Israel, Professor John Bright, 3ª ed. em inglês (Filadélfia, EUA: Editora Westminster, 1981), pág. 316. 

Em 609 A.E.C. “a Assíria deixou de existir e seu território foi conquistado pelos babilônios.” – Novo Dicionário da Bíblia, professor D.J. Wiseman, editado por J. D. Douglas, 2ª ed. em inglês (Leicester, Inglaterra: Editora Inter-Varsity, 1982), pág. 101. 

“609. – Derrota definitiva do último rei assírio… A ruína do império assírio permitiu que os caldeus estendessem o seu domínio à Síria e à Palestina.” – As Grandes Datas da Antiguidade, Portugal, 1984, Publicações Europa-América, págs. 37, 38. 

“O fim da Assíria (609)… O Egito,… correu em socorro de Assurbalit, mas já era muito tarde. A cidade de Harran não pôde ser reconquistada. O império neo-assírio estava vencido.” – Israel e Judá, Textos do Antigo Oriente Médio, São Paulo, Brasil, Edições Paulinas, 1985, pág. 81. 

“Em 609 a Assíria foi mencionada pela última vez como uma ainda existente, porém marginal localidade a noroeste da Mesopotâmia. Depois daquele ano a Assíria deixou de existir.” – A Queda da Assíria, Stefan Zawadzki (Poznan, Polônia: Editora da Universidade Adam Mickiewicz, 1988), pág. 16. 

“Em 609, os babilônios finalmente derrotaram os assírios e começaram a estabelecer seu controle sobre a Fenícia, a Síria e a Palestina.” – A História da Humanidade, M. A. Dandamaev (assiriologista russo), Vol. III, editado por J. Herrman & E. Zürcher (em inglês – Paris, Londres e Nova Iorque: UNESCO, 1996), pág. 117. 

“[O] último rei [assírio], Assurballit II, foi definitivamente derrotado em 609 a.C. Sobre as ruínas da Assíria ergueu-se o último dos grandes impérios semitas do Oriente, o Novo Império Babilónio,…” – Dicionário de História Universal, de Mario Matos e Lemos, Portugal, Editorial Inquérito, 2001, verbete “Assíria”, págs. 102, 103. 

“Os assírios foram definitivamente derrotados em 609 a.C. e a Assíria desapareceu da história.” – Dicionário Bíblico, John L. Mackenzie, São Paulo, Brasil, 2001, Editora Paulus, pág. 90. 

“609 a.C. – Babilônia aniquila o reino assírio e retoma a liderança política.” – Revista História Viva, Edição Temática nº. 6, Duetto Editorial, São Paulo, Brasil, 2004, pág. 7. 

Assim, os setenta anos “para Babilônia” podem também ser contados a partir de 609 A.E.C. Daquele ano em diante o rei babilônico considerava-se como o legítimo sucessor do rei da Assíria e nos anos seguintes ele gradualmente assumiu o controle dos territórios restantes, começando com uma série de campanhas nas montanhas armênias, ao norte da Assíria.

O Faraó egípcio, Neco, após a fracassada tentativa de recapturar Harã em 609, conseguiu manter o controle das áreas a oeste, incluindo a Palestina, por cerca de quatro anos, embora seu controle sobre estas áreas pareça ter sido bem disperso e fraco.[56] Mas a Batalha de Carquemis em 605 A.E.C. pôs fim a esta breve presença egípcia no oeste. (Jeremias 46:2) Depois de uma série de campanhas bem-sucedidas em “Hatu”, Nabucodonosor deixou claro a Neco que ele era o verdadeiro herdeiro do Império Assírio, “e o rei do Egito nunca mais saiu da sua terra, porque o rei de Babilônia tinha tomado tudo o que viera a pertencer ao rei do Egito, desde o vale da torrente do Egito até o rio Eufrates.” – 2 Reis 24: 7, TNM.[57]

Se a supremacia babilônica for contada a partir de 609 A.E.C., o ano que marcou o fim definitivo do Império assírio, então decorreram exatamente  setenta anos  até a queda de Babilônia em 539 A.E.C. Este período pode ser considerado como os “setenta anos para Babilônia.” (Jeremias 29:10)[58]

Uma vez que nem todas as nações anteriormente dominadas pela Assíria foram submetidas ao jugo babilônico naquele mesmo ano, os “setenta anos” de servidão vieram a ser na realidade um número redondo para nações individuais.[59]

NOTAS

[1] Estudo Perspicaz das Escrituras, Vol. 1 (Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990), pág. 617.

[2] As principais interpretações são defendidas por Edward J. Young em A Profecia de Daniel (em inglês – Grand Rapids: Companhia Editora de Wm. B. Eerdman, 1949), págs. 192-195.

[3] Publicado novamente em 1973 pela Kregel Publicações sob o título A Cronologia do Velho Testamento (em inglês). Veja a página 20 sobre os 490 anos. Entre os mais recentes comentaristas bíblicos, o Dr. David L. Cooper, fundador da Sociedade de Pesquisa Bíblica e editor do Mensário de Pesquisa Bíblica, defendeu esta mesma tese em seu artigo As Setenta Semanas de Daniel (em inglês – Los Angeles: Sociedade de Pesquisa Bíblica, 1941).

[4] George Storrs (ed.), Examinador da Bíblia (em inglês – publicado em Brooklin, Nova Iorque), abril de 1863, pág. 120.

