Parte 1: O Diário Astronômico VAT 4956

Cronologia Assíria, Babilônica e Egípcia

(Análise Crítica do Volume II do Livro Cronologia Assíria, Babilônica, Egípcia e Persa, Comparada com a Cronologia da Bíblia – Oslo, Noruega: Awatu Publishers, 2007)

Nota Prévia: Até o momento dessa tradução, nenhum dos dois livros do apologista da Torre de Vigia Rolf Furuli foi publicado em português. A numeração das páginas do segundo livro dele, citadas ao longo das cinco partes desta análise, refere-se à edição em inglês. O mesmo vale para diversas obras de outros pesquisadores. As referências ao livro do autor, Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, são da edição em português (publicada em 2008).

O livro de Rolf Furuli sobre cronologia, Cronologia Assíria, Babilônica e Egípcia (Oslo, Noruega: Awatu Publishers, 2007) tem 368 páginas. O Capítulo 6 (páginas 94-123) e o Apêndice C (páginas 266-325) que têm, em conjunto, 90 páginas, ou aproximadamente 25 por cento do livro, são dedicados a tentar neutralizar a evidência fornecida pela tabuinha cuneiforme VAT 4956, datada do 37º ano de Nabucodonosor II.

A VAT 4956 é um dos chamados “diários” astronômicos. Ela registra as posições da lua e dos cinco planetas visíveis a olho nu, observadas durante o 37º ano de Nabucodonosor. Cerca de 30 destes registros estão tão bem preservados que podem ser conferidos por cálculos modernos. Estes cálculos confirmam que o 37º ano de Nabucodonosor corresponde ao ano 568/567 AEC (de primavera a primavera do hemisfério norte.)

Para uma descrição detalhada desta tabuinha cuneiforme e de sua importância para a cronologia absoluta do período neobabilônico, veja as páginas 185 a 195 de meu livro Os Tempos dos Gentios Reconsiderados.

FOI A VAT 4956 “FALSIFICADA” NOS TEMPOS MODERNOS?

Furuli dedica uma parte substancial de sua consideração argumentando que os sinais cuneiformes na tabuinha foram “falsificados deliberadamente” nos tempos modernos. Especificamente, ele afirma que os sinais para “ano 37” no começo do texto na linha 1 do anverso da tabuinha e os sinais para “ano 38” e “ano 37” nas linhas finais da borda inferior do reverso parecem ter sido “inseridos” por alguém nos tempos modernos. Ele alega também que os sinais correspondentes ao nome “Nabucodonosor” na linha 1 do anverso foram manipulados. Depois de uma longa análise, Furuli apresenta a seguinte hipótese nas páginas 285, 286:

“Uma consideração sobre os dados acima, junto com a história incomum da publicação da tabuinha leva-nos à seguinte hipótese: A VAT 4956 é uma tabuinha cuneiforme autêntica que foi copiada de tabuinhas mais antigas em um dos últimos séculos AEC. Ela chegou ao Vorderasiatische Museum em Berlim por volta de 1905 como um único bloco. Alguém descobriu que a tabuinha era extremamente importante porque continha as observações astronômicas mais antigas até então. Estas observações pareciam corresponder ao 37º ano de Nabucodonosor II conforme a cronologia de Ptolomeu, mas faltava uma conexão clara com Nabucodonosor II. Com o fim de tornar esta conexão perfeitamente clara, alguém que trabalhava com a tabuinha utilizou uma máquina fragmentadora moderna sobre a borda da tabuinha, inserindo assim os sinais para ‘ano 37’ e ‘ano 38.’ A primeira linha com o nome do rei foi também manipulada. Devido à vibração, a tabuinha se quebrou em três pedaços, que foram colados. Descobriu-se que a correspondência dos sinais em ambos os lados do ponto quebrado no lado reverso não estava perfeita, e usou-se a máquina fragmentadora para tentar remediar isto. Se esta hipótese é correta, uma conexão direta com os anos 37 e 38 de Nabucodonosor II não se encontrava originalmente na tabuinha, mas as observações lunares são genuínas, ao passo que as posições planetárias são provavelmente cálculos retroativos.

Nas páginas 295-324, Furuli discute o conteúdo astronômico registrado na tabuinha. Ele acha que as posições planetárias como um todo se ajustam ao ano 568/567 AEC, mas alega que as 13 posições lunares se ajustam melhor ao ano 588/587 AEC. De modo que ao final do Apêndice, nas páginas 324 e 325, ele tira as seguintes conclusões: 

 “As principais conclusões que seguem podem ser tiradas com base na discussão sobre a VAT 4956: O diário é muito provavelmente uma tabuinha genuína feita no período selêucida, mas em tempos modernos alguém falsificou alguns dos sinais cuneiformes. Devido à excelente correspondência de todas as 13 posições lunares com o ano 588/87, há bons motivos para acreditar que as posições lunares representam as observações daquele ano, e que a tabuinha original que foi copiada no período selêucida foi feita em 588/87. Pelo fato de tantas posições planetárias estarem aproximadamente corretas, mas não completamente corretas, há bons motivos para acreditar que elas representam os cálculos retroativos feitos por um astrólogo que acreditava que 568/67 foi o 37º ano de Nabucodonosor II. Assim, as posições lunares parecem ser observações originais de 588/87, e as posições planetárias são cálculos retroativos para as posições dos planetas em 568/67.”

O que dizer da alegação de que alguém nos tempos modernos “falsificou” os sinais na tabuinha e, usando “uma máquina fragmentadora moderna sobre a borda da tabuinha”, inseriu os sinais para ‘ano 37’ e ‘ano 38’ nela? Furuli propõe esta ideia como uma “hipótese”, já que ele sabe muito bem que não pôde apresentar qualquer prova em apoio da ideia. 

Segundo a hipótese de Furuli, o suposto falsificador dos tempos modernos não só inseriu os sinais para “ano 37” e “ano 38” na borda da tabuinha. Ele também inseriu os sinais para “ano 37” e “manipulou” os sinais do nome do rei, ou seja, Nabucodonosor, no início da linha 1 do anverso. A primeira pergunta é: Como ele poderia ter feito isso, se não havia espaço algum no começo da linha para adicionar qualquer coisa?

