Deus ― Uma Pessoa Real

“Neste misterioso universo, há uma coisa sobre a qual o Homem pode ter certeza. O próprio Homem certamente não é a maior presença espiritual no Universo. Ele só entende o Universo parcialmente, só pode controlá-lo ligeiramente, e manifestamente ele não o trouxe à existência. Sua própria presença no Universo é, para ele, um fato consumado que não veio por meio de qualquer escolha ou ato de sua vontade. Há uma presença no Universo que é espiritualmente maior do que o próprio homem. Esta presença não está contida em algum dos fenômenos, nem na soma total deles.

Na vida humana, o conhecimento não é um fim em si mesmo, e sim um meio para a ação. O conhecimento das verdades é valioso desde que sirva como um guia para a ação que conduz ao objetivo dos esforços humanos… O objetivo do homem é buscar a comunhão com a presença por trás dos fenômenos, e buscá-la com o objetivo de levar seu ser à harmonia com esta realidade espiritual absoluta.”

(Arnold Joseph Toynbee (historiador inglês, 1889-1975) em An Historian’s Approach to Religion [A Religião Vista Por Um Historiador], Oxford University Press, 1956, págs. 273, 286.)

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Apesar de ao longo da história humana ter sempre havido pessoas que não acreditavam em Deus, foi o filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) que procurou aplicar o golpe definitivo, com o conceito da “morte de Deus”, ou seja, o desaparecimento completo dele. Tal ideia veio como um “tsunami” para um grande número de pessoas que agora viam a enorme necessidade de repensar a base de seus valores morais e até mesmo de sua própria existência.

Desde então, boa parte da filosofia moderna tem tratado Deus como nada mais que um conceito, como uma simples “ideia” ou mesmo como um “problema” (‘o problema de Deus na filosofia’), conforme escreve Martin Buber (1878-1975), teólogo considerado como o grande instaurador do humanismo hebraico:

“A filosofia moderna tem contribuído para o processo pelo qual Deus se tornou irreal para o homem contemporâneo… A filosofia, ao negar o caráter real da ideia de Deus, destrói a realidade de nosso relacionamento com Ele. Essa é a diferença entre a religião e o Deus da filosofia. Um Deus examinado e mantido à base da objetividade do pensamento e da abstração não é uma expressão do encontro religioso, e, portanto, não é Deus. Um princípio abstrato jamais pode ser o conteúdo da fé, visto que no sentido mais exato do termo, acreditar significa acreditar em um você. A fé é a ‘decisão pessoal’ pelo você.

A ideia de um eclipse de Deus significa reduzir Deus a um mero objeto de discussão, de dúvida, de reflexão; essa abordagem que esconde de nossos olhos sua presença real e impede o homem de se relacionar com Ele, como um eu com um você, em vez de um eu com um ele. O eclipse de Deus é, portanto, a ausência da relação com Ele. Esta é a doença espiritual básica de nosso tempo.”

(Eclipse of God: Studies in the Relation between Religion and Philosophy [Eclipse de Deus – Estudos na Relação Entre Religião e Filosofia], publicado originalmente em inglês em 1952).

Esse tipo de mentalidade, inculcada tanto na educação como na mídia, tem feito muitas pessoas acharem estranho pensar em Deus como uma pessoa real. Inclusive estranham que alguém que não seja padre fale sobre Deus. Para elas, é um conceito distante e geralmente se limitam a dizer “eu não sou religioso.” Elas esquecem que muitas vezes os seres humanos manifestam sua religiosidade de muitas maneiras, incluindo aquele ditado segundo o qual “não existem ateus nas trincheiras.”

Todavia, devemos lembrar que tanto na tradição do povo de Israel como no Cristianismo, Deus era e continua a sendo uma referência firme. Jesus de Nazaré, por exemplo, não considerava Deus como uma mera força cega ou uma simples ‘ideia’; para ele Deus era tão real que quando orava sempre se dirigia a Ele como Pai. E ele ensinou seus discípulos de que a relação deles com Deus deveria se basear na firme convicção de que estavam tratando com uma pessoa real, cuja palavra e espírito poderiam ajudar agora e ser uma fonte de esperança para o futuro.

Paul Tillich (1886-1965) foi um filósofo e teólogo alemão, cuja obra procura mediar entre o pensamento religioso e o filosófico usando o método de correlação, onde o finito pergunta e o infinito responde. Ao lado de Karl Barth, ele foi um dos teólogos mais influentes do século XX. Ele viu a ascensão do nazismo e, sendo já professor na Universidade de Frankfurt, foi demitido em 1933 por se opor ao regime nazista. Acerca do que poderia significar a fé em Deus, ele escreveu:

“A fé consiste em estar vitalmente interessado na realidade última a que dou o nome simbólico de Deus. Qualquer pessoa que reflita seriamente sobre o significado da vida está à beira de um ato de fé.”

(A History of Christian Thought [História do Pensamento Cristão], Nova Iorque, Simon & Schuster, 1968, pág. 387).

O sentido básico da palavra religião tem mais relação com buscar a Deus e procurar saber a vontade dele de que com a mera adesão a alguma denominação religiosa. Conforme o teólogo e filósofo alemão Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768-1834) defendeu durante toda a sua vida, “religião” não consiste em meros dogmas ou doutrinas, e sim num sentimento interior, um sexto sentido, um saber ou uma percepção íntima da realidade de Deus na vida de alguém (Das Christentum. Wesen und Geschichte [O Cristianismo, Essência e História], Hans Küng, publicado originalmente em alemão em 1994). Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948) expressou algo similar, quando escreveu:

“Por religião, não quero dizer religião formal, ou religião de práticas, e sim aquela que está na origem de todas as religiões, que nos coloca face a face com nosso Criador.”

Todavia, essa convicção pessoal, esse sentimento interior e profundo deve ser acompanhado na vida por um roteiro ético (o bom e o justo). Senão “nada feito”. Por exemplo, Ennio Morricone (1928) compositor e maestro italiano, expressou isso muito bem ao dizer numa entrevista:

“Um crente identifica uma pessoa honesta, altruísta, que respeita Deus e o próximo. Amar aos outros – embora a palavra amar possa parecer forte – mas é assim. Isto é importante. Eu penso verdadeiramente no bem dos outros, que minha maneira de agir não cause mal ao próximo. É perfeitamente normal para mim fazer algo por respeito à pessoa com quem me encontro.”

(Em entrevista publicada na revista Credere [Crer], em julho de 2015).

Sentir Deus como uma pessoa real pode ser difícil em uma sociedade secular, mas não é impossível. A experiência mostra que a paz e a esperança interior foram possíveis, até mesmo em horríveis campos de concentração. Por mais que este mundo queira relegar Deus a uma simples ideia, a um “sentimento íntimo”, ou mesmo ao silêncio, um coração cheio dele jamais deixará de senti-lo como alguém muito próximo. De fato, as Escrituras dizem que “Deus não está longe de cada um de nós” (Atos 17:27). Conforme Paul Tillich (1886-1965) escreveu, expressando o desejo de que Deus deixasse de ser um tabu:

“Espero o dia em que todos possam falar novamente sobre Deus sem sentir vergonha.”

[Imagem e Crédito: Nebulosa IC 5067 ― Telescópio Subaru (Observatório Astronômico Nacional do Japão). Imagem processada por Roberto Colombari]

Artigo original (em espanhol)

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