Parte 2: A Tabuinha de Saturno

Cronologia Assíria, Babilônica e Egípcia

(Análise Crítica do Volume II do Livro Cronologia Assíria, Babilônica, Egípcia e Persa, Comparada com a Cronologia da Bíblia – Oslo, Noruega: Awatu Publishers, 2007)

Parte 2: A Tabuinha de Saturno BM 76738 + BM 76813

A Tabuinha de Saturno consiste de dois fragmentos, BM 76738 e BM 76813. Ela contém uma lista dos últimos e dos primeiros aparecimentos de Saturno durante um período de 14 anos consecutivos, a saber, os primeiros 14 anos do rei babilônico Kandalanu, cujos 22 anos de reinado são geralmente datados em 647-626 AEC. Conforme o exame abaixo vai demonstrar, a Tabuinha de Saturno é suficiente para estabelecer a cronologia absoluta dos primeiros 14 anos do reinado dele. Toda tentativa que a organização Torre de Vigia e seus apologistas fazem para acrescentar 20 anos à cronologia neobabilônica é efetivamente impedida por esta tabuinha.

O apologista da Torre de Vigia Rolf Furuli, de Oslo, Noruega, faz todo o esforço para se livrar das evidências fornecidas por esta tabuinha em seu livro sobre cronologia, intitulado Cronologia Assíria, Babilônica e Egípcia (Oslo: Awatu Publishers, 2007). A cronologia da Torre de Vigia, chamada por Furuli de “Cronologia de Oslo”, requer que o décimo oitavo ano de Nabucodonosor, no qual ele destruiu Jerusalém, seja datado em 607 AEC, em vez de 587 AEC. Isso também moveria o reinado de 21 anos do pai dele, Nabopolassar, 20 anos para trás, de 625-605 para 645-625. Como a Tabuinha de Saturno impede definitivamente qualquer mudança desse tipo, ela tem de ser reinterpretada de alguma maneira. Furuli percebeu que ele não pode simplesmente dispensá-la como não confiável, como ele faz com tantas outras tabuinhas astronômicas incompatíveis com a cronologia dele.

Para eliminar este problema, Furuli tenta argumentar que Nabopolassar e Kandalanu são a mesma pessoa. (Capítulo 12, págs. 193-209) Essa ideia será discutida com algum detalhe no final deste artigo, mas um dos problemas dela é que o primeiro ano de Kandalanu é fixado em 647 AEC, não em 645, como é exigido pela variação da cronologia da Torre de Vigia de Furuli (a “Cronologia de Oslo”). Para “resolver” este problema, Furuli argumenta que pode ter havido não um, mas dois anos de interregno antes do reinado de Nabopolassar. Ele também especula que “um escriba poderia ter contado o primeiro ano de reinado dele um ou dois anos antes de ele ter realmente começado!” (Página 340) Ele acaba adiantando o primeiro ano de Nabopolassar / Kandalanu em um ano, de 647 para 646, alegando que as observações na Tabuinha de Saturno podem ser aplicadas a este reinado alterado. Ele acredita que sua tabela E.2 nas páginas 338-9 apóia isso. Porém, conforme será demonstrado na consideração abaixo, não há qualquer evidência em apoio dessas idéias peculiares. A tabela dele apresenta erros graves do começo ao fim.

O planeta Saturno tem um período de translação de aproximadamente 29,46 anos, o que significa que ele retorna ao mesmo lugar entre as estrelas no mesmo momento do ano depois de duas vezes 29,46 ou quase 59 anos. Devido à translação da terra em torno do sol, Saturno desaparece por trás do sol por algumas semanas e reaparece novamente em intervalos regulares de 378,09 dias. Isto significa que sua última e primeira visibilidade ocorre apenas uma vez por ano no máximo, cada ano quase 13 dias depois em um ano solar de 365,2422 dias, e quase 24 dias depois em um ano lunar de 354,3672 dias (12 meses de 29,5306 dias), exceto, é claro, nos anos que têm um mês intercalar.

EXAME DAS INSCRIÇÕES PARA OS PRIMEIRO 7 ANOS (14 LINHAS)

Na tabuinha mencionada acima, cada ano é abrangido por duas linhas, uma para a última e outra para a primeira visibilidade do planeta. A tabuinha contém, então, 2 x 14 = 28 linhas. Como as linhas 3 e 4 são claramente datadas no 2º ano, o sinal danificado e ilegível para o número do ano nas linhas 1 e 2, refere-se obviamente, ao 1º ano do rei Kandalanu.

O texto das linhas 1 e 2:

1’ [Ano 1 de Kand]alanu, ‘mês’ […, dia …, último aparecimento.]

2’ [Ano 1, mê]s 4, dia 24, em fren[te de … Câncer, primeiro aparecimento.]

Comentários:

Como se poder ver, a última e primeira visibilidade de Saturno é datada no ano, mês e dia no calendário lunar dos babilônios. Como o mês lunar babilônico começava na noite da primeira visibilidade da lua depois da conjunção, há dois ciclos independentes entre si que podem ser combinados para testar a exatidão da cronologia: o ciclo de primeira visibilidade lunar de 29,53 dias, e o ciclo da visibilidade de Saturno de 378,09 dias. 57 ciclos de Saturno de 378,09 dias perfazem quase exatamente 59 anos solares. Conforme explicado por C. B. F. Walker, o tradutor da tabuinha:

“Um ciclo completo do fenômeno de Saturno em relação às estrelas leva 59 anos. Mas quando esse ciclo tem de ser harmonizado com o calendário lunar de 29 ou 30 dias então ciclos idênticos se repetem em intervalos de pouco mais de 17 séculos. Assim, não há qualquer dificuldade em determinar a data do presente texto.” – C. B. F. Walker, “As Observações Babilônicas de Saturno durante o Reinado de Kandalanu”, em N. M. Swerdlow (ed.), Astronomia Antiga e Divinação Celestial (Cambridge, Massachusetts e Londres: 1999), pág. 63. Grifo acrescentado. (O artigo de Walker, com foto, está disponível na internet:

http://www.caeno.org/_Eponym/pdf/Walker_Saturno% 20de% 20reign.pdf 20Kandalanu%).