Se havia outra data e um nome de rei diferente na tabuinha original, o falsificador moderno teria primeiro de remover estes sinais (com a suposta máquina fragmentadora?) antes de inserir os sinais da nova data e os sinais das mudanças do nome do rei na tabuinha. Mas uma substituição desse tipo, dos sinais que estavam na linha 1 por outros, jamais poderia ter sido feita sem deixar marcas claras (por exemplo, depressões na tabuinha) no começo da linha. Não existe qualquer marca. Os sinais parecem muito genuínos. Conforme um especialista em escrita cuneiforme indicou:  

“Qualquer pessoa familiarizada com escrita cuneiforme pode perceber que ‘ano 37’ e ‘ano 38’ foram registrados por uma escriba experiente. Nenhuma pessoa na era moderna conseguiria arranhar (em argila seca!) sinais com tanta aparência de autenticidade.” (Comunicação entre Hermann Hunger e C. O. Jonsson, 8 de janeiro de 2008) 

Outro problema da hipótese de Furuli é a identificação desse suposto falsificador moderno das datas e do nome do rei na tabuinha. A primeira tradução da tabuinha foi a de Paul V. Neugebauer e Ernst Weidner, cuja tradução, junto com um exame astronômico e uma consideração sobre ela foram publicadas lá em 1915. (“Ein astronomischer Beobachtungstext aus dem 37. Jahre Nebukadnezars II. (– 567/66)” [Um Texto de Observação Astronômica do 37º Ano de Nabucodonosor II. (– 567/66)], Berichte über die Verhandlungen der königlich sächlichen Gesellschaft der Wissenschaften zu Leipzig. Philologisch-historische Klasse. 67. Band. Leipzig: B. G. Teubner, 1915) 

Conforme o artigo de Neugebauer e Weidner mostra claramente, a data e o nome do rei (“ano 37 de Nabucodonosor”) já estavam na tabuinha em 1915 quando eles a estavam examinando. Devemos acreditar que estes dois eruditos eram falsificadores, que cooperaram entre si para remover alguns dos sinais originais sobre a tabuinha e substituí-los por sinais de sua própria escolha? Até Furuli admite que “não posso imaginar que algum cientista trabalhando com a tabuinha no Vorderasiatische Museum tenha cometido fraude.” (Furuli, pág. 285) Ele não tem a menor ideia sobre quem possa ter sido o suposto falsificador, ou como foi que ele (ou ela) conseguiu mudar os sinais na linha 1 sem deixar qualquer rastro da falsificação na tabuinha.  

Por fim, a hipótese de Furuli é auto-contraditória. Se é verdade que as posições planetárias “representam os cálculos retroativos feitos por um astrólogo que acreditava que 568/67 foi o ano 37 de Nabucodonosor II” e se é verdade que “a tabuinha original que foi copiada no período selêucida foi feita em 588/87”, o qual Furuli defende ser o 37º ano de Nabucodonosor, então o astrólogo/copista deve ter datado a tabuinha no 37º ano de Nabucodonosor desde o princípio! De modo que nenhuma manipulação moderna da data teria sido necessária. 

A hipótese de Furuli é simplesmente insustentável. A única razão para ele sugerir isso é a necessidade desesperada de se livrar de uma tabuinha que derruba inexoravelmente sua “Cronologia de Oslo [= Cronologia da Torre de Vigia]” e estabelece firmemente a cronologia absoluta para o reinado de Nabucodonosor II (604-562 AEC.) 

Conforme é discutido no capítulo 4 de meu livro Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, existem pelo menos nove outras tabuinhas astronômicas que evidenciam a mesma coisa. As tentativas inúteis de Furuli de contradizer o enorme conjunto de provas fornecidas por estas outras tabuinhas astronômicas serão consideradas em outra parte desta revisão crítica. 

A questão que será discutida aqui é a alegação de Furuli de que as posições lunares que foram observadas no 37º ano de Nabucodonosor e estão registradas na VAT 4956 se ajustam mais ao ano 588/587 do que ao ano 568/567 AEC.

SERÁ QUE AS POSIÇÕES LUNARES REGISTRADAS NA VAT 4956 SE AJUSTAM MELHOR AO ANO 588/587 DO QUE AO ANO 568/567 AEC?

Na contracapa de seu livro, Rolf Furuli declara que a conclusão de seu estudo é que “os dados lunares na tabuinha [VAT 4956] se ajustam melhor a 588 do que a 568 AEC, e que este é o 37º ano de Nabucodonosor II.” O que dizer desta afirmação?

Um exame cuidadoso de todas as posições lunares legíveis registradas neste “diário” astronômico prova que a afirmação é falsa. Quase nenhuma das posições lunares registradas na VAT 4956 se ajusta ao ano 588/587 AEC, ao passo que quase todas elas se ajustam de maneira excelente a posições lunares no ano 568/567 AEC.

O software de astronomia utilizado para este exame é o SkyMap Pro 11.04, de Chris Marriott, que usa a moderna teoria lunar ELP2000-82B completa. O valor “delta-T” usado para o movimento de aceleração secular da lua é de 1,7 milissegundos por século, que é o resultado da extensa pesquisa apresentada por F. Richard Stephenson em sua obra  Eclipses Históricos e a Rotação da Terra (Cambridge, 1997). De modo que o programa usado mantém alta precisão para os períodos do passado distante, o que não é verdadeiro no caso de muitos outros softwares de astronomia modernos.

Aproximadamente um ano antes da publicação do livro de Furuli no outono setentrional de 2007, eu tinha examinado a afirmação dele (que ele tinha publicado oficialmente antes) e descobri que nenhuma das posições lunares se adapta ao ano 588/587 AEC. Compartilhei a primeira metade de meus resultados com alguns dos meus correspondentes. Naquele momento eu não sabia que Furuli não só move o 37º ano de Nabucodonosor 20 anos para trás até 588/587 AEC, como também move o 37º ano aproximadamente um mês adicional para frente no calendário juliano, o que realmente faz o mês cair num momento bem posterior daquele ano. A razão para isso é a seguinte:

No anverso, linha 17, a VAT 4956 diz que no dia 15 do mês III (simanu) houve um “eclipse lunar que foi omitido.” A frase faz referência a um eclipse que tinha sido calculado antecipadamente para ser invisível no horizonte de Babilônia.

Na página 126 de seu livro, Furuli explica que ele usou este registro de eclipse como “ponto de partida” para mapear “os anos de reinado, os meses intercalares, e o começo de cada mês no reinado de Nabucodonosor II, tanto do ponto de vista de 568/67 como de 588/87 AEC, como representando o seu 37º ano.”

Na data tradicional para o 37º ano de Nabucodonosor, este eclipse pode ser facilmente identificado com o eclipse de 4 de julho de 568 (calendário juliano). Assim, a data babilônica “dia 15 do mês III”, corresponde a 4 de julho de 568 AEC. Partindo dessa data, podemos contar para trás até o dia 1º do mês III, que deve ter sido o dia 20/21 de junho (de pôr-do-sol a pôr-do-sol) de 568. Como a tabuinha mostra, além disso, que o mês anterior, o mês II (ayaru) teve 29 dias e o mês I (nisanu) teve 30 dias, é fácil inferir que o dia 1º de ayaru caiu em 22/23 de maio de 568, e o dia 1º de nisanu (isto é, o primeiro dia do 37º ano) caiu em 22/23 de abril de 568 AEC.

