O “Escravo Fiel e Discreto”

Quem é realmente o escravo fiel e discreto a quem o seu amo designou sobre os seus domésticos, para dar-lhes o seu alimento no tempo apropriado? Feliz aquele escravo, se o seu amo, ao chegar, o achar fazendo assim! Deveras, eu vos digo: Ele o designará sobre todos os seus bens. ― Mateus 24:45-47 – TNM (Edição de 1986)

Introdução

EM SUAS exortações à lealdade e submissão, nenhuma passagem das Escrituras é tão citada pelo Corpo Governante das Testemunhas de Jeová como a que se encontra nos versículos acima.

Suas pretensões de autoridade organizacional se apoiam não só na interpretação desta declaração ilustrativa de Jesus Cristo, mas, especialmente, no modo como utilizam essa interpretação. Ela é primariamente usada em apoio ao conceito de uma autoridade administrativa centralizada, exercendo controle abrangente sobre todos os membros da organização cristã (que as Testemunhas de Jeová entendem aplicar-se apenas a elas próprias).

Conforme vimos no Capítulo 4, na fase final da gestão de Russell alguém aplicou à pessoa dele a figura do “servo fiel e prudente”. Ele aceitou claramente a designação, como se vê em suas declarações. Argumentou contra a ideia de aplicá-la aos membros do corpo de Cristo como um todo e a favor de que ela predizia o surgimento de um servo especial, individual, no ‘tempo designado de Deus’. Rutherford, durante a primeira década de sua gestão, achou difícil conseguir algo parecido à enorme influência que tivera seu antecessor. Ao contrário de Russell, Rutherford não fora escolhido como único “Pastor” dos adeptos da Torre de Vigia. Gastou boa parte da primeira década lutando para obter apoio e controle, e lidando com o temporal de dúvidas trazido pelo fracasso das profecias de datas da Torre de Vigia. Durante esses anos, argumentou de modo veemente que Russell era mesmo “aquele servo” e que todas as coisas ensinadas por ele, inclusive as datas que marcou, estavam corretas e acima de dúvida. Logo que obteve o controle total isto cessou, e iniciou-se um processo inverso, com os conceitos de Russell sendo cada vez mais substituídos e até desacreditados. Fazia-se pouca referência à parábola do “escravo fiel e discreto”. Não era necessária. Rutherford introduzira o termo quase mágico “organização” e também enfatizava a “Teocracia” (domínio de Deus). Suas declarações de que Deus governava a organização “do alto para baixo, e não de baixo para cima” são típicas do caráter da sua gestão, pois na terra, sem dúvida, “o alto” era ele. [1] O “servo fiel e prudente” passou então a ser identificado como ‘o corpo do povo consagrado de Deus’. Já por muitos anos, diz-se que ele é o corpo coletivo de todos os cristãos “ungidos” vivendo na terra em qualquer época, de Pentecostes em diante e através dos séculos, até hoje. A Sentinela de 1° de setembro de 1981, página 24, diz assim:

As Testemunhas de Jeová entendem que o “escravo” é composto por todos os cristãos ungidos como grupo na terra em qualquer tempo determinado durante os 19 séculos desde Pentecostes. Por conseguinte, os “domésticos” são esses seguidores de Cristo como indivíduos.

Em si, nada há de objetável nesta explicação. Com efeito, ela só diz que a aplicação da parábola referente ao escravo estende-se a todos os cristãos que vivem em qualquer período, já que, nas Escrituras, mostra-se que todos os cristãos verdadeiros são ungidos de Deus. [2] A Sociedade Torre de Vigia, é claro, não considera todos os cristãos como ungidos e divide os cristãos que hoje vivem em duas classes, uma classe não ungida com esperança terrestre, e uma classe ungida com esperança celestial. Como indivíduos, diz-se que os “ungidos” são representados pelos “domésticos” que são alimentados pelo “escravo”, ao passo que o “escravo” representa todos eles como um corpo coletivo. Mais uma vez, isto não deixa de ter, em si, algum paralelo bíblico, como no exemplo muito citado de Isaías 43:10-12, em que Jeová fala da nação de Israel como “meu servo” (singular) e dos indivíduos que compõem a nação como sendo todos “minhas testemunhas” (plural). É na aplicação que a Torre de Vigia faz desse princípio que surgem os problemas. Hoje, diz-se que esta “classe do escravo” é composta de um “restante” dos 144.000 ungidos ainda vivos na terra. Em 2001, o número deles gira em torno de 8.600. [3]

Considere como as publicações da Torre de Vigia constroem o alicerce desta interpretação e os extremos a que isso leva. Torna-se evidente que a maior preocupação é autenticar — e reforçar — o conceito de que Deus e Cristo só tratam com as pessoas através duma organização, e que esta hoje está relacionada à Sociedade Torre de Vigia.

Primeiro observamos que o ensino da Sociedade Torre de Vigia é que a “classe do escravo” vem tendo uma existência contínua, ininterrupta, desde seu início em 33 A.D. até hoje. A Sentinela de 15 de julho de 1975, páginas 430 e 431, enfatizava isto, dizendo:

Jesus dissera: “Eis que estou convosco todos os dias, até à terminação do sistema de coisas.” (Mat. 28:20) Jesus Cristo é Cabeça da congregação, seu escravo, e suas palavras mostram que ele os fortaleceria para alimentarem seus “domésticos” durante todos os séculos. Evidentemente, uma geração da classe do “escravo” alimentava a geração seguinte, além de continuar a alimentar a si mesma.

Vemos assim que o próprio Jesus Cristo trouxe à atenção este método de alimentar seu povo — não como pessoas isoladas e independentes, mas como grupo muito unido de cristãos, que têm verdadeiro amor e cuidado de uns para com os outros.

É inegável que existiram homens e mulheres que, como indivíduos, foram verdadeiros cristãos durante todos os séculos. As palavras de Jesus em Mateus 28:20 deixam isto claro. Não é nisto, porém, que vem insistindo A Sentinela. Em vez disso, ela proclama a existência contínua de uma “classe do escravo” apenas na forma de um “grupo muito unido”. Ao longo dos séculos, foi apenas através deste grupo muito unido que fluiu o alimento espiritual. Não dão margem a que Cristo tenha alimentado quaisquer pessoas não ligadas a este grupo muito unido, indivíduos que estavam isolados ou em grupos esparsos de cristãos não ligados entre si. [4] Isto resulta, em termos práticos, no conceito de que todas estas pessoas estavam ajuntadas numa organização. Isto fica claro quando consideramos a aplicação hodierna da identificação da “classe do escravo”, a partir da edição de 15 de abril de 1944 de A Sentinela, que dizia (página 55):

A realidade histórica desta premissa, de um corpo composto muito unido, inter-relacionado, ao longo dos séculos, constituindo o único receptáculo da alimentação vinda de Cristo e consequentemente se tornando o único canal das instruções de Deus para os cristãos em toda parte, não está comprovada nem documentada em lugar algum. É uma simples asserção. A interpretação divulgada e a postura tomada pela organização exigem isso. O que de fato revela a história com respeito a esta premissa?

O registro histórico

Alguém poderia pensar que no período pós-apostólico este canal seria logicamente encontrado no corpo principal de professos cristãos, em vez de nos “grupos divididos”, isolados, fragmentados, que foram se separando desde então. Mas esse corpo principal é o que eventualmente se transformou na cristandade, a qual A Sentinela chama de apóstata. A “classe do escravo”, portanto, tem de ser encontrada fora desse sistema. Os cristãos deviam então ser encontrados numa área bem espalhada da terra, em muitas nações e países. Quem formava esta unida e única “classe do escravo”, este grupo coletivo especial servindo como canal exclusivo de comunicação para suprir “o mesmo alimento espiritual” aos cristãos genuínos do segundo, terceiro e quarto séculos em todos esses lugares?

As publicações da Torre de Vigia não tentam identificar este canal, apresentando o motivo de que o surgimento da apostasia fez “desaparecer da visão nítida” a clara identificação da classe do “escravo fiel e discreto”. [5] Assim, a existência deste canal durante aquele período é simplesmente uma suposição. Que dizer do período desde então?

A história de modo algum é omissa sobre os acontecimentos religiosos no decorrer dos séculos. Ela nos dá um quadro razoavelmente completo não só do desenvolvimento gradual da organização da Igreja Católica, mas também das dissidências e separações ocorridas a partir dela e da criação dos diversos movimentos que levaram à Reforma e à formação das denominações protestantes. Porém, em todos estes registros, nada encontramos que se ajuste de modo aceitável à descrição que A Sentinela faz de uma classe singular, contínua, do “escravo fiel e discreto”, um grupo coletivo homogêneo, muito unido, atuando através dos séculos, como fonte única e exclusiva de alimento para as consecutivas gerações de todos os genuínos cristãos em todos os lugares.

A Sentinela faz ocasionalmente referência a grupos da Idade Média, como os valdenses, os lolardos, e similares, deixando implícito, no mínimo, que possam ter estado entre os cristãos genuínos do tempo deles — o que os teria tornado parte da “classe do escravo fiel e discreto”. [6] O fato de que esses agrupamentos religiosos muitas vezes acreditavam em doutrinas como a trindade, a imortalidade da alma e outras similares, é geralmente encoberto. A Sociedade Torre de Vigia, no entanto, considera estas como as mais graves de todas as doutrinas falsas, erros capitais. Além do mais, estes agrupamentos eram basicamente regionais, geralmente restritos a um país, ou no máximo, a poucos países. Nenhum deles dá evidência de ter servido de canal especial de comunicação, provendo o “mesmo alimento espiritual” às pessoas em escala internacional, algo que seria indispensável a menos que presumamos que todo o “trigo” do campo mundial estivesse restrito naquele tempo a apenas um ou poucos países.

Ao invés de recuar vários séculos, ao tempo em que grupos como os anabatistas (apresentados há alguns anos de modo a fazer supor que foram um provável elo da corrente), por que não apresentam um elo do passado mais recente, dos séculos dezoito ou dezenove, quando as informações são bem mais abundantes? [7] Por que não mostram pelo menos os elos do “escravo fiel e discreto” que levaram até Russell e à fundação de sua Sociedade Torre de Vigia em 1881? Este seria o ponto de partida mais óbvio e lógico, a partir do qual toda a cadeia retroativa poderia ser traçada.

Uma cadeia de elos invisíveis

As afirmações da Torre de Vigia requerem uma cadeia de gerações sucessivas da classe muito unida do escravo, tendo essa cadeia eventualmente de chegar a Charles Taze Russell e à Sociedade Torre de Vigia que ele fundou. Revendo sua história, descobrimos que, quando jovem, Russell separou-se de todos os grupos religiosos por ter perdido a fé neles. Mais tarde, assistiu a uma reunião do Segundo Advento, mas disse que os que lá estavam conseguiram apenas restabelecer sua “abalada fé” na inspiração divina da Bíblia. Aos 18 anos, com alguns associados, Russell formou uma “pequena classe de estudo bíblico.” [8]

Alguém poderia pensar que o movimento do Segundo Advento da época do jovem Russell era o “escravo fiel e discreto”, já que ele escreveu que foi ajudado pelos segundo-adventistas, tais como George Storrs e George Stetson, reconhecendo ter recebido suas principais profecias de datas (inclusive a relacionada com 1914) do segundo-adventista N. H. Barbour. Chegou a tornar-se editor associado da revista de Barbour, o Arauto da Aurora. [9] No entanto, o livro Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, nas páginas 185 e 186, destaca sobre o grupo inicial de estudo de Russell:

Trinta anos mais tarde, houve um pequeno grupo de homens, não associados com os adventistas, nem afiliados com qualquer das seitas religiosas da cristandade, que estudavam as Escrituras Sagradas, em Pittsburgh (Allegheny), na Pennsilvânia, E. U. A. Estudavam independentemente, a fim de evitar encarar a Bíblia através de óculos sectários.

O próprio Russell afirmava que o adventismo não o tinha “ajudado em nenhuma verdade específica”, e as publicações aprovadas da Sociedade dizem que ele tirou sua Bíblia da estante e passou a estudá-la por conta própria, de modo particular e independente. [10] Hoje, tal procedimento seria desaprovado como presunçoso, ineficaz, uma rejeição do canal de Deus, contrário ao modo histórico de Deus prover entendimento da sua Palavra mediante uma organização. Recordemos a afirmação de A Sentinela:

…a Bíblia é um livro de organização e pertence à congregação cristã como organização, não a indivíduos, não importa quão sinceramente creiam poder interpretar a Bíblia. Por esta razão, a Bíblia não pode ser devidamente entendida sem se ter presente a organização visível de Jeová. [11]

A história oficial da Sociedade, Testemunhas de Jeová — Proclamadores do Reino de Deus (página 707) diz mais sobre Russell:

Ele não fundou uma nova religião, e nunca afirmou ter feito isso. Restabeleceu as grandes verdades ensinadas por Jesus e pelos Apóstolos, e voltou a luz do século vinte sobre elas. Não alegou ter revelação especial de Deus, mas sustentou que era o tempo devido de Deus para a Bíblia ser entendida e que, estando ele plenamente consagrado ao Senhor e ao Seu serviço, teve permissão de entendê-la.

Ron Frye, já mencionado, fez um estudo intensivo deste assunto. Sobre as afirmações publicadas que acabamos de citar, ele escreve:

É esta pois, a raiz do início da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados conforme explicado por suas próprias palavras. Ela repudia claramente a premissa cuidadosamente lançada com respeito à chamada classe do escravo fiel e discreto. Por volta do ano 1870, quando o jovem Russell iniciou seu estudo independente da Bíblia, a chamada classe do escravo fiel e discreto estaria então com mais de 1800 anos de existência.

Uma pergunta tem de ser respondida: Onde estava esta classe do escravo fiel e discreto? Como poderia Russell ter ‘restabelecido as grandes verdades ensinadas por Jesus e pelos apóstolos’ independentemente do canal de comunicação, a organização terrestre de Jeová? Além do mais, se como insiste a Sociedade Torre de Vigia, o escravo fiel tem alimentado seus membros “de modo progressivo” através dos séculos, com cada geração alimentando a geração seguinte, por que precisariam os grandes ensinamentos de Jesus e dos apóstolos ser restabelecidos? Isto não teria sido necessário caso fosse verdadeira a premissa do escravo fiel e discreto.

A evidência mais reveladora de tudo isso talvez seja a que se encontra nos escritos do próprio Russell. Em A Sentinela de 1° de outubro de 1909 (citada no capítulo 4), ele apresenta seus “amigos” dizendo que durante gerações os estudos bíblicos feitos por eles e seus antepassados tinham sido “todos sem nenhum proveito”. Apenas quando o Senhor lhes mandou as “Chaves Bíblicas” por meio da Sociedade, formada, chefiada e controlada por Russell, foi que eles conseguiram chegar à luz. Se, conforme ensinado atualmente, uma “classe do escravo fiel e discreto” como “grupo muito unido” vinha atuando de Pentecostes em diante, com ‘uma geração alimentando a geração seguinte,’ onde estava ela na época dessas pessoas e de seus antepassados? Teriam suas gerações de algum modo sido “passadas por alto”? Russell obviamente não acreditava que a parábola se cumprisse numa “classe” contínua. Como poderia ele ter feito parte de uma classe contínua, existindo de Pentecostes em diante e através dos séculos, quando ele mesmo não acreditava em tal conceito? Ele acreditava claramente que o “escravo fiel e discreto” apareceu pela primeira vez na época dele, e deixa nítido que ele mesmo não fora a nenhuma “classe do escravo fiel e discreto” em busca de esclarecimento. [12]

Apontando o significado subjacente destes fatos, diz Ron Frye:

De modo claro, as raízes das Testemunhas de Jeová contradizem categoricamente a premissa da Sociedade Torre de Vigia com respeito ao dogma da chamada classe do escravo fiel e discreto. É evidente que a fim de justificar seu sistema autoritário, precisam argumentar que Jeová está usando uma organização como seu canal terrestre, ao qual todos devem submeter-se e aceitar. Mas para insistir nisso hoje, precisam consistentemente argumentar que a situação sempre foi esta desde o começo em 33 A.D. e que este sempre foi o modo de Deus. No entanto, permanece o fato de que Russell não se voltou para nenhuma organização terrestre. Ele agiu de modo independente, por sua própria conta.

Assim, no esforço de negar que Jesus esteja agora tratando, ou que alguma vez trataria com indivíduos à parte de uma organização, um “canal” exclusivo, A Sentinela cria uma posição insustentável. Alega que Cristo fez precisamente isto ao tratar com Russell à parte de uma organização. Se admitirmos que o período pós-apostólico não é particularmente fácil de pesquisar, devemos admitir que os meados do século 19 são muitíssimo mais fáceis de pesquisar. E no entanto, não se consegue encontrar nem um único elo da suposta cadeia contínua de gerações do “escravo” que se possa ligar a Russell e à sua revista A Sentinela. As publicações da Torre de Vigia, portanto, só podem apontar para o primeiro elo (os cristãos do primeiro século) e para o último elo (com base nas alegações que a organização Torre de Vigia faz de si mesma) da cadeia. Quaisquer elos têm de ser presumidos já que se mostram invisíveis. Além de tudo, eles retiram a base em que se apóia seu próprio argumento, pois mostram que seu elo final começou de modo totalmente contrário à posição da organização, que se iniciou com indivíduos, desligados de qualquer organização. Esta faceta de seu ensino meticulosamente elaborado quanto a uma “classe do escravo fiel e discreto” mostra ser um mero “castelo de cartas” que é demolido por suas próprias afirmações.

Gerações de uma “classe do escravo” que transmitem luz crescente?

Algo que agrava o problema em relação às afirmações da organização Torre de Vigia, como reconheceu Ron Frye, é a constante aplicação de Provérbios 4:18 (“Mas a vereda dos justos é como a luz clara que clareia mais e mais até o dia estar firmemente estabelecido”) como se referindo a algum tipo de avanço continuamente progressivo no conhecimento doutrinário e no entendimento das Escrituras. [13]

Na verdade, a organização apresenta duas posições contraditórias. Por um lado, diz que “a luz consistentemente torna-se cada vez mais brilhante”, e por outro diz que a apostasia criou uma escuridão tão grande e prolongada por tantos séculos que Russell e a Sociedade Torre de Vigia tiveram de “restabelecer as grandes verdades ensinadas por Jesus e pelos apóstolos”. Ela nunca tenta resolver esta contradição óbvia, mas persiste em falar sobre a “luz brilhante que se torna cada vez mais clara”. Como um exemplo apenas, encontramos esta declaração em A Sentinela de 15 de janeiro de 1961, página 51:

Sobre isto, comenta Ron Frye:

Segundo esta última citação, o escravo tem sido nutrido não só com alimento espiritual saudável, mas com alimento espiritual progressivo, que não regride, não permanece estático, mas que está sempre indo avante espiritualmente com a luz crescente da verdade. É esta, pois, a premissa cuidadosamente lançada pela Sociedade Torre de Vigia com respeito ao ensino da ilustração do escravo fiel e discreto do capítulo 24 de Mateus. Ele veio à existência no dia de Pentecostes de 33 [A.D.] e deveria ter uma história contínua, ininterrupta através dos séculos, até o fim do mundo e incluindo este; enquanto isso, ele estaria ‘alimentando progressivamente’ os seus membros com alimento espiritual, tornando-se cada vez mais esclarecido à medida que o tempo passava. A pergunta, então, a ser respondida, é: como é que a história da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados se encaixa ou se enquadra nesta premissa? Se sustentarmos as conseqüências da interpretação que a Sociedade faz de Mateus 24:45-47, o que descobrimos? Se sua história não se enquadra em sua própria premissa, esta premissa então é comprovadamente falsa.

Se a aplicação pretendida fosse válida, isto significaria que cada século sucessivo teria visto o crescimento do entendimento, da claridade do ensino doutrinário, com cada geração sucessiva da classe do “escravo fiel e discreto” transmitindo esta iluminação acrescida para a geração seguinte. Por volta da época dos valdenses e dos lolardos dos séculos treze e quatorze deveria haver um tremendo crescimento do entendimento. E por volta da década de 1870, quando surgiu Charles Russell, a luz já usufruída pela classe do “escravo” deveria logicamente ter progredido a ponto de brilhar de modo ofuscante.

Recorde-se a afirmação de Karl Klein, membro do Corpo Governante, como depois expressou A Sentinela de 15 de agosto de 1981, página 19:

Não há dúvida sobre isso. Todos nós precisamos de ajuda para entender a Bíblia, e não podemos encontrar a orientação bíblica de que precisamos fora da organização do “escravo fiel e discreto.”

Se essa declaração expressa genuinamente um princípio imutável quanto ao modo de Deus dirigir Seus servos, tinha então de ser válido e veraz no tempo de Russell. Russell, pois, deveria certamente ter recorrido à “classe do escravo fiel e discreto” do tempo dele e recebido a luz clara que então brilhava, de acordo com a doutrina da ‘luz que clareia mais e mais’. As publicações da Sociedade Torre de Vigia dizem que ele não fez tal coisa. Fez exatamente o oposto e, inexplicavelmente, foi aparente e excepcionalmente eximido da necessidade de aderir a tal princípio, ficando apenas ele habilitado a estudar a Bíblia independentemente de qualquer “organização do escravo fiel e discreto” e ainda assim a compreender.

Obviamente, não havia nenhuma classe do “escravo fiel e discreto” já existente por dezoito séculos à qual Russell e seus companheiros achassem que deviam recorrer e com a qual se associassem para receber o grande acúmulo de luz espiritual que devia ter sido gerada com o passar dos séculos. A necessidade que tinham de um estudo independente é enfatizada nas publicações da Torre de Vigia. Isto faria parecer que, após dezoito séculos de cumprimento da promessa que Jesus fez de estar com seus seguidores e guiá-los, apoiá-los e abençoá-los, o verdadeiro cristianismo na terra estava reduzido apenas a este punhado de americanos que se reuniam em Pittsburgh, Pensilvânia! Para levar a sério o ensino da organização, é a este extremo que teríamos de chegar.

Prover fielmente o alimento na época certa

O ensino oficial é de que, por volta de 1919, Cristo Jesus designou as pessoas filiadas à organização Torre de Vigia como sua “classe do escravo fiel e discreto”, seu canal escolhido. Sobre os fatores envolvidos nesta escolha, o livro Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos (escrito por Fred Franz e publicado em 1975) diz (páginas 350, 351):

A questão era servir alimento, a espécie correta de alimento no tempo apropriado. Tinha de ser sobre isso que o retornado amo precisava fazer uma decisão. Pois bem, que dizer daquele grupo de cristãos odiados e perseguidos internacionalmente? (Mateus 24:9) Até o ano de 1919 E.C., eles se haviam esforçado a dar “alimento no tempo apropriado” aos da “família da fé” ou aos “domésticos” do Amo celestial. Fizeram isso apesar da interferência por parte de perseguidores e de nações em guerra. Não só constituiu a regularidade em servir o alimento espiritual um problema, mas também se devia considerar a qualidade do próprio alimento. Neste respeito, o grupo de cristãos odiados e perseguidos, que sempre procuravam ser escravos fiéis de Jesus Cristo, enfrentou a prova.

Em toda a terra, de todos os grupos religiosos, só a organização que produzia as publicações da Torre de Vigia “enfrentou a prova”. Não só tinham servido alimento espiritual, mas “a espécie correta de alimento no tempo apropriado”. Não só a regularidade, mas “também se devia considerar a qualidade do próprio alimento.” Que prova dá a organização de que demonstrou “excepcional fidelidade e discrição” para com a Palavra de Deus? Que prova dá de que a “qualidade” do seu alimento era claramente superior a qualquer outro fornecido, sendo este exatamente da “espécie correta” e no “tempo apropriado”?

Considere agora alguns exemplos do que realmente estava sendo servido pela organização Torre de Vigia como alimento espiritual durante o período que abrangeu o suposto ano da prova, 1919.

Discrição exemplar ou indiscrição lamentável?

Na abundância de palavras não falta transgressão, mas quem refreia seus lábios age com discrição. — Provérbios 10:19.

No livro Crise de Consciência apresentou-se documentação detalhada mostrando que após a morte de Russell em 1916 a organização Torre de Vigia continuou a defender de modo ferrenho a autenticidade das profecias de datas relativas a 1799 (como o início dos “últimos dias”), 1874 (como a época do começo da “presença invisível” de Cristo), e 1878 (quando Cristo assumiu seu poder real e começou seu tempo de julgamento), embora ela se debatesse quanto ao que dizer sobre o fracasso das predições centralizadas no ano de 1914. [14]

Considere agora o que ocorreu em 1917. Lembremo-nos de que, segundo o ensino “reajustado” atual da Torre de Vigia, Cristo Jesus estava então oficialmente reinando como rei entronizado havia três anos. Em 1917, a organização Torre de Vigia imprimiu um livro chamado O Mistério Consumado. Dizia-se que este livro era ‘a mensagem do momento’. Já que se argumenta insistentemente que a “luz torna-se cada vez mais brilhante”, esta nova publicação tão aclamada deveria logicamente trazer excelente evidência da “qualidade” do alimento servido, algo que o recém-empossado Rei pudesse usar como exemplo notável da prova pela qual teria de ser avaliado o canal que servia alimento de qualidade.

Observe algumas das predições feitas para os anos de 1918 e 1920 nestes trechos que tratam do capítulo 16 do Apocalipse (ou Revelação) e dos capítulos 24 e 35 de Ezequiel:

258                                  O Mistério Consumado                                  REV. 16

Para dar-lhe o cálice do vinho do furor da [Sua] ira. — O vinho da videira da terra. — Rev. 14:17-20; Jer. 8:14; Isa.51:17-20; Jer. 25:26-28; Rev. 18:6.

16:20. E toda ilha fugiu. — Até as repúblicas desaparecerão no outono de 1920.

E não se acharam os montes. — Todos os reinos da terra passarão, serão tragados pela anarquia.

16:21. E caiu sobre os homens. — Em grego, “Os Homens”, os adoradores da fera e da sua imagem, isto é, o clero.

Uma grande saraiva do céu. — A verdade, compacta, chegando com força esmagadora. Uma declaração concludente de como o sétimo volume dos Estudos das Escrituras parece aos adoradores da fera e da sua imagem. — Rev. 1:19;  Isa. 28:17; 30:30; Eze. 13:11; Josué 10:11.

Cada pedra pesando cerca de um talento. — 113 libras. (Mal. 3:10) Outra visão do sétimo volume dos Estudos das Escrituras, conforme parece aos adoradores da fera e da sua imagem, encontra-se na última das pragas egípcias, a morte dos primogênitos. Êxodo, capítulos 11 e 12.

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Os três dias nos quais as hostes de Faraó perseguiram os israelitas no deserto, representam os três anos de 1917 a 1920, tempo no qual os mensageiros de Faraó serão tragados pelo mar da anarquia. As rodas se soltarão de seus carros – organizações.

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24:24. Assim Ezequiel é para vós um sinal: segundo tudo o que ele fez, vós fareis: e quando isto chegar, sabereis que eu sou o Senhor Deus. ¾ Assim, a silenciosa dor do coração do Pastor Russell devia ser um sinal para a Cristandade. As dolorosas experiências do Pastor Russell com respeito a isto se tornarão mais tarde as de toda a Cristandade; e “quando isto chegar” saberão que Jeová Deus é supremo, e está por trás de todos os julgamentos da época da tribulação.

O PASTOR RUSSEL MORTO, MAS FALANDO OUTRA VEZ

24:25, 26. Também tu, filho do homem, não será no dia em que tirarei deles a sua força, o júbilo de sua glória, o desejo de seus olhos, e aquilo em que fixam suas mentes, e seus filhos e suas filhas. Que aquele que escapar naquele dia virá a ti para fazer-te ouvir com teus ouvidos? ¾ Também, no ano de 1918, quando Deus destruir as igrejas em escala total e os membros das igrejas aos milhões, ocorrerá que qualquer um que escapar se voltará para as obras do Pastor Russell para aprender o significado da derrocada do “Cristianismo”.

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35:14. Assim diz o Senhor Deus: Quando toda a terra se regozijar eu te causarei desolação. ¾ Quando vierem os Tempos da Restituição de todas as coisas, uma das coisas que não será restaurada é o movimento Socialista, trabalhista. Quando toda a sociedade se regozijar na nova ordem de coisas instituída por Deus, o estado Socialista terá sido então desolado completamente e para sempre.

35:15. Assim como te regozijaste diante da herança da casa de Israel, por ter sido desolada, assim farei a ti; serás desolado, ó monte Seir, e todo o Edom, sim, todo ele: e saberão que eu sou o Senhor. – Assim como os apóstatas de mentalidade carnal do cristianismo, aliando-se aos radicais e revolucionários, regozijar-se-ão diante da herança de desolação que virá a ser da Cristandade depois de 1918, assim fará Deus ao movimento revolucionário triunfante; será completamente desolado, “sim, todo ele”. Não sobreviverá dele nenhum vestígio nas ruínas da anarquia mundialmente abrangente no outono de 1920.  (Rev.11:7-13.) [15]

    O livro especializava-se na profecia de Ezequiel e no livro do Apocalipse. Tudo que se relacionava com o próprio Ezequiel foi aplicado ao Pastor Russell, o Ezequiel moderno. Além das fracassadas profecias de data relativas a 1918 e 1920, considere as explicações que o livro dá sobre Apocalipse 14:20, como amostras do tipo de “alimento” servido nesta publicação. O relato da própria Bíblia reza:

E o lagar foi pisado fora da cidade, e saiu sangue do lagar até aos freios dos cavalos, numa extensão de mil e seiscentos estádios.

Usando a tradução de Rotherham (em inglês) que diz “mil e duzentos estádios” (em vez de mil e seiscentos), esta é a explicação que o livro (página 230) dá como cumprimento do texto:

Pelo espaço de mil e [seiscentos] DUZENTOS estádios. – Isto não pode ser interpretado como uma referência às 2100 milhas da linha de batalha das guerras do mundo. Um estádio não é uma milha e esta está fora da cidade, enquanto a linha de batalha está dentro da cidade. Veja a tradução de Rotherham.

Um estádio é 606 ¾ de um pé inglês; 1200 estádios são, em milhas, 137,9

O trabalho deste volume foi realizado em Scranton, Pensilvânia. Tão logo foi concluído enviaram-no para Betel. Metade do trabalho foi feito a uma distância média de 5 quadras da estação Lackawanna, e a outra metade a uma distância de 25 quadras. As quadras em Scranton são de 10 por milha. Deste modo a distância média até a estação

                             é de 15 quadras, ou . . . . . . . . . . . . . . . . . .       1,5 milha

A distância em milhas de Scranton para o Terminal de Hoboken aparece nas tabelas como sendo 143,8, e esta é a distância que é cobrada dos passageiros, mas em 1911, ao custo de $12.000.000, a Ferrovia Lackawanna concluiu o seu famoso atalho, economizando 11 milhas de distância. A partir do dia em que foi concluído o atalho os ferroviários foram aquinhoados com 11 milhas a menos do que a que aparece na tabela, ou

seja, uma distância reduzida para. . . . . . . . .   132,8   “

De Hoboken Ferry para Barclay Street

Ferry, Nova York, são . . . . . . . . . . . . . . . .        2,0   “

De Barclay Street Ferry para Fulton

Ferry, Nova York, são 4.800 pés ou. . . . . . .       0,9   “

De Fulton Ferry, Nova York, para Fulton

Ferry,Brooklyn, são 2.000 pés ou. . . . . . . . .      0,4   “

De Fulton Ferry, Brooklyn, para Betel,

são 1.485 pés ou. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .       0,3   “

A distância mais curta do local em que o lagar foi pisado pelos Pés Membros do Senhor, cuja direção e ajuda apenas, tornaram possível este volume.

João 6:60, 61; Mat.20:11.). . . . . . . . . . . . . . . . . . . .137,9 milhas

De “qualidade” similar é o que o livro chama de “tradução corrigida de Jó 40:15 a 41:34,” com os respectivos comentários, apresentados nas páginas 84 a 86. Lá o livro de Jó fala do “beemote” e do “leviatã” (hoje entendidos pela Sociedade Torre de Vigia e por outros como referências ao hipopótamo e ao crocodilo). [16] Recomendaria que se lessem primeiro as palavras tal como se encontram em Jó. Depois, analise esta “tradução corrigida” feita por “um dos seguidores do Pastor Russell” no livro O Mistério Consumado. Primeiro, sobre o “beemote” ele diz:

O que segue é uma tradução corrigida de Jó 40:15 a 41:34, com os respectivos comentários de um dos seguidores do Pastor Russell: “Contempla agora algo que tem grande calor [a máquina a vapor imóvel], que eu criei para estar contigo; ele consumirá forragem [turfa, madeira, carvão] como o gado. Olha agora, sua força está nos seus lombos [as chapas da caldeira], e seu poder está dentro das partes curvas [concha da caldeira] de seu ventre. Sua cauda [chaminé — defronte à extremidade de abastecimento] se empina como o cedro; as junções de suas partes separadas [barras de conexão, bielas] são pregadas juntas. Seus ossos são tubos de cobre; seus ossos sólidos [barras da grelha] são como barras de ferro batidas com martelo. Ele é o maior dos meios de força. Aquele que o criou [o Senhor] pode fazer Sua espada [a Palavra] achegar-se [revelar-se] a ele. [Isa. 27:1, 2] Repousará sob fino abrigo [colunas de vapor] dentro de uma cobertura de juncos fibrosos [juta] e argila [almofariz]. Os salgueiros do vale [as árvores acima] o cercam. Contempla [como um sistema de captação de água], ele bebe um rio transbordante sem muito esforço; fará o povo confiar [que seus celeiros manter-se-ão secos], ainda que o Jordão se levante até sua boca. Ele o ajuntará em suas fontes por meio de armadilhas e com a narina perfurada.

O redator da Torre de Vigia dá em seguida esta explicação definindo “leviatã”, não como uma máquina a vapor imóvel, tal como as que se utilizam nos moinhos e nas fábricas, mas como uma locomotiva:

“Puxarás para fora o leviatã [a locomotiva] com um anzol [engate automático] ou com um laço [pino de engate] prender-lhe-ás a língua [conexão de engate]? Acaso colocar-lhe-ás uma argola [pistão] nas narinas [cilindros] ou furar-lhe-ás as bochechas [pontas dos pistões] com uma vara [barra do pistão]? Far-te-á ele repetidas súplicas [para que te afastes dos trilhos]? Acaso proferir-te-á ele sons suaves [quando faz guinchar o apito]? Fará ele um pacto contigo, para que o tomes como servo para sempre [sem consertos]? Brincarás com ele como se fosse um pássaro [fazendo-o apitar à vontade]? Ou o deixarás amarrado [escravizado] para tuas moças [de modo a levá-las aos piqueniques e congressos]? Companheiros [acionistas] regalar-se-ão com ele [os lucros]? Partilhá-lo-ão entre os especuladores. [Sal.74:14] Acaso encher-lhe-ás a pele de arpões [parafusos], e por-lhe-ás a cabeça numa cabina de pescadores [como as cabinas dos barcos de pesca]? Põe tua mão sobre ele, lembra-te da peleja [o furor da caldeira] e não farás mais perguntas. Contempla sua confiança [a caldeira] sendo enganada [por não ter sido devidamente abastecida com água], não será sua poderosa imagem espalhada de uma só vez [por uma explosão]? Ninguém há tão audaz que venha a incitá-lo [a correr à maior velocidade possível], e ninguém que lhe possa fazer frente [para atropelá-lo]. Quem competirá com este e resistir-lhe-á [ultrapassando-o nos trilhos]? Debaixo de todos os céus, ninguém, senão [alguém como] ele próprio.

“Não silenciarei a respeito de seus membros, nem da causa de suas forças poderosas, nem da beleza de seu equipamento. Quem poderá abrir-lhe as vestes? Quem poderá penetrar entre as dobras duras de seu escudo [as seções sobrepostas das chapas da caldeira]? Quem pode forçar as portas de seu escudo [extremidades da caldeira]? Os círculos de seus dentes [fileiras de rebites] são formidáveis. Sua força reside em fileiras de escudos [seções de chapas] bem encostados com um selo [vedados]. Estarão tão juntos uns aos outros que nem um sopro [vapor] passará entre eles. Colar-se-ão uns aos outros. Tão ligados uns aos outros ficarão que não se poderão separar. Seus espirros [as lufadas dos cilindros] relampejam faíscas, torrentes de luz varam a massa de fumaça: e seus olhos [faróis] serão como as pestanas da aurora [os raios de luz do sol nascente]. De sua boca [boca da fornalha] saltarão tochas acesas, e [da chaminé] prorromperão centelhas incandescentes. De suas narinas [cilindros] irromperá o vapor como que de uma fundição ou caldeirão. Sua inalação [refluxo da chaminé] reavivará carvões acesos, e uma chama saltará de sua boca. Em seu pescoço reside a força, e diante dele festejará a desolação [tornando-se uma comunidade próspera]. As partes separadas de seu corpo ajuntar-se-ão; comprimir-se-ão todas contra ele; nada se move. Seu coração estará rijo como pedra, estará sólido como a mó de baixo [rocha]. Quando em sua plena velocidade, os mais bravos temerão [acidentes], perder-se-ão. Quando a seca o exalta [ou o torna furioso], não se pode deter; faz-se romper a abóbada curva [o forno], e também a couraça. Prezará o ferro como se fosse palha, e o latão como madeira apodrecida. O arqueiro não consegue pô-lo em fuga; projéteis [de guerra] virar-se-ão contra ele como refugo. O [batidas de um] martelo será prezado como um refugo; regozijar-se-á com os empurrões do foguista. Vigas lavradas [ou entalhadas] de artesão estarão por baixo dele; estenderá uma barragem sobre o lodo. Fará [como uma máquina marítima] das profundezas [lugares] uma panela fervente [sob seus propulsores]; fará o mar assemelhar-se a ungüento fervente. Fará a vereda brilhar após ele; pensar-se-á que a profundeza da terra se torna cinza. [Sal. 104:26; Isa. 27:1.] Sobre a terra nada há que se lhe assemelhe – ele que é [tão] construído de modo que nada pode temer. Ele pode superintender [controlar por sua obra] tudo que é grandioso; é sem dúvida rei sobre todas as concepções de poder.”

A profecia de Naum, capítulo 2, versículos 3 a 6, contém esta passagem (conforme reza a Versão Rei Jaime) dirigida contra a antiga cidade de Nínive:

O escudo dos seus poderosos torna-se vermelho, os homens valentes vestem escarlate; os carros estarão com tochas flamejantes no dia de seu aparelhamento, e vibrarão terrivelmente as lanças. Os carros troarão nas ruas, cruzarão uns com os outros pelas vias largas; parecerão tochas, correrão como os relâmpagos. Recontará seus valorosos; tropeçarão em seu caminho; apressar-se-ão para chegar ao próprio muro, e a defesa estará preparada. As comportas dos rios serão abertas, e o palácio se dissolverá.

Neste tão aguardado “Sétimo Volume”, na página 93, o autor de O Mistério Consumado dá esta explicação acerca da passagem acima:

(18) Naum veio em seguida como um dos santos Profetas; e após profetizar no último versículo do capítulo anterior acerca da vinda do Rei com Sua boa nova de paz para a terra sobrecarregada de pecados, ele fala em seguida (Naum 2:3-6) sobre uma coisa interessante que será uma questão de experiência diária costumeira na época em que o Reino estiver estabelecido. Ele descreve uma composição ferroviária em movimento [não um automóvel, como alguns pensam], e se fizermos o esforço de colocarmo-nos no lugar do Profeta, poderemos ver exatamente o que ele viu em sua visão e o que de modo tão interessante descreveu. Primeiro, o Profeta fica olhando para a máquina que vem em sua direção, e então diz: “O escudo [o objeto à frente deste grande guerreiro – o farol] torna-se rubro [brilha com força], os homens valentes [o maquinista e o foguista] são tingidos de escarlate [quando as chamas da fornalha iluminam o interior da cabina à noite, enquanto o foguista abre a tampa da fornalha para jogar carvão]. Os carros [os vagões do trem] estarão com [serão precedidos pelas locomotivas que, à noite, têm a aparência de] tochas ardentes, no dia da Preparação.”

A seguir, o Profeta toma seu lugar no trem e olha pela janela, e aparentemente, “Os abetos serão terrivelmente agitados [os postes de telégrafo ao longo dos trilhos parecem estar dançando um pouco]. Os carros enfurecer-se-ão nas ruas [uma ferrovia não passa de uma rua elaborada, cientificamente construída, ou uma rodovia], colidirão uns contra os outros nas vias largas [o chacoalhar e o ranger] dos vagões juntos é um dos aspectos mais significativos das viagens ferroviárias]. Assemelhar-se-ão a tochas [um comboio ferroviário à noite, correndo ao longo de um campo distante, parece nada mais que uma vasta tocha, correndo como se voasse], correrão como os relâmpagos.” A seguir, o Profeta vê o condutor em busca de sua passagem e diz: “Ele recontará seus valorosos [o condutor passa quase todo o seu tempo  contando e recontando os passageiros, conferindo-os, etc.]; tropeçarão em seu caminho [tentando andar num trem que se move rapidamente]; apressar-se-ão para chegar ao próprio muro [a próxima cidade ou vila] e a cobertura [o abrigo do trem, a estação] estará preparada [o carregador de bagagens, o conferente, carro postal, o ônibus do hotel, passageiros que embarcam, e amigos que lá estão para receber os passageiros que desembarcam, todos estarão lá aguardando o trem que chega]. As comportas dos rios serão abertas [as portas dos vagões serão abertas e as pessoas fluirão para fora] e o palácio [vagão] se dissolverá [se esvaziará].”

Em Apocalipse capítulo 19, versículo 10, lemos que: “Dar-se testemunho de Jesus é o que inspira o profetizar.” Sendo assim, o ‘recém entronizado Rei’ razoavelmente teria considerado com grande interesse as explicações da profecia e as predições anunciadas nesta publicação, provenientes da organização que se proclama seu mensageiro escolhido, seu “canal” de informação. Em sua obra de julgamento ele naturalmente examinaria esta mensagem “oportuna”, supostamente vinda de Deus, uma publicação oferecida a toda a humanidade no período de grande crise e sofrimento da Primeira Guerra Mundial. Conforme declara A Sentinela de 15 de março de 1978 (página 15):

Sua fidelidade e sabedoria espiritual no serviço do Amo decidem seu merecimento de ser encarregada de todos os bens terrenos de seu Amo.

Os exemplos mostrados não são exceções. Basta ler o livro O Mistério Consumado para ver que eles são típicos da matéria encontrada no livro como um todo. Não são apresentados simplesmente para mostrar de que tolices incrivelmente imaginárias – e não acho que o termo seja aqui mal aplicado ou injusto – os homens são capazes quando têm o conceito religioso que tinham estes autores. São apresentados porque as Testemunhas – lendo as alegações da organização Torre de Vigia, de clara superioridade em “sabedoria espiritual” sobre todas as outras fontes religiosas de “alimento espiritual” daquele período – têm ouvido uma versão muito tendenciosa. A maioria delas não tem absolutamente nenhum meio para investigar a realidade, já que as publicações da Torre de Vigia daquela época não estão disponíveis para elas. Deve-se recordar que, segundo a Sociedade Torre de Vigia, este foi um período de grande significado histórico e divino, tanto para a organização como para o mundo, um período crucial no qual estava em jogo a escolha da organização por Deus como Seu canal para toda a humanidade, estando isso na enorme dependência do que o Amo encontraria ao inspecionar a alimentação que se produzia. Este livro teve um papel de destaque nessa história. [17] A publicação de 1988 Revelação – Seu Grandioso Clímax Está Próximo! (página 165) descreve O Mistério Consumado como “um poderoso comentário sobre Revelação e Ezequiel”! Uma revisão do seu conteúdo força a pessoa a imaginar se o autor destas palavras chegou sequer a ler o livro ou a considerá-lo seriamente. Duvido muito que hoje a organização cogitasse reimprimir um só capítulo, ou mesmo qualquer trecho dele que fosse. Isto seria penosamente embaraçoso. No entanto, o lançamento de O Mistério Consumado é com freqüência mencionado em publicações posteriores como um evento notável. [18] Relata-se que o lançamento do livro para a “família de Betel” resultou numa “granada” que precipitou uma controvérsia que durou cinco horas. [19] Em publicações posteriores da Torre de Vigia, o livro é apresentado como uma espécie de “prova decisiva” de lealdade para aquele período. [20]

Foi a publicação do livro O Mistério Consumado que levou a julgamento, num tribunal federal, o presidente da Torre de Vigia, Rutherford, e outros encarregados da Sociedade, e à sua subsequente prisão. [21] Parece incrível que homens estivessem dispostos a suportar a perda da liberdade por causa de uma publicação tão repleta de matéria que só pode ser chamada de absurda. No entanto, a pena de prisão causada por esse livro foi mais tarde apresentada como acontecimento de grande importância profética, retratado por um lado, como a causa da morte injusta imposta às “duas testemunhas” descritas em Apocalipse 11:3-7, e por outro, como algo relacionado com ‘partir para o cativeiro em Babilônia, a Grande’. [22] Uma história oficial, As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino (em inglês), na página 91, diz que em 1919 (quando veio sua alegada libertação de “Babilônia, a Grande”) os “irmãos reconheceram que tinha havido uma transigência [em 1918] por terem cortado as páginas 247-253 de O Mistério Consumado a fim de agradar àqueles que haviam assumido a posição de censor”. A organização hoje, com efeito, cortou não só essas páginas, mas o livro inteiro. Assim mesmo, a ação então tomada é apresentada nesta história oficial como uma “transigência” que desagradou ao Rei recém-entronizado. [23]

Na época em que Cristo Jesus estava supostamente designando a organização Torre de Vigia por ela ter distribuído de modo discreto e fiel o alimento espiritual no tempo certo, a principal conferência pública então proferida tinha o tema “Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão”. Este discurso foi dado pela primeira vez por J. F. Rutherford em 1918, continuou a ser apresentado no início dos anos 20 e foi também publicado em forma impressa. Lançou-se uma campanha mundial, toda centralizada neste tema. [24] As publicações da Torre de Vigia de tempos mais recentes ainda falam desse assunto em termos favoráveis, descrevendo o alcance e a intensidade da campanha, os milhões de cópias da conferência que foram distribuídos e referindo-se a ela como um “espantoso discurso”, uma “conferência bíblica que marcava época”. [25] A publicação de 1988 Revelação – Seu Grandioso Clímax Está Próximo! (página 173) a alista como estando relacionada com o toque da segunda das “sete trombetas” mencionadas em Apocalipse capítulo 8, versículo 6.

Estas publicações, todavia, não informam seus leitores de que a mensagem principal do discurso e a base para o seu tema tão sensacional era que 1925 assinalaria o início do milênio. Na versão impressa a matéria afirmava que “o grande ciclo do júbilo deve principiar em 1925”, que “podemos seguramente esperar que 1925 marcará a volta às condições de perfeição humana, de Abraão, Isaque, Jacó e os antigos profetas fiéis”, e resumia a alegação com estas palavras:

 [26]

Lembremo-nos de que, junto com o livro O Mistério Consumado, este folheto foi, até 1923, uma das principais publicações na proclamação mundial então em andamento. Analisada de modo honesto, estes volumes dificilmente poderiam ser “verdadeiro alimento espiritual no tempo certo” tal como devia ser provido pelo “escravo fiel e discreto”. No entanto, o livro Revelação – Seu Grandioso Clímax Está Próximo! (página 164) diz sobre as “duas testemunhas” de Apocalipse 11:3-7 (aplicadas como se referindo às Testemunhas “ungidas” do período de 1914-1918) que, “serem elas simbolizadas pelas duas testemunhas confirma para nós que sua mensagem era exata e bem fundada”. Acho razoável dizer que o escritor só se sente seguro em fazer tal declaração porque a organização já não publica O Mistério Consumado, Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, nem qualquer outra das publicações daquele período supostamente “histórico”.

Uma investigação direta nas publicações da organização Torre de Vigia dos anos 1914 a 1919 não mostrará nada da discrição prudente que faz um homem ‘refrear seus lábios’. Seria um insulto a Cristo Jesus dizer que ele escolheu esta organização com base no que ela estava ensinando, de modo exclusivo e distinto, por volta de 1919. Dela fluiu uma abundância de palavras que mais tarde se tornou uma recordação embaraçosa, junto com uma enxurrada de novas profecias de datas que mostraram ser tão errôneas quanto as passadas. Nem a dura escola da experiência pareceu lhes ter servido de lição.

Recompensados pela fidelidade

Muito bem, servo bom e fiel! Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. – Mat. 25:21, Bíblia de Jerusalém.

O escravo da parábola de Jesus devia ter não só uma discrição exemplar, mas também uma fidelidade exemplar, o que levaria seu Amo a recompensá-lo. De acordo com a organização Torre de Vigia isto se cumpriu em 1919, quando Cristo designou essa organização para administrar todos os seus interesses terrenos.

Pondo à prova as alegações da organização Torre de Vigia, Ron Frye fez uma revisão do que a organização agora diz sobre o seu próprio histórico no período de 1914-1918, período em que, segundo eles, “estavam sendo avaliados para maiores privilégios de serviço pelo glorificado Jesus Cristo”. Em A Sentinela de 15 de junho de 1981 (página 26), ele descobriu que a organização descrevia sua situação desta maneira:

Assim como os israelitas dos dias de Isaías, os israelitas espirituais venderam-se por causa de práticas erradas e passaram a estar em servidão ao império mundial da religião falsa, a saber, Babilônia, a Grande, e aos amantes mundanos dela. Um caso notável disso ocorreu durante a Primeira Guerra mundial de 1914-1918.

Em A Sentinela de 15 de janeiro de 1961, páginas 51 e 52, ele achou outra descrição:

 O artigo prossegue, então, dizendo:

Frye observou que eles descreviam a si mesmos durante este período como tendo “vestes impuras”, estando contaminados com apostasia, práticas erradas, características que eram “como joio”, tendo medo dos homens, ‘vendendo-se’ por causa destas práticas erradas.

Ele achou tudo isto paradoxal. Aqui o recém-entronizado Rei, Cristo Jesus, está supostamente avaliando a fidelidade e a discrição desta organização e, ao mesmo tempo, ela é encontrada seguindo um proceder como o que levou o Israel apóstata ao cativeiro babilônico!

Embora tenha sinceramente tentado, jamais consegui entender o raciocínio por trás deste ensino. Por um lado descreve-se Cristo Jesus assumindo seu grande poder real em 1914 e saindo “vencendo e para vencer” (Apocalipse 6:2), enquanto por outro se retrata o próprio início deste reinado como rapidamente seguido da captura em escala quase total de seus servos terrestres por inimigos que os levam para a escravidão em “Babilônia”. Um começo certamente não muito promissor para o Rei vitorioso.

Comparar os adeptos da Torre de Vigia aos israelitas espiritualmente impuros da antiguidade também traz algumas dificuldades. As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino (em inglês), página 91, alista alguns dos fatores supostamente causadores desta “impureza” durante o período de 1914-1918, incluindo estes:

a crença de que os governos terrestres são as “altas potestades” ou “autoridades superiores” descritas em Romanos 13:1, com o resultante temor do homem;

enfatizar o “desenvolvimento do caráter”;

“considerável adoração de criaturas na organização”;

a comemoração de feriados pagãos tais como o Natal;

o uso do símbolo da cruz; [27]

não usar o nome “Jeová” do modo tão freqüente como se fez em épocas posteriores;

praticar uma forma democrática de governo congregacional. [28]

Se estas coisas os tornavam “impuros” – tão drasticamente que o Rei recém-entronizado foi obrigado a abandoná-los ao cativeiro, o que se deve concluir? Que eles certamente deveriam ter se purificado destas coisas antes de poderem recuperar seu favor e de estarem habilitados a voltar à liberdade. E com maior razão se, como dizem, eles foram prontamente premiados com altos “privilégios, responsabilidades, dignidades e honras,” com “categoria, autoridade e poder maiores,” como “escravo promovido” do Rei. [29]

No entanto, inexplicavelmente, em 1919, quando se diz que “retornaram de Babilônia”, eles ainda estavam crendo e pondo em prática as mesmas coisas que supostamente os tinham tornado impuros e que os tinham levado ao cativeiro!

Continuaram a fazer isso por dois anos depois disso, e em alguns aspectos (como a “adoração de criaturas”) foram até mais longe, como no louvor ao Pastor Russell e na insistência absoluta de que os ensinos dele eram o único meio de compreender a Palavra de Deus. [30]

Quanto à primeira evidência alistada de “impureza”, a saber, o conceito sobre os “poderes superiores” de Romanos capítulo 13 serem os governos políticos, este ensino continuou em vigor por mais dez anos, até 1929, quando Rutherford declarou que os “poderes superiores” referiam-se a Deus e a Cristo e não aos governos terrestres. Uns trinta anos depois, esta interpretação foi rejeitada e o conceito “impuro” da época anterior foi restabelecido como verdadeiro, não sendo assim tão “impuro” afinal de contas. [31]

Quanto à causa seguinte de “impureza”, é verdade que algum tempo depois Rutherford descartou durante muitos anos quaisquer artigos sobre amor, bondade, misericórdia, generosidade e outras qualidades cristãs, que ele considerava tratarem de “desenvolvimento do caráter” (a eliminação destes assuntos permitia, em vez disso, enfatizar o “serviço de campo” e programas da organização relacionados, e a interpretação profética). No entanto, após a morte dele tais artigos começaram a reaparecer, dizendo-se então que ajudavam os membros a “revestir-se da nova personalidade”, em vez de “desenvolver um caráter cristão”, certamente uma distinção sem diferença alguma.

Quanto à comemoração do Natal, recordo que nossa família o festejou até 1930 ou por volta disso. Era comemorado até na sede de Brooklyn (com presentes de Natal, ouropel, guirlandas e todos os enfeites tradicionais) pelo menos até 1926. Do mesmo modo, a cruz (agora vista como símbolo de origem puramente pagã) apareceu na capa de cada número de A Sentinela até 15 de outubro de 1931! (Veja as páginas seguintes.)

É verdade que a chamada “forma democrática de governo congregacional” (com os anciãos sendo eleitos pela congregação) terminou quando Rutherford eliminou os anciãos eletivos em 1932, mas isto ocorreu treze anos após 1919. E resultou numa virtual ditadura em que toda a autoridade final era exercida por uma única pessoa, o presidente da Sociedade Torre de Vigia, o Juiz Rutherford. Conforme explicado em Crise de Consciência, também esta diretriz foi rejeitada mais de quarenta anos depois com o restabelecimento dos corpos de anciãos (embora não eletivos) em 1972 e com a presidência da sociedade perdendo seu atributo de autoridade suprema em 1975-76. [32]

Capa de A Sentinela de 15 de julho de 1930. O uso da cruz supostamente contribuiu para que os associados da Torre de Vigia fossem vistos por Cristo como “impuros” no período de 1914-1918. No entanto, a capa de A Sentinela ainda exibiu a cruz com destaque até 15 de outubro de 1931, quase doze anos após Cristo ter supostamente designado a organização Torre de Vigia como seu canal aprovado em 1919. A figura da “cruz e coroa” que aparece no canto superior esquerdo da capa foi também produzido em metal e era usado como broche pelos associados da Torre de Vigia.

Só se pode perguntar: Por que o suposto “cativeiro em Babilônia” de 1918-1919? Por que a “libertação de Babilônia” na primavera de 1919, se os encarregados e adeptos da Torre de Vigia saíram dele na mesma condição em que tinham entrado? Por que teria Cristo apontado esta fonte de informações confessadamente assolada por erros como exemplo de fidelidade e discrição, como a única a passar pela prova e a ser escolhida como exclusiva via de comunicação por meio da qual o Rei entronizado enviaria todas as suas orientações para a humanidade? E por que embarcaria imediatamente este “canal escolhido” numa nova falsa profecia de data, empreendendo uma grande campanha (a “campanha dos Milhões”) para falar ao mundo sobre 1925 e sobre o início do milênio que deveria ocorrer naquela época – com o homem que dirigia o “canal” escolhido sendo mais tarde obrigado a admitir (segundo suas próprias palavras) ter ‘feito papel de tolo’ em relação à profecia não cumprida baseada naquele ano? [33]

Achei tudo isso não só desconcertante, mas também depreciativo da Palavra de Deus, e da sabedoria, do poder e da realeza de seu Filho. Parecia ser um esforço confuso de explicar as Escrituras à base das experiências da organização, ao invés de visualizar as experiências da organização de modo franco e honesto à luz brilhante, poderosa e esclarecedora das Escrituras.

Para Ron Frye e outros, pareceu incompreensível dizer — após quarenta anos de predições errôneas baseadas em especulações cronológicas (algumas envolvendo medições das pirâmides do Egito), e já que os membros da organização estavam ou tinham se tornado “impuros” e apóstatas ao ponto de Deus abandoná-los ao cativeiro em Babilônia – que estas mesmas pessoas foram, daí em diante, tão rapidamente glorificadas em novo e elevado privilégio de serviço que lhes foi confiado, o de tratar de todos os incrementados interesses do Amo, Jesus Cristo. Conforme Frye expressou:

É como se você fosse a um negociante que, devido à própria insensatez, meteu-se em dificuldades financeiras e perdeu uma grande soma de dinheiro seu, tendo de declarar falência. E você então lhe dissesse: “Muito bem! Você perdeu uma pequena fortuna minha. Portanto, vou agora confiar aos seus cuidados toda a minha fortuna.”

Isto é, em essência, o que dizem que Cristo fez.

Que dizer da “classe do escravo” hodierna?

Indo além da situação da época de Russell e do período de 1919 e início dos anos 20, que dizer das circunstâncias agora existentes daquela que a Torre de Vigia descreve como a “classe do escravo”? É isto, afinal de contas, tudo o que a maioria das Testemunhas de Jeová atuais conhece, tudo o que elas sempre souberam.

Há muito tempo o entendimento das Testemunhas de Jeová tem sido de que todos os indivíduos (os 8.600 “ungidos”) que formam o composto “escravo” participam da distribuição simbólica de alimento. E também que, como coletividade, todos eles acham-se agora à frente dos ‘bens do amo’ para administrar seus interesses terrestres. [34]

Quão veraz é este quadro em que todos estes membros “ungidos” participam na “obra de alimentação”, e participam hoje em supervisionar todos os “bens do amo”? Precisamos primeiro perguntar como é que a própria organização apresenta esta obra de “alimentação” e as próprias declarações dela quanto ao que é o “alimento” espiritual ministrado.

Não há a menor dúvida de que nas mentes das Testemunhas de Jeová em geral o “alimento no tempo apropriado” provido pelo “escravo” é a informação fornecida pela sede da organização Torre de Vigia em Brooklyn, contida em suas publicações e diretrizes. Esse entendimento vem sendo consistentemente desenvolvido por eles ao longo dum período de vários anos. Típica é esta afirmação na Sentinela de novembro de 1952, a qual, ao considerar como as Testemunhas devem reagir ao que lêem nas publicações da Torre de Vigia, disse (página 164):

 …não tratemos de assumir os deveres do escravo. Devemos comer, digerir e assimilar o que se coloca diante de nós, sem rejeitar certas partes do alimento porque talvez não convenha ao capricho do nosso gosto mental. As verdades que havemos de publicar são aquelas que a organização do escravo discreto fornece, não algumas opiniões pessoais contrárias ao que o escravo providenciou como sendo sustento conveniente.

Mais de 30 anos depois, o número de 1º de janeiro de 1986 de A Sentinela fez esta mesma aplicação e mostrou claramente a opinião oficial de que o “alimento” provido pela “classe do escravo” é o que se encontra nas publicações da Torre de Vigia. Após descrever planos e projetos para a construção de grandes prédios e instalações gráficas em vários países, incluindo a proposta de um edifício alto, de 35 andares, em Brooklyn, o artigo declara (página 25):

É toda essa construção e organização realmente necessária? É, se é que “o escravo fiel e discreto” há de continuar a prover o “alimento [espiritual] no tempo apropriado”. Tal alimento é vitalmente necessário para o desenvolvimento da “família de Deus” e para a pregação global em mais de 200 línguas.

O “alimento”, então, é evidentemente apresentado como a informação impressa publicada e distribuída pela Sociedade Torre de Vigia, com sede em Brooklyn. Isto suscita questões.

Já que se diz que o “escravo” é formado por todos os cristãos “ungidos”, muitas Testemunhas de Jeová não entendem como este “fornecimento de alimento” feito por eles (os ungidos) funciona na prática. Eu mesmo, desde muito tempo, não conseguia entender exatamente como era que estes “ungidos” (pelo menos os que viviam fora da sede de Brooklyn) de algum modo participavam na elaboração e no suprimento do “alimento” espiritual apresentado. Meu pai fora batizado em 1913 e professava ser “ungido”, assim como minha mãe e outros que conheci. Todavia, os novos ensinos e idéias que eram periodicamente publicados (substituindo os anteriores) surpreendiam tanto a eles quanto a mim e outros que não professavam ser desse grupo. [35]

Dizer, como dizem alguns, que os “ungidos” em geral participavam da distribuição do “alimento” simbólico simplesmente por ‘aceitar estes ensinos à medida que saíam e por falar deles para os outros’, parecia uma explicação artificial, já que os que não eram “ungidos” faziam exatamente a mesma coisa.

Entre as Testemunhas de Jeová que não têm ideia alguma do modo como funciona a sede internacional da organização, há, sem dúvida, uma vaga ideia de que o pensamento, as pesquisas bíblicas e as conclusões destes 8.600 ungidos de algum modo abrem caminho para chegar à sede de Brooklyn e receber a atenção do Corpo Governante, que diz ser o “porta-voz” da “classe do escravo fiel e discreto”, bem como seu braço administrativo. Já que o processo de elaboração de doutrinas da organização é muito reservado, isto dá margem a muita conjectura por parte dos que tentam entender o mistério do relacionamento entre os 8.600 e a sede mundial em Brooklyn. (Alguns chegaram a pensar que se fazem pesquisas periódicas para colher as opiniões dos ungidos de todo o mundo.)

O mistério desaparece à medida que nos aproximamos do centro da organização. A ideia de que uma coletividade de 8.600 “ungidos” fornece o “alimento” espiritual, e que, como corpo, partilha a direção dos interesses e assuntos da casa do Amo, mostra ser totalmente teórica, e em nenhum sentido uma realidade. Esta talvez seja a ficção mais evidente encontrada em todo o conjunto de explicações bíblicas publicadas pela organização. O fato é que nem 1 por cento desse número de “ungidos” tem a mínima participação em determinar aquilo que as Testemunhas de Jeová vão receber em termos de matéria bíblica ou em dirigir as atividades dessas pessoas.

Quem realmente fornece o “alimento”?

Comecei em parte a perceber isto após cursar a Escola de Gileade da Torre de Vigia em 1944 e depois quando servi em posições administrativas no Caribe. Meus contatos pessoais com o Escritório do Presidente deixavam pouca dúvida quanto a quem decidia o que devia ser lido e estudado pelas congregações em toda a terra e como se devia empreender a proclamação das boas novas. Isso de modo algum era feito por pessoas de fora da sede mundial em Brooklyn.

Isto se confirmou com mais precisão quando, em 1965, atendendo ao pedido do presidente (Nathan Knorr) para ir a Brooklyn, fui designado a fazer parte do Departamento de Redação. Além de mim, e sem incluir o vice-presidente Fred Franz (nominalmente membro do Departamento de Redação, mas de fato separado dele e sendo superior a ele), havia naquela época apenas mais um membro do Departamento de Redação que professava ser “ungido”, Karl Klein. [36] Os outros, seis mais ou menos, eram todos das chamadas “outras ovelhas”, não ungidas para a vida celestial mas com esperança terrestre, não sendo, portanto, da “classe do escravo fiel e discreto”. A imensa maioria dos artigos publicados em A Sentinela eram escritos por pessoas que não eram da “classe ungida”.

Havia, naturalmente, artigos que de fato procediam de irmãos “ungidos” de diversos países. [37] Estes, contudo, estavam sujeitos a serem reconsiderados, revistos, e até totalmente reescritos de acordo com o julgamento do superintendente do Departamento de Redação, Karl Adams. Karl Adams, porém, não era “ungido”. Ele não hesitava em entregar um artigo escrito por um dos “ungidos” a alguém das “outras ovelhas” para ser revisado ou reescrito, e o fazia com frequência. Nenhum de seus superiores fazia objeção a que ele agisse assim.

A única exceção a esta regra eram os escritos elaborados pelo vice-presidente, Fred Franz. Conforme Karl me disse, Knorr deixara claro que os escritos do vice-presidente só podiam ser alterados com a permissão do próprio.

Em uma reunião do Corpo Governante, quando se suscitou este assunto da preparação do “alimento espiritual”, o presidente Knorr admitiu espontaneamente que a maior parte da redação era feita pelos da classe das “outras ovelhas”. Para quaisquer dos que trabalhavam no Departamento de Redação isto era óbvio. Embora, desde então, o Departamento de Redação tenha sido bastante expandido, a situação permanece essencialmente a mesma. [38] A razão geralmente dada para explicar esta anomalia é que, embora os membros não-ungidos pensem, desenvolvam e escrevam a matéria, esta é sempre lida e aprovada por pessoas “ungidas” antes de ser impressa. Isto evidentemente acrescenta um toque ou qualidade “ungidos” à matéria. [39] O próprio fato de que seja necessário recorrer a tal raciocínio demonstra em si a dificultosa natureza da afirmação que se faz sobre a parte da parábola de Jesus que trata da provisão de alimento.

Ocasionalmente chegavam ao Departamento de Redação cartas de pessoas da classe “ungida”, trazendo considerações bíblicas ou levantando certas questões sobre pontos doutrinários. [40] Estas eram e ainda são cuidadas pelos encarregados do trabalho nas “mesas de correspondência”. Os que realizam esta tarefa têm sido, principalmente, homens que não afirmam ser da classe “ungida” (tais como Fred Rusk, Gene Smalley, Russell Dixon, Raymond Richardson). Estes homens rotineiramente leem e respondem estas cartas, e elas não passam daí. Apenas se houver algo excepcional que o encarregado da mesa de correspondência ache que está fora de sua alçada é que a carta segue caminho até uma das comissões do Corpo Governante. Exatamente a mesma coisa se aplica, contudo, às cartas que chegam dos que não são da classe “ungida”. O fato de uma carta vir de um “ungido” raramente, se é que tanto, resulta em ela receber um tratamento diferente ou maior consideração de qualquer espécie do que receberia uma remetida por alguém que não professa ser dessa classe. Esta prática não parte dos encarregados das mesas de correspondência; é um procedimento padrão da organização.

O que poderia atrair mais atenção para a carta seria a posição organizacional ocupada pelo seu remetente, e isto independente de ele professar ou não ser “ungido”. Assim, a carta de um superintendente de distrito ou de um membro duma Comissão de Filial receberia automaticamente atenção especial mesmo que seu autor não fosse um “ungido”. Tal carta chegaria muito mais facilmente a uma comissão do Corpo Governante do que a carta de alguém que professe ser “ungido”, mas que não ocupe nenhum cargo além do de ancião. Sei disto, não só por ter ficado quinze anos no Departamento de Redação, mas também por ter servido por nove anos na Comissão de Redação do Corpo Governante e ter visto o fluxo de temas trazidos à nossa atenção, tanto do Departamento de Redação e do Departamento de Serviço da sede mundial, como dos mais de noventa escritórios de filial ao redor do globo. Posso afirmar sem hesitação que, na sede mundial ou no Corpo Governante, ninguém expressava qualquer interesse especial ou fazia qualquer indagação quanto a se a fonte da informação era de “ungidos” ou não. Raramente se sabia disso. Isto simplesmente não era tratado como fator relevante ou significativo.

Informação procedente do campo

Em 1976, após a reorganização da administração então existente na sede mundial, três séries distintas de reuniões foram realizadas em Brooklyn com grupos de homens convidados do “campo” para que se expressassem sobre grande número de assuntos relacionados com a alimentação espiritual e a atividade das Testemunhas. Os grupos, cada um com cerca de cem homens, eram compostos respectivamente de representantes dos escritórios de filial, em seguida, de superintendentes viajantes de todos os Estados Unidos, e, finalmente, um grupo de anciãos congregacionais selecionados, também dos Estados Unidos. Quando foram convidados para essas reuniões especiais, não se deu consideração, preferência ou atenção à questão de se selecionarem homens que professassem ser “ungidos”. Os membros do corpo Governante e outros que presidiam os debates não tinham geralmente conhecimento de quem era dos “ungidos” ou não (pouquíssimos eram). Isto simplesmente não era visto como um fator importante.

Cada ano, por meio de sua Comissão de Serviço, o Corpo Governante programa e faz arranjos para “visitas de zona”, nas quais os membros do Corpo Governante e alguns outros viajam individualmente a vários países e fazem visitas oficiais aos escritórios de filial. Cada escritório de filial ao redor do mundo é atendido anualmente deste modo. O programa destas visitas é revelador.

Como membro do Corpo Governante, quando dirigia tais visitas de zona, esperava-se que eu falasse a certo número de pessoas e as ouvisse. Em alguns países o número de Testemunhas podia chegar às dezenas de milhares. Sendo assim, como “superintendente de zona”, quem eram aqueles em quem eu devia me concentrar e a quem devia escutar? Na maioria dos casos, cada dia eu tinha de me reunir com a família de Betel da filial (o pessoal que trabalha na filial) para a consideração matinal do texto. Eu recebia uma “tabela de escuta” de todos os membros da equipe da filial, e cada manhã alguns destes eram designados a dar comentários sobre o texto bíblico diário. Em tudo isto, porém, não se dava nenhuma atenção especial aos que fossem “ungidos” e portanto, membros da “classe do escravo fiel e discreto”. Se algum da equipe ou dos que eram designados a dar comentários eram “ungidos” isto só chegava ao meu conhecimento por acaso, geralmente se alguém mencionasse isso em conversa. Não se provia nenhuma informação que identificasse a tais pessoas e não se fazia nenhum arranjo para alguma palestra especial com alguém por motivo de ele ser um dos “ungidos”.

Durante a visita, fazia parte do programa uma reunião com os que eram missionários. Durante uma refeição e antes da refeição eu devia falar a estes. Mais uma vez, não se fazia arranjo algum para que os missionários que professassem ser “ungidos” conversassem comigo.

Em outra reunião eu tinha de conversar com um ou dois superintendentes viajantes (superintendentes de circuito e de distrito), selecionados pela Comissão da Filial. Raramente algum destes era “ungido”.

A principal reunião da visita era realizada com a própria Comissão de Filial (composta de cerca de três a sete homens) e, novamente, na maioria dos países essa comissão era inteiramente formada de não “ungidos”.

Excetuando um discurso que podia ou não ser programado com o comparecimento de uma assistência de Testemunhas em geral, não havia mais nenhum arranjo para reuniões ou contatos. Como ressaltava regularmente Milton Henschel, membro do Corpo Governante, a visita de zona visava a primariamente inspecionar as atividades do escritório da filial. A natureza da visita era do tipo empresarial, basicamente organizacional, administrativa, e o trabalho da equipe e da Comissão de Filial detinham a maior parte do tempo e da atenção do representante visitante do Corpo Governante. Simplesmente não fazia parte da agenda qualquer demonstração de interesse nas idéias, opiniões bíblicas ou preocupações dos “ungidos”.

Se a grande ênfase que se dá, nas declarações públicas de A Sentinela e de outras fontes, à classe do “escravo fiel e discreto” (composta hoje de 8.600 pessoas) a quem o Rei reinante Cristo Jesus confiou a supervisão de todos os seus bens, fosse deveras genuína e significativa, certamente a “visita de zona” feita a cada país teria como um de seus pontos principais uma reunião do membro visitante do Corpo Governante com estes “ungidos” da classe do “escravo”. Diz-se que o Corpo Governante atua como porta-voz de todos estes ungidos. Como pode o Corpo falar por eles a menos que saiba com exatidão o que eles pensam? Seria de esperar que o Corpo Governante estivesse profundamente interessado no que eles pensam de quaisquer e de todos os assuntos espirituais, dos ensinos e do modo como se faz a atividade de pregação. Mas o que vemos? Fazem-se arranjos para que o membro visitante do Corpo Governante converse com os membros da Comissão de Filial, membros da equipe da filial, superintendentes viajantes e missionários (muitas vezes dando-lhes ajuda financeira para viajarem ao local do encontro), mas não se faz nenhum arranjo para contatos com os membros “ungidos” da classe do “escravo fiel e discreto”.

Se a proclamada importância desta classe tivesse alguma substância real, o Corpo Governante teria em cada país uma lista dos dessa classe do “escravo fiel e discreto” que ele diz representar. Em vez disso, as únicas listas de nomes que eles têm são as dos membros das sociedades jurídicas da organização (tais como a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Pensilvânia), ou dos membros do pessoal dos escritórios de filial, ou dos homens nos cargos de superintendente viajante. Não é o fato de alguém ser dos “ungidos”, mas a posição organizacional é que é o fator determinante dos nomes que são alistados, e apenas se servirem numa destas funções é que os “ungidos” terão seus nomes incluídos entre os de não-ungidos.

Quando, em algumas poucas ocasiões, o Corpo Governante decidiu selecionar membros adicionais para o Corpo, estas listas eram as únicas que nós tínhamos das quais retirar nomes de “ungidos” que pudessem ser candidatos ao Corpo Governante. Todavia, os nomes de provavelmente 95 por cento dos “ungidos” não estão nestas listas. [41]

Informação procedente dos “ungidos” da sede mundial

As Testemunhas são ocasionalmente lembradas de que ‘a maior concentração de ungidos em um só lugar da terra’ se acha na sede internacional em Brooklyn. [42] Isto é um fato. Mas é um fato totalmente insignificante no que diz respeito à real direção da obra das Testemunhas de Jeová ao redor da terra ou com respeito ao “alimento” provido, às explicações bíblicas e às informações doutrinárias que as Testemunhas recebem da sede internacional.

Quaisquer membros do pessoal da sede que sejam dos “ungidos”, mas que não tenham o privilégio de ser membros do círculo íntimo do Corpo Governante, nunca são – com base no fato de serem “ungidos” – convocados às reuniões do Corpo Governante para expressarem suas opiniões. Nunca são entrevistados com base nisso e raramente se conversa com eles sobre assuntos importantes. Estão tão desinformados do que se passa nas reuniões do Corpo Governante quanto o rapaz de 19 anos da família do Betel da sede. No entanto, supostamente fazem parte da classe do “escravo fiel e discreto” a quem o Amo encarregou de todos os seus bens! [43]

Quando o Corpo Governante busca saber opiniões, ele geralmente procura as de homens como os secretários dos “Escritórios Executivos”, alguns dos quais também servem como secretários das comissões individuais do Corpo Governante (e nessa condição permite-se que se expressem nas reuniões das comissões, embora não assistam às reuniões plenárias do Corpo), ou podem ser solicitadas opiniões das Comissões de Filial, do Departamento de Serviço de Brooklyn ou de fontes similares. No entanto, estas fontes são quase que inteiramente compostas de homens que não professam ser “ungidos”.

De que modo é possível harmonizar isto com as declarações feitas? Se o Corpo Governante não tem a pretensão de ser, ele próprio, “o escravo fiel e discreto”, e se é veraz a afirmação de que ele simplesmente atua em nome do conjunto de todos os “ungidos” – como representante e porta-voz deles – como podem seus membros terem ao redor deles na sede de Brooklyn a ‘maior concentração de ungidos em um só lugar da terra’ e mesmo assim nenhum arranjo para que se consultem estes co-membros da classe do “escravo fiel e discreto”, para que se recebam informações deles? O fato é que eles simplesmente não fazem isso. Nunca fizeram.

O exaltado papel e privilégio dos aproximadamente 8.600 “ungidos” conforme descrito nos ensinos publicados é, como se declara, tanto teórico como fictício, não é real nem concreto. No final das contas, o grande respeito, a deferência, a lealdade e a submissão que os mais de seis milhões de membros não-ungidos são convocados a mostrar a esta classe do “escravo fiel e discreto”, são na realidade restringidos à fração de um pequeno grupo de homens, os cerca de quatorze que formam o Corpo Governante. Se um deles estiver em qualquer outra posição – ancião de congregação, superintendente de circuito ou de distrito, missionário, membro da equipe de escritório de filial, membro de Comissão de Filial, ou membro da equipe da sede internacional – o fato de ele ser “ungido”, membro da classe do “escravo fiel e discreto”, não fará com que mostrem maior consideração pelas suas opiniões, ou que lhe dêem voz mais ativa naquilo que se publica e se faz do que ocorreria no caso de qualquer um de seus colegas não-ungidos.

Se fosse possível reunir todos os 8.600 membros “ungidos”, ou mesmo a maioria deles, de modo que se pudesse fazer a pergunta, “Em que acredita e o que ensina o ‘escravo fiel e discreto’ acerca deste ou daquele ponto?”, não há a menor dúvida de que a reação de praticamente todos seria citar as publicações da Torre de Vigia ou referir-se a estas como a fonte de respostas autênticas. Esta resposta não seria realmente a deles próprios, estariam simplesmente repetindo, fazendo eco ao que lhes foi dito, já que eles mesmos nada tiveram que ver com a elaboração ou a apresentação dessa resposta, em nenhuma das etapas do processo de publicação. Muito embora representassem a grande maioria da chamada “classe do escravo”, não poderiam falar por si próprios como tal classe, não poderiam fazer mais do que citar aquilo que lhes foi dado. Teriam receio de agir de outro modo.

Na realidade, há apenas uma coisa que distingue estes “ungidos”. É o fato de uma vez por ano participarem do pão e do vinho enquanto os outros em volta deles se abstêm. Durante o resto do ano, fazer parte da “classe do escravo” não tem para eles nenhum significado genuíno. Só quando acontece de um deles ser membro do Corpo Governante é que ser ungido torna-se um fator decisivo, visto que ser um deles é condição obrigatória para fazer parte do Corpo. Se a pessoa estiver fora deste pequeno e poderoso grupo administrativo, descobrirá que o fato de ela professar ser “ungida” simplesmente não conta quanto ao que ela fará, que voz terá nas decisões, que consideração se dará às suas opiniões, ou que designações receberá da organização. Os 8.600 “ungidos” que não são do Corpo Governante sabem que isto é verdade. Os atuais membros do Corpo Governante também sabem, mas isso evidentemente não os preocupa muito.

Sem admitir franca ou abertamente a verdadeira situação, o artigo na Sentinela de 1º de setembro de 1981, já mencionado, faz o aparente esforço de justificar a situação existente na organização Torre de Vigia, na qual uma fração ínfima da “classe do escravo” exerce total autoridade sobre o tipo de “alimento” espiritual que é preparado e servido, e sobre a direção das atividades e práticas de todas as Testemunhas de Jeová, ao mesmo tempo em que a vasta maioria dos “ungidos” que não fazem parte desse grupo de autoridade não tem voz alguma nas questões, esperando-se deles que aceitem de modo submisso qualquer coisa que venha do pequeno grupo de autoridade. Após citar o conhecido texto de Isaías 43:10-12, no qual Jeová refere-se a Israel tanto como “meu servo” como “minhas testemunhas”, o artigo faz o esforço um tanto sutil de justificar esta situação por dizer (página 25):

Embora nem cada pessoa participasse na administração dos assuntos da nação, todas as pessoas constituíam um só povo, o “servo” de Deus. Apenas uns poucos participavam em escrever e em copiar as Escrituras Sagradas, mas o apóstolo Paulo podia dizer do povo de Israel: “Foram incumbidos das proclamações sagradas de Deus.” (Rom. 3:1, 2)

Os exemplos dados aqui, porém, só servem realmente para confundir e obscurecer a questão. Jeová falou de Israel como seu “servo” e suas “testemunhas”, não como seus “administradores” ou “escritores inspirados”. Todos deviam servir, cada indivíduo. Todos deviam ser testemunhas por pessoalmente depositarem Nele sua fé e confiança, dando deste modo testemunho de que ele é Deus. A questão não tinha que ver com administração e escrita inspirada. A congregação cristã não foi modelada segundo a nação de Israel, com uma administração terrestre exercida por um rei e seus ministros. Ela tem apenas um Rei e Administrador celestial, Cristo Jesus, a Cabeça de cada homem e mulher cristãos. [44] E a escrita inspirada da Bíblia já foi completada, não havendo provisão alguma para que alguém a continuasse na época pós-apostólica. Estes fatores, portanto, não têm nenhum paralelo real para os cristãos do nosso tempo. E eles com certeza não dão justificativa para que se use a parábola de Jesus sobre o mordomo fiel para sustentar como válida a autoridade de um pequeno grupo de pessoas para controlar e determinar o que os outros membros devem acatar como o entendimento e a aplicação da Palavra de Deus.

Há uma clara inconsistência neste uso da parábola. Quando interpretam muitas das outras parábolas de Jesus, as publicações da Sociedade Torre de Vigia normalmente admitem o fato de que determinada atitude ou ação descrita se aplica a todos os cristãos ungidos, sendo cumprida por cada um deles de modo figurativo. Assim, se a parábola fala de pescadores que usam rede de arrasto, admite-se que todos os cristãos ungidos fazem uma ‘obra de pescaria’, e não só alguns deles. (Mateus 13:47-50) Se a parábola fala de convidados numa festa de casamento, diz-se que, embora se descubra que alguns são convidados indignos, todos os cristãos ungidos estão figurativamente presentes, e não só alguns deles. (Lucas 14:16-24) Se a parábola fala de servos que são incumbidos das coisas valiosas de seu amo, com as quais devem produzir aumento, mesmo que a “quantidade” possa variar (de acordo com a apresentação da parábola), entende-se, não obstante, que todos os cristãos ungidos recebem valores com os quais produzir aumentos, nenhum está isento. (Lucas 19:11-27; Mateus 25:14-30) Se a parábola fala de virgens prudentes que mantêm suas lâmpadas acesas na expectativa da chegada do amo, a explicação é que isto indica que todos os cristãos ungidos devem permanecer alertas, e manter seu suprimento do “óleo” do Espírito santo de modo a continuarem como portadores de luz. (Mateus 25:1-10) Cristo tinha claramente a intenção de que suas parábolas fossem tomadas a peito por cada pessoa e aplicadas de modo pessoal. Mas quando se trata do “escravo fiel e discreto”, a organização Torre de Vigia deixa implicitamente claro que apenas alguns da “classe do escravo” podem efetivamente preparar e suprir o alimento, que apenas alguns podem de fato administrar os interesses terrestres do amo.

Houve no artigo uma breve tentativa de provar que todos os membros “ungidos” participam realmente do cumprimento da figura do mordomo fiel e sua obra de alimentação. Assim é que, na página 26, o referido artigo de A Sentinela de 1º de setembro de 1981 diz:

Enquanto os apóstolos fiéis de Jesus ainda estavam vivos na terra, eles tinham a responsabilidade especial de prover ensino espiritual à “família de Deus” Os ‘pastores’ designados do “rebanho”, bem como outros, também tinham responsabilidade similar. Todavia, o apóstolo Pedro mostrou que ser assim mordomo das verdades divinas fora realmente confiado a todos os ‘escolhidos’. Portanto, cada membro respectivo da congregação contribuía algo para a edificação do corpo. (Efé. 4:11-16; 1 Ped. 1:1, 2; 4:10, 11; 5:1-3) Vemos assim que há uma clara base bíblica para se dizer que todos os seguidores ungidos de Cristo Jesus constituem o “servo” de Deus, tendo a Jesus por seu Amo. Por conseguinte, este servo ou “escravo”, como corpo coletivo, fornece alimento espiritual a todas as pessoas individuais dessa congregação, que constituem a família de “domésticos”. Eles são individualmente beneficiados com tal alimento. – 1 Cor. 12:12, 19-27; Heb. 3:5, 6; 5:11-14.

É uma verdade bíblica que todos os cristãos participam em ‘edificar o corpo’ dos crentes em Cristo, como demonstra este parágrafo. A questão é: Como é que todos esses dos 8.600 “ungidos” que não fazem parte da estrutura de autoridade participam no cumprimento da figura do “escravo fiel” da maneira que se apresenta em todas as outras publicações da Sociedade Torre de Vigia? Dizer brevemente que “cada membro respectivo” contribui “algo para a edificação do corpo” não resolve a questão. Se todos os “ungidos” fazem parte da “classe do escravo” e os outros 6.000.000 de Testemunhas de Jeová não fazem, onde está a diferença entre a “contribuição” da vasta maioria dos “ungidos” e a da classe “não-ungida”? Não dão todas as Testemunhas algum tipo de “contribuição” para a “edificação” de toda a sua comunidade – incluindo a edificação dos “ungidos” que estão no seu meio? O que é, então, que distingue a “contribuição” dos “ungidos” que estão fora da estrutura de autoridade que faz com que a parábola se cumpra neles, mas não nas Testemunhas “não-ungidas”?

Como foi provado, quando se trata da parábola do mordomo fiel e de ele prover “alimento no tempo apropriado”, a alimentação está consistentemente relacionada com a informação recebida através do “canal” da organização central. Inegavelmente, na mente das Testemunhas de Jeová este alimento significa apenas uma coisa: o ensino suprido a partir da Sociedade Torre de Vigia e por meio de suas publicações, que emanam de sua sede internacional, um conceito que lhes foi cuidadosamente inculcado pela organização. Quando as Testemunhas falam que algo vem do “escravo fiel”, elas querem dizer que isso se origina e vem da sede mundial em Brooklyn. Qualquer coisa vinda de alguma outra fonte não tem validade. Conforme já se mostrou claramente, apenas uma fração ínfima dos 8.600 “ungidos” tem algo que ver com a informação assim provida. Apenas esta fração ínfima é que também exerce a supervisão supostamente confiada, no cumprimento da parábola, ao escravo que é designado ‘sobre todos os bens do amo’. O parágrafo já citado de A Sentinela simplesmente nunca se refere a essas realidades ou à disparidade existente.

Disfarçam a realidade – com que objetivo?

A que visa, então, o ensino fictício acerca de uma classe do escravo com poder administrativo em todo o mundo e que supre alimento espiritual? Ele provê a principal base de apoio à autoridade da organização, pela qual um pequeno grupo de homens, cujo número representa apenas um sétimo de um por cento (0,0014) dos 8.600 “ungidos”, assume o direito de determinar o que lerão, estudarão, em que acreditarão e o que praticarão não só os “ungidos”, mas de fato todas as Testemunhas. Por meio do destaque dado a uma “classe”, o ensino serve também para encobrir a verdadeira estrutura de autoridade com o manto do anonimato, dando-lhe a aparência de grande diversidade de membros, de procedência global, o que simplesmente não é verdade. Este conceito fictício habilita a verdadeira estrutura de autoridade – os cerca de quatorze membros do Corpo Governante – a pedir a obediência quase total às suas diretrizes sem que pareçam arrogantes ou que buscam ser servidos. Se eles, por exemplo, dissessem, “Qualquer pessoa empregada num tipo de trabalho que nós, os quatorze homens aqui de Brooklyn, decidimos que é errado, deve largá-lo ou ser desassociado”, a atenção viria sobre eles e sobre o tremendo poder que exercem sobre as vidas dos membros individuais da comunidade mundial das Testemunhas. Por se falar da “classe do escravo fiel e discreto”, a atenção é desviada do pequeno grupo que é a verdadeira estrutura de autoridade. Como “classe do escravo”, essa fonte de autoridade torna-se um tanto vaga, assume um caráter amorfo e uma elasticidade que se aplicam a um agrupamento essencialmente sem rosto, que não é definível nem identificável em algum sentido real aos olhos do adepto mediano da organização. O uso eufemístico da expressão, e surpreendentemente, a própria crença deles no conceito, também habilitam os membros do Corpo Governante a publicar declarações que pedem a submissão quase que total às decisões deles sem se sentirem perturbados por alguma sensação de arrogância.

As alegações multiformes da Torre de Vigia com respeito a uma “classe do escravo” formada de um corpo coletivo de “ungidos” mostram ser, uma após outra, insustentáveis e até fictícias. Que mensagem, pois, é que nos traz genuinamente a parábola do Amo?

A mordomia cristã

Na proporção em que cada um recebeu um dom, usai-o em ministrar uns aos outros como mordomos excelentes da benignidade imerecida de Deus, expressa de vários modos. – 1 Pedro 4:10.

A maior objeção que se faz à constante e pesada ênfase da Sociedade Torre de Vigia a um “escravo” organizacional em cumprimento da parábola de Cristo, é que ela rouba muito da força da parábola. Perde-se a verdadeira lição e a parábola só serve a um objetivo principal, ser escora de apoio ao exercício da autoridade religiosa por parte do pequeno grupo de homens que constitui o Corpo Governante.

Em si, nada há de errado em descrever como uma “classe” os cristãos que cumprem em suas vidas as coisas que Jesus ensinou na sua parábola do escravo fiel e discreto. Uma “classe” pode referir-se a um grande número de pessoas que têm características similares, que partilham de qualidades similares, ou guardam certos princípios em comum, ou que se empenham num proceder semelhante de vida. Isto, porém, não exige que façam parte de algum grupo ou sistema estruturado ou se prendam a ele. Eles são dessa “classe” por causa do que são como pessoas, não porque pertencem a certa organização ou estão em sua lista de membros. O termo é muitas vezes usado, por exemplo, para referir-se às pessoas que partilham a mesma condição econômica ou social (a “classe rica”, ou a “classe instruída”, ou a “classe dos desprivilegiados”, e assim por diante) independentemente de elas serem filiadas a qualquer organização ou não. Neste sentido todos os cristãos estão na mesma “classe”. Todos têm de partilhar certas características identificadoras, apoiar crenças e princípios em comum, seguir um proceder de vida similar, estar sujeitos à mesma liderança. As pessoas que manifestam uma mesma qualidade sempre se associam, buscam umas às outras motivadas por um ponto de vista ou aspiração comum, ou em virtude de padrões mútuos. De modo similar, os cristãos têm de buscar uns aos outros por essas razões e por causa do amor mútuo. Mas permanece o fato de que, por terem essas qualidades como indivíduos, é que existe entre eles semelhança e afinidade, não por serem membros de alguma organização visível ou associação institucionalizada. O “corpo de Cristo”, que é a “classe” à qual todos os cristãos ungidos pertencem, é um corpo espiritual, e seus membros não são identificados por meio da filiação a uma organização terrestre.

A organização Torre de Vigia usa o termo “classe” de modo muito diferente. Ela põe de lado o sentido normal do termo e lhe dá o seu próprio significado especial. Declara que a designação do “escravo fiel e discreto” aplica-se a pessoas apenas enquanto parte de uma classe vinculada a uma organização, e portanto a designação não tem e nem pode ter aplicação individual a qualquer um que não seja filiado a essa organização visível específica. Não importa que características, crenças, qualidades e conduta de vida cristãs a pessoa manifeste, estas não são determinantes para identificá-la como da “classe do escravo”. Estar ligada à organização Torre de Vigia é um requisito indispensável. Sem esse, todos os outros fatores perdem a força que identifica alguém como sendo da classe do “escravo fiel e discreto”. Assim a organização estabelece, não só sua própria definição de “classe”, mas também seus próprios parâmetros para determinar quem pode qualificar-se para estar dentro da “classe” e quem fica de fora.

Um aspecto particularmente prejudicial da forte ênfase a uma “classe” é que ela influencia as pessoas a pensar em termos de cumprir o que se ensina na parábola através da filiação a um grupo, em vez de se preocupar em demonstrar pessoalmente as qualidades cristãs que nela se colocam, incluindo a fé, a discrição, o senso de responsabilidade individual, a vigilância ou qualquer outra das qualidades que as parábolas de Jesus freqüentemente destacam. Restringem a aplicação da parábola a 8.600 pessoas e negam sua aplicação a milhões de outros membros como não sendo da classe; este é o dano causado.

A organização apresenta, na teoria, um ponto de vista, enquanto na prática segue outra norma (em que o Corpo Governante torna-se, para todos os efeitos, o “mordomo” encarregado de todos os interesses terrestres de Cristo), e isto resulta na distorção do objetivo da parábola. Em vez de servir de exortação à modéstia, ao serviço fiel do Amo e dos conservos, ela é utilizada principalmente como meio de impor aos membros a submissão inquestionável à direção do Corpo Governante.

Para ilustrar, numa reunião do Corpo Governante, Grant Suiter citou um missionário da Torre de Vigia como lhe tendo dito: “Há um escravo fiel e discreto. Uma vez que descobrimos quem ele é, daí por diante é simples: apenas faça o que ele disser. Se estiver errado, ele é responsável diante de Deus.” [45] Suiter, membro do Corpo Governante, manifestou evidente aprovação desta atitude. No entanto, a idéia de que um grupo coletivo, por meio de sua liderança, pode levar a responsabilidade por aquilo que fazemos como indivíduos – simplesmente por que seguimos suas orientações sem questionar – é totalmente falsa e contrária ao ensino das Escrituras. É a mesma filosofia que possibilita aos homens cometerem ações contrárias ao que é verdadeiro e correto, e até contrário à sua consciência, e depois procurarem eximir-se da responsabilidade dizendo que seus líderes políticos, militares ou comerciais lhes disseram que fizessem assim. As Escrituras são claras quando dizem que quando ficarmos diante da cadeira de juiz de Deus e Cristo, estaremos de pé como indivíduos, e como indivíduos responderemos pelo que tivermos feito. [46]

Quando este tema geral foi discutido numa reunião do Corpo Governante, perguntei se era válido insistir em restringir a aplicação das parábolas de Jesus a “classes” (do modo que a organização usa o termo). Se isto estivesse certo, tal aplicação deveria então ser coerente, não arbitrária. Dizemos, então, que há uma “classe das dez minas” e uma “classe das cinco minas” quando aplicamos a parábola que se acha em Lucas 19:12-27? Se dizemos isso, então quem eram ou quem são elas? Certamente que essa identificação tem de ser determinada, não numa base grupal, mas numa base individual, e na verdade apenas Cristo poderia proceder a tal identificação. O mesmo poderia se afirmar com respeito a Lucas 12:47, 48, onde Jesus diz:

Então, aquele escravo, que entendeu a vontade de seu amo, mas não se aprontou, nem fez em harmonia com a sua vontade, será espancado com muitos golpes. Mas aquele que não entendeu, e assim fez coisas que merecem golpes, será espancado com poucos.

Devemos então dizer que existe uma “classe dos muitos golpes” e uma “classe dos poucos golpes”? Se for assim, quem eram ou quem são estes? Mais uma vez, isto teria de ser determinado, não na base de um grupo, mas em base individual, sendo isto discernido e determinado apenas pelo Amo, que pode ler os corações humanos e que “recompensará a cada um segundo o seu comportamento”. (Mateus 16:27) Certamente ninguém pode afirmar que existe, ou existiu, alguma “classe” ou grupo específico, identificável, reunido por laços organizacionais, sendo a filiação a este grupo o meio de identificar quem faz parte da “classe dos muitos golpes” ou da “classe dos poucos golpes”. A Sociedade Torre de Vigia prefere não usar aqui sua prática costumeira de fazer a aplicação a uma “classe”, e todavia, esta parte de Lucas é a mesma em que este apresenta a parábola do “escravo fiel e discreto” que está no capítulo 24 de Mateus. A lógica certamente exigiria uma aplicação coerente do termo “classe”. [47]

Eu trouxe estes pontos à atenção na reunião, mas não houve reação de nenhum dos membros do Corpo Governante. Como ocorreu tantas vezes, a conversa simplesmente foi desviada para outros assuntos.

Responsabilidade pessoal, individual

Inegavelmente, ao longo das Escrituras o foco é lançado firmemente sobre o indivíduo e no que ele faz, e não primariamente no que uma “classe” faz. Há um apelo constante para que apliquemos os ensinos de Cristo a nós mesmos, de modo pessoal. A carreira cristã, afinal de contas, começa com o ato pessoal, individual, de depositar fé no sacrifício resgatador de Cristo e com a entrega pessoal, individual, de si próprio ao serviço de Deus mediante Cristo. Alcançamos a fé numa base pessoal, não numa base grupal. Como é possível que, mais tarde, algo altere esta relação pessoal, convertendo-a em algo baseado numa organização, validado e governado por ela, em resultado de ser membro de uma “classe”, no sentido que a Torre de Vigia usa o termo?

Diz-se repetidamente que o julgamento de Deus e Cristo, e a conseqüente recompensa, não ocorrem com base na associação com alguma “classe” ou num julgamento em grupo, mas numa base estritamente individual. Na Tradução do Novo Mundo, da Sociedade, lemos:

 E ele dará a cada um segundo as suas obras: vida eterna aos que estão buscando glória, e honra e incorruptibilidade, pela perseverança na obra que é boa.

Porque nós ficaremos postados diante da cadeira de juiz de Deus; pois está escrito: “Por minha vida”, diz Jeová, “todo joelho se dobrará diante de mim e toda língua reconhecerá abertamente a Deus”. Assim, pois, cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus.

Todas as congregações saberão que sou eu quem pesquisa os rins e os corações, e eu vos darei individualmente segundo as vossas ações. [48]

A Bíblia enfatiza o indivíduo

É verdade que as parábolas de Jesus devem ser aplicadas à igreja ou congregação dele em sua inteireza, e os princípios que elas defendem devem ser verazes para todos aqueles que genuinamente fazem parte desse “corpo de Cristo”. Mas opor-se à aplicação dessa parábola a indivíduos e argumentar contra isso como algo que não merece consideração é argumentar contra o que dizem as próprias Escrituras. Elas mostram que, como cristãos, cada um de nós deve esforçar-se para mostrar ser um mordomo fiel do Amo. Isto é bem claro na própria parábola do “escravo fiel e discreto”.

O relato de Mateus, o mais citado pela Sociedade Torre de Vigia, é paralelo ao que se acha no capítulo 12 de Lucas. Este dá uma designação mais específica ao “escravo”. Um “escravo” (em grego, doulos) pode ser qualquer tipo de servo. O relato de Lucas identifica o escravo como “mordomo” (em grego, oikonomos). Este fator ajuda a lançar luz sobre o sentido e a aplicação da parábola de Jesus devido a outro ensino bíblico relativo à mordomia dos cristãos.

Na realidade, segundo o contexto, a pergunta inicial de Jesus, “Quem é realmente o escravo fiel e discreto”, é apresentada primariamente, não com o objetivo de identificar alguma pessoa ou grupo, mas de introduzir uma lição moral centrada na conduta e no proceder que demonstram que alguém é um mordomo fiel e prudente do Amo. Veja as palavras dele em Lucas 12:42:

 Quem é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor confiará os seus conservos para dar-lhes o sustento a seu tempo? (Almeida Revista e Atualizada)

.Portanto, Jesus estava essencialmente dizendo: ‘Quem dentre vós discípulos mostrará ser este mordomo fiel e discreto?’ [49] A resposta dependeria daquilo que cada um fizesse, não daquilo a que ele pertencia ou de que fazia parte.

Adicionalmente, o relato de Lucas dá seqüência imediata a esta parábola com as palavras de Jesus sobre o escravo que entende mas não faz, e por isso recebe muitos golpes, e o que não entende, e portanto não faz, e por isso recebe poucos golpes. Jesus conclui com esta aplicação da lição:

Deveras, de todo aquele a quem muito foi dado, muito se reclamará dele; e a quem encarregaram de muito, deste reclamarão mais do que o usual. [50]

Em vez de falar de um grupo ou “classe”, a aplicação primária feita pelo próprio Cristo é ao cristão individual, ao que ele faz qual indivíduo e ao que ele próprio demonstra ser.

Tampouco é esta a única indicação. De modo similar, os apóstolos inspirados de Jesus trataram da mordomia fiel em seus escritos. Seria de esperar que ao fazê-lo eles refletissem o próprio ensino de Jesus acerca do assunto. É notável que a consideração feita por eles ocorre consistentemente no nível pessoal e com uma aplicação pessoal. Em sua primeira carta à congregação de Corinto, o apóstolo Paulo escreve acerca do serviço prestado por ele e seus companheiros, dizendo:

Avalie-nos o homem como sendo subordinados de Cristo e mordomos dos segredos sagrados de Deus. Além disso, neste caso, o que se procura nos mordomos é que o homem seja achado fiel. [51]

O princípio idêntico visto na parábola de Jesus conforme registrado por Lucas, pelo qual alguém mostra ser um mordomo fiel do Senhor, está aqui declarado. Paulo prosseguiu mostrando que isto não era algo a respeito do qual os humanos pudessem decidir ou julgar; eles não tinham capacidade de fazer uma identificação definitiva, determinante e válida, de quem era ou não era um “mordomo fiel”. Paulo mostra então quem podia fazê-lo e o faria, quando e em que base, dizendo:

Ora, para mim é um assunto muito trivial o de eu ser examinado por vós ou por um tribunal humano. Até mesmo eu não me examino a mim mesmo. Pois não estou cônscio de nada contra mim mesmo. Contudo, não é por isso que eu seja mostrado justo, mas quem me examina é Jeová. Por isso, não julgueis nada antes do tempo devido, até que venha o Senhor, que tanto trará da escuridão para a luz as coisas secretas, como tornará manifestos os conselhos dos corações, e então cada um terá o seu louvor da parte de Deus. [52]

Mais uma vez, a referência é ao indivíduo, a “cada um”. Quando rejeita a aplicação do cumprimento da parábola a indivíduos (não vinculados a uma organização), o argumento principal da Torre de Vigia é de que pessoa alguma poderia viver por 1900 anos e assim estar viva até a volta do Amo. [53] Não dá margem ao fato de que um princípio pode estar em vigor por 1900 anos e pode aplicar-se uniformemente a todos os indivíduos cujo período de vida transcorra dentro desse período. Parece também esquecer que as pessoas podem ser ressuscitadas e depois julgadas e recompensadas (juntamente com os que já viviam) com base no que fizeram durante seu período de vida até a morte. [54]

Paulo não viveu 1900 anos e tampouco algum de seus associados e colaboradores. No entanto, se eles individualmente se mostrassem mordomos fiéis de Cristo até a morte, este os recompensaria por ocasião de sua vinda. Onde é que isso diverge do que Jesus apresenta em sua parábola? Além disso, Paulo não fala de “classe” alguma, limitando-se, em vez disso, ao seu próprio caso e proceder pessoal como “mordomo” e ao que “cada um” faria e receberia. A explicação da Sentinela faz parecer que o Amo, por ocasião de sua vinda, inspeciona o registro apenas de um “restante” da “classe do mordomo” então vivendo na terra, aprovando e promovendo a estes para “cuidar de todos os seus interesses terrestres”. As palavras de Paulo mostram que não é assim, e que o Amo, ao vir, profere seu julgamento e dá sua recompensa a todos os seus servos, todos os que serviram como “mordomos”, sejam os que viverem nessa ocasião ou os que morreram no passado. [55]

As palavras do apóstolo são também contra empenhar-se em auto-autenticação, auto-aprovação e autopromoção, realizadas de modo a criar e manter uma base de poder, e contra alguém se elevar – por elevar o grupo religioso específico do qual faz parte – sobre os outros que buscam demonstrar sua fé como cristãos. Tudo o que qualquer um de nós pode corretamente afirmar é que, como Paulo, estamos nos esforçando para ser mordomos fiéis, e que o nosso verdadeiro julgamento nesta questão está nas mãos de Deus e de Cristo, e este só será revelado no dia em que eles tornarem conhecido esse julgamento.

O mesmo apóstolo, escrevendo a Tito em Creta, deu conselho relativo aos anciãos, dizendo entre outras coisas:

Porque o superintendente tem de estar livre de acusação como mordomo de Deus, não obstinado, não irascível, não brigão bêbedo, não espancador, não ávido de ganho desonesto. [56]

Cada ancião devia individualmente estar à altura dessas qualificações para ser “mordomo” de Deus. A avaliação destes homens seria logicamente feita nessa base, não por serem membros de alguma “classe do escravo” ou de algum grupo distintamente organizado. Qualquer varão cristão individual que agisse como o mordomo violento, arrogante, bêbedo, do final da parábola de Jesus seria inadequado, rejeitado. Caberia a cada um pessoalmente mostrar o que era. Ele tinha também de apegar-se “firmemente à palavra fiel com respeito à sua arte de ensino”, o que implica a sua própria fidelidade como mordomo em aderir à Palavra de Deus, bem como a discrição do seu ensino. [57] Encontramos, mais uma vez, um paralelo preciso com os elementos do mordomo fiel e discreto e do mordomo iníquo, bêbedo. No entanto, a aplicação faz-se claramente em base individual.

Ao passo que Paulo faz a aplicação individual a si próprio e a seus trabalhadores associados e aos anciãos individuais, que dizer dos demais cristãos, todos os outros que formam o que Paulo chama de “família de Deus”? [58] Podem todos eles ser “mordomos”? E podem sê-lo em base individual ou têm de ser membros de uma “classe” do mordomo orientada como organização? O que dizer de todas as mulheres que fazem igualmente parte dessa família – têm elas uma mordomia? E se todos são mordomos, como podem existir quaisquer “domésticos” a quem ministrar como mordomos? O que dizem as próprias Escrituras?

O apóstolo Pedro faz esta relevante afirmação em sua primeira carta, conforme registrado no capítulo 4, versículos 10 e 11:

Na proporção em que cada um recebeu um dom, usai-o em ministrar uns aos outros como mordomos excelentes da benignidade imerecida de Deus expressa de vários modos. Se alguém falar, fale como que as proclamações sagradas de Deus; se alguém ministrar, ministre ele como dependente da força que Deus fornece; para quê, em todas as coisas, Deus seja glorificado por intermédio de Jesus Cristo.

Pedro não está falando aqui, com certeza, em termos de algum conglomerado, um mordomo “composto”, e sim pondo ênfase nos indivíduos e na mordomia pessoal deles. Deixa claro que cada cristão recebe de Deus algum dom particular, o qual pode usar em prestar serviço aos conservos da família de Deus. Isto ocorre porque a graça ou benignidade imerecida de Deus é expressa “de vários modos”, tal como destacam outros textos. [59] Tampouco têm todos o mesmo dom. Desta forma, qualquer que seja este, podem usá-lo para o benefício de outros, os quais, por sua vez, usarão aquele que eles têm para o bem de outros, inclusive os que os beneficiam. Fazendo assim, não se tornam auto-importantes, arrogantes, como que dominando sobre os outros. Fiel e discretamente usam sua concessão divina de benignidade imerecida para a honra de Deus, na dependência Dele, falando não de suas próprias teorias ou de dogmas organizacionais, mas das “proclamações sagradas de Deus”, Sua Palavra não adulterada.

A declaração de Pedro está certamente em perfeito paralelo com a parábola de Jesus sobre o escravo ou mordomo que ministra fielmente  aos conservos da família de seu amo. Ressalta também, claramente, a responsabilidade pessoal de cada cristão e sua obrigação pessoal para com Deus e Cristo de demonstrar fidelidade e discrição ao usar em favor dos conservos quaisquer dons úteis que tenha recebido. Ao longo dos últimos dezenove séculos existiram com certeza muitos homens e mulheres que foram individualmente mordomos fiéis e discretos de seus dons cristãos e que serão achados aprovados pelo Amo quando de sua chegada, ainda que necessitando de uma ressurreição pessoal (não de “ressurreição em classe”) dos mortos para receber seu prêmio. Não há nada, a mínima evidência sequer, que prove que tais pessoas dos séculos passados fizeram isso como que num amálgama, sendo todos ajuntados pelos laços de uma organização ou “classe”. Embora semelhantes ao trigo encontrado entre o joio, sempre vigorou o princípio afirmado em 2 Timóteo 2:19, a saber, “Jeová conhece os que lhe pertencem”.

Muito do equívoco é fruto dos significados arbitrários atrelados à alimentação “simbólica” realizada pelo mordomo e à sua “designação sobre todos os bens do amo”. Nas publicações da Torre de Vigia apresenta-se a “alimentação” como a produção de literatura feita por meio de uma agência editora. É altamente improvável que Jesus usasse qualquer ação figurativa para representar esta atividade. Por prover aos conservos porções regulares de alimento, o mordomo estaria cuidando das necessidades deles. Em nossa vida espiritual podemos ser “alimentados” de muitíssimos modos. Nossa fé não é alimentada apenas por palavras, mas pelo exemplo, pela bondade e pelo interesse pessoal demonstrados, pelo encorajamento dado, pelas ações de amor. Todas estas coisas nos alimentam, edificam-nos para mais servir ao nosso Amo. As palavras de Pedro, já citadas, comprovam isto, mostrando que todos nós temos de ser mordomos da benignidade imerecida de Deus, “expressa de vários modos”. A “graça de Deus em suas variadas formas” (New English Bible) que cada um tem o privilégio de distribuir, com certeza não se limita apenas a fornecer certo tipo de informação publicada. Ela abrange toda a variedade da benignidade e dos dons de Deus.

O mesmo se dá com o prêmio concedido ao mordomo fiel. Que base há para se afirmar que os cristãos na terra têm de ser promovidos para formar uma espécie de corpo administrativo ou subgerente composto (um administrador substituto) com autoridade sobre todos os interesses de Cristo no planeta? Em seu todo, as Escrituras dão testemunho do fato de que é só no julgamento final que se dá a recompensa final, e não antes. Esse julgamento final ainda virá. Se não fosse assim, deveríamos crer então que certos dos servos do Amo estariam neste exato momento exercendo um poder comparável ao da autoridade “sobre dez cidades” ou “sobre cinco cidades” em cumprimento à parábola das minas. [60] Esta parábola segue o mesmíssimo padrão ou fórmula da parábola do escravo fiel e discreto – um amo parte em viagem, deixando um servo ou servos com designações específicas, e daí, ao retornar, avalia a fidelidade deles no desempenho de suas atribuições e os recompensa concordemente. É razoável que ambas as parábolas se correspondam na parte do que ocorre quando o homem retorna. No entanto, a organização Torre de Vigia explica a parábola das minas de modo completamente diferente do da parábola do escravo fiel e discreto. Na explicação da parábola do mordomo fiel, o Amo, Cristo, volta em 1914 e em 1919 aprova o mordomo e o recompensa promovendo-o a uma autoridade sobre todos os bens. Em contraste, quando explica a parábola das minas, A Sentinela de 1º de julho de 1974 (página 399), declara que – ao contrário do que o próprio Jesus apresenta na parábola – em sua volta (em 1914) o Amo não recompensa seus servos fiéis dando-lhes ‘domínio’ sobre 5 e 10 cidades, mas em vez disso, cinco anos depois, passa a dar-lhes uma prorrogação de tempo para que façam negócios com os talentos dele! A Sentinela nos informa que “o que aconteceu era como que uma nova consignação das simbólicas minas de prata, no ano 1919 aos do restante ungido das testemunhas cristãs de Jeová” e que eles puseram-se “novamente a fazer negócios ou a negociar com as simbólicas minas de prata, recém-recebidas do Senhor Jesus Cristo, então revestido de poder régio.” O livro Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos (páginas 230 a 232) reescreve de modo similar a parábola relacionada dos talentos, declarando que o Amo, ao retornar, descobriu que, em 1919, tinha de dar aos seus servos “uma nova oportunidade adicional de ‘fazer negócios’ com os preciosos ‘talentos’ dele.” Não há nas Escrituras uma única palavra ou indicação de uma segunda designação de talentos para negociar após a volta do amo. Isto simplesmente ilustra que o entendimento da Torre de Vigia se fundamenta unicamente numa acomodação com suas próprias circunstâncias e alegações organizacionais, e se o registro bíblico tiver de sofrer “ajustes” ou acréscimos para atingir esse objetivo eles se sentem justificados em fazê-lo. O mesmo se aplica à parábola do escravo fiel e discreto. [61]

Quando trata da parábola das minas, A Sentinela não faz esforço algum de apontar a data em que o Amo confere a recompensa como sendo em 1919 ou qualquer outra época desde então; o mesmo se dá em Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos e sua explicação da parábola relacionada dos talentos. Em ambos os casos eles reconhecem que o prêmio é conferido no julgamento final, quando os cristãos fiéis reinarão “com Cristo acima”, com aqueles que tiverem morrido sendo ressuscitados e os que então viverem passando por uma “transformação instantânea de corrupção para incorrupção”. [62] Que justificativa pode haver para a aplicação arbitrária e desigual com respeito à recompensa que se dá na parábola do mordomo discreto em comparação com a parábola das minas e a dos talentos?

Nas parábolas do mordomo fiel e na das minas, o prêmio sem dúvida se refere à mesma coisa. Na primeira, o homem é proprietário de uma casa e seus pertences; na outra o homem controla certo número de cidades (evidentemente 15) Em cada caso, o homem recompensa a fidelidade em seu serviço com a concessão de autoridade sobre seus domínios. Há toda razão para crer que isto simplesmente traduz em forma alegórica a promessa de Jesus de que, “Ao vencedor darei o direito de sentar-se comigo em meu trono, assim como eu também venci e sentei-me com meu Pai em seu trono.” [63] Por sua fidelidade é que estes juntam-se ao Amo em seu trono celestial como co-herdeiros com ele no reino de seu Pai. [64]

O escravo infiel

E quanto ao simbolismo do outro escravo encontrado na mesma parábola, o qual, em vez de provar-se fiel e discreto, mostra-se infiel? O relato reza:

Mas, se é que aquele escravo mau disser no seu coração, “Meu amo demora,” e principiar a espancar os seus co-escravos, e a comer e a beber com os beberrões inveterados, o amo daquele escravo virá num dia em que não espera e numa hora que não sabe, e o punirá com a maior severidade e lhe determinará a sua parte como os hipócritas. [65]

A organização Torre de Vigia tem aplicado isto a qualquer de seus adeptos que não aceite totalmente os ensinos dela, inclusive as profecias de data sobre 1914. [66] Estes, dizem eles, acham que a vinda do Amo está “demorando”. Se estas pessoas questionam a validade bíblica de qualquer interpretação publicada, expressam qualquer opinião diferente do que a organização estiver ensinando no momento, ou questionam a criação duma estrutura de autoridade que atribui a si própria o direito de formular à vontade um leque de normas e regulamentos que não se encontram nas Escrituras, isto é classificado pela Torre de Vigia como “espancar” os seus conservos.

Embora talvez pareça plausível a alguns, este é mais um caso em que se fazem as Escrituras concordarem com a organização em vez de deixar que elas falem por si próprias. Cristo Jesus, o Amo da família cristã, enfatizou repetidamente que sua volta seria imprevisível, inesperada, sem aviso, não dando meios, portanto, para predizer um retorno iminente, nada que de antemão alerte seus servos a preparar-se para a chegada dele. Por isso é que eles precisariam estar em constante vigília, quer vivessem no primeiro século, no sétimo, no treze ou no vinte. Essa vigilância, contudo, não depende de se crer em alguma data ou da urgência criada a partir de um esquema estabelecido de datas, dentro de cujos limites o fim possa ser aguardado com certeza. Os cristãos do passado ficaram alertas, vigilantes, na expectativa, sem quaisquer cronogramas fixados e interpretados por homens, e os cristãos de hoje podem fazer o mesmo. [67]

Devemos nos perguntar: Dos dois escravos descritos na parábola, qual deles indica que tinha alguma idéia pré-concebida duma certa época em que o amo deveria chegar? Não era o escravo fiel, mas o escravo mau. Este último não podia ter achado que o amo estava ‘demorando’ a menos que o aguardasse dentro de certo período de tempo. O escravo fiel não é representado como tendo alguma idéia em particular de quanto tempo o amo ficaria ausente. Ele parece simplesmente estar servindo de modo fiel sem tentar fazer estimativas ou estabelecer limites quanto à duração do período de ausência. Isto é bastante diferente duma organização que declara como um fato absoluto que a chegada ocorrerá e tem de ocorrer dentro do período de vida de pessoas que nasceram antes ou dentro de certa data.

É verdade que, como muitas outras religiões, a organização Torre de Vigia fala continuamente de sua confiança na iminência da volta do Amo. Mas vale a pena notar que não é com a boca que o escravo infiel acha que a vinda do seu Senhor demora; é “no seu coração”. Sua opinião de que a vinda ‘demora’ certamente não se expressa por ele discordar abertamente daquilo que algum outro servo afirma ser o cronograma correto para a ocorrência da vinda (como faz a organização Torre de Vigia). Não são as palavras do escravo, necessariamente, que demonstram que ele está intimamente achando que a volta ‘demora’. É o que ele faz e o modo como faz que revelam isso.

Segundo a parábola, este escravo começa a agir como se fosse ele que mandasse na casa, como se ele próprio fosse o amo. Sua designação era simplesmente de prover alimento, fazendo-o pontualmente nas horas indicadas; mas ele passa então a tomar para si próprio o direito de castigar os conservos. Isto é muito diferente do caso dum servo que pede alívio dos abusos de autoridade por parte de quem se afirma superior, como é a situação de muitos que fazem objeção a que uma organização lhes imponha suas próprias normas, como se fossem inferiores, uma organização que lhes pede e até exige que acatem sua palavra como se fosse do Senhor.

Com certeza há pessoas que, ao deixarem a organização Torre de Vigia, empenham-se em falar dela de modo rude e abusivo, e que, com ataques verbais igualmente rudes falam dos homens que a dirigem. Como exemplificam as cartas citadas no “Prefácio” deste livro e em outras partes, há muitas outras que rejeitam tal prática – e espero que estas sejam a maioria. Por outro lado, deve ficar claro que simplesmente expressar para outras pessoas uma objeção honesta e conscienciosa aos decretos e ações duma organização não constitui de modo algum um “espancamento” de tais encarregados. Se fosse assim, os apóstolos teriam “espancado” o Sinédrio quando expuseram publicamente os fatos. E na atualidade a Sociedade Torre de Vigia seria culpada de “espancar” os governantes e as autoridades quando tornaram públicos o tratamento injusto por parte deles e protestaram pelas ações ditatoriais contra as Testemunhas de Jeová em seus domínios, ou quando prestaram depoimento destes fatos perante os tribunais, como têm feito em numerosas ocasiões.

No caso da parábola, está claro que alguém “denunciou” o escravo arrogante, pois o amo soube o que havia ocorrido durante sua ausência. Não é, portanto, “espancar” um conservo se outro dos servos do amo traz à atenção a conduta infiel daquele servo em particular, dando testemunho de suas ações erradas ao lidar com os demais servos da casa. Ao invés, se feito com a motivação correta, isso reflete preocupação com o bem-estar dos outros, representa um esforço justo e apropriado visando à reparação do erro, a correção duma situação injusta.

O “espancamento” da parábola é muito diferente disto. É o caso de alguém que tem, ou considera a si próprio como tendo, uma posição superior e que a usa para dominar os outros quais inferiores. Age como se pudesse fazê-lo impunemente, como se para ele não houvesse um “dia de ajuste de contas”, pela atitude dominadora, de superioridade, demonstrada para com outros, aos quais ele devia supostamente servir, humilde e fielmente. Age como se qualquer coisa que fizer, ainda que errada (até servir alimento adulterado), será desculpada ou ignorada pelo amo. Esta pessoa, com tal mentalidade e espírito, parece achar que ninguém jamais lhe deve queixar-se, e que qualquer um que o faça deve ser tratado como alguém que mostra desrespeito por sua autoridade constituída, tornando-se, desta forma, passível de punição, merecedor de ser espancado. Creio que a reflexão e a meditação neste respeito nos convencerá de que existem hoje muitos exemplos disso, e em muitas religiões.

Fala-se que o escravo infiel come e bebe com os beberrões. Na Bíblia, a bebedice é muitas vezes usada de modo figurativo, além da embriaguez literal. Alguns homens são literalmente “brigões bêbedos”. (1 Timóteo 3:3) Mas alguém pode estar figurativamente “bêbado” de vários modos. O profeta Isaías retrata como figurativos ‘bêbedos’ os líderes religiosos do antigo Israel, homens a quem descreveu como “fanfarrões”, autoconfiantes, que tiranizavam os outros, mas que se sentiam seguros, imunes a qualquer julgamento adverso da parte de Deus. [68]

Portanto, alguém pode ficar “embriagado” pelo poder, pela auto-importância. Além da embriaguez literal, o escravo infiel mostrava-se inebriado com sua própria autoridade de tratar de modo dominador aqueles a quem supostamente servia. Esta é uma falha comum nos que alcançam posições de autoridade e poder. É um laço que só pode ser evitado pelo esforço constante, consciente. Isto acontece com os indivíduos. Também acontece com as organizações.

Como demonstramos, o problema, no seu todo, não está tanto na insistência da organização Torre de Vigia em restringir toda a aplicação da parábola a uma “classe”. Está principalmente na maneira como a parábola é usada – para assegurar o controle duma estrutura de autoridade, como meio de intimidação, suprimindo qualquer objeção de consciência aos ditames e declarações vindos de um grupo de elite, bem como para revestir esses ditames e declarações de uma força divina, quer estejam em harmonia com as reais afirmações bíblicas quer não. Usar a parábola desta forma é violar seu tema básico, que é servir, com consideração, humildade, responsabilidade e fidelidade, às necessidades dos outros como conservos do Amo.

A parábola deveria induzir a um sério e escrutinador auto-exame. Qualquer postura de autoconfiança, qualquer atitude autoritária ou que exiba a posição superior de alguém, qualquer inclinação para tomar ação punitiva contra os que não se submetem à vontade ou opinião de alguém, é, com certeza, uma evidência de achar, no próprio coração, que o dia de ajuste de contas está “demorando”. Há muito, no primeiro século, Diótrefes mostrou tal atitude pelas suas ações, dominando sobre outros na congregação, expulsando aqueles que ele via como ameaça à sua autoridade. [69]

Através dos séculos, muitos indivíduos, líderes e organizações religiosas deram exemplo deste padrão, insistindo para que as pessoas se alinhassem com seus conceitos e dogmas ou então enfrentassem acusações de insubordinação espiritual, independência voluntariosa e egoísta, deslealdade a Deus e a Cristo, destarte precisando serem ‘jogadas fora da família’ de Deus. Seguir o proceder deles atualmente  é, com efeito, associar-se com tais homens, ‘comendo e bebendo com os beberrões’, aqueles que, como  os “bêbedos” religiosos do antigo Israel, estão inebriados com sua própria importância.

Em contraste, outros, embora injustamente acusados e lançados fora, embora espalhados e limitados nas suas associações a alguns poucos companheiros, podem ter, não obstante, ‘mantido seu lugar’, por nunca perder de vista sua relação pessoal com seu Amo e a responsabilidade para com ele. [70] Dentro de qualquer esfera de influência que Deus lhes conceda, ainda que pequena, eles entendem corretamente sua “mordomia”, não como uma base de poder ou meio de intimidar outros, mas como oportunidade e dever de servir aos outros no espírito de seu compassivo Amo. Este, no seu devido tempo, e na base de pessoa por pessoa, promete tornar evidente quem entendeu e aplicou corretamente a lição de sua parábola e quem não o fez.

Notas

[1] Veja o capítulo 4 deste livro; veja também a documentação referente a este assunto no apêndice ao capítulo 4 de Crise de Consciência.

[2] 2 Coríntios 1:21, 22; 1 João 2:20; confira Romanos 8:8, 9, 12-14.

[3] A Sentinela, 1° de janeiro de 2001, página 21 (número após “Participantes da Comemoração no Mundo Inteiro”).

[4] A Sentinela de 15 de junho de 1984, páginas 19 e 20, afirma que, desde Pentecostes, por meio de uma “classe do ‘mordomo fiel’, um corpo coletivo”, Cristo cuida de que todos recebam “o mesmo alimento espiritual”.

[5] A Sentinela, 1° de setembro de 1981, página 26.

[6] Veja A Sentinela, 1° de fevereiro de 1981, páginas 24-28; 1° de fevereiro de 1982, páginas 12-16. Uma publicação mais antiga, Auxílio Teocrático aos Publicadores do Reino (em inglês), página 307, chegou ao ponto de dizer sobre os valdenses: “É bem evidente que os primitivos valdenses eram fiéis Testemunhas de Jeová” — servindo aparentemente de evidência o fato de que eles se opunham a ensinos da Igreja Católica tais como os dos santos, purgatório, missas, tradição, supremacia papal, perdões e indulgências papais e o celibato dos sacerdotes. No entanto, essa oposição existe em quase todas as religiões protestantes.

[7] A Sentinela de 15 de novembro de 1987, páginas 21-23, fala sobre os anabatistas, enfatizando as semelhanças e minimizando ou ignorando as principais diferenças entre eles e as Testemunhas.

[8] Veja o livro Testemunhas de Jeová — Proclamadores do Reino de Deus, página 44, e A Fé em Marcha (em inglês), páginas 19 e 20.

[9] O movimento do Segundo Advento não chegou a formar uma organização unificada, mas era essencialmente um movimento fragmentado com vínculos apenas tênues entre os diferentes grupos. Muitas fontes publicavam informações em revistas diferentes, não relacionadas.

[10] Testemunhas de Jeová — Proclamadores do Reino de Deus, página 44; A Fé em Marcha (em inglês), páginas 19, 20. Embora possa ser verdade que os segundo-adventistas não tenham ajudado Russell em nenhuma verdade específica, eles certamente o proveram com vários dos conceitos deles, inclusive o de 1914. Além do mais, havia outras revistas publicadas pelos segundo-adventistas, tais como o Bible Examiner de Storrs, ou o Arauto da Aurora de Barbour, que eram muito semelhantes em conteúdo à Torre de Vigia de Sião de Russell.

[11] A Sentinela, 1° de junho de 1968, página 327, parágrafo 9.

[12] Na Sentinela de 15 de abril de 1904, Russell argumenta detalhadamente contra a idéia de um “mordomo composto” ou “classe” e a favor de que um indivíduo em particular fosse o “servo fiel e prudente”.

[13] Um exame do contexto mostra que o texto não tem realmente tal aplicação, mas refere-se ao proceder de vida do justo, sua vereda de conduta piedosa, em contraste com o “caminho dos iníquos”. Veja os versículos 14-17, 19.

[14] Crise de Consciência, capítulo 8.

[15] O Mistério Consumado, edição de 1918, páginas 258, 485, 542. Quando se publicou a edição de 1924 deste livro, as datas que se acham nestas citações foram eliminadas quase que sem exceção.

[16] Veja por exemplo como vertem estas passagens a Bíblia de Jerusalém, a Bíblia na Linguagem de Hoje (notas de rodapé), e a Almeida Revista e Atualizada.

[17] Os escritores do livro, C. J. Woodworth e G. H. Fisher, foram selecionados pelo presidente da Torre de Vigia e dois outros membros da diretoria, e desta forma, pela parte administrativa da classe do “escravo discreto”.

[18] Veja, por exemplo, Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus, páginas 67, 69, 719.

[19] Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus, páginas 67, 68. Quatro dos sete diretores não haviam sido consultados acerca do projeto, e foram efetivamente demitidos naquele dia, antes do lançamento.

[20] As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino (em inglês), páginas 78, 91.

[21] Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus, páginas 650-653.

[22] As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino (em inglês), páginas 79-84; Revelação – Seu Grandioso Clímax Está Próximo!, páginas 167-169. Este último livro fala sobre as “duas testemunhas” serem silenciadas por meio da morte: “A imprensa juntou-se aos clérigos em vilificar o povo de Deus, um jornal dizendo: ‘Consumou-se O Mistério Consumado.’ No entanto, nada podia estar mais longe da verdade!”

[23] Veja também Anuário das Testemunhas de Jeová de 1976, página 119 e Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus, página 652. Estas páginas contêm um comentário sobre Apocalipse 16:3, relacionado com os “três espíritos impuros que saem da boca do dragão, da fera e do falso profeta”. O “dragão” era Satanás, a “fera” era o “sistema papal”, o “falso profeta”, as “seitas protestantes” (a “imagem” da “fera papal”). A maioria das páginas eram dedicadas a citações com fortes condenações aos sistemas militares do mundo e às guerras em geral.

[24] As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino (em inglês), páginas 98 e 100. Na página 110 esta publicação refere-se ao período dessa campanha (1919 a 1922) como “o período da restauração da adoração verdadeira”.

[25] Anuário das Testemunhas de Jeová de 1976, página 127; A Sentinela, 1º de maio de 1980, página 26; 1º de janeiro de 1984, página 18.

[26] Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão (1923), página 110. Veja Crise de Consciência, capítulo 8 para uma documentação mais detalhada desta publicação.

[27] A cruz também é vista como um símbolo pagão, acreditando-se que Jesus foi pregado numa estaca em pé sem barra alguma a cruzá-la.

[28] A essência destes mesmos pontos é apresentada no número de A Sentinela de 1º de maio de 1989, páginas 3 e 4.

[29] Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, páginas 354, 356.

[30] Isto persistiu até o final dos anos 20; veja Crise de Consciência, capítulo 8, para documentação das publicações da Torre de Vigia.

[31] A explicação da Torre de Vigia é de que, não obstante isso, houve progresso, já que os membros não haviam entendido antes que sua sujeição aos “poderes superiores” devia ser apenas relativa. Isto simplesmente não é verdade. As publicações anteriores a 1919 mostram claramente que eles compreendiam isto. Veja o capítulo 13, subtítulo “As autoridades superiores”.

[32] Veja Crise de Consciência, capítulo 4.

[33] Despertai!, 22 de setembro de 1987, página 19, rodapé; Crise de Consciência, capítulo 7, nota 1. Em vista da campanha mundial promovida em torno de 1925, ele não só fez “papel de tolo”, mas atraiu o descrédito mundial sobre o corpo inteiro dos adeptos da Torre de Vigia.

[34] O livro de 1983, Unidos na Adoração do Único Deus Verdadeiro, página 120, diz a respeito das pessoas que entram na organização: “Estes também precisariam de alimento espiritual, o qual lhes seria servido pelo “escravo” composto, os servos de Cristo, ungidos com o espírito. Para agradarmos a Jeová, temos de aceitar a instrução que ele provê por meio deste canal e agir em plena harmonia com ela.” De modo similar, o livro Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, página 344, ao falar da entrada dos crentes gentios na primitiva congregação cristã, diz: “Depois de estes se tornarem ‘domésticos’ espirituais, também tinham de participar na obra de alimentação.”

[35] Foi só em 1945, quando tinha 23 anos, que passei a crer que a esperança celestial apresentada nas Escrituras se aplicava a mim.

[36] Embora sendo, quanto ao número de anos de trabalho que tinha ali, um “membro antigo” do Departamento de Redação, Klein jamais foi designado para elaborar qualquer matéria tida como de especial importância. Isto não se devia a algum preconceito contra ele, mas porque sua escrita muitas vezes demonstrava certa instabilidade de argumentação, lógica e discernimento.

[37] Em quase todos os casos, o artigo vinha porque o presidente Knorr tinha enviado uma designação para a pessoa escrevê-lo.

[38] Nos anos recentes a equipe da redação chegou a ter 20 pessoas ou mais, a grande maioria professando ser das “outras ovelhas”.

[39] Confira Ageu 2:11, 12.

[40] Geralmente só se tinha conhecimento disso se a pessoa que escrevia mencionasse especificamente ser dos “ungidos”.

[41] As listas dos meus arquivos dos anos 70 contêm os nomes de apenas cerca de 200 dos mais ou menos 10.000 “ungidos” que viviam naquela época, sendo que todos os alistados eram membros da sociedade civil ou trabalhavam nos escritórios de filial ou como viajantes.

[42] Veja, por exemplo, A Sentinela de 15 de agosto de 1981, página 19.

[43] Uma lista dos meus arquivos a partir dos anos 70 mostra 24 homens “ungidos” na sede mundial que não eram do Corpo Governante. Não me recordo de sequer um destes ter sido alguma vez convidado a expressar-se ao plenário do Corpo Governante acerca de qualquer tópico durante meus nove anos no Corpo.

[44] 1 Coríntios 11:3; Efésios 1:22, 23.

[45] Ele citava um graduado de Gileade de nome Blakenburg, que, pelo que me recordo, servia na América Latina.

[46] Mateus 12:36, 37; Lucas 12:48; Romanos 14:10-12; 1 Coríntios 4:5; Gálatas 6:4, 7, 8.

[47] O mesmo princípio se aplica com relação ao “escravo mau” desta mesma parábola. A Torre de Vigia fala de uma “classe do escravo mau”, e no entanto, as pessoas a quem eles rotulam como estando entre estes não pertencem todos a uma única organização específica, não formam um grupo composto distinto. Qualquer pessoa dos “ungidos” que deixasse a organização e posteriormente publicasse informação desfavorável a esta, seria classificada como um “escravo mau” ainda que atuasse simplesmente como indivíduo. Como pode ser assim neste caso e não no caso daquele que se enquadra na figura do escravo fiel da mesma parábola?

[48] Romanos 2:6, 7; 14:11, 12; Apocalipse 2:23, NM.

[49] Compare com o uso muito similar da palavra “quem” no Salmo 15:1-5.

[50] Lucas 12:48, NM.

[51] 1 Coríntios 4:1, 2, NM.

[52] 1 Coríntios 4:3-5, NM.

[53] Veja, por exemplo, A Sentinela de 15 de junho de 1982, páginas 21, 22.

[54] Confira 1 Tessalonicenses 4:15-18.

[55] Conforme indicado também pela parábola do vinhedo (Mateus 20:1-16), Cristo não recompensa as pessoas de modo diferente com base no período de tempo em que se empenharam no serviço dele. Na ilustração os trabalhadores que foram para a obra por último receberam o mesmo salário daqueles que começaram antes, de modo que todos foram “igualados”. Ele não deu menos aos derradeiros, mas tampouco deu a eles mais que aos outros. A Sentinela passa a impressão de que as pessoas que servem na época atual (o “restante”) receberam um prêmio especial que nenhum de seus antecessores poderia ter recebido. O livro Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, página 354, afirma que, já que Cristo em 1919 estava numa qualidade régia, “que não possuía quando estava aqui na terra, no primeiro século”, a “classe do escravo”, conseqüentemente, entrava de 1919 em diante num “serviço muito mais importante”, “uma honra maior”. Isso significaria que o serviço deles era de categoria mais elevada que a dos cristãos do primeiro século, que incluíam os próprios apóstolos!

[56] Tito 1:7, NM.

[57] Tito 1:9.

[58] 1 Timóteo 3:15.

[59] Compare com 1 Coríntios 12:4-31; Romanos 12:6-8.

[60] Lucas 19:15-19.

[61] De que outra forma pode alguém explicar que Cristo volta em 1914, mas adia a inspeção de seus servos por cinco anos até 1919? O que esteve ele supostamente fazendo durante esses cinco anos? E onde é que as Escrituras dizem algo que indique que ele suspenderia a prestação de contas com seus servos dessa maneira? É evidente que não há absolutamente nada que comprove isto. Mas tem de ser assim. Por quê? Porque é esta a explicação que se ajusta a certas facetas da história da organização e as aproveita. Se a prisão dos encarregados da Torre de Vigia e a libertação deles tivesse ocorrido em 1916 ou qualquer outra data, então a interpretação teria de coincidir com essa data, e essa data seria a da inspeção de Cristo. Aquilo que a organização faz ou que acontece a ela é que determina qual é o cumprimento dos textos bíblicos, e por extensão, qual é a programação do Amo.

[62] A Sentinela, 1º de julho de 1974, página 399; Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, páginas 241-247.

[63] Apocalipse 3:21, NVI.

[64] Romanos 8:17; Tiago 2:5.

[65] Mateus 24:48-51, NM.

[66] Tecnicamente, a expressão “escravo mau” aplica-se supostamente apenas a pessoas “ungidas” que deixam de submeter-se à autoridade da organização Torre de Vigia, mas é usada livremente para criticar qualquer pessoa que o faça, “ungida” ou “não ungida”.

[67] Para uma consideração cabal deste assunto veja O Sinal dos Últimos Dias – Quando? (em inglês, Commentary Press, 1987), páginas 229-236.

[68] Isaías 28:1, 7, 14-19.

[69] 3 João 9-11.

[70] Confira Eclesiastes 8:2-4.

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