[5] O antigo escritor cristão Tertuliano (c. 160 – c.225 E.C.), em sua obra Contra os Judeus, contou os 490 anos desde o primeiro ano de “Dario, o medo” (Dan. 9:1, 2) até a destruição do segundo templo pelos romanos em 70 E.C.. Isto faria o primeiro ano de “Dario, o medo” cair em 421 A.E.C. em vez de em 538. Os rabinos judaicos no Talmude (Seder Olam Rabbah) contaram os 490 anos desde a destruição do primeiro templo pelos babilônios até a destruição do segundo templo pelos romanos, o que faria a destruição do primeiro templo cair em 421 A.E.C., em vez de em 587. (“Daniel 9 e a Data da Vinda do Messias na Contagem Essênia, Helenística, Farisaica, Zelote e dos Primitivos Cristãos” [em inglês], R. T. Beckwith, no Revue de Qumran, Vol. 10: 40, 1981, págs. 531-32, 539-40]. Embora as descobertas modernas tornem essas aplicações totalmente insustentáveis, elas ainda encontram seguidores. Veja, por exemplo, o Rabino Tovia Singer em Judaísmo Especializado, Manual para a Série de Fitas “Let’s Get Biblical!”, Live! (em inglês – Monsey, Nova Iorque: Judaísmo Especializado, 1995), págs. 40-41.

[6] Durante os anos de 1931 a 1940, relevos, tumbas e inscrições de reis que esses expositores pensavam nunca terem existido foram escavados na Pérsia. (A Pérsia e a Bíblia, Edwin M. Yamauchi. Grand Rapids: Baker Book House, 1990, págs. 368-70, em inglês). Que o Cânon Real coloca esses reis na ordem correta é também comprovado pela inscrição descoberta nas paredes de um palácio de Artaxerxes III (358-337 A.E.C.), na qual lemos: “Diz Artaxerxes o grande rei, rei dos reis, rei dos países, rei de sua terra: Eu (sou) filho de Artaxerxes (II), o rei: Artaxerxes (foi) filho de Dario (II), o rei; Dario (foi) filho de Artaxerxes (I), o rei; Artaxerxes (foi) filho de Xerxes, o rei; Xerxes (foi) filho de Dario (I), o rei; Dario foi filho de Histaspes por nome.” (Persépolis I, E. F. Schmidt, Chicago: Editora da Universidade de Chicago, 1953, pág. 224, em inglês). A cronologia absoluta dos reis persas posteriores, os quais se pensava não terem existido é hoje firmemente estabelecida por numerosos textos astronômicos cuneiformes preservados deste período. Diga-se de passagem, a aplicação que a Sociedade Torre de Vigia faz do período de 490 anos tem, na prática, tão pouca base histórica quanto as aplicações de outros períodos mencionados nesta seção. A datação do 20º ano de Artaxerxes I em 455 A.E.C. em vez de em 445 está em conflito direto com muitas fontes históricas, incluindo vários textos astronômicos. Desse modo, quando A Sentinela de 15 de julho de 1994, pág. 30, afirma que “a história secular exata estabelece 455 A.E.C como este ano.”, isto é grosseiramente enganoso. (Compare isso com uma declaração enganosa similar na Despertai! de 22 de junho de 1995, pág. 8) Nenhum historiador secular da atualidade dataria o 20º ano de Artaxerxes I em 455 A.E.C. (Para uma refutação desta idéia, veja o ensaio mencionado no capítulo 2 deste livro, nota de rodapé 14).

[7] Os setenta anos de Tiro mencionados em Isaías 23:15-18 não serão abordados aqui, pois não há como provar que eles se referem ao período da supremacia neobabilônica. Na verdade, alguns eruditos aplicam este período a por volta de 700-630 A.E.C., quando Tiro foi controlada pela Assíria. Veja, por exemplo, O Jugo de Babilônia (= Coniectanea BiblicaColeção do Velho Testamento 4), do Dr. Seth Erlandsson (Lund, Suécia: CWK Gleerup, 1970), págs. 97-102, em inglês.

[8] A citação é da Tradução do Novo Mundo (TNM), que é baseada no texto hebraico massorético (M). A versão grega Septuaginta (LXX), diz: “e eles servirão entre as nações”, em vez de: “e estas nações terão de servir ao rei de Babilônia.” Por alguma razão desconhecida, todas as referências a Babilônia e ao rei Nabucodonosor são omitidas em Jeremias 25:1-12 na LXX. Há muitas diferenças entre o texto do livro de Jeremias no M (Jer-M) e o texto na LXX (Jer-LXX). Jer-LXX é aproximadamente um sétimo mais curto que Jer-M, sendo que este contém 3.097 palavras a mais que Jer-LXX. Muitos eruditos modernos sustentam que Jer-LXX foi traduzido de um texto hebraico que já existia antes do texto tradicionalmente representado por Jer-M, argumentando que Jer-M é uma revisão ampliada posterior do texto original, feita ou pelo próprio Jeremias, ou por seu secretário Baruque, ou ainda por certo(s) editor(es) posteriores. De modo que, com respeito à predição de Jeremias de que o rei babilônio Nabucodonosor atacaria e destruiria o reino de Judá, estes eruditos com freqüência acham difícil crer que Jeremias tenha sido capaz de fornecer tais previsões concretas e específicas. Eles acham mais fácil aceitar o fraseado mais genérico e vago de Jer-LXX como representativo da predição original, com todas as referências a Babilônia e ao rei Nabucodonosor deixadas de fora. Todavia, alguns dos eruditos que adotaram este ponto de vista admitem que isso gera problemas. Se a profecia original de Jeremias 25:1-12, que foi proferida no quarto ano de Jeoiaquim, sendo apresentada ao rei poucos meses depois (Jeremias 36:1-32), não continha quaisquer referências a Babilônia e ao rei Nabucodonosor, como poderia então Jeoiaquim, após ter ouvido e queimado por completo o rolo da profecia, perguntar a Jeremias: “Por que é que escreveste nele, dizendo: “O rei de Babilônia virá sem falta e certamente arruinará esta terra e fará cessar nela homem e animal”?” (Jeremias 36:29, TNM) Uma vez que a mesma pergunta é encontrada tanto em Jer-M como em Jer-LXX, a profecia original deve ter mencionado explicitamente o rei de Babilônia. O professor Norman K. Gottwald cita este versículo e diz: “Se o profeta não tivesse identificado abertamente Babilônia como a invasora em algum lugar de seu rolo, seria difícil explicar a réplica brusca do rei.”. (Todos os Reinos da Terra, N. K. Gottwald, Nova Iorque, Evanston e Londres: Harper & Row, Editores, 1964, pág. 251, em inglês). Isto dá forte indicação de que Jer-M representa aqui o texto original. Deve-se ter em mente que a LXX é uma tradução feita centenas de anos depois da época de Jeremias, com base num texto hebraico que está agora perdido, e, como os editores da Versão Septuaginta do Velho Testamento [em inglês] de Bagster indicam na “Introdução”, alguns dos tradutores da LXX não foram competentes em sua tarefa e com freqüência inseriram suas próprias interpretações e tradições. A maioria dos eruditos concorda com essa observação. A Sociedade Torre de Vigia também enfatiza que “a tradução grega deste livro [Jeremias] é deficiente, mas isto não reduz a fidedignidade do texto hebraico.”. – Estudo Perspicaz das Escrituras, Vol. 2, 1991, pág. 514. Para uma defesa completa da superioridade do texto M de Jeremias, veja O Texto Grego de Jeremias (=Revista Para o Estudo do Velho Testamento) do Dr. Sven Soderlund, Supplement Series 47), Sheffield, Inglaterra: Editora da JSOT, 1985, em inglês.

[9] Como se chamou atenção para este cabeçalho na versão original deste trabalho (enviado à sede da Torre de Vigia em 1977) e também na edição publicada de 1983, não foi surpresa que o cabeçalho tenha sido mudado na edição de tipos grandes da TNM Com Referências de 1986. Agora o cabeçalho (página 937) diz: “Preditos 70 anos de exílio em Babilônia”.

[10] A palavra hebraica para “desolação”, chorbah é também usada no versículo 18, onde se diz que Jerusalém e as cidades de Judá tornar-se-iam “um lugar devastado (chorbah),… assim como no dia de hoje”. Como observa o Dr. J. A. Thompson, “A frase assim como no dia de hoje, sugere que na época da escrita pelo menos alguns aspectos deste julgamento eram evidentes.” (O Livro de Jeremias, Grand Rapids: Eerdmans, 1980 pág. 516, em inglês) A profecia foi proferida e escrita “no quarto ano de Jeoiaquim,…, isto é, no primeiro ano de Nabucodorosor” (Jer. 25:1; 36 1-4). Porém, como aquele rolo foi queimado por Jeoiaquim alguns meses depois, no nono mês de seu quinto ano (Jer 36:9-25), outro rolo teve de ser escrito (Jer 36:32). Nessa época os exércitos de Nabucodonosor já tinham invadido e devastado a terra de Judá. Portanto, no momento da escrita, a frase “assim como no dia de hoje” foi provavelmente acrescentada como resultado desta desolação. Que a palavra chorbah não significa necessariamente um estado de total desolação “sem habitante” pode-se ver em outros textos que usam a palavra, por exemplo Ezequiel 33:24, 27 (“os habitantes desses lugares devastados”) e Neemias 2:17. Durante a época de Neemias, Jerusalém era habitada, e ainda sim foi dito que estava “devastada (chorbah)”. A frase “baldio desolado, sem habitante” é encontrada em Jeremias 9:11 e 34:22. Embora isto se refira a Jerusalém e às cidades de Judá, em nenhum lugar se iguala esse período com os setenta anos. Conforme indicado pelo professor Arthur Jeffrey na Bíblia do Intérprete (Vol. 6, pág. 485, em inglês), a palavra chorbah é “freqüentemente usada para descrever o estado de uma terra devastada, após a passagem de exércitos inimigos (Levítico 26:31, 33; Isaías 49:19; Jeremias 44:22; Ezequiel 36:34; Malaquias 1:4; 1 Macabeus 1:39).” Não seria inexato, portanto, falar de Judá como chorbah dezoito anos antes de seu despovoamento, se a terra tinha sido devastada pelo exército de um inimigo naquela época. Inscrições da Assíria e de Babilônia mostram que, para abater rapidamente o poder e o moral de um rebelde, o exército imperial tentaria arruinar o potencial econômico “destruindo instalações não fortificadas, ceifando plantações e devastando campos.” – “Sobre Operação Bélica e Controle Militar nos Antigos Impérios do Oriente Próximo”, Israel Eph’al, em História, Historiografia e Interpretação, H. Tadmor & M. Weinfield (Jerusalém: The Magnes Press, 1984), pág. 97, em inglês.

[11] Como consta em qualquer dicionário de hebraico, o verbo hebraico ‘abad, “trabalhar, servir”, poderia significar também servir como um subordinado ou vassalo, pagando tributo, por exemplo. O substantivo correspondente ‘ebed, “escravo, servo”, aplica-se com freqüência a estados vassalos ou nações tributárias. Aliás, o termo técnico para “vassalo” em hebraico era precisamente ‘ebed. – Veja “Alguns Aspectos da Terminologia de Tratado na Bíblia”, Quarto Congresso Mundial de Estudos Judaicos: Documentos, Dr. Jonas C. Greenfield, Vol. I, 1967, págs. 117-119, em inglês; e também “O Uso de ‘ebed como Termo Diplomático em Jeremias”, Revista de Literatura Bíblica, Dr. Ziony Zevit, Vol. 88, 1969, págs. 74-77, em inglês.

[12] A diferença é mencionada pelo Dr. John Hill em sua análise de Jeremias 25: 10, 11: “Nos vv. 10-11 há um enunciado em duas partes da punição decretada no v. 9. A primeira parte do enunciado está nos vv 10-11a que mencionam a dominação e a devastação de Judá. A segunda parte está no v. 11b que faz referência à dominação das nações vizinhas de Judá. De modo que os vv 10-11 fazem distinção entre o destino de Judá e o de seus vizinhos, que é o de serem dominados. O destino de Judá é sofrer a devastação de sua terra.” – Amigo ou Inimigo? A Figura de Babilônia no Livro de Jeremias M, J. Hill (em inglês – Brill: Leiden etc., 1999, pág. 110, nota 42.)

[13] Outras nações que também se recusaram a aceitar o jugo de Babilônia, foram desoladas, e os cativos foram levados para Babilônia. Por exemplo, segundo a Crônica Babilônica BM 21946, uma das cidades-estado filistéias, provavelmente Ascalom (o nome está parcialmente ilegível), foi “pilhada e saqueada” e “transformada… em um monte de ruína”. Esta destruição, predita por Jeremias em Jeremias 47:5-7, ocorreu no mês de quislimu (9º mês) do primeiro ano de Nabucodonosor, segundo a crônica, isto é, em novembro ou dezembro de 604 A.E.C. (Crônicas Assírias e Babilônicas, A. K. Grayson, Locust Valley, Nova Iorque: Augustin Publisher, 1975, pág. 100, em inglês). Que Ascalom foi arruinada está agora confirmado por escavações. Em 1922, Lawrence E. Stager desenterrou em Ascalom a evidência arqueológica desta destruição babilônica. – Veja “A Fúria de Babilônia: Ascalom e a Arqueologia da Destruição”, L. E. Stager, Recensão de Arqueologia Bíblica, Vol. 22:1 (1996), págs. 56-69, 76-77, em inglês.

[14] Veja os comentários de Paul-Alain Beaulieu em O Reinado de Nabonido, Rei de Babilônia, 556-539 A.C. (em inglês – New Haven e Londres: Editora da Universidade de Yale, 1989), págs. 230, 231.

[15] De acordo com isto, 2 Crôn. 36:20 declara que os judeus exilados “vieram a ser servos dele [Nabucodonosor] e dos seus filhos até o começo do reinado da realeza da Pérsia” (TNM), ou seja, até o outono setentrional de 539 A.E.C., mas não depois disso.

[16] Crônicas dos Reis Caldeus, D. J. Wiseman (em inglês – Londres: Curadores do Museu Britânico, 1961), págs. 66-75.

[17] As citações que seguem são extraídas da mais recente tradução das crônicas que A. K. Grayson fez em sua obra Crônicas Assírias e Babilônicas (em inglês – Locust Valley, Nova Iorque: J. J. Augustin Publisher, 1975), págs. 99, 100.

[18] Hamate era um distrito próximo ao rio Orontes, na Síria, onde o Faraó Neco havia estabelecido quartéis generais egípcios, num lugar chamado Ribla. Depois da derrota do exército egípcio, Nabucodonosor escolheu o mesmo local como base para suas operações no oeste. – Veja 2 Reis 23:31-35; 25:6, 20, 21; Jeremias 39:5-7; 52:9-27.

[19] A morte de Nabopolassar em 8 de abu corresponde a 16 de agosto de 605 A.E.C. (calendário juliano). Nabucodonosor ascendeu ao trono em 1º de ululu (7 de setembro de 605). A Batalha de Carquemis em maio de 605, portanto, aconteceu no mesmo ano de ascensão dele. Seu primeiro ano de reinado começou na primavera seguinte, em 1º de nisã de 604 A.E.C. A razão porque a Bíblia data a batalha no primeiro ano de Nabucodonosor (conforme Jeremias 46:2 e 25:1) parece ser que os reis judaicos aplicaram o sistema de ano não-ascensional, no qual o ano de ascensão de um rei já era contado como seu primeiro ano. Veja o Apêndice ao Capítulo 2: “Métodos de contagem de anos de reinado”.

[20] Nabucodonosor e Babilônia, D. J. Wiseman, Oxford: Editora da Universidade de Oxford, 1985, pág. 18, em inglês; Reallexikon der Assyriologie, Vol. 4 [editado por D. O. Edzard], 1972-1975, págs. 154-56. É razoável que Jeoiaquim tenha sido um dos “todos os reis de Hatu” que pagaram tributo nesse momento. A respeito disso, J. P. Hyatt diz: “Foi provavelmente em 605, ou no ano seguinte, que Jeoiaquim submeteu-se ao rei de Babilônia, conforme registrado em II Reis 24:1;… e II Reis 24:7 diz que ‘o rei de Babilônia tomou tudo o que pertencera ao rei do Egito, desde o arroio do Egito até o Rio Eufrates.’” – “Nova Luz Sobre a História de Nabucodonosor e da Judéia”, J. P. Hyatt, Revista de Literatura Bíblica], 75 (1956), pág. 280, em inglês.

[21] Para comentários adicionais sobre Daniel 1:1, 2 e 2:1, veja o Apêndice ao Capítulo 5.

[22] A Babiloníaca de Beroso, Stanley Mayer Burstein, (em inglês – Malibu: Publicações Undena, 1978), págs. 26, 27.

[23] O relato de Beroso sobre estes eventos tem sido alvo de críticas, mas foi aceito por historiadores como Hugo Winckler, Edgar Goodspeed, James H. Breasted e Friedrich Delitzsch. Veja “O Terceiro Ano de Jeoiaquim”, por Albertus Pieters, em Das Pirâmides a Paulo, editado por Lewis Gaston Leary (em inglês – Nova Iorque: Thomas Nelson e Filhos, 1935), pág. 191. A descoberta da Crônica Babilônica BM 21946 deu apoio adicional à descrição que Beroso faz da conquista de Nabucodonosor após a Batalha de Carquemis. D. J. Wiseman, o primeiro tradutor desta crônica diz que o relato de Beroso acerca destes eventos “soa como verdadeiro”. (História Antiga – Universidade de Cambridge, Vol. III:2, J. Boardman et al, Cambridge: Editora da Universidade de Cambridge, 1991, págs. 230-231, em inglês). Sobre a descrição que Beroso faz do Faraó Neco como um sátrapa rebelde, o Dr. Menahem Stern diz: “Do ponto de vista daqueles que consideravam o Império Neobabilônico como uma continuação do Império Assírio, a conquista da Coele-Síria e da Fenícia pelo governante egípcio pode ser interpretada como uma violação do território babilônico.” – Autores Gregos e Latinos Sobre os Judeus e o Judaísmo, M. Stern, Vol. I (Jerusalém, 1974), pág. 59.

[24] No versículo 1 do capítulo 27, esta mensagem é datada no princípio do reinado de “Jeoiaquim”, mas uma comparação com os versículos 3 e 12 mostra que a redação original era mui provavelmente “Zedequias”. Isto é também confirmado pelo capítulo seguinte, Jeremias 28, datado no versículo 1 como “daquele mesmo ano”, que se especifica ser “o quarto ano, no início do reinado de Zedequias, rei de Judá”. (NVI), isto é, em 595/94 A.E.C.

[25] A razão para os planos de rebelião, amplamente difundidos naquele ano, pode ter sido a rebelião no próprio exército de Nabucodonosor em Babilônia, no décimo ano de seu reinado (= 595/94 A.E.C.), segundo a Crônica Babilônica B. M. 21946. — ABC de A. K. Grayson (veja a nota de rodapé 17 deste capítulo), pág. 102. O décimo ano de Nabucodonosor coincidiu em parte com o quarto ano de Zedequias. Veja os comentários sobre esta revolta na última seção do Apêndice: “Tabelas cronológicas que abrangem os setenta anos”.

[26] A idéia de que o significado básico de le (I) é local e direcional é rejeitada pelo Professor Ernst Jenni que provavelmente é hoje a maior autoridade em preposições hebraicas. – Die Hebräischen Präpositionen, Band 3: Die Präposition Lamed, Ernst Jenni (Stuttgart, etc.: Verlag Kohlhammer, 2000), págs. 134, 135. A obra dedica 350 páginas só para o exame da preposição le. (É interessante que a TNM dinamarquesa de 1985, verte “para Babilônia”, e a nova versão sueca revisada da TNM, de 2003, também eliminou o “em” usado antigamente e passou a verter “para Babilônia”!)

* NOTA DO TRADUTOR: Dentre as versões em língua portuguesa, uma das mais conhecidas que traduz dessa maneira é a ARC.

[27] Umas poucas traduções modernas que ainda mantêm “em Babilônia” em Jeremias 29:10 podem ter sido influenciadas, direta ou indiretamente, pela Versão Rei Jaime. Um de meus amigos, um lingüista dinamarquês, também chamou minha atenção para o fato de que a Vulgata Latina (do 4º século E.C.) apresenta a expressão que corresponde a “em Babilônia” no nosso idioma, a qual, assim como o “em Babilônia” da Rei Jaime, é mais uma interpretação do que uma tradução. É bem possível que esta antiga e altamente estimada versão, possa também ter influenciado algumas versões modernas.

* NOTA DO TRADUTORConforme visto nos exemplos acima, isto ocorre também no caso das versões em língua portuguesa. Na maioria destas, a frase usada em Jeremias 29:10 é “setenta anos para Babilônia” ou alguma expressão de sentido equivalente.

[28] A palavra hebraica traduzida por “livros” em Dan. 9:2, sefarim, plural de sefer, foi usada para designar escritos de vários tipos, incluindo documentos jurídicos e cartas. Assim a palavra seper é também aplicada à primeira “carta” de Jeremias aos exilados em Babilônia, registrada em Jeremias 29: 1-23. Os versículos 24 a 32 do mesmo capítulo citam uma segunda carta enviada por Jeremias aos judeus exilados, provavelmente mais adiante no mesmo ano ou no início do ano seguinte.

[29] Gerald H. Wilson, “A Oração de Daniel 9: Reflexão sobre Jeremias 29”, Revista para o Estudo do Velho Testamento, número 48, outubro de 1990, págs. 91-99, em inglês.

[30] Compare com a discussão de Gerald H. Wilson, op. cit., págs. 94, 95.

[31] O Dr. C. F. Keil, um dos maiores eruditos em hebraico do século 19, observou em sua análise gramatical o quanto Daniel associou e ainda assim distinguiu os dois períodos, concluindo: “Conseqüentemente, no primeiro ano do reinado de Dario, o Medo, sobre o reino dos caldeus, os setenta anos profetizados por Jeremias estavam agora completos, o período da desolação de Jerusalém determinado por Deus estava quase expirado” – Comentário Bíblico sobre o Livro de Daniel, C. F. Keil (em inglês – Edimburgo: Clark, 1872), págs. 321, 322

[32] Vários eruditos críticos, que consideram o livro de Daniel como uma composição posterior do fim do reinado de Antíoco IV Epifânio (175-164 A.E.C.), argumentaram que a profecia original de Jeremias sobre os setenta anos foi repetidamente reinterpretada e reaplicada pelos escritores bíblicos posteriores Esdras, Zacarias e Daniel. Não há qualquer razão para discutir estas teorias aqui, especialmente porque há ampla discordância sobre elas entre estes eruditos.

[33] Foi recebida do lingüista mencionado na nota 27 deste capítulo uma análise gramatical detalhada do texto hebraico de Daniel 9:2, que esclarece passo a passo o significado exato do versículo. Na conclusão, foi proposta a seguinte tradução, que concorda bastante com o texto original: “Em seu primeiro ano de reinado [de Dario] eu, Daniel, verifiquei nos escritos que o número de anos, os quais, segundo a palavra de JHWH a Jeremias o profeta, estariam completamente cumpridos com relação ao estado desolado de Jerusalém, era de setenta anos.”

[34] Veja, por exemplo, Vetus Testamentum, de Avigdor Orr, Vol. VI (1956), pág. 306, e Interpretação Bíblica no Antigo Israel, de Michael Fishbane (em inglês – Oxford: Editora Clarendon, 1985) págs. 480-81.

[35] Segundo a lei dos anos sabáticos, a terra desfrutaria de um repouso sabático em todo sétimo ano, ou seja, a terra deveria repousar, sem ser cultivada. (Levítico 25:1-7) Isto “servia para reduzir a quantidade de alcalinos, sódio e cálcio, depositado no solo pelas águas de irrigação.” — Comentário da SPJ: Levítico, Baruch A. Levine, (em inglês – Filadélfia, Nova Iorque, Jerusalém: Sociedade Publicadora Judaica, 1989), pág. 272. A violação desta lei destruiria gradualmente o solo e reduziria drasticamente o rendimento da colheita.

[36] Alguns tradutores colocaram a citação que o cronista faz de Levítico 26 entre hífens ou entre parênteses (como faz a versão sueca de 1917) com o fim de enfatizar que eles não se referem à profecia de Jeremias.

[37] A verdadeira duração do repouso sabático da terra foi 49 anos, desde a desolação final e despovoamento em 587 A.E.C. até o retorno dos exilados em 538. Talvez seja apenas uma coincidência, mas este era também o período máximo em que um hebreu podia ser privado do direito de propriedade de sua herança ancestral, segundo a lei de posse da terra. Se ele ficasse tão pobre a ponto de ter de vender sua terra, esta não poderia ser vendida perpetuamente. Se a terra não pudesse ser comprada de volta, o comprador teria de devolvê-la no jubileu seguinte. — Levítico 25:8-28.

Se os 49 anos de repouso sabático corresponderam ao número exato de anos sabáticos que os israelitas tinham negligenciado, o período inteiro de violação da lei seria 49 x 7 = 343 anos. Se este período estendeu-se até 587 A.E.C., seu início teria sido aproximadamente em 930 A.E.C. É interessante que cronologistas modernos que examinaram cuidadosamente tanto a evidência bíblica como a extrabíblica, geralmente datam a divisão do reino em 930 A.E.C. ou próximo disso. (F.X. Kugler, por exemplo, data em 930; E., R. Thiele e K.A. Kitchen datam em 931/30, e W. H. Barnes em 932 A.E.C.) Uma vez que este desastre nacional resultou em uma interrupção geral do culto no templo em Jerusalém por parte da maioria do povo, é razoável pensar que uma ampla negligência em guardar os anos sabáticos tenha também começado nessa época.

[38] Conforme já foi abordado (no Capítulo 3 deste livro, nota de rodapé 2), o restante judaico provavelmente voltou do exílio em 538 A.E.C., não em 537 como a Sociedade Torre de Vigia insiste em afirmar.

[39] O Dr. Otto Plöger, por exemplo, observa que “os dois textos do livro de Jeremias não são mencionados aqui.” – Aus der Spützeit des Alten Testaments, O. Ploger (Gottingen: Vandenhoeck k. Ruprecht, 1971), pág.69.

[40] Cronologia Babilônica 626 A.C. – 75 A.D., R. A. Parker & W. H. Dubberstein, (em inglês – Providence, Rhode Island: Editora da Universidade Brown, 1956), pág. 30. Isto pressupõe que a data é determinada de acordo com o sistema persa de ano de ascensão. Se Zacarias aplica o sistema judaico de ano não-ascensional, a data cairia aproximadamente um ano antes, em fevereiro de 520 A.E.C. (Veja a abordagem de E. J. Bickerman sobre este problema na Revue Biblique, Vol. 88, 1981, págs. 19-28). A Sociedade Torre de Vigia aceita a datação secular do reinado de Dario, como se vê, por exemplo, na página 124 do livro O Paraíso Restabelecido para a Humanidade — Pela Teocracia! (Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, publicado em português em 1974).

[41] O Paraíso Restabelecido Para a Humanidade — Pela Teocracia!,  págs. 131-134

[42] A Sociedade Torre de Vigia tenta explicar esta contradição argumentando que Jeová tinha verberado as cidades de Judá por 70 anos até 537 A.E.C., mas permitiu que as nações gentias continuassem a verberação até o tempo de Zacarias, fazendo parecer que ele ainda estava verberando as cidades de Judá! – Ibid., pág. 133 § 25. Também de um ponto de vista gramatical é difícil defender a idéia de que os setenta anos aqui se referem a um período que tinha terminado muitos anos antes. O pronome demonstrativo “estes” (zeh, em hebraico) denota algo próximo, no tempo ou no espaço. Comentando a expressão “estes setenta anos” em Zac. 1:12, o hebraísta sueco Dr. Seth Erlandsson explica:  “Literalmente o texto diz ‘estes 70 anos’, da mesma forma que em 7:5, o que equivale a ‘agora por 70 anos’” (Carta de Erlandsson a Carl Olof Jonsson, datada de 23 de dezembro de 1990.) Evidentemente é por esta razão que o Professor Hinckley G. Mitchell traduz a frase como “setenta anos de agora” em ambos os textos. — H. G. Mitchell em Comentário Crítico Internacional. Um Comentário Crítico e Exegético de Ageu, Zacarias, Malaquias e Jonas, S. R. Driver, A. Plummer & C. A. Briggs (em inglês – Edimburgo: T. T. Clark, 1912), pp. 123-24, 199-200.

[43] Esta é também a conclusão de muitos comentaristas modernos. J. A. Thompson, por exemplo, diz: “Em Zac. 1:12 isso parece denotar o intervalo entre a destruição do templo em 587 A.C. e sua reconstrução em 520-515 A.C.” (O Livro de Jeremias. Grand Rapids:  Wm. B. Eerdmans Publishing Cia., 1980, pág. 514, em inglês.) O Dr. Carroll Stuhlmueller observa que, “se tabularmos do princípio dos planos de Babilônia para o primeiro sítio de Jerusalém (590/589; 2 Reis. 24:10) até o momento desta visão (520), os setenta anos se evidenciam de modo notavelmente preciso” — Reconstruindo com Esperança. Um Comentário dos Livros de Ageu e Zacarias, Stuhlmueller (em inglês – Grand Rapids: Cia. Publicadora Wm. B. Eerdmans, 1988), pág. 64.

[44] Parker & Dubberstein, op. cit. (na nota de rodapé 40 deste capítulo), pág. 30.

[45] O Paraíso Restabelecido Para a Humanidade — Pela Teocracia!, pág. 235.

[46] Ibid. — Zacarias 8:19 mostra que foram mantidos dias de jejum e pranto em memória de vários eventos fatídicos durante o sítio e destruição de Jerusalém em quatro diferentes meses:  (1) no décimo mês (por causa do início do sítio de Jerusalém em janeiro de 589 A.E.C., 2 Reis 25:1, 2); (2) no quarto mês (por causa da captura de Jerusalém em julho de 587 A.E.C., 2 Reis 25:2-4; Jer. 52: 6,7); (3) no quinto mês (por causa da queima do templo em agosto de 587 A.E.C., 2 Reis 25:8, 9); e (4) no sétimo mês (por causa do assassinato de Gedalias em outubro de 587 A.E.C., 2 Reis 25:22-25).

[47] Do fim de agosto de 587 A.E.C., quando o templo foi queimado, até dezembro de 518 decorreram aproximadamente sessenta e nove anos e quatro meses. De outubro de 587, quando os judeus restantes fugiram para o Egito e deixaram Judá desolada, até dezembro de 518 decorreram aproximadamente sessenta e nove anos e dois meses.

[48] O Paraíso Restabelecido Para a Humanidade – Pela Teocracia!, pág. 235.

[49] “Quando os judeus exilados jejuavam durante os setenta anos da desolação da terra de Judá e também durante todos estes anos desde o retorno do restante deles à sua pátria, estavam realmente jejuando para Jeová?”  O Paraíso Restabelecido Para a Humanidade — Pela Teocracia!, pág. 237. (Ênfase acrescentada.)

[50] Alguns exemplos são 70 anos (Gên. 5:12;  11:26; Sal. 90:10); 70 dias (Gên. 50:3); 70 descendentes de Jacó (Gên. 46; Êxo. 1:5;  Deut. 10:22); 70 palmeiras (Êxo. 15:27); 70 anciãos (Êxo. 24: 1;  Num. 11: 16;  Eze. 8:11); 70 reis cananeus subjugados (Juí. 1:7); 70 filhos (Juí. 8:30;  12:14; 2 Reis 10:1).

[51] “O Numeral Setenta no Velho Testamento e a Família de Jerubaal, Acabe, Panammuwa e Atirate”, F. C. Fensham, Exploração da Palestina – Publicação Trimestral, julho-dezembro de 1977, págs. 113-115, em inglês. Cf. também “O Número Setenta em Semítico”, Eric Burrows, Orientalia, Vol. V, 1936, págs. 389-92, em inglês.

[52] A inscrição diz: “Setenta anos como o período de sua desolação escreveu ele (no Livro do Destino). Mas o misericordioso Marduque — sua ira durou só por um momento — virou (o Livro do Destino) de cabeça para baixo e ordenou sua restauração no décimo primeiro ano.” – D. D. Luckenbill, Registros Antigos da Assíria e Babilônia, Vol. II (em inglês – Chicago: Editora da Universidade de Chicago, 1927), pág. 243. Conforme indicado por Luckenbill, “o numeral babilônico ‘70’, virado de cabeça para baixo ou invertido, torna-se ‘11’, exatamente como nosso ‘9’ grafado de cabeça para baixo, torna-se ‘6’” (Ibid., pág. 242. Cf. também R. Borger na Revista de Estudos do Oriente Próximo, Vol. XVII, 1958, pág. 74, em inglês.) Foi assim que Esar-Hadom “explicou” sua decisão de restaurar Babilônia depois da morte de seu pai, Senaqueribe, em 681 A.E.C.

[53] O filho e sucessor de Nabucodonosor foi Evil-Merodaque. O neto dele foi evidentemente Belsazar, filho de Nabonido que, segundo R. P. Dougherty, casou-se com Nitócris, filha de Nabucodonosor. – Nabonido e Belsazar, R. P. Dougherty (em inglês – New Haven: Editora da Universidade de Yale, 1929), págs. 30-32, 79. Veja também os comentários de D. J. Wiseman em Nabucodonosor e Babilônia (em inglês – Oxford: Editora da Universidade de Oxford, 1985), págs. 11-12.

[54] O termo usado para os medos na crônica, “Uman-manda”, foi freqüentemente entendido como se referindo, ou pelo menos incluindo, os citas. Esta hipótese parece insustentável à luz da pesquisa recente. Veja a abordagem extensa de Stefan Zawadzki em A Queda da Assíria e as Relações Medo-Babilônicas à Luz da Crônica de Nabopolassar (Poznan: Editora da Universidade Adam Mickiewicz, 1988), págs. 64-98.

[55] Segundo a crônica babilônica BM 21901, os dois exércitos investiram contra Harã em arasamnu, o oitavo mês, que correspondeu a por volta de novembro de 610 A.E.C. no calendário juliano. Após a captura da cidade eles voltaram para casa em adaru, o décimo segundo mês, que correspondeu a por volta de março do ano seguinte, 609 A.E.C. De modo que é bem provável que a cidade tenha sido capturada no início de 609 A.E.C. – Crônicas Assírias e Babilônicas, A. K. Grayson (em inglês – Locust Valley, Nova Iorque: J. J. Augustin Publisher, 1975), págs. 95, 96.

[56] Compare com 2 Reis 23:29-34; 2 Crônicas 35:20-36:4. Sobre o controle “disperso e fraco” de Neco sobre as regiões do oeste, veja os comentários de T. G. H. James em História Antiga – Universidade de Cambridge, Vol. III:2, pág. 716, em inglês. (veja também a nota 23 deste capítulo)

[57] Ross E. Winkle também conclui que “a derrota da Assíria é a escolha óbvia para o início real dos setenta anos. Isto se deve ao fato de que, com a Assíria fora do caminho, Babilônia passou a ser verdadeiramente o poder dominante no norte.” — “Os setenta anos para Babilônia de Jeremias: uma reavaliação”, R. E. Winkle, Estudos Seminaristas da Universidade de Andrews (sigla em inglês: AUSS), Vol. 25:3 (1987), pág. 296. A abordagem de Winkle sobre os textos que tratam dos setenta anos (em AUSS 25:2, págs. 201-213, e 25:3, págs. 289-299) é notavelmente similar à discussão que foi publicada na primeira edição deste livro em 1983. Winkle, porém, não faz referência a ela e é bem possível que ele não tenha tomado conhecimento dessa discussão.

[58] Vários historiadores e eruditos bíblicos têm ficado espantados com a exatidão com que a predição de Jeremias se cumpriu. Alguns eruditos tentaram explicar isto sugerindo que as passagens em Jer. 25:11 e 29:10 foram acrescentadas ao livro de Jeremias após o exílio judaico. Entretanto, não há qualquer evidência que apóie esta teoria. O professor John Bright, por exemplo, ao comentar Jeremias 29:10, diz:  “Ninguém é capaz de explicar razoavelmente por que Jeremias estava tão convicto de que o domínio de Babilônia seria relativamente curto. Mas não há qualquer razão para considerar o versículo como um vaticinium ex eventu [uma ‘profecia’ feita após o evento]; podemos apenas registrar o fato de que a predição mostrou-se aproximadamente correta (o que pode ser a razão de escritores posteriores terem criado tanta questão sobre isto). Da queda de Nínive (612) até a queda de Babilônia (539) decorreram setenta e três anos;  da ascensão de Nabucodonosor (605) até a queda de Babilônia decorreram sessenta e seis anos.” — John Bright, A Bíblia Âncora: Jeremias (em inglês – Garden City, Nova Iorque: Doubleday e Companhia, Inc., 2ª ed. 1986), págs. 208-09.

[59] É interessante que os próprios redatores da Torre de Vigia parecem ter finalmente percebido isto. Comentando sobre os 70 anos em que a cidade de Tiro seria esquecida, conforme Isaías 23:15-17 – um período que eles igualam aos 70 anos para Babilônia – o recente comentário deles sobre o livro de Isaías diz:  “É verdade que a ilha-cidade de Tiro não ficou sujeita a Babilônia por 70 anos completos, visto que o Império Babilônico caiu em 539 AEC. Evidentemente, os 70 anos representavam o período do maior domínio de Babilônia . . . Diferentes nações viriam a estar sob esse domínio em diferentes épocas. Mas, no fim dos 70 anos, esse domínio desmoronaria.” (Profecia de Isaías — Uma Luz Para Toda a Humanidade, Vol. 1, 2000, pág. 253) Estas notáveis declarações são mais ou menos uma reversão de interpretações anteriores.

One thought on “Os Setenta Anos para Babilônia

  • março 31, 2021 em 2:06 pm
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    Estou estudando essa passagem para uma pregação no domingo agora, dia 04/04/2021. Concordo com muita coisa que foi dita, porém algumas parecem convenientes demais.

    Falar que o número 70 é apenas um número redondo e não precisa ser interpretado literalmente é muito conveniente quando a conta não bate.

    Dizer, também, que o período de 70 anos acontece antes de 605 a.C. só é justificado tendo auxílio de fontes extra-bíblicas, mas me parece mais que o período começa a ser contado desde a tomada de Jerusalém.

    Uma coisa importante a se considerar é que o ano bíblico não possui 365 dias, pois não é calendário solar como nos dias atuais. Em calendário lunar, os anos possuem, em média, 354 dias. 11 dias de diferença com o nosso calendário atual.

    11 dias x 70 anos = 770 dias, que são aproximadamente 2 anos.

    Sendo assim 70 anos bíblicos são aprox. 68 anos atuais.

    Se considerarmos 605 a.C. como início do cativeiro, teremos em 537 a.C. o término. Isso parece bater com o que alguns dizem ser a data do Édito de Ciro.

    Se Ciro derrubou a Babilônia entre os anos de 539 e 538 a.C. e seu Édito foi dado no primeiro ano, podemos dizer que a liberação dos povos cativos aconteceu entre 538 e 537 a.C., conforme diz William Weir em seu livro 50 líderes militares que mudaram a história da humanidade, páginas 30 e 31.

    Mesmo que não seria possível dizer que esses 2 anos seriam cativeiro babilônico, porque já seria Império Persa, ainda seria o mesmo cativeiro.

    Torna-se muito mais plausível a conta a partir dessa perspectiva do que convenientemente dizermos que o numero 70 é um número aproximado.

    Gostaria de uma resposta de vocês, se possível no e-mail indicado, a respeito disso, pois seria de muita ajuda à minha pregação.

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