Se movermos o 37º ano de Nabucodonosor 20 anos para trás, até 588/87 AEC, segundo a “Cronologia de Oslo” alternativa de Furuli, veremos que neste ano também houve um eclipse lunar que não poderia ter sido visto no horizonte em Babilônia. Ele ocorreu no dia 15 de julho de 588 AEC. Segundo Furuli, este é o eclipse que a VAT 4956 data no dia 15 do mês III (simanu.). Contando para trás a partir de 15 de julho, Furuli data o dia 1º do mês III em 30 de junho de 588, o dia 1º do mês II (ayaru) em 1º de junho de 588, e o dia 1º do mês I (nisanu) em 1º de maio. (Em suas considerações e/ou cálculos ele fica se alternando de maneira inconsistente entre os dias 1º, 2 e 3 de maio.)

Há diversos problemas com as datas de Furuli. O primeiro problema é que o primeiro dia do ano babilônico, 1º de nisanu, nunca começou num momento tão tardio do ano como o mês de maio! Conforme mostram as tabelas nas páginas 27-47 do livro A Cronologia Babilônica, de R. A. Parker & W. H. Dubberstein (Editora da Universidade Brown, 1956) ao longo do período considerado de 700 anos (626 AEC – 75 EC) o dia 1º de nisanu não começou no mês de maio nem sequer uma vez. O mesmo é verdade no caso  dos meses seguintes: O dia 1º de ayaru nunca começou tão tardiamente quanto 1º de junho, e o dia 1º de simanu nunca começou tão tardiamente quanto 30 de junho. Só por esta razão o eclipse lunar que a VAT 4956 data no dia 15 do mês III não pode ter sido o de 15 de julho de 588 AEC! Este eclipse deve ter caído no meio do mês IV do calendário babilônico. De modo que o “ponto de partida” de Furuli para sua “Cronologia de Oslo” está claramente errado.

É bem interessante que o eclipse lunar de 15 de julho de 588 AEC foi registrado pelos babilônios em outra tabuinha cuneiforme, a BM 38462, que é a de Nº. 1420 no catálogo LBAT, de A. Sachs, e a de Nº. 6 nos Diários Astronômicos de Babilônia e Textos Relacionados (ADT), de H. Hunger, Vol. V (Viena, 2001.) Eu fiz uma consideração sobre esta tabuinha nas páginas 212-215 de meu livro, Os Tempos dos Gentios Reconsiderados. A força da evidência cronológica desta tabuinha é tão decisiva quanto a da VAT 4956. Ela contém relatórios anuais de eclipses lunares, desde o 1º ano até pelo menos o 29º ano de reinado de Nabucodonosor (604/603 – 576/575 AEC.). As partes preservadas da tabuinha contêm tantos quantos 37 registros de eclipses, dos quais 22 foram previstos, 14 observados e um que é incerto.

A parte que contém o registro do eclipse de 15 de julho de 588 AEC (anverso, linhas 16-18) é datada no ano 17, não no ano 37 de Nabucodonosor! Este trecho relata dois eclipses lunares naquele ano, um “omitido” e um observado. O primeiro deles, o “omitido”, que se refere ao eclipse de 15 de julho de 588, é datado no mês IV (duzu), não no mês III (simanu). Portanto, ele não pode ser o eclipse que a VAT 4956 data no mês III. Que este eclipse é realmente o de 15 de julho de 588 é confirmado pelas informações detalhadas que se dão sobre o segundo eclipse lunar, o observado, que é datado no mês X (tebetu) do ano 17. Os detalhes sobre a hora e a magnitude ajudam a identificar este eclipse além de qualquer dúvida razoável. O trecho inteiro diz, segundo a tradução de H. Hunger no ADT V, página 29:

“[Ano] 17, mês IV, [omitido.]

 [Mês] X, dia 13, vigília da manhã, 1 beru 5º [antes do nascer do sol?]

 Toda ela foi coberta. [Foi eclips]ada.”

O segundo eclipse, no mês X – seis meses depois do primeiro – ocorreu em 8 de janeiro de 587 AEC. De modo que esta data corresponde ao dia 13 do mês X no calendário babilônico. Isto concorda com as tabelas de Parker & Dubberstein, que mostram que o dia 1º do mês X (tebetu) caiu em 26/27 de dezembro de 588 AEC. Os babilônios dividiam o dia de 24 horas em 12 beru ou 360 USH (graus), assim um beru correspondia a duas horas e 5 USH (= graus de quatro minutos cada um) correspondiam a 20 minutos. Segundo a tabuinha, então, este eclipse começou 2 horas e 20 minutos antes do nascer do sol. Foi um eclipse total (“Toda ela foi coberta”) e “[foi eclips]ada”, isto é, o eclipse terminou depois que a lua se pôs. O que os cálculos modernos deste eclipse mostram?

Meu programa de astronomia mostra que o eclipse de 8 de janeiro de 587 AEC começou “na vigília da manhã” às 04h51min, e o nascer do sol ocorreu às 07h12min . De modo que o eclipse começou 2 horas e 21 minutos antes do nascer do sol – exatamente como a tabuinha diz. A diferença de um minuto não é real, já que o USH (grau equivalente a 4 minutos) é a unidade de tempo mais curta usada neste texto. [Naturalmente o USH não era a unidade de tempo mais curta dos babilônios, pois eles também dividiam o USH em 12 “dedos” de 20 segundos cada.] A totalidade do eclipse começou às 05h53min e terminou às 07h38min. Já que a lua se pôs às 07h17min segundo meu programa, o eclipse ainda era total no momento em que a lua desapareceu. Assim a lua “se pôs enquanto estava eclipsada.”

Furuli tenta se esquivar do peso enorme da evidência fornecida por esta tabuinha em apenas umas poucas afirmações bem confusas na página 127 do livro dele. Ele alega erroneamente que os muitos eclipses registrados “ocorreram no mês anterior ao que eles eram esperados, exceto num caso em que o eclipse pode ter ocorrido dois meses antes.” Não há a menor parcela de verdade nesta declaração. Tanto os eclipses previstos como os observados estão de acordo com os cálculos modernos. Esta declaração se baseia nos erros grosseiros que ele comete na página anterior de seu livro, onde ele identifica de maneira errada os meses da LBAT 1421, com resultados desastrosos para os seus cálculos.

No exame abaixo, as posições lunares registradas na VAT 4956 são testadas tanto para o ano 568/567 AEC, que é geralmente aceito como o 37º ano de Nabucodonosor, como para as datas alternativas de Furuli em 588/587 AEC, conforme apresentadas nas páginas 295-325 do livro dele.

Furuli testou também as posições lunares para o ano 586/585 AEC, um período saros (223 meses, ou 18 anos + aproximadamente 11 dias) anterior a 568/567. Como o próprio Furuli rejeita este ano como não tendo qualquer lugar em sua “Cronologia de Oslo”, eu também vou ignorá-lo, assim como todos os seus cálculos para esse ano (os quais, de qualquer maneira estão longe de estarem corretos na maioria dos casos.)

O registro da primeira posição lunar no anverso da VAT 4956, linha 1, diz: 

(1) Linha 1 do anverso: “Ano 37 de Nabucodonosor, rei de Babilônia. Mês I (o 1º dia do qual foi idêntico com) o dia 30 (do mês anterior), a lua se tornou visível atrás do Touro do Céu.”

1º de nisanu = 22/23 de abril de 568 AEC:

A informação de que o 1º do mês I (nisanu) foi idêntico ao dia 30 do mês anterior é fornecida para mostrar que o mês lunar anterior (adaru II do ano 36, conforme mostrado também no anverso da linha 5 de nosso texto) só teve 29 dias. Em 568 AEC o dia 1º de nisanu caiu em 22/23 de abril (da noite de 22 até a noite de 23) no calendário juliano. Depois do pôr-do-sol (por volta das 18h30min) e antes de a lua se por (por volta das 19h34min) de 22 de abril, a nova lua se tornou visível a cerca de 5,5º a leste (= atrás) de α Touro, a estrela mais brilhante da constelação de Touro (o “Touro do Céu”). Isto é próximo o bastante da posição fornecida na tabuinha.

A data de Furuli: 1º de nisanu = 1º, 2 e 3 de maio de 588 AEC:

Em 588 AEC o dia 1º de nisanu caiu em 3/4 de abril, segundo os cálculos modernos da primeira visibilidade da nova lua depois da conjunção. Entre o pôr-do-sol (aproximadamente às 18h18min) e o pôr da lua (aproximadamente às 19h14min) de 3 de abril, a nova lua se tornou visível na extremidade ocidental da constelação de Touro, aproximadamente 14º a oeste (= em frente) de α Touro. Assim a lua não estava claramente atrás da constelação de Touro nesse momento. Portanto, esta posição não se ajusta à que está especificada na tabuinha.

Porém, conforme foi dito acima, Furuli move o 1º de nisanu de 588 para aproximadamente um mês à frente no calendário juliano, medida que é exigida devido ao fato de ele identificar o eclipse lunar datado no mês III na tabuinha com o eclipse de 15 de julho de 588. (Furuli, pág. 296) Isto moveria o 1º de nisanu para 3/4 de maio de 588 AEC, uma data praticamente impossível, já que toda a evidência disponível mostra que o 1º de nisanu nunca caiu num momento tão tardio no calendário juliano, seja no período neobabilônico, seja em qualquer período anterior. Mas Furuli vai além e comete um erro ainda mais grave em conexão com este reposicionamento do dia 1º de nisanu.

Na página 311 de seu livro, Furuli declara explicitamente que, “Para correlacionar o calendário babilônico com o calendário juliano, eu tomo como ponto de partida que cada mês se inicie com a visão da nova lua.” Ele prossegue explicando que, devido às más condições do tempo, o mês poderia às vezes “começar um dia depois da nova lua.” Apesar deste declarado (e bem correto) ponto de partida, em sua consideração sobre as posições planetárias na página 296, Furuli data o 1º de nisanu de 588, não em 3/4 de maio, e sim em 1º de maio. Ele parece não ter percebido que esta não era a data da visão da nova lua depois de conjunção. Pelo contrário, esta data não só antecedeu a primeira visão da nova lua em dois dias, como também a data de conjunção (o momento da invisibilidade lunar) em um dia!

Depois, no começo de sua consideração sobre as posições lunares na página 312, Furuli parece ter descoberto que a data 1º de maio é problemática, porque ele, de repente e sem qualquer explicação, move o começo de 1º de nisanu de 588 para a frente, primeiro do dia 1º de maio para a noite de 3 de maio, e depois, na tabela ao pé da página, para a noite de 2 de maio! É claro que essas manipulações da data juliana para o 1º de nisanu são inadmissíveis. Ninguém pode ter três datas diferentes para 1º de nisanu no mesmo ano!

Na realidade, a conjunção ocorreu em 2 de maio, aproximadamente às 03h39min, hora local. (Luas Novas e Cheias – 1001 A.C. a 1651 A.D., de Herman H. Goldstein.  Filadélfia: Sociedade Filosófica Americana, 1973, pág. 35) Mas isto não quer dizer que a nova lua se tornou visível nesse dia à noite, depois do pôr-do-sol. Por uma série de razões, o intervalo de tempo entre a conjunção e a primeira visão da nova lua é considerável. Conforme o Dr. Sacha Stern explica, “o intervalo de tempo entre a conjunção e a primeira noite de visibilidade é com freqüência tão longo quanto um dia (24 horas); oscilando, porém, nas latitudes mediterrâneas entre um mínimo de aproximadamente 15 horas e um máximo de bem mais de dois dias.” (S. Stern, Calendário e Comunidade, Editora da Universidade de Oxford, 2001, pág. 100) Os resultados das verificações modernas dos primeiros crescentes lunares registrados nas tabuinhas astronômicas babilônicas de 568 a 74 AEC são apresentados por Uroš Anderlič em “Confronto das Datas dos Primeiros Crescentes Lunares de L. Fatoohi”, disponível na internet em:

http://www.univie.ac.at/EPH/Geschichte/First_Lunar_Crescents/Main-Comp-Fatoohi-Anderlic.htm

Assim, a nova lua pode não ter sido vista nem na noite de 2 de maio. O primeiro momento de visibilidade da nova lua foi na noite de 3 de maio, conforme dito acima. Assumindo que esta incrivelmente tardia data para 1º de nisanu esteja correta, constatamos que a nova lua apareceu atrás da constelação de Touro nesta noite (a de 3 de maio) entre o pôr-do-sol (aproximadamente às 18h36min) e o pôr da lua (aproximadamente às 20h05min.) Mas ela estava mais próxima da constelação de Gêmeos do que da constelação de Touro, de modo que a posição da lua ainda não se ajusta muito bem.

Em conclusão, as duas datas para 1º de nisanu (1º e 2 de maio) que Furuli realmente usa em seus cálculos são impossíveis. E se ele tivesse usado a data de 3 de maio como a data para 1º de nisanu, isso ainda não o ajudaria muito, já que todas as três datas são inaceitavelmente tardias para o começo do ano babilônico.

(2) A linha 3 do anverso diz: “Noite do dia 9 (erro para: 8), começo da noite, a lua ficou 1 cúbito [= 2º] em frente [= a oeste] de β Virgem.

8 de nisanu = 29/30 de abril de 568 AEC :

Em 568 AEC o dia 8 de nisanu caiu em 29/30 de abril. No começo da noite de 29 de abril a lua ficou a cerca de 3,6º a noroeste de β Virgem, ou a aproximadamente 2º a oeste (em frente de) e 3º ao norte (acima) da estrela. Isto se ajusta muito bem à medição babilônica de 2º que é, naturalmente, um número um tanto aproximado e arredondado.

A data de Furuli: 9 de nisanu = 11 de maio de 588 AEC:

Como Furuli data (erroneamente) o 1º de nisanu em 2 de maio de 588, ele deveria datar o dia 8 e o dia 9 de nisanu em 9 de maio e 10 de maio, respectivamente. Porém, ele move as datas um dia à frente, para 10 de maio e 11 de maio, respectivamente, conforme é mostrado em sua tabela ao pé da página 313 do livro. Com base neste erro, ele alega que, “Em 9 de nisanu [11 de maio], “a lua ficou 1 cúbito (2º) em frente de β Virgem, exatamente como a tabuinha diz.” (Furuli, pág. 313)

Mas isso também está errado. No “começo da noite” de 11 de maio de 588 a lua ficou, não a oeste (em frente de,) mas bem ao leste (atrás) de β Virgem (aproximadamente a 13º a leste desta estrela às 20h00min.) Para aumentar a confusão, a posição de altitude/azimute da lua nas duas colunas à direita da tabela de Furuli também está errada, pois ela mostra a posição perto da meia-noite, não “no começo da noite”, como a tabuinha diz.

(3) Linha 8 do anverso: “Dia 1º do mês II (o qual veio depois do dia 30 do mês anterior), a lua se tornou visível enquanto o sol estava lá, 4 cúbitos [= 8º] abaixo de β Gêmeos.”

1º de ayaru = 22/23 de maio de 568 AEC:

Em 568 AEC o 1º dia do mês II (ayaru) caiu em 22/23 de maio. O intervalo entre o pôr-do-sol naquela noite (aproximadamente às 18h49min) e o pôr da lua (aproximadamente às 20h46min) foi de cerca de 117 minutos. Este intervalo entre a lua e o sol foi longo o suficiente para que a nova lua se tornasse visível enquanto o sol ainda “estava lá”, isto é, logo acima do horizonte. No momento de seu aparecimento, a nova lua ficou aproximadamente a 7,3º ao sul (abaixo) de β Gêmeos, o que é muito próximo da posição fornecida na tabuinha.

A data de Furuli: 1 de ayaru = 1 de junho de 588 AEC:

Uma vez que Furuli datou o dia 1º de nisanu em 1º de maio, e depois em 2 de maio, o dia 1º de ayaru cairia um mês lunar depois. Furuli (na pág. 314) o data em 1º de junho. Entretanto, isso entra em conflito com suas datas anteriores, porque se o dia 1º de nisanu começou na noite de 1º de maio, como ele defende no começo (na pág. 296 do livro) e se o mês de nisanu teve 30 dias como a tabuinha diz, ele deveria ter datado o dia 1º de ayaru em 31 de maio. Mas, devido a ele depois mudar a data do começo do dia 1º de nisanu para a noite de 2 de maio (pág. 312,) ele agora pode datar o dia 1º de ayaru em 1º de junho. Ocorre que, conforme já foi salientado, a data de 2 de maio para 1º de nisanu também é inaceitável, uma vez que a lua só se tornou visível em 3 de maio.

A escolha do dia 1º de junho por Furuli parece ser devida ao fato de que a nova lua não poderia ser vista até esse dia. Ela se tornou visível ao pôr-do-sol (aproximadamente às 18h56min) a cerca de 9,7º abaixo de β Gêmeos. Isso não é “exatamente 4 cúbitos abaixo” desta estrela, como Furuli diz (na pág. 314) mas perto de 5 cúbitos abaixo da estrela. Ainda assim, esta seria uma aproximação aceitável, se a data estivesse correta. Mas ela não só está em conflito com a datação que Furuli faz do dia 1º de nisanu em 1º de maio; como também o mês de ayaru nunca começou tão tarde no ano quanto em junho. Além disso, a posição de altitude/azimute que Furuli fornece em sua tabela (+ 54 e 256) está errada também, pois ela não mostra a posição da lua ao pôr-do-sol, e sim onde a lua estava aproximadamente às 15h16min, quando ainda estava invisível. Realmente, os números de Furuli para a posição de altitude/azimute no momento da observação estão errados com tanta freqüência que eles serão ignorados daqui em diante. O único detalhe que se ajusta bem à declaração na tabuinha, então, é a posição da lua. Todo o resto está errado.

(4) Linha 12 do anverso: “Mês III, (o primeiro dia do qual foi idêntico ao) dia 30 (do mês anterior), a lua se tornou visível atrás de Câncer; ela era espessa; do pôr-do-sol ao pôr da lua: 20º [= 80 minutos].”

1º de simanu = 20/21 de junho de 568 AEC:

Em 568 AEC o dia 1º do mês III (simanu) caiu em 20/21 de junho. O dia 1º começou à noite depois do pôr-do-sol de 20 de junho. Naquele momento a nova lua se tornou visível atrás (= a leste) de Câncer, exatamente como a tabuinha diz. Segundo meu software de astronomia, o intervalo do pôr-do-sol ao pôr da lua foi de aproximadamente 23º (= 92 minutos; o pôr-do-sol tendo ocorrido aproximadamente às 19h06min e o pôr da lua aproximadamente às 20h38min.) Isso não está muito distante da medição dos astrônomos babilônicos. A discrepância de 3º é aceitável em vista dos instrumentos primitivos que eles parecem ter usado. Conforme N. M. Swerdlow sugeriu, “as medições podem ter sido feitas com algo tão simples quanto uma vara graduada presa na extensão do braço.” (N. M. Swerdlow, A Teoria Babilônica dos Planetas, Editora da Universidade de Princeton, 1998, págs. 40, 187)

A data de Furuli: 1º de simanu = 30 de junho de 588 AEC:

Já que Furuli datou o 1º de ayaru em 1º de junho, e uma vez que a tabuinha mostra que ayaru teve 29 dias, ele deveria datar o dia 1º de simanu em 30 de junho, o que ele faz. E é verdade que nós realmente encontramos a lua atrás de Câncer nesta data. Furuli declara que “ela estava 6º à esquerda (atrás) do centro de Câncer, assim a correspondência é excelente.” Mas ele tem de acrescentar imediatamente que “ela estava tão perto do sol que não era visível.” (Furuli, pág. 315. Ênfase acrescentada.)

A razão é que a conjunção tinha ocorrido mais cedo naquele mesmo dia, aproximadamente às 03h30min. (H. H. Goldstine, op. cit., pág. 35) À noite o intervalo de tempo entre o pôr-do-sol (aproximadamente às 19h09min) e o pôr da lua (aproximadamente às 19h32min) não foi nem de 23 minutos, isto é, menos de 6º. Assim a lua estava perto demais do sol para ser visível. Furuli não comenta o fato de que a tabuinha fornece o intervalo entre o pôr-do-sol e o pôr da lua como sendo 20º (80 minutos), o que mostra que em 1º de simanu a lua estava longe o bastante do sol durante a observação para ser visível, ao contrário da situação na noite de 30 de junho de 588. Só esta razão já desqualifica a data de Furuli.

(5) Linha 14 do anverso: “Noite do dia 5, começo da noite, a lua passou em direção ao leste 1 cúbito [2º] <acima/abaixo> da estrela brilhante no fim da pata do Leão [= β Virgem.]”

5 de simanu = 24/25 de junho de 568 AEC:

Em 568 AEC o dia 5 de simanu caiu em 24/25 de junho, segundo as tabelas de R. A. Parker & W. H. Dubberstein (A Cronologia Babilônica, 1956, pág. 28.) Na noite do dia 24, a lua passou em direção ao leste aproximadamente a 2º ao norte de γ Virgem, não de β Virgem. Assim, temos aqui um problema. Ou o erudito babilônico errou o nome da estrela, ou ele errou na data da observação por um dia. Na noite anterior (a do dia 23), a lua passou a aproximadamente 4º acima (ao norte) de β Virgem. Assim, Johannes Koch traduz o dia 5 de simanu como 23 de junho do calendário juliano e calcula que na noite desse dia, às 22h36min, a lua estava 4º 17’ acima e 0º 55’ atrás de β Virgem. (Veja J. Koch, “Zur Bedeutung von LÁL in den ‘Astronomical Diaries’ und in der Plejaden-Schaltregel”, Revista de Estudos Cuneiformes, Vol. 49, 1997, pág. 88.)

A data de Furuli: 5 de simanu = 4 de julho de 588 AEC:

Furuli data o dia 5 de simanu em 4 de julho de 588 AEC. Ele alega (na pág. 315) que nesta data “a correspondência é excelente: A lua passou a 1 cúbito (2º) acima de β Virgem.” Infelizmente, não foi assim que ocorreu. Quando o dia babilônico começou (ao pôr-do-sol, aproximadamente às 19h10min) a lua já estava a aproximadamente 2 cúbitos ½ (5o) atrás (ao leste) de β Virgem. Ela tinha passado acima de β Virgem cerca de 12 horas antes, no período da manhã, antes de a lua nascer, mas isso teria sido em 4 de simanu, não em 5 de simanu. Assim a correspondência com a tabuinha está longe de ser “excelente”.

(6) Linha 15 do anverso: “Noite do dia 8, primeira parte da noite, a lua ficou 2½ cúbitos [= 5º] abaixo de β Libra.”

8 de simanu = 27/28 de junho de 568 AEC:

Em 568 AEC o dia 8 de simanu caiu em 27/28 de junho. Meu software de astronomia mostra que no começo da noite de 27 de junho a lua ficou a aproximadamente 4,5º ao sul de β Libra, o que é muito próximo da posição fornecida na tabuinha.

A data de Furuli: 8 de simanu = 7 de julho de 588 AEC:

Furuli, que data o dia 8 de simanu em 7 de julho de 588 AEC, alega (na pág. 316) que naquele dia a lua “estava 2 cúbitos ½ abaixo de β Libra, de modo que a correspondência é excelente.” De novo, Furuli está errado. Na “primeira parte da noite” de 7 de julho de 588 AEC a lua ficou tantos quantos aproximadamente 6 cúbitos (12º) a oeste (isto é, longe de ter ficado abaixo) de β Libra. Ela estava, na verdade, mais perto da constelação de Virgem do que da constelação de Libra. Assim, a data de Furuli não corresponde de modo algum.

(7) Linha 16 do anverso: “Noite do dia 10, primeira parte da noite, a lua estava 3 ½ cúbitos [= 7º] diretamente acima de α Escorpião.”

10 de simanu = 29/30 de junho de 568 AEC:

Em 568 AEC o dia 10 de simanu caiu em 29/30 de junho. Na primeira parte da noite do dia 29, a lua ficou cerca de 8º acima (ao norte) de α Escorpião, o que é muito próximo da posição descrita na tabuinha.

A data de Furuli: 10 de simanu = 10 de julho de 588 AEC:

Visto que Furuli tinha datado o dia 8 de simanu em 7 de julho, ele deveria ter datado o dia 10 de simanu em 9 de julho de 588. Mas estranhamente, ele o traduz errado, colocando-o em 10 de julho e alega (na pág. 317:): “A lua estava 3 cúbitos ½ (7o) acima de α Escorpião, de modo que a correspondência é excelente.” Mas na “primeiro parte da noite” daquele dia, a lua estava mais de 5 cúbitos (10oa nordeste de α Escorpião. E mesmo que recuemos até o começo da noite de 9 de julho, a lua naquele momento estava a aproximadamente 5 cúbitos (10oa noroeste de α Escorpião. Não estaria correto dizer a respeito de qualquer uma destas posições lunares que  “a correspondência é excelente”. Nenhuma delas corresponde.

(8) Linha 17 do anverso: “Dia 15, um deus foi visto com o outro; do nascer do sol ao pôr da lua: 7º 30’ [= 30 minutos]. Um eclipse lunar que foi omitido […]”

15 de simanu = 4/5 de julho de 568 AEC:

Em 568 AEC o dia 15 de simanu caiu em 4/5 de julho. A expressão “um deus foi visto com o outro” faz referência à situação na qual o sol e a lua são visíveis ao mesmo tempo, estando em oposição um ao outro. Esta foi a situação de manhã cedo no dia 5 de julho. Do nascer do sol no leste, aproximadamente às 04h51min, ao pôr da lua no oeste, aproximadamente às 05h24min, ou seja, durante pelo menos 33 minutos “um deus foi visto com o outro.” Este intervalo está muito próximo do que está registrado na tabuinha, 7º 30′, ou 30 minutos.

A linha 17 registra também “um eclipse lunar que foi omitido […]”, uma expressão que costumava ser usada para descrever um eclipse que tinha sido previsto antecipadamente, e que seria invisível do horizonte de Babilônia. O texto está um pouco danificado, mas a referência é obviamente ao eclipse lunar de 4 de julho de 568 AEC, o qual, segundo os cálculos modernos, começou por volta das 12h50min e durou até 14h52min, hora local. Como ele ocorreu no início da tarde, um momento em que a lua estava abaixo do horizonte, ele não pôde ser visto de Babilônia.

A data de Furuli: 15 de simanu = 15 de julho de 588 AEC:

Furuli data o dia 15 de simanu em 15 de julho de 588 AEC. É verdade que houve um eclipse lunar nesse dia, que foi invisível do horizonte de Babilônia. Furuli alega na página 317 que “os eclipses de 15 de julho de 588; 4 de julho de 568; e 24 de junho de 586, ocorreram todos no dia 15 de simanu e correspondem à descrição.” Entretanto, os intervalos de tempo entre o nascer do sol e o pôr da lua nas datas de 588 e 586 não correspondem de modo algum às informações na tabuinha. Em 15 de julho de 588 o pôr da lua (às 04h50min) ocorreu aproximadamente cinco minutos antes do nascer do sol (às 04h55min) de modo que os dois “deuses” não poderiam ter sido vistos um junto com o outro naquele dia. E esta mesma situação ocorreu em 24 de junho de 586 AEC. Portanto, das três alternativas, somente o dia 4 de julho de 568 AEC se ajusta às informações descritas na tabuinha.

A propósito, a tradução que Hunger fez da linha 18 do anverso deve ser corrigida. Ela diz: “[… a lua estava a]baixo da estrela brilhante no fim da pata do [Leão] […].”

Os sinais dentro dos colchetes estão ilegíveis e o texto teve de ser reconstituído por Hunger. Porém, como ele mesmo explicou depois, a palavra “lua” era só um palpite que ele não tinha confirmado. Os cálculos modernos mostram que se o número do dia (que também está faltando) era 16 (5/6 de julho), o corpo celeste que estava abaixo da “estrela luminosa no fim da pata do Leão” (= β Virgem) deve ter sido Vênus, não a lua. Isso foi depois salientado também por Johannes Koch (JCS 49, 1997, pág. 84, nota 7, e pág. 89.) Todavia, Koch calcula que na primeira parte da noite de 5 de julho Vênus estava  0º 02′ acima e 1º 06′ atrás de β Virgem, ao passo que o software SkyMap Pro 11 mostra que naquele momento Vênus não estava  0º 02′ acima, e sim aproximadamente 0º 64′ abaixo e aproximadamente 0º 89′ atrás de β Virgem. Estes resultados correspondem muito bem com a tabuinha.

(9) Linha 5 do reverso: “Mês XI, (o 1º dia do qual foi idêntico ao) dia 30 (do mês anterior), a lua se tornou visível em Andorinha; do pôr-do-sol ao pôr da lua: 14º 30’ [58 minutos]; o vento do norte soprou. A essa hora, Júpiter estava 1 cúbito atrás do cotovelo de Sagitário […]”

1 de shabatu = 12/13 de fevereiro de 567 AEC:

Em 568/567 AEC o primeiro dia do mês XI (shabatu) caiu em 12/13 de fevereiro de 567 AEC. No dia 12, o intervalo entre o pôr-do-sol (aproximadamente às 17h44min) e o pôr da lua (aproximadamente às 18h53min) foi de 69 minutos (17º 15’) ou 11 minutos (2º 45’) a mais do que o intervalo fornecido na tabuinha, 58 minutos. Segundo a tabuinha, a nova lua se tornou visível depois do pôr-do-sol “em Andorinha”.

A “Andorinha” cobria, ou incluía uma parte da constelação de Peixes. A extensão exata da “Andorinha” não é muito clara. Mas ela incluía um grupo de estrelas chamado “DUR SIM-MAH (fita da andorinha)” que incluía pelo menos as estrelas δ, ε, e ζ Peixes, e talvez também mais algumas estrelas. Faz-se referência à “fita da andorinha” em mais uns doze relatórios astronômicos datando de 567 a 78 AEC, e estes foram úteis para localizar pelo menos algumas estrelas do grupo. (Alexander Jones, “Um Estudo das Observações Babilônicas de Planetas Próximos a Estrelas Normais”, Arquivo Para a História das Ciências Exatas, Vol. 58, 2004, págs. 483, 490) Então a “Andorinha” abrangia pelo menos a “fita da andorinha”, de modo que se estendia na direção oeste, ao longo da constelação de Peixes.

A discussão que Furuli faz sobre SIM e SIM MAH na página 296 está muito malfeita, pois ele tenta confundir o assunto, fazendo referência a alguns conceitos antigos, sem dizer que esses conceitos foram abandonados há muito tempo. Isto é verdade no caso da sugestão de Kugler, feita lá em 1914, de que SIM-MAH se aplica à região noroeste da constelação de Aquário. Para se apoiar, Furuli afirma que dois eruditos modernos, Enn Kasak e Raul Veede, num artigo publicado em 2001, aplicam SIM ao “Touro do Céu” (a constelação de Touro). Eles não fazem isso! No artigo deles (disponível na internet: http://folklore.ee/folklore/vol16/planets.pdf) eles não mencionam SIM em momento algum! Furuli também faz referência à conclusão de van der Waerden (1974) de que SIM se aplica à “parte sudoeste de Peixes” – como se isso fosse mais um conceito diferente. O fato é que a conclusão de Waerden não está em conflito com a de outros eruditos modernos, incluindo Jones, Hunger e Pingree. A impressão que Furuli tenta criar é que os eruditos modernos discordam amplamente sobre a identidade de SIM e SIM MAH. Esta impressão é falsa. Todos concordam que SIM abrangia ou incluía uma parte da constelação de Peixes.

Meu software de astronomia mostra que depois do pôr-do-sol, na noite de 12 de fevereiro de 567 AEC, a nova lua se tornou visível em Peixes, aproximadamente a meio caminho entre α Peixes no sul e γ Peixes no oeste e aproximadamente 8,5º abaixo do centro do arco ocidental de Peixes. A afirmação de Furuli de que a lua naquela hora estava “13º abaixo da parte central de Peixes” não está correta. A alegação dele de que a posição tem “uma correspondência um tanto imprecisa” é totalmente fora de propósito, principalmente em vista de sua declaração de que “a correspondência é excelente” quando ele se refere à posição lunar de sua data preferida (22 de fevereiro de 587) a “9º abaixo da parte central de Peixes.”

Não pode haver qualquer dúvida de que a lua em 12 de fevereiro de 567 AEC estava “em Andorinha,” exatamente como é declarado na tabuinha. Naquele momento, Júpiter poderia ter sido visto em Sagitário, como a tabuinha diz.

A data de Furuli: 1º de shabatu = 22 de fevereiro de 587 AEC:

A data de Furuli para 1º de shabatu é 22 de fevereiro de 587 AEC. E é verdade que a lua nesse dia estava “em Andorinha.” Um problema com esta data, porém, é que a nova lua ao pôr-do-sol estava tão próxima do sol (menos de 10º) que muito provavelmente ela era invisível. A conjunção tinha ocorrido mais cedo no mesmo dia juliano, aproximadamente à 01h26min. Além disso, Júpiter estava entre Áries e Peixes, distante de Sagitário, que é onde a tabuinha situa o planeta.

(10) Linha 12 do reverso: “Mês XII, dia primeiro do mês (que veio em seguida ao dia 30 do mês anterior), a lua se tornou visível atrás de Áries enquanto o sol ficou lá; do pôr-do-sol ao pôr da lua: 25º [100 minutos], calculado; terra brilhante; o vento do norte soprou.

1º de adaru = 14/15 de março de 567 AEC:

Em 568/567 AEC o primeiro dia do mês XII (adaru) caiu em 14/15 de março de 567 AEC. No dia 14, o intervalo entre o pôr-do-sol (aproximadamente às 18h06min) e o pôr da lua (aproximadamente às 19h50min) foi de 104 minutos (26º), o que está bem próximo da medição babilônica, 25º (100 minutos). A distância entre a lua e o sol foi longa o suficiente para que a lua se tornasse visível antes do pôr-do-sol (“enquanto o sol ficou lá.”) Naquele momento a lua ficou cerca de 15º a sudeste de α Áries, ou seja, parcialmente atrás e parcialmente abaixo da estrela mais brilhante da constelação de Áries. Isso está de acordo no geral com a posição dada na tabuinha.

A data de Furuli: 1º de adaru = 24 de março de 587 AEC:

A data de Furuli para 1º de adaru é 24 de março de 587 AEC. Sobre a posição da lua, Furuli diz (na pág. 321): “A lua estava 13º à esquerda (atrás) de Áries, de modo que a correspondência é excelente.” Isso não está muito correto. Aproximadamente 86 minutos (cerca de 21,5º) antes do pôr-do-sol (“enquanto o sol ficou lá”), a lua ficou aproximadamente a 7º ao sul (sob) da estrela mais próxima de Áries (δ Áries) e aproximadamente 20º a sudeste (ou seja, parcialmente abaixo e parcialmente atrás) de α Áries. Esta posição não é muito exata, mas é aceitável.

(11) Linha 13 do reverso: “Noite do dia 2, a lua estava 4 cúbitos [8º] diretamente abaixo de η Touro.”

2 de adaru = 15/16 de março de 567 AEC:

Em 567 AEC o dia 2 de adaru caiu em 15/16 de março. Na noite do dia 15, aproximadamente às 19h00min, a lua estava 4 cúbitos (8º) diretamente ao sul (abaixo) de η Touro, estrela também conhecida como Alcione, a mais brilhante do aglomerado das Plêiades. Esta posição concorda exatamente com o que está registrado na tabuinha.

A data de Furuli: 2 de adaru = 25 de março de 587 AEC:

Furuli data o dia 2 de adaru em 25 de março de 587 AEC. Na noite desse dia, aproximadamente às 19h00min, a lua estava cerca de 10,5º a sudeste de η Touro, uma posição que não se ajusta muito bem com o que está registrado na tabuinha. A correspondência não é definitivamente “excelente”, como Furuli diz que é (na pág. 321).

(12) Linha 14 do reverso: “Noite do dia 7, a lua foi circundada por um halo; Presépio e α Leão [ficaram] ne[le…]”

7 de adaru = 20/21 de março de 567 AEC:

Em 567 AEC o dia 7 de adaru caiu em 20/21 de março. Na noite do dia 20/21 a lua ficou entre α Leão e Praesepe [presépio, manjedoura, também chamada de “colméia” por alguns astrônomos], este último sendo um aglomerado aberto de estrelas próximo do centro da constelação de Câncer. Como esse aglomerado se estende por uns 23º, o halo deve ter coberto uma área grande no céu. De fato, a linha seguinte da tabuinha (a linha 15) prossegue dizendo que “o halo circundou Câncer e Leão.” Já que a lua ficou entre estas duas constelações, sua posição corresponde ao que se diz na tabuinha.

A declaração de Furuli (pág. 322) de que Câncer “é ou uma constelação ou o signo zodiacal que cobre 30º do céu” é um  anacronismo, pois o cinturão zodiacal só foi dividido em signos de 30º cada muito depois, no período persa.

A data de Furuli: 7 de adaru = 30 de março de 587 AEC:

A data de Furuli para o dia 7 de adaru é 30 de março de 587 AEC. Ele afirma que naquela noite Câncer “estava 4º acima da lua e α Leão estava 13º abaixo da lua”. Porém, Câncer não estava acima e sim à frente (a oeste) da lua, e α Leão não estava abaixo e sim atrás (ao leste) da lua. Porém, uma vez que esta posição lunar era quase a mesma no dia 20/21 de março de 567 AEC, ambas as posições se ajustam à informação na tabuinha.

(13) Linha 16 do reverso: “Dia 12, um deus foi visto com o outro; do nascer do sol ao pôr da lua: 1º 30’ [6 minutos];…”

12 de adaru = 25/26 de março de 567 AEC:

Em 567 AEC o dia 12 de adaru caiu em 25/26 de março. Segundo a tabuinha o nascer do sol ocorreu 1º 30’ – 6 minutos – antes do pôr da lua, significando que um “deus” pôde ser “visto com o outro” de manhã durante seis minutos. Meu software de astronomia mostra que na manhã de 26 de março o sol nasceu aproximadamente às 06h08min e a lua se pôs aproximadamente às 06h11min, ou seja, eles poderiam ser vistos ao mesmo tempo acima do horizonte durante pelo menos 3 minutos, o que está próximo do período especificado na tabuinha.

A data de Furuli: 12 de adaru = 4/5 de abril de 587 AEC:

Furuli entendeu mal o tipo de fenômeno a que a expressão se referiu como “um deus foi visto com o outro”. Ele explica na página 323: “Dizer que um deus (o sol) foi visto com o outro deus (a lua) foi uma maneira de dizer que era lua cheia.”

Embora seja verdade que a lua estava quase cheia quando foi vista com o sol, isto não é exatamente o que a expressão quer dizer. Conforme já foi explicado, isto faz referência à situação em que o sol e a lua ficam em oposição um ao outro – o sol no leste e a lua no oeste – e ambos podem ser vistos simultaneamente acima do horizonte por um curto período de tempo. Já que Furuli não entendeu isso, os comentários dele sobre o texto estão errados e são irrelevantes.

A data de Furuli para o dia 12 de adaru é 4/5 de abril de 587 AEC. Na manhã de 5 de abril o sol nasceu aproximadamente às 05h54min. Mas a lua já tinha se posto aproximadamente às 05h13min, isto é, aproximadamente 41 minutos antes do sol nascer. Assim,  um “deus” não poderia ter sido “visto com o outro” naquela manhã. Portanto, a data de Furuli está errada. Só a data de 567 AEC se ajusta à declaração na tabuinha.

Em resumo, pelo menos 10 das 13 posições lunares examinadas se ajustam muito bem à data 568/567 AEC, uma (a de nº. 10) é aceitável, ao passo que duas (nº. 2 e nº. 5) são aceitáveis com a condição de que as datas sejam recuadas em um dia. Das datas de Furuli em 588/587 AEC somente uma (a de nº. 12) se ajusta bem, enquanto 9 delas não correspondem de modo algum. As três restantes (nº. 9, nº.10 e nº.11) estão longe de terem uma boa correspondência, embora sejam aceitáveis.

A conclusão é que as observações foram feitas em 568/567 AEC. O ano 588/587 AEC está definitivamente fora de questão.

Imagem: Diário VAT 4956 (Museu Britânico)

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