O programa moderno usado aqui para descobrir a última e primeira visibilidade de Saturno e a primeira visibilidade da lua (esta última é comparada com os cálculos de Peter Huber, utilizados por C. B. F. Walker) é Planetary, Lunar, and Stellar Visibility 3, disponível no seguinte site:

http: www.alcyone.de=”” pvis=”” english=”” programpvis.htm”=””>http://www.alcyone.de/PVis/english/ProgramPVis.htm 

Conforme é explicado na introdução do programa, a datação exata da visibilidade de fenômenos antigos não é possível. Enquanto a margem de incerteza nos cálculos da primeira visibilidade da lua não é maior do que um dia, ela pode ser de vários dias para alguns planetas, devido às incertezas na arcus visionis, as variações na magnitude planetária, efeitos atmosféricos, clima e outras circunstâncias da observação. Para uma consideração detalhada das incertezas envolvidas, ver Teije de Jong, “As Primitivas Observações Babilônicas de Saturno: Considerações Astronômicas”, em Sob Um Céu. Astronomia e Matemática no Oriente Próximo Antigo, J. M. Steele e Annette Imhausen (eds.), (Münster: Ugarit-Verlag, 2002), págs. 175-192.

Esses fatores “podem introduzir uma incerteza de até cinco dias nas datas previstas.” (Teije de Jong, op. cit., pág. 177) Um desvio de até cinco dias entre os cálculos modernos e as antigas observações da visibilidade dos planetas no período que estamos lidando cai dentro da margem de incerteza. Isso não prova que a nossa cronologia para Kandalanu está errada. Nem indica que os antigos registros cuneiformes na tabuinha de Saturno são baseadas em cálculos retroativos em vez de observações, como afirma Rolf Furuli. Entretanto, uma diferença maior, de 6 dias ou mais, mostraria que algo está errado.

ANO 1 = 647 AEC NA CRONOLOGIA TRADICIONAL:

Linhas 1 e 2: Para 647 AEC – a data estabelecida para o 1º ano do reinado de Kandalanu – o programa mostra que a última visibilidade de Saturno ocorreu na noite de 14 de junho e a primeira visibilidade na manhã de 18 de julho. A data babilônica na linha 1 para a última visibilidade está danificada e ilegível. A data na linha 2 para a primeira visibilidade de Saturno, no entanto, é apresentada como mês 4, dia 24 no calendário lunar babilônico que, portanto, deve corresponder a 18 de julho no calendário juliano. Será que esta data do calendário juliano está em sincronia com a data do calendário lunar conforme indicado na tabuinha? Como o mês lunar babilônico começou na noite da primeira visibilidade lunar, devemos esperar que o dia 24 anterior a 18 de julho caiu em ou um dia próximo da primeira visibilidade lunar. O dia 24 antes de 18 de julho nos leva à manhã do dia 25 de junho de 647 AEC como sendo o dia 1 do 4º mês babilônico. Como o dia em Babilônia começou na noite do dia anterior, a noite de 24 de junho deve ter sido o momento da primeira visibilidade da lua depois da conjunção. E o nosso programa mostra que esse dia foi realmente o dia da primeira visibilidade lunar: tanto a data juliana da primeira visibilidade de Saturno como a data indicada do calendário lunar babilônico estão em harmonia.

ANO 1 NA CRONOLOGIA DE FURULI = 646 AEC:

Em sua cronologia revisada, Furuli não só afirma que Kandalanu era apenas outro nome para Nabopolassar. Ele também move o 1º ano de 647 para 646 AEC. Está essa mudança da data do 1º ano de reinado de acordo com o registro antigo e os cálculos modernos? Poderia C. B. F. Walker estar errado em afirmar que o fenômeno datado em Saturno, registrado na tabuinha, só se repete na mesma data no calendário lunar babilônico depois de mais de 17 séculos?

Linha 2: Em 646 AEC a primeira a visibilidade de Saturno ocorreu na manhã do dia 31 de julho. Se este foi o 24º dia do mês quatro babilônico, como diz o texto, o 1º dia do mês seria 24 dias antes de 31 de julho. Isto nos leva ao dia 8 de julho, e a noite anterior de 7 de julho seria o dia da primeira visibilidade lunar – caso a data alternativa de Furuli para o primeiro ano de reinado esteja correta.

Mas ela não se encaixa. Segundo o programa, o dia da visibilidade lunar antes de 31 de julho de 646 foi 13 de julho, e não 7 de julho. Este é um desvio de 6 dias, o que é muito. O próprio registro inicial na tabuinha contradiz a cronologia revisada de Furuli.

O texto das linhas 3 e 4:

3’ [A]no 2, mês 4, dia 10+ [x, …, último aparecimento.]

4’ [Ano 2, mê]s 5, danificado, na cabeça do Leão, primeiro aparecimento, não [observado?].

Comentários:

ANO 2 = 646 AEC:

Linha 3: Como se pode ver, ambas as datas estão danificadas. Mas se o 2º ano de reinado foi 646, como se defende convencionalmente, a última visibilidade de Saturno naquele ano ocorreu na noite de 28 de junho. Segundo o programa, a primeira visibilidade lunar anterior ocorreu na noite de 13 de junho, que assim correspondeu ao 1º dia do mês 4 babilônico. A última visibilidade de Saturno em 28 de junho, então, seria mês 4, dia 16 (= o “dia 10+” danificado) no calendário babilônico.

Linha 4: Conforme dito acima, a primeira visibilidade de Saturno em 646 ocorreu na manhã de 31 de julho e a primeira visibilidade lunar anterior caiu na noite de 13 de julho. Se 13 julho foi o 1º dia do mês 5 do calendário lunar, 31 de julho deve ter sido dia 18 (o número do dia “danificado”) no calendário lunar.

Não podemos saber com certeza se essas restaurações dos números danificados dos dias são bem corretas, mas não há nada no texto que as contradiga.

Afirma-se que Saturno estava “na cabeça do Leão [SAG UR-A]”, que “nos Diários de -380 em diante… designa ε Leonis.” (Walker, op. cit., pág. 72) Meu programa de astronomia mostra que Saturno neste momento estava quase na mesma longitude eclíptica (104,5º) de ε Leonis (104,0º), mas sua latitude estava aproximadamente 9º abaixo (ao sul) da estrela. Se a restauração da última parte da linha está correta (“não [observado?]”) a posição não foi observada, mas teve de ser calculada pelo erudito babilônico. Isso explicaria a posição latitudinal inexata.

FURULI: ANO 2 = 645 AEC:

Linha 3: O “ano 2” na cronologia revisada de Furuli é 645 AEC. Segundo nosso programa, a última visibilidade de Saturno em 645 caiu na noite de 10 de julho e a primeira visibilidade lunar anterior ocorreu na noite de 1º de julho. Como 1º de julho foi o dia um no calendário lunar, 10 de julho teria sido o dia 10 lunar. O número danificado do dia do texto (“10+”), porém, mostra que mais de 10 dias tinham se passado desde o dia 1º até a última visibilidade de Saturno. Se o número do dia restaurado foi “16”, conforme argumentado acima, isto seria um desvio de 6 dias da data verdadeira.

Linha 4: A primeira visibilidade de Saturno em 645 ocorreu na manhã do dia 12 de agosto. Se esse foi o dia 18 do mês 5 do calendário lunar (conforme argumentado acima), a primeira visibilidade lunar anterior na noite do dia 1 lunar teria ocorrido na noite de 25 de julho. Mas o programa mostra que a primeira visibilidade lunar ocorreu na noite de 31 de julho. Se o número restaurado do dia, 18, ​​está correto, isso é um desvio de 7 dias. Além disso, a posição de Saturno tampouco se coaduna com o texto. Enquanto a diferença de latitude entre Saturno e ε Leonis era a mesma que no ano anterior (cerca de 9º), a longitude eclíptica de Saturno na manhã de 12 de agosto era de 117,5º, ou seja, 12,5º atrás (a leste) da estrela (104,0º). Só isso já mostra que a data alternativa de Furuli para o “ano 2” é impossível.

O texto das linhas 5 e 6:

5’ [A]no 3, mês 4, dia 7, [último aparecimento.]

6’ [Ano 3], mês 5, dia 16, no Leão atrás do Rei (= α Leonis), [primeiro aparecimento]; ‘alto’.

Comentários:

ANO 3 = 645 AEC:

Linha 5: Como se pode ver, os meses babilônicos e os dias para o último e o primeiro aparecimento estão preservados. A data estabelecida para o 3º ano de Kandalanu é 645 AEC. Conforme dito acima, a última visibilidade de Saturno naquele ano ocorreu, segundo o nosso programa, na noite de 10 de julho e a primeira visibilidade lunar ocorreu na noite de 1º de julho. Como 1º de julho foi o dia um no calendário lunar, o “dia 7” no texto seria 7 de julho. No entanto, o programa data a última visibilidade de Saturno em 10 de julho, de modo que há um desvio de três dias, o que não é bom, mas é aceitável, pelas razões expostas anteriormente. O(s) astrônomo(s) babilônico(s) observou(aram) Saturno pela última vez no dia 7, embora o seu desaparecimento em si só tenha ocorrido três dias depois.

Linha 6: Segundo o programa, a primeira visibilidade de Saturno em 645 ocorreu na manhã do dia 12 de agosto, enquanto a primeira visibilidade lunar anterior ocorreu em 31 de julho após o pôr-do-sol. Se o dia um no calendário lunar começou na noite de 31 de julho, a observação de Saturno registrada no “dia 16” deve ter ocorrido na manhã de 16 de agosto. O programa, entretanto, data a primeira visibilidade de Saturno quatro dias antes, na manhã do dia 12 de agosto. Este desvio é grande, mas pode ser explicado. Na verdade, a razão parece ser dada pelo próprio observador de Babilônia, pela adição do sinal correspondente à palavra NIM, “alto”, no final da linha. A palavra indica que o planeta Saturno no dia de observação já estava tão alto acima do horizonte que o reaparecimento real tinha ocorrido alguns dias antes do “dia 16”, mas não tinha sido observado naquele momento, talvez devido às condições do tempo. C. B. F. Walker explica:

“NIM, alto: este termo indica que, quando observado pela primeira vez o planeta estava mais alto do que o normal acima do horizonte para a primeira visibilidade, levando à conclusão de que a primeira visibilidade teórica ocorreu um ou dois dias antes, mas não tinha sido observada. Ver Huber (1982), 12-13.” – Walker, op. cit. (1999), pág. 74.

Teije de Jong aponta que dos 28 registros na tabuinha “7 registros estão ilegíveis ou incompletos por causa dos danos no texto, enquanto 6 registros não são confiáveis ​​segundo as anotações dos observadores profissionais [de Babilônia] (‘Não foi observado’, ‘calculado’ ou “alto”, isto é, a visibilidade ocorreu alguns dias antes, presumivelmente por causa do céu nublado no dia em que se esperava a primeira visibilidade).” – T. de Jong, op. cit., pág. 178. Itálico acrescentado.

Se o reaparecimento real, embora não observado, de Saturno tinha ocorrido “alguns dias” antes do dia 16 no calendário lunar, a diferença de quatro dias seria reduzida em dois dias ou mais.

Diz-se que a posição de Saturno na manhã da observação (16 de agosto de 645) é “no Leão atrás do Rei (= α Leonis)”, o que está correto: O planeta estava 5º atrás (a leste de) α Leonis.

FURULI: ANO 3 = 644 AEC:

Linha 5: O “ano 3” na cronologia revisada de Furuli é 644 AEC. A última visibilidade de Saturno em 644 ocorreu na noite de 24 de julho, enquanto que, segundo nosso programa, a primeira visibilidade lunar antes dessa data ocorreu na noite de 20 de julho. Se o dia 1 lunar começou na noite de 20 de julho, a última visibilidade de Saturno no dia 7 do calendário lunar deveria ter ocorrido na noite de 26 de julho, dois dias depois do que é mostrado pelo programa. Este desvio seria aceitável se esta não tivesse sido a data da primeira visibilidade de Saturno no mesmo ano.

Linha 6: A primeira visibilidade de Saturno em 644 ocorreu na manhã de 25 de agosto, enquanto a primeira visibilidade lunar antes dessa data ocorreu na noite de 19 de agosto. Se esta última data foi o dia 1 lunar, a primeira visibilidade de Saturno na manhã do “dia 16” lunar teria ocorrido em 4 de setembro. Isso é 10 dias depois do que é mostrado pelo programa. Como a palavra “alto” no final da linha indica que o reaparecimento de Saturno ocorreu 2 ​​ou 3 dias antes do dia 16 lunar, conforme argumentado acima, isto ainda gera uma diferença de 7 ou 8 dias. Isso mostra mais uma vez que 644 AEC é uma alternativa impossível para o “Ano 3” de Kandalanu.

É verdade que Saturno neste momento estava “no Leão atrás do Rei (= α Leonis)”, mas a uma distância muito longa da estrela: quase 18º a leste de α Leonis e exatamente na frente de σ Leonis.

O texto das linhas 7 e 8:

7’ [Ano] ‘4’, no final do mês 4, último aparecimento, não observado (por causa) de nuvem.

8’ [Ano 4, mês 6?], dia [x], no meio do Leão primeiro aparecimento; alto.

Comentários:

ANO 4 = 644 AEC:

Linha 7: O ano 4 corresponde ao ano 644 na cronologia tradicional. Conforme dito acima, a última visibilidade de Saturno nesse ano ocorreu na noite de 24 de julho, e a primeira visibilidade lunar antes dessa data ocorreu na noite de 20 de julho. Embora esta última data tenha sido o dia 1 lunar, não era o dia um do mês lunar 4, e sim do mês 5. Então temos de voltar para a primeira visibilidade lunar anterior, na noite de 21 de junho. O “fim” deste mês teria ocorrido 29 ou 30 dias depois, o que nos leva a 19 ou 20 de julho. Uma dessas duas datas corresponde ao “final do mês 4”, segundo o texto. Isso seria 4 ou 5 dias antes do desaparecimento de Saturno na noite de 24 de julho. A razão para essa diferença é explicada na mesma linha como tendo sido o mau tempo: “não observado (por causa) de nuvem.” Como o evento não pôde ser observado, teve de ser calculado.

Linha 8: A primeira visibilidade de Saturno em 644 ocorreu em 25 de agosto. Infelizmente, o texto na tabuinha está tão danificado neste ponto, que nem o mês nem os números referentes aos dias são legíveis. A única informação na linha 8 que pode ser verificada por cálculos modernos, portanto, é a posição de Saturno, “no meio do Leão” (ina MURUB 4 UR-A). Sua posição na manhã de 25 de agosto era cerca de 1,3º na frente (a oeste de) σ Leão. Embora hoje isso seja na parte de trás da constelação de Leão, os babilônios incluíam também β Virgem como uma parte de Leão, chamando-a de GÌR ár šá A, “A pata de trás do Leão”. (A. Sachs / H. Hunger, Diários Astronômicos de Babilônia e Textos Relacionados [= ADT], Vol. I, 1988, pág. 18) Saturno, então, estava bem dentro de Leão, embora não exatamente no meio. Mas, conforme os comentários de C. B. F. Walker, “com toda a probabilidade ina MURUB 4 UR-A significa simplesmente dentro da constelação de Leão.” (Walker, op. cit., 1999, pág. 72)

FURULI: ANO 4 = 643 AEC:

Linha 7: O “ano 4” na cronologia revisada de Furuli é 643 AEC. Segundo o programa, a última visibilidade de Saturno em 643 ocorreu na noite de 5 de agosto e a primeira visibilidade lunar anterior ocorreu na noite de 10 de julho. Se 10 de julho foi o 1º dia do mês 4 no calendário lunar, o fim desse mês, 29 ou 30 dias depois, cairia na noite de 7 ou 8 de agosto. Isso seria dois ou três dias após a última visibilidade de Saturno. Como o evento não pôde ser observado, mas teve de ser calculado pelos astrônomos de Babilônia, isso seria aceitável se esta não fosse a posição de Saturno registrada na linha seguinte.

Linha 8: A primeira visibilidade de Saturno em 643 ocorreu na manhã do dia 6 de setembro. Conforme dito acima, a data danificada e ilegível na tabuinha é inútil. E quanto à posição de Saturno “no meio do Leão”, que, como vimos, corresponde ao ano 644? Será que ela também se ajusta ao ano 643? Não. Em 6 de setembro de 643 Saturno tinha se afastado de Leão em direção a Virgem, 3,3º atrás (a leste de) β Virgem. Mais uma vez, a cronologia revisada de Furuli discorda da tabuinha.

O texto das linhas 9 e 10:

9’ [Ano 5], mês 5, dia 23, último aparecimento.

10’ [Ano 5], fim do mês 6, primeiro aparecimento; ululu intercalar.

Comentários:

ANO 5 = 643 AEC:

Linha 9: O ano 5 corresponde ao ano 643 na cronologia convencional. Conforme dito acima, a última visibilidade de Saturno nesse ano ocorreu na noite de 5 de agosto e a primeira visibilidade lunar anterior ocorreu na noite de 10 de julho. Assim, se o dia um lunar começou na noite de 10 de julho, o “dia 23” no texto teria começado na noite de 1º de agosto. Isso é quatro dias antes do que mostra o programa para a última visibilidade de Saturno, indicando que o último aparecimento real de Saturno ocorreu poucos dias depois do que poderia ser observado pela última vez pelos astrônomos de Babilônia (talvez devido ao mau tempo).

Linha 10 : Conforme dito acima, a primeira visibilidade de Saturno em 643 ocorreu na manhã do dia 6 de setembro, o que corresponderia a “fim do mês 6”, como indicado na tabuinha. Então o início do 6º mês, 29 ou 30 dias antes, teria sido na noite de 7 ou 8 de agosto. E o programa confirma que a primeira visibilidade lunar ocorreu na noite de 8 de agosto – uma excelente combinação!

FURULI: ANO 5 = 642 AEC:

Linha 9: O ano 5 na cronologia revisada de Furuli é 642 AEC. A última visibilidade de Saturno em 642 ocorreu na noite de 18 de agosto segundo o programa (17 de agosto, segundo a tabela de C. B. F. Walker, op. cit., pág. 66). A primeira visibilidade lunar anterior ocorreu na noite de 28 de julho. Se este foi o dia 1 do mês lunar 5, “dia 23” teria sido 19 de agosto. A diferença é de 1 (ou 2) dias, o que é bem aceitável. Mas se isso terá qualquer valor real como prova, a primeira visibilidade também deve estar de acordo.

Linha 10: A primeira visibilidade de Saturno em 642 ocorreu na manhã de 19 de setembro (dia 18 na tabela de Walker). A primeira visibilidade lunar anterior ocorreu, segundo o programa, na noite de 27 de agosto. Como esse foi o dia um lunar, o “fim do mês 6”, 29 ou 30 dias depois, teria sido 24 ou 25 de setembro. A primeira visibilidade de Saturno teria sido na manhã seguinte, em 25 ou 26 de setembro, ou seja, 6 ou 7 (7 ou 8) dias depois do evento real em 19 (ou 18) de setembro, conforme mostrado pelo programa. Como isso está além da margem de incerteza, é inaceitável. A cronologia revisada de Furuli é mais uma vez refutada.

O texto das linhas 11 e 12:

11’ Ano 6, mês 5, dia 20, último aparecimento.

12’ [Ano 6], mês 6, dia 22, atrás da ‘pata traseira do’ Leão (= β Virgem), atrás de AN.GÚ.ME.MAR, primeiro aparecimento.

Comentários:

ANO 6 = 642 AEC:

Linha 11: O 6º ano de Kandalanu é datado em 642 AEC. A última visibilidade de Saturno naquele ano ocorreu na noite de 18 de agosto (17 de agosto na tabela de Walker). A primeira visibilidade lunar anterior ocorreu na noite de 28 de julho. Se este foi o dia 1 lunar, o “dia 20” do mês 5 teria começado na noite de 16 de agosto. Isso é apenas dois dias antes da data do programa (18 de agosto) e um dia antes da data na tabela de Walker (17 de agosto).

Linha 12: Conforme dito acima, a primeira visibilidade de Saturno em 642 ocorreu na manhã de 19 de setembro (dia 18 na tabela de Walker), e a primeira visibilidade lunar antes desta data ocorreu na noite de 27 de agosto. Se o dia 1 lunar começou na noite de 27 de agosto, o “dia 22” do mês 6 começou na noite de 17 de setembro, com a primeira visibilidade de Saturno ocorrendo na manhã seguinte, 18 de setembro. O desvio em relação à data do programa e à tabela de Walker é de 1 e 0 dias, respectivamente.

O texto diz que Saturno neste momento estava “atrás da ‘pata traseira do’ Leão (= β Virgem)”. É verdade que Saturno estava atrás (a leste de), mas estava bem atrás da estrela, cerca de 15,6º, e ainda estava 2,2º atrás de γ Virgem. Parece que o escriba confundiu as duas estrelas. A razão pode ser o fato de que Saturno estava também muito perto e alinhado com Mercúrio e Júpiter, de modo que o observador pode ter tido dificuldades em identificar a estrela de fraco brilho nas imediações dos três planetas. (Veja também os comentários de Walker, op. cit., pág. 73.)

FURULI: ANO 6 = 641 AEC:

Linha 11: O ano 6 na cronologia revisada de Furuli é 641 AEC. A última visibilidade de Saturno em 641 ocorreu na noite de 29 de agosto, e a primeira visibilidade lunar anterior em 15 de agosto, segundo o programa. Se este foi o dia 1 do mês lunar 5, o “dia 20” desse mês teria começado na noite de 3 de setembro, uma diferença de cinco dias em relação à fornecida pelo programa para a última visibilidade de Saturno.

Linha 12: A primeira visibilidade de Saturno em 641 ocorreu na manhã do dia 30 de setembro (Walker, 29 de setembro). A primeira visibilidade lunar anterior ocorreu na noite de 14 de setembro, segundo o programa. Se o dia 1 lunar começou na noite desse dia, o “dia 22” deve ter começado na noite de 5 de outubro, com a primeira visibilidade de Saturno ocorrendo na manhã seguinte, 6 de outubro. Isso é 5 (ou 6) dias depois do indicado pelo programa (e pela tabela de Walker).

Para piorar, Saturno não estava nem “atrás da ‘pata traseira do’ Leão (= β Virgem)”, como declarado no texto, nem nas imediações de γ Virgem. Ele estava quase exatamente na mesma longitude eclíptica de α Virgem (167,2º) e só 4º acima (ao norte) dela, porém mais de 14º atrás de γ Virgem e mais de 28º atrás de β Virgem! Claramente, isso não está de acordo com a posição registrada na tabuinha e refuta o ano 641 como sendo o 6º ano de Kandalanu.

O texto das linhas 13 e 14:

13’ Ano 7, mês 6, dia 10+(x), último aparecimento.

14’ [Ano 7], mês 7, dia 15, ‘na frente do’ Sulco (α+ Virgem), primeiro aparecimento.

Comentários:

ANO 7 = 641 AEC:

Linha 13: O 7º ano de Kandalanu é datado em 641 AEC. Conforme dito acima, a última visibilidade de Saturno naquele ano aconteceu na noite de 29 de agosto, com a primeira visibilidade lunar antes dessa data ocorrendo na noite de 15 de agosto. O número do dia está danificado, mas evidentemente é maior que 10. Se 15 de agosto foi o dia 1 no calendário lunar, a noite de 29 de agosto corresponderia ao início do dia de 15 do mês 6 babilônico. Não podemos saber com certeza, é claro, se esta é a reconstituição correta do número danificado referente ao dia, mas não há nada que fale contra isso.

Linha 14: Conforme dito acima, a primeira visibilidade de Saturno em 641 ocorreu na manhã do dia 30 de setembro (29 de setembro, segundo Walker). A primeira visibilidade lunar anterior ocorreu na noite de 14 de setembro. Sendo esse o início do dia 1 lunar, o “dia 15” (do mês 7) deve ter começado na noite de 28 de setembro, com a primeira visibilidade de Saturno ocorrendo na manhã seguinte, 29 de setembro. A diferença da data estabelecida pelo programa (e pela tabela de Walker) é 1 (ou 0) dias.

A posição de Saturno em sua primeira visibilidade em 29 de setembro foi, segundo a tabuinha “‘na frente do’ Sulco (α+ Virgem)”. Conforme explicado acima, o programa de astronomia mostra que Saturno neste momento estava quase exatamente na mesma longitude eclíptica de α Virgem (167,2º) e apenas 4º acima (ao norte) dela. Assim, não estava “na frente”, como o texto parece dizer. No entanto, o texto está um pouco danificado neste ponto e para mostrar isso, Walker colocou as palavras “na frente” (ina IGI) entre semi colchetes (algo como ⌐ na frente ¬). Poderia talvez o sinal danificado ser também reconstituído como “acima” (⌐ acima ¬)? Se isto for possível, o problema seria resolvido.

Outra possibilidade é que a visibilidade de Vênus e Saturno estavam confusas. Venus, de fato, estava 8º “na frente” (= a oeste) de α Virgem neste momento.

FURULI: ANO 7 = 640 AEC:

Linha 13: O ano 7 na cronologia revisada de Furuli é 640 AEC. A última visibilidade de Saturno em 640 ocorreu na noite de 10 de setembro, e a primeira visibilidade lunar anterior, na noite de 3 de setembro, segundo o programa. Isto faria com que o intervalo entre o 1º dia do mês lunar 6 (3 de setembro) e a última visibilidade de Saturno (10 de setembro), fosse de apenas 7 dias.

Isso entra em conflito com a tabuinha, que mostra que mais de 10 dias (“10 + [x]”) decorreram entre os dois eventos.

Linha 14: O programa mostra que em 640 AEC a primeira visibilidade de Saturno ocorreu na manhã de 12 de outubro (10 de outubro, segundo Walker). A primeira visibilidade lunar anterior ocorreu na noite de 3 de outubro. Se esse foi o início do dia um no calendário lunar, o “dia 15” do mês 7 teria começado na noite de 17 de outubro, com a primeira visibilidade de Saturno ocorrendo na manhã seguinte, 18 de outubro. Mas isso foi 6 dias depois da data estabelecida pelo programa (12 de outubro) e 8 dias depois da data de Walker (10 de outubro). Este desvio exclui o ano 640 como o 7º ano de Kandalanu.

A posição de Saturno é dada na tabuinha como “‘na frente do’ Sulco (α+ Virgem)”, que também parece entrar em conflito com a cronologia alternativa de Furuli. Sua posição em 12 de outubro e 10 (e ainda em 18 de outubro) de 640 era cerca de 12º atrás de α Virgem, não na frente, acima ou abaixo da estrela. Mas como os sinais estão um pouco danificados aqui, esta posição não é decisiva.

RESUMO E CONCLUSÃO

Os registros para os primeiros sete anos de Kandalanu foram examinados acima. Esta é a metade dos registros na tabuinha, a qual abrange 14 anos no total. Não há necessidade de cansar o leitor com uma consideração detalhada sobre os registros restantes. Os resultados para o período inteiro são apresentados nas duas tabelas abaixo. As tabelas mostram os resultados apenas para os registros com datas totalmente preservadas (15 das 28 linhas). A primeira tabela mostra como esses registros se comparam com a cronologia tradicional, e a segunda mostra como eles confrontam com as datas revisadas de Furuli.

Na coluna “Desvio” os resultados de C. B. F. Walker são dados entre parêntesis (W+/–).

TABELA 1

 

 

A TABUINHA DE SATURNO E A CRONOLOGIA TRADICIONAL

 

ANO AECVISIBILIDADEDESVIOPOSIÇÃO DE SATURNO
1 = 647primeira0 dias (W+1)texto danificado
3 = 645última-3 dias (W-3)correta (para a primeira visibilidade)
5 = 643última-4 dias (W-4)não fornecida (para a primeira visibilidade)
6 = 642última-2 dias (W-1) 
6 = 642primeira-1 dia (W)errada?
7 = 641primeira-1 dia (W)correta? (ligeiramente danificada)
8 = 640última-3 dias (W-3) 
8 = 640primeira-5 dias (W-2)correta
10 = 638última-4 dias (W-3) 
10 = 638primeira-1 dia (W+1)correta
11 = 637última-3 dias (W-2) 
11 = 637primeira-1 dia (W)correta
12 = 636primeira-3 dias (W-2)correta
13 = 635primeira  0 dias (W+1)correta
14 = 634última-3 dias (W-2)não fornecida (para a primeira visibilidade)

 

 

Comentários: Os desvios em todos os casos onde as datas estão preservadas se encontram todos dentro da margem de incerteza, no máximo 5 dias, segundo o programa da internet, e ainda menos segundo os cálculos de Peter Huber, usados por C. B. F. Walker. Onde as posições de Saturno são fornecidas e o texto está intacto, as posições estão corretas, exceto num caso (ano 6 = 642 AEC), onde o observador / escriba parece ter confundido β Virgem com γ Virgem.

TABELA 2

 

“CRONOLOGIA DE OSLO” DE FURULI

ANO AECVISIBILIDADEDESVIOPOSIÇÃO DE SATURNO
1 = 646primeira+6 diastexto danificado
3 = 644última+2 diaserrada
5 = 642última+1 dianão fornecida
6 = 641última+5 dias 
6 = 641primeira+5 diaserrada
7 = 640primeira+6 diaserrada? (ligeiramente danificada)
8 = 639última+1 dia 
8 = 639primeira+4 diaserrada
10 = 637última+4 dias 
10 = 637primeira+7 diaserrada
11 = 636última+4 dias 
11 = 636primeira+7 diaserrada
12 = 635primeira+4 diaserrada
13 = 634primeira+8 diaserrada
14 = 633última+6 diasnão fornecida

 

Comentários: 6 dos 15 desvios estão fora da margem de incerteza. Além disso, as posições de Saturno não se encaixam. Dos oito anos em que as posições registradas são legíveis, 7 estão claramente em conflito com a tabuinha, e o 8º pode estar errado, também. Este é o “ano 7” na cronologia de Furuli, e a posição registrada está ligeiramente danificada e pode ter sido parcialmente mal interpretada.

No ano 12, Saturno deveria ter estado “no início do Pabilsag [= Sagitário + parte de Ofiúco]”. Isso se encaixa no ano 636 AEC, mas não no ano 635 (data de Furuli para o ano 12). Conforme o estudo das tabuinhas astronômicas mostrou, a parte ocidental de Pabilsag incluía θ Ofiúco, que estava assim “no começo de Pabilsag”. (Um resumo da análise das constelações babilônicas e as estrelas associadas a elas pelos astrônomos de Babilônia está incluída em um Apêndice à parte em Ciências Astrais na Mesopotâmia, de Hermann Hunger & Pingree David, [Leiden-Boston-Köln: Brill, 1999], págs. 271-277.)

Em 635, no entanto, Saturno tinha se afastado de Ofiúco completamente, em direção ao centro de Pabilsag. No ano 13 Saturno estaria “no centro de Pabilsag”. Isso se ajusta ao ano 635 AEC, mas em 634 (a data de Furuli para o ano 13) Saturno tinha se afastado também do centro de Pabilsag e estava perto do extremo leste de Pabilsag.

A conclusão é que a tentativa que Furuli faz para adiantar em um ano o reinado de Kandalanu não pode ser comprovada astronomicamente. Sua cronologia revisada está demonstravelmente errada.

Mas, e quanto à tentativa de Furuli de identificar Kandalanu com Nabopolassar?

ERA KANDALANU OUTRO NOME PARA NABOPOLASSAR?

A “Cronologia de Oslo / Torre de Vigia” de Furuli requer que 20 anos sejam acrescentados à cronologia neobabilônica em algum momento depois do reinado de Nabucodonosor. Naturalmente, isto não recuaria só o reinado de Nabucodonosor em 20 anos. Recuaria também o reinado de 21 anos do pai dele, Nabopolassar em 20 anos, de 625-605 AEC para 645-625 AEC. Conforme já foi dito, tais mudanças são totalmente impedidas por várias tabuinhas astronômicas, incluindo a Tabuinha de Saturno. Para eliminar este problema, Furuli argumenta que Nabopolassar não era outro senão o próprio Kandalanu! Na nota 66 da página 56 ele diz:

“Na Crônica de Akitu encontramos uma descrição dos anos 16-20 de Samas-šuma-ukin. Em seguida, na linha 24, lemos ‘arki mKan-da-la-nu’ (traduzido tradicionalmente como ‘depois de Kandalanu’), seguido por ‘no ano de ascensão de Nabopolassar.’ A frase em acadiano que é traduzida como ‘depois de Kandalanu’ pode ser também traduzida como ‘depois Kandalanu’; assim temos ‘depois Kandalanu, no ano de ascensão de Nabopolassar.’ A frase também pode significar ‘este outro Kandalanu’ contrastando-o com algum Kandalanu anterior. Em ambos os casos, Kandalanu pode ser equiparado a Nabopolassar.”

Assim, Furuli não só afirma que Kandalanu era Nabopolassar, como também tenta argumentar que a frase arki Kandalanu se refere ao ano de ascensão dele. Ao argumentar isso, Furuli ignora o fato de que dois outros textos cuneiformes usam a mesma frase, arki Kandalanu, não para o ano de ascensão dele, e sim para uma contagem contínua artificial do reinado dele após sua morte! Conforme já considerado, a última destas tabuinhas é datada em shattu 22 kam arki Kandalanu, ou seja, “22 anos depois de Kandalanu.” – J. A. Brinkman & J. A. Kennedy, op. cit., pág. 49. Só isso já invalida o argumento de Furuli. Na página 16 do mesmo artigo Brinkman e Kennedy fornecem mais alguns exemplos deste método de datação póstuma. Veja também os comentários de Grant Frame em Babilônia 689-627 AEC. Uma História Política (Leiden: Nederlands Historisch-Archaeologisch Instituut te Istambul, 1992), págs. 287, 288.

Um segundo problema com a identificação de Furuli é que o “22º ano” póstumo de Kandalanu foi um ano de instabilidade, quando vários pretendentes ao trono lutavam pelo poder. A Lista de Reis de Uruque atribui 21 anos para Kandalanu e assinala o próximo ano para dois pretendentes assírios, Sin-shum-lishir and Sin-shar-ishkun. (TGR4, págs. 123-126) Da mesma forma, a Lista Babilônica de Reis A, que abrange o período desde a primeira dinastia de Babilônia até o começo da Dinastia Caldéia, mostra que Kandalanu foi seguido por Sin-Shum-lishir. Infelizmente a lista quebra neste ponto, mas parece provável que ela também mencionava Sin-shar-ishkun. – D. O. Edzard (ed.), Reallexikon der Assyriologie und vorderasiatische Archäologie, Vol. VI (Berlim, Nova Iorque: Walter de Gruyter, 1980), pág. 93.

O reinado de 21 anos de Nabopolassar, porém, não foi seguido por um período de agitação e de guerra em Babilônia. Pelo contrário, a Crônica Babilônica BM 21946 mostra que a transferência de poder de Nabopolassar para seu filho e sucessor, Nabucodonosor, foi pacífica e sem problemas. Essa parte da crônica diz:

“Durante 21 anos Nabopolassar governou Babilônia. On the eighth day of the month Ab [= month V] he died. No dia oito do mês de ab ele morreu. In the month Elul [= month VI] Nebuchadnezzar (II) returned to Babylon and on the first day of the month Elul he ascended the royal throne in Babylon.” (Grayson, ABC, págs. 99, 100) No mês de elul Nabucodonosor (II) retornou a Babilônia e no primeiro dia do mês de elul, ele ascendeu ao trono em Babilônia.” (Grayson, Crônicas Assírias e Babilônicas, págs. 99, 100; veja TGR4, págs. 118, 119)

Com a morte de Nabopolassar em 605 AEC o império assírio se foi, por isso não existiam reis assírios que poderiam tentar assumir o poder em Babilônia após sua morte. Os acontecimentos políticos após a morte de Kandalanu e a morte de Nabopolassar foram totalmente diferentes, o que prova mais uma vez que os dois reis não podem ter sido a mesma pessoa.

Por fim, os meses intercalares conhecidos dos reinados dos dois reis não batem, o que seria o caso se os dois nomes se referissem ao mesmo rei. Nas tabelas abaixo “U” significa “ululu II” (o segundo mês 6), e “A” significa “adaru II” (o segundo mês 12). A terceira coluna apresenta o número de tabuinhas que atestam os meses intercalares de cada ano que teve esses meses. Os pontos de interrogação na coluna 2 de Kandalanu indicam que não foi possível determinar se o mês intercalar no ano 2 de Kandalanu foi um segundo ululu ou um segundo adaru. Para o ano “13/14” dele, Walker acrescenta: “ano 13 12b ou ano 14 6b”.

KANDALANU
AnoU ou ANº. de tabuinhas
2(?)1
5U2
8U1
10A2
13/14(?)1
19U5
22x)U1
x)  22º ano de Kandalanu = Ano de ascensão de Nabopolassar
NABOPOLASSAR
AnoU ou ANº. de tabuinhas
2A3
5U3
7A4
10U5
12A4
15U4
18xx)U5
20A8
xx) Ano 19 de PD está errado. Veja Kennedy, Revista de Estudos Cuneiformes, 1986, pág. 211.

As tabelas se baseiam numa lista não publicada, elaborada por C. B. F. Walker. Minha cópia é de 18 de março de 1996. A lista de Walker mostra também um adaru II intercalar no 1º ano de Nabopolassar, com base na lista de D. A. Kennedy na Revista de Estudos Cuneiformes, Vol. 38, 1986, pág. 179, T.1.14 e pág. 222. Mas depois da conferência feita em 1990, Walker me disse que o nome real é Nabonido, não Nabopolassar, como indicado na lista de Kennedy. (Carta de Walker a Jonsson, 13 de novembro de 1990) Walker simplesmente esqueceu de remover essa tabuinha da sua própria lista.

Como as tabelas mostram, os dois reis tiveram apenas um mês intercalar em comum, datado claramente: o ululu II do ano 5. Se o mês intercalar no ano 2 de Kandalanu foi um adaru II, isto aumentaria o número para dois. Mas, ainda assim, a maioria dos meses intercalares dos dois reinados não batem. Este fato em si desmente definitivamente a teoria de Furuli de que os dois reis eram a mesma pessoa.

Em resumo, a consideração acima demonstrou que a cronologia revisada de Furuli para Kandalanu e Nabopolassar é astronômica e historicamente insustentável e tem de ser rejeitada.

ADENDO À PARTE II DE MINHA ANÁLISE CRÍTICA: A TABUINHA DE SATURNO BM 76738 + 76813

Conforme considerado acima, Rolf Furuli tenta neutralizar a evidência apresentada pela Tabuinha de Saturno do reinado de Kandalanu argumentando que Kandalanu e Nabopolassar eram a mesma pessoa. Esta ideia já foi refutada acima. Mas um dos argumentos usados por Furuli não foi tratado. Nas páginas 329-331 de seu segundo livro Furuli questiona a reconstituição que Chris Walker fez do nome do rei na linha 1 do anverso, como “(Kand)alanu”. (C. B. F. Walker, “Observações Babilônicas de Saturno Durante o Reinado de Kandalanu”, em N. M. Swerdlow (ed.), Astronomia Antiga e Divinação Celestial, Londres: Editora do MIT, 1999, págs. 61-76) Walker restaura / translitera / traduz a linha 1 da seguinte maneira:

1′ [MU 1-KAM kan-d)a-⌐la-nu ITU¬-[x U4 x-KAM ŠÚ]

1′ [Ano 1 de Kand]alanu, ⌐ mês ¬ […, dia …, último aparecimento.]

Furuli, porém, afirma que (o sinal para) nu na linha 1 “parece mais com [o sinal para] pap” e argumenta:

“Se o sinal da linha 1 é pap, o nome do rei poderia ser dIBILA.PAP (Nabopolassar) em vez de Kan-da-la-nu. O espaço do pedaço que está quebrado na linha 1 e a pequena parte do sinal visível antes do sinal de pap ou nu comprovam ambos os nomes.” (Furuli, pág. 331)

Está correto isso? Poderiam as “observações” de Furuli ser confiáveis? Um dos meus correspondentes encaminhou as declarações de Furuli a um assiriologista profissional e perito em escrita cuneiforme, o Dr. Jon Taylor, do Museu Britânico, e pediu-lhe para verificar a linha 1′ na tabuinha original. Num e-mail de 28 de agosto de 2008, o Dr. Taylor respondeu:

“Prezado …,

com o texto quebrado é sempre um pouco difícil fazer afirmações taxativas. Todavia, as marcas permitem-me dizer o seguinte:

1) o último sinal do nome é um NU perfeitamente legível; pode-se comparar com outros exemplos de NU neste texto. Ele não corresponde às marcas que normalmente se esperariam para PAP.

2) o sinal anterior se ajusta às marcas de LA. Ele não se ajusta  às marcas de IBILA.

Face ao exposto, Kandalanu é a leitura mais razoável. Não posso imaginar uma escrita que permitiria ler Nabopolassar.

Atenciosamente,

Jon”

Imagem: Foto da NASA – Junho de 2017. Crédito: D. Peach, E. Kraaikamp, F. Colas, M. Delcroix, R. Hueso, G. Therin, C. Sprianu, S2P, IMCCE, OMP.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *