Na Expectativa da Volta de Cristo

A doutrina da Segunda Vinda nos ensina que não sabemos e não temos como saber quando o drama do mundo terminará. A cortina pode descer a qualquer momento: digamos, antes de você terminar de ler este parágrafo. Para algumas pessoas, isto parece intoleravelmente frustrante. Tantas coisas seriam interrompidas. Talvez você iria se casar no próximo mês, talvez iria ganhar um aumento na próxima semana; você poderia estar próximo de uma grande descoberta científica; poderia estar desenvolvendo grandes reformas sociais e políticas. Certamente, nenhum Deus bom e sábio seria tão irracional a ponto de cortar tudo isso em breve, seria? Não agora, entre tantos momentos!

Mas nós pensamos assim porque continuamos assumindo que conhecemos a peça. Nós não a conhecemos. Nós nem sequer sabemos se estamos no Primeiro Ato ou no Quinto. Não sabemos quem são os personagens principais e quem são os secundários. O Autor sabe. O público, se houver um público (se anjos, arcanjos e toda a corte celestial encherem o poço da orquestra e as filas), pode ter uma vaga ideia. Mas nós, jamais vendo a peça do lado de fora, jamais conhecendo algum personagem exceto a ínfima minoria que está “escalada” para as mesmas cenas que nós, totalmente ignorantes do futuro e muito mal informados sobre o passado, não podemos dizer em que momento o fim deverá vir. Que ele virá quando for necessário, podemos ter certeza; mas perdemos nosso tempo adivinhando quando será isso. Que isso tem um significado, podemos ter certeza, mas não podemos vê-lo. Quando acabar, poderão contar para nós. Somos levados a esperar que o Autor tenha algo a dizer a cada um de nós sobre o papel que cada um de nós desempenhou. Atuar bem é o que definitivamente importa.

Assim, a doutrina da Segunda Vinda não deve ser rejeitada por entrar em conflito com nossa mitologia moderna favorita. Ela deve ser, por isso mesmo, ainda mais valorizada e mais frequentemente ser tornada um assunto para meditação. Ela é o remédio que nossa condição necessita especialmente.

E com isso, volto ao aspecto prático. Há uma verdadeira dificuldade em dar a essa doutrina o lugar que ela deveria ter em nossa vida cristã sem, ao mesmo tempo, correr certo risco. O medo desse risco provavelmente impede muitos instrutores que aceitam a doutrina de falar muito sobre ela.

Devemos admitir imediatamente que no passado esta doutrina levou os cristãos a tolices bem grandes. Aparentemente, muitas pessoas acham difícil crer neste evento momentoso sem tentar adivinhar sua data, ou mesmo sem aceitar como certeza a data que qualquer impostor ou histérico lhes ofereça. Escrever uma história de todas essas predições fracassadas exigiria um livro, e que livro tragicômico este seria. Uma predição desse tipo estava circulando quando Paulo escreveu sua segunda carta aos tessalonicenses. Alguém tinha dito a eles que “o Dia” estava “aqui”. Aparentemente, isso estava tendo o resultado que essas predições costumam ter: as pessoas estavam ociosas e se portando como intrometidas. Uma das predições mais famosas foi a do pobre William Miller em 1843. Miller (que eu considero ter sido um fanático honesto) datou a Segunda Vinda em ano, dia e até minuto. Um cometa oportuno alimentou a ilusão. Milhares esperaram pelo Senhor à meia-noite de 21 de março e foram para casa tomar um café da manhã tardio no dia 22, seguidos pelas vaias de um bêbado.

É claro que ninguém deseja dizer algo que desperte essa histeria em massa. Nunca devemos falar com pessoas simples e emotivas sobre “o Dia” sem enfatizar vez após vez a total impossibilidade de predição. Devemos tentar mostrar a elas que essa impossibilidade é uma parte essencial da doutrina. Afinal, se você não acredita nas palavras de nosso Senhor, por que acreditará em seu retorno? E se você acredita nelas, não deveria deixar de lado, completamente e para sempre, qualquer esperança de datar esse retorno? O ensino dele sobre o assunto consistia claramente em três proposições: (1) que ele certamente retornará; (2) que não é possível descobrirmos quando; (3) e que, portanto, devemos estar sempre prontos para ele.

Note o portanto. É precisamente porque não podemos predizer o momento, que devemos estar prontos em todos os momentos. Nosso Senhor repetiu essa conclusão prática vez após vez, como se a promessa do Retorno tivesse sido direcionada unicamente a esta conclusão. “Vigiai, vigiai” é o refrão do aviso dele. “Eu virei como um ladrão. Vocês não vão, eu mais do que solenemente asseguro que vocês não notarão minha aproximação. Se o dono da casa soubesse a que horas o ladrão viria, ficaria pronto para ele. Se o serviçal soubesse quando seu empregador ausente voltaria para casa, ele não teria sido encontrado bêbado na cozinha. Mas eles não sabiam, e nem vocês saberão. Portanto, vocês devem estar prontos o tempo todo.

O ponto é certamente bem simples. O estudante não sabe que parte de sua lição sobre Virgílio ele terá de traduzir: é por isso que ele deve estar pronto para traduzir qualquer trecho. O vigia não sabe a que horas um inimigo atacará, ou que um oficial inspecionará seu posto: é por isso que ele deve permanecer desperto o tempo todo. O Retorno de Cristo é totalmente imprevisível. Haverá guerras e rumores de guerras e todo tipo de catástrofes, como sempre houve. As coisas serão, nesse sentido, normais na hora antes de os céus se abrirem como um pergaminho. Não há como adivinhar. Se fosse possível, um propósito principal para o qual isso foi predito seria frustrado. E os propósitos de Deus não são tão facilmente frustrados assim. Os ouvidos devem estar fechados com antecedência para qualquer futuro William Miller. A tolice de ouvi-lo é quase igual à tolice de acreditar nele. Ele não podia saber o que pretendia, ou pensava que sabia.

Sobre essa tolice, George MacDonald escreveu bem. Ele perguntou: “Então aqueles que dizem: ‘Eis aqui ou eis ali os sinais de sua vinda’, acham que estão muito entusiásticos por ele e vigiam sua aproximação? Quando ele lhes diz para vigiar para não encontrá-los negligenciando seu trabalho, eles olham para um lado e para o outro, e vigiam para que ele não consiga vir como um ladrão! A obediência é a única chave da vida”.

A doutrina da Segunda Vinda terá fracassado, no que se refere a nós, se ela não nos fizer perceber que para cada momento de cada ano em nossa vida a pergunta de Donne — “E se a noite de hoje fosse a última do mundo?” — é igualmente relevante.

Às vezes, esta questão tem sido incutida em nossa mente com o objetivo de provocar medo. Não acho que esse seja seu uso correto. Na verdade, estou longe de concordar com os que consideram todos os temores religiosos bárbaros e degradantes e exigem que sejam banidos da vida espiritual. “O perfeito amor”, nós sabemos, “expulsa o medo”. Mas, diversas outras coisas fazem o mesmo: ignorância, álcool, paixão, presunção e estupidez. É bem desejável que todos avancemos até aquela perfeição de amor na qual não mais tenhamos medo; mas é bem indesejável, até chegarmos a esse nível, que permitamos que qualquer agente inferior expulse nosso medo. A objeção a qualquer tentativa de perpétua apreensão sobre a Segunda Vinda é, a meu ver, uma bem diferente, ou seja, que ela certamente não ocorrerá. O medo é uma emoção, e é praticamente impossível — até fisicamente impossível — manter qualquer emoção por muito tempo. Uma empolgação perpétua de esperança da Segunda Vinda é impossível pela mesma razão. A sensação de crise de qualquer tipo é essencialmente transitória. Os sentimentos vêm e vão, e, quando vêm, pode-se fazer um bom uso deles — eles não podem ser nossa dieta espiritual regular.

O importante não é que devamos sempre temer (ou esperar) o Fim, mas que devemos sempre nos lembrar dele, sempre levá-lo em consideração. Uma analogia pode ajudar aqui. Um homem de setenta anos não precisa estar sempre sentindo (muito menos falando) sua morte que se aproxima, mas um homem sábio de setenta anos deve sempre levá-la em consideração. Ele seria tolo se embarcasse em projetos que exigem mais vinte anos de vida; ele seria criminalmente tolo se não tivesse feito — e há muito tempo — seu testamento. Ora, o que a morte é para um homem, a Segunda Vinda é para toda a raça humana. Eu suponho que todos acreditamos que um homem deve “estar à vontade” em relação à própria vida, deve lembrar-se de quão curta, incerta, temporária e provisória ela é; nunca deve colocar todo o coração sobre qualquer coisa que termine quando sua vida acabar. O que os cristãos modernos acham mais difícil lembrar é que toda a vida da humanidade neste mundo também é incerta, temporária e provisória.

Qualquer moralista dirá que o triunfo pessoal de um atleta ou de uma garota num baile é transitório — o ponto é lembrar que um império ou uma civilização também são transitórios. Todos as conquistas e  triunfos, na medida em que são meramente conquistas e triunfos desse mundo, vão se reduzir a nada no final. Aqui, a maioria dos cientistas se junta aos teólogos: a Terra nem sempre será habitável. Embora um homem possa ter uma vida mais longa que outros homens, ele é igualmente mortal. A diferença é que, enquanto os cientistas só esperam uma lenta decadência vinda de dentro, nós contamos com uma interrupção súbita de fora a qualquer momento. (“E se a noite de hoje fosse a última do mundo?”).

Tomadas por si mesmas, essas considerações podem parecer um convite ao relaxamento de nossos esforços pelo bem da posteridade, porém, se nos lembrarmos que o que pode vir sobre nós a qualquer momento não é simplesmente um Fim, mas um Julgamento, elas não devem produzir esse resultado. Elas podem, e devem, corrigir a tendência de alguns na era moderna de falar como se deveres para com a posteridade fossem os únicos deveres que temos. Não posso imaginar homem algum que olhe com mais horror para o Fim do que um revolucionário consciencioso que, com sinceridade, justificou crueldades e injustiças infligidas a milhões de seus contemporâneos a troco de benefícios que ele espera garantir para gerações futuras, gerações que, como um momento terrível agora revela a ele, jamais existirão. Ele então verá os massacres, os julgamentos fingidos, as deportações, todos indelevelmente reais, como uma parte essencial, sua parte, no drama que acaba de chegar ao fim, enquanto a futura Utopia nunca foi nada além de uma fantasia.

A administração frenética de panaceias para o mundo é certamente desencorajada pela reflexão de que a “noite de hoje” pode ser “a última noite do mundo”; o trabalho sóbrio para o futuro, dentro dos limites da moralidade e da prudência ordinárias, não é. Pois o que vem é o Julgamento: felizes são aqueles que ele encontrar trabalhando em suas vocações, quer só estivessem saindo para alimentar os porcos ou elaborando bons planos para livrar a humanidade daqui a cem anos de algum grande mal. A cortina  agora desceu de fato. Esses porcos nunca serão realmente alimentados; a grande campanha contra a Escravidão Branca ou a Tirania Governamental nunca chegará à vitória. Não importa; você estava no seu posto quando chegou o momento da Inspeção.

Nossos ancestrais tinham o hábito de usar a palavra “julgamento” nesse contexto como se ela significasse simplesmente “punição”; daí a expressão popular: “É um julgamento sobre ele”. Creio que às vezes podemos tornar a coisa mais vívida para nós mesmos por entender julgamento em um sentido mais estrito: não como a sentença ou recompensa, e sim como o Veredito. Algum dia (“E se a noite de hoje fosse a última do mundo?”), um veredito absolutamente correto — se você preferir, uma crítica perfeita — será dado sobre o que cada um de nós é.

Todos nós encontramos julgamentos ou vereditos sobre nós mesmos nesta vida. De vez em quando, descobrimos o que nossos semelhantes realmente pensam de nós. Não me refiro, é claro, ao que eles nos dizem diante de nós, ao que geralmente temos de dar um desconto. Estou pensando no que às vezes ouvimos por acaso ou nas opiniões sobre nós que nossos vizinhos, chefes ou subordinados revelam inconscientemente em suas ações, e nos terríveis, ou amáveis, julgamentos ingenuamente dados por crianças ou mesmo animais. Essas descobertas podem ser as experiências mais amargas ou as mais doces que temos. Mas é claro que tanto o amargo quanto o doce são limitados por nossa dúvida quanto à sabedoria dos que julgam. Sempre esperamos que os que tão claramente nos consideram covardes ou valentões sejam ignorantes e maliciosos; nós sempre tememos que os que confiam em nós ou nos admiram sejam enganados pela parcialidade. Suponho que a experiência do Juízo Final (que pode chegar a qualquer momento) será como essas pequenas experiências, mas elevada à enésima potência.

Pois será um julgamento infalível. Se ele for favorável, não teremos medo; se for desfavorável, não há esperança de que esteja errado. Nós não só acreditaremos, nós saberemos, saberemos além de qualquer dúvida em cada fibra de nosso apavorado ou deleitado ser, que, assim como o Juiz disse, assim somos nós: nem mais nem menos nem outra coisa. Talvez até nos apercebamos que, de alguma forma obscura, poderíamos ter sabido disso o tempo todo. Nós saberemos e toda a criação saberá também: nossos ancestrais, nossos pais, nossas esposas ou maridos, nossos filhos. A verdade irrefutável e (naquele momento) auto-evidente sobre cada um será conhecida de todos.

Não acho que imagens de catástrofe física, aquele sinal nas nuvens, aqueles céus enrolados como um pergaminho, ajudem tanto quanto a ideia crua de Julgamento. Nem sempre podemos estar empolgados. Podemos, talvez, treinar-nos para perguntar com frequência cada vez maior como as coisas que estamos dizendo ou fazendo (ou deixando de fazer) a cada momento parecerá quando a luz irresistível incidir sobre elas; aquela luz que é tão diferente da luz deste mundo e, no entanto, mesmo agora, sabemos só o suficiente dela para levá-la em consideração. As mulheres às vezes têm o problema de tentar julgar sob uma luz artificial como é que um vestido ficará à luz do dia. Isso é muito parecido com o problema de todos nós: vestir nossas almas não para as luzes elétricas do mundo atual, mas para a luz do dia do mundo vindouro. A boa vestimenta é aquela que enfrentará essa luz. Pois essa luz durará mais.

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Fonte: The World’s Last Night and Other Essays [A Última Noite do Mundo e Outros Ensaios] (Harcourt, Brace and Company – Nova Iorque, EUA, 1959), págs. 105-113

Imagem em destaque: Vinda Gloriosa de Cristo – Imagens Bíblicas (http://biblicasimagens.blogspot.com) – Jan/2